Fanfic: A Escrava Isaura
Capítulo 1
Era
nos primeiros anos do reinado do Sr. D. Pedro II.
No
fértil e opulento município de Campos de Goitacases, à margem
do Paraíba, a pouca distância da vila de Campos, havia
uma linda
e magnífica fazenda.
Era
um edifício de harmoniosas proporções, vasto e luxuoso,
situado em aprazível vargedo ao sopé de elevadas
colinas cobertas
de mata em parte devastada pelo machado do lavrador.
Longe em
derredor a natureza ostentava‑se ainda em toda a sua
primitiva e selvática
rudeza; mas por perto, em torno da deliciosa vivenda,
a mão do
homem tinha convertido a bronca selva, que cobria o solo,
em jardins e
pomares deleitosos, em gramais e pingues pastagens,
sombreadas aqui
e acolá por gameleiras gigantescas, perobas, cedros e
copaíbas, que
atestavam o vigor da antiga floresta. Quase não se via
aí muro, cerca,
nem valado; jardim, horta, pomar, pastagens, e
plantios circunvizinhos
eram divididos por viçosas e verdejantes sebes de
bambus, piteiras,
espinheiros e gravatás, que davam ao todo o aspecto do
mais aprazível e
delicioso vergel.
A
casa apresentava a frente às colinas. Entrava‑se nela por um
lindo alpendre todo enredado de flores trepadeiras, ao
qual subia‑se por
uma escada de cantaria de seis a sete degraus. Os
fundos eram ocupados
por outros edifícios acessórios, senzalas, pátios,
currais e celeiros, por
trás dos quais se estendia o jardim, a horta, e um
imenso pomar, que ia
perder‑se na barranca do grande rio.
Era
por uma linda e calmosa tarde de outubro. O Sol não era
ainda posto, e parecia boiar no horizonte suspenso
sobre rolos de espuma
de cores cambiantes orlados de fêveras de ouro. A
viração saturada de
balsâmicos eflúvios se espreguiçava ao longo das
ribanceiras
acordando apenas frouxos rumores pela copa dos
arvoredos, e fazendo
farfalhar de leve o tope dos coqueiros, que miravam‑se
garbosos nas
lúcidas e tranqüilas águas da ribeira.
Corria
um belo tempo; a vegetação reanimada por moderadas
chuvas ostentava‑se fresca, viçosa e luxuriante; a
água do rio ainda não
turvada pelas grandes enchentes, rolando com majestosa
lentidão, refletia
em toda a pureza os esplêndidos coloridos do
horizonte, e o nítido
verdor das selvosas ribanceiras. As aves, dando
repouso ás asas
fatigadas do contínuo voejar pelos pomares, prados e
balsedos vizinhos,
começavam a preludiar seus cantos vespertinos.
O
clarão do Sol poente por tal sorte abraseava as vidraças do
edifício, que esse parecia estar sendo devorado pelas
chamas de um
incêndio interior. Entretanto, quer no interior, quer
em derredor, reinava
fundo silêncio, e perfeita tranqüilidade. Bois
truculentos, e médias novilhas
deitadas pelo gramal, ruminavam tranqüilamente à
sombra de
altos troncos. As aves domésticas grazinavam em tomo
da casa, balavam
as ovelhas, e mugiam algumas vacas, que vinham por si
mesmas procurando
os currais; mas não se ouvia, nem se divisava voz nem
figura
humana. Parecia que ali não se achava morador algum.
Somente as
vidraças arregaçadas de um grande salão da frente e os
batentes da
porta da entrada, abertos de par em par, denunciavam
que nem todos
os habitantes daquela suntuosa propriedade se achavam
ausentes.
A
favor desse quase silêncio harmonioso da natureza ouvia‑se
distintamente o arpejo de um piano casando‑se a uma
voz de mulher, voz
melodiosa, suave, apaixonada, e do timbre o mais puro
e fresco
que se pode imaginar.
Posto
que um tanto abafado, o canto tinha uma vibração sonora,
ampla e volumosa, que revelava excelente e vigorosa
organização vocal.
O tom velado e melancólico da cantiga parecia gemido
sufocado de
uma alma solitária e sofredora.
Era
essa a única voz que quebrava o silêncio da vasta e tranqüila
vivenda. Por fora tudo parecia escutá‑la em místico e
profundo recolhimento.
