Fanfic: A Escrava Isaura
Capítulo 5
Isaura
despertando de suas pungentes e amargas preocupações.
tomou seu balainho de costura e ia deixar o salão,
resolvida a sumir‑se
no mais escondido recanto da casa, ou amoitar‑se em
algum
esconderijo do pomar. Esperava assim esquivar‑se à
repetição de cenas
indecentes e vergonhosas, como essas por que acabava
de passar. Apenas
dera os primeiros passos foi detida por uma
extravagante e grotesca
figura, que penetrando no salão veio postar‑se diante
de seus olhos.
Era
um monstrengo afetando formas humanas, um homúnculo em
tudo mal construído, de cabeça enorme, tronco
raquítico, pernas curtas
e arqueadas para fora, cabeludo como um urso, e feio
como um mono.
Era como um desses truões disformes, que formavam
parte indispensável
do séquito de um grande rei da Média Idade, para
divertimento
dele e de seus cortesões. A natureza esquecera de lhe
formar o
pescoço, e a cabeça disforme nascia‑lhe de dentro de
uma formidável
corcova, que a resguardava quase como um capuz. Bem
reparado todavia, o
rosto não era muito irregular, nem repugnante, e
exprimia muita
cordura, submissão e bonomia.
Isaura
teria soltado um grito de pavor, se há muito não estivesse
familiarizada com aquela estranha figura, pois era
ele, sem mais nem
menos, o senhor Belchior, fiel e excelente ilhéu, que
há muitos anos
exercia naquela fazenda mui digna e
conscienciosamente, apesar de sua
deformidade e idiotismo, o cargo de jardineiro. Parece
que as flores,
que são o símbolo natural de tudo quanto é belo, puro
e delicado,
deviam ter um cultor menos disforme