As
coplas, que cantava, diziam assim:
Desd`o berço respirando
Os ares da escravidão,
Como semente lançada
Em terra de maldição,
A vida passo chorando
Minha triste condição.
Os meus braços estão presos,
A ninguém posso abraçar,
Nem meus lábios, nem meus olhos
Não podem de amor falar;
Deu‑me Deus um coração
Somente para penar.
Ao ar livre das campinas
Seu perfume exala a flor;
Canta a aura em liberdade
Do bosque o alado cantor;
Só para a pobre cativa
Não há canções, nem amor.
Cala‑te, pobre cativa;
Teus queixumes crimes são;
E uma afronta esse canto,
Que exprime tua aflição.
A vida não te pertence,
Não é teu teu coração.
As
notas sentidas e maviosas daquele cantar escapando pelas
janelas abertas e ecoando ao longe em derredor, dão
vontade de conhecer
a sereia que tão lindamente canta. Se não é sereia,
somente um anjo
pode cantar assim.
Subamos
os degraus, que conduzem ao alpendre, todo engrinaldado
de viçosos festões e lindas flores, que serve de
vestíbulo ao edifício.
Entremos sem cerimônia. Logo à direita do corredor
encontramos
aberta uma larga porta, que dá entrada à sala de
recepção, vasta e
luxuosamente mobiliada. Acha‑se ali sozinha e sentada
ao piano uma
bela e nobre figura de moça. As linhas do perfil
desenham‑se
distintamente entre o ébano da caixa do piano, e as
bastas madeixas ainda
mais negras do que ele. São tão puras e suaves essas
linhas, que fascinam
os olhos, enlevam a mente, e paralisam toda análise. A
tez é como
o marfim do teclado, alva que não deslumbra, embaçada
por uma
nuança delicada, que não sabereis dizer se é leve
palidez ou cor‑de‑rosa
desmaiada. O colo donoso e do mais puro lavor sustenta
com graça
inefável o busto maravilhoso. Os cabelos soltos e
fortemente ondulados
se despenham caracolando pelos ombros em espessos e
luzidios rolos, e
como franjas negras escondiam quase completamente o
dorso da
cadeira, a que se achava recostada. Na fronte calma e
lisa como mármore
polido, a luz do ocaso esbatia um róseo e suave
reflexo; di‑la‑íeis misteriosa
lâmpada de alabastro guardando no seio diáfano o fogo
celeste da inspiração.
Tinha a face voltada para as janelas, e o olhar vago
pairavalhe pelo espaço.
Os
encantos da gentil cantora eram ainda realçados pela singeleza,
e diremos quase pobreza do modesto trajar. Um vestido
de chita ordinária
azul‑clara desenhava‑lhe perfeitamente com encantadora
simplicidade o
porte esbelto e a cintura delicada, e desdobrando‑se‑lhe
em roda amplas
ondulações parecia uma nuvem, do seio da qual se
erguia
a cantora como Vênus nascendo da espuma do mar, ou
como um
anjo surgindo dentre brumas vaporosas. Uma pequena
cruz de azeviche
presa ao pescoço por uma fita preta constituía o seu
único ornamento.
Apenas
terminado o canto, a moça ficou um momento a cismar
com os dedos sobre o teclado como escutando os
derradeiros ecos da
sua canção.
Entretanto
abre‑se sutilmente a cortina de cassa de uma das portas
interiores, e uma nova personagem penetra no salão.
Era também uma
formosa dama ainda no viço da mocidade, bonita, bem
feita e elegante.
A riqueza e o primoroso esmero do trajar, o porte
altivo e senhoril,
certo balanceio afetado e langoroso dos movimentos
davam‑lhe esse ar
pretensioso, que acompanha toda moça bonita e rica,
ainda mesmo
quando está sozinha. Mas com todo esse luxo e donaire
de grande senhora
nem por isso sua grande beleza deixava de ficar algum
tanto
eclipsada em presença das formas puras e corretas, da
nobre singeleza,
e dos tão naturais e modestos ademanes da cantora.
Todavia Malvina
era linda, encantadora mesmo, e posto que vaidosa de
sua formosura e
alta posição, transluzia‑lhe nos grandes e meigos
olhos azuis toda a
nativa bondade de seu coração.
Malvina
aproximou‑se de manso e sem ser pressentida para junto
da cantora, colocando‑se por detrás dela esperou que
terminasse a
última copia.
-
Isaura!... disse ela pousando de leve a delicada mãozinha sobre
o ombro da cantora.
-
Ah! é a senhora?! - respondeu Isaura voltando‑se sobressaltada.
- Não sabia que
estava aí me escutando.
-
Pois que tem isso?.., continua a cantar... tens a voz tão bonita!...
mas eu antes quisera que cantasses outra coisa; por
que é que você gosta
tanto dessa cantiga tão triste, que você aprendeu não
sei onde?...
-
Gosto dela, porque acho‑a bonita e porque... ah! não devo falar...
-
Fala, Isaura. Já não te disse que nada me deves esconder, e nada
recear de mim?...
-
Porque me faz lembrar de minha mãe, que eu não conheci,
coitada!... Mas se a senhora não gosta dessa cantiga,
não a cantarei mais.
-
Não gosto que a cantes, não, Isaura. Hão de pensar que és
maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de
senhores bárbaros e
cruéis. Entretanto passas aqui uma vida que faria
inveja a muita gente
livre. Gozas da estima de teus senhores. Deram‑te uma
educação, como
não tiveram muitas ricas e ilustres damas que eu
conheço. És formosa,
e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em
tuas veias uma só
gota de sangue africano. Bem sabes quanto minha boa
sogra antes de
expirar te recomendava a mim e a meu marido. Hei de
respeitar sempre
as recomendações daquela santa mulher, e tu bem vês,
sou mais tua
amiga do que tua senhora. Oh! não; não cabe em tua
boca essa cantiga
lastimosa, que tanto gostas de cantar. - Não quero, -
continuou em
tom de branda repreensão, - não quero que a cantes
mais, ouviste,
Isaura?... se não, fecho‑te o meu piano.
-
Mas, senhora, apesar de tudo isso, que sou eu mais do que
uma simples escrava? Essa educação, que me deram, e
essa beleza, que
tanto me gabam, de que me servem?... são trastes de
luxo colocados na
senzala do africano. A senzala nem por isso deixa de
ser o que é: uma
senzala.
-
Queixas‑te da tua sorte, Isaura?...
-
Eu não, senhora; não tenho motivo... o que quero dizer com
isto é que, apesar de todos esses dotes e vantagens,
que me atribuem,
sei conhecer o meu lugar.
-
Anda lá; já sei o que te amofina; a tua cantiga bem o diz. Bonita
como és, não podes deixar de ter algum namorado.
-
Eu, senhora!... por quem é, não pense nisso.
-
Tu mesma; pois que tem isso?... não te vexes; pois é alguma
coisa do outro mundo? Vamos já, confessa; tens um
amante, e é por
isso que lamentas não teres nascido livre para poder
amar aquele que te
agradou, e a quem caíste em graça, não é assim?...
-
Perdoe‑me, sinhá Malvina; - replicou a escrava com um cândido
sorriso. - Está muito enganada; estou tão longe de
pensar nisso!
-
Qual longe!... não me enganas, minha rapariguinha!... tu amas,
e és mui linda e bem prendada para te inclinares a um
escravo; só se
fosse um escravo, como tu és, o que duvido que haja no
mundo. Uma
menina como tu, bem pode conquistar o amor de algum
guapo mocetão,
e eis aí a causa da choradeira de tua canção. Mas não
te aflijas,
minha Isaura; eu te protesto que amanhã mesmo terás a
tua liberdade;
deixa Leôncio chegar; é uma vergonha que uma rapariga
como tu se
veja ainda na condição de escrava.
-
Deixe‑se disso, senhora; eu não penso em amores e muito menos
em liberdade; às vezes fico triste à toa, sem motivo
nenhum...
-
Não importa. Sou eu quem quero que sejas livre, e hás de sê‑lo.
Neste
ponto a conversação foi cortada por um tropel de cavaleiros,
que chegavam e apeavam‑se á porta da fazenda.
Malvina
e Isaura correram à janela a ver quem eram.
Autor(a): remakes
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Comentários da Fanfic 2
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-
lauren Postado em 13/03/2011 - 19:32:07
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passa na minha web
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Comente tb! por favooor -
saulo Postado em 13/03/2011 - 19:05:13
PELO O QUE EU VI, VC É UM FÃ DA TV ABREV.
Abraço!!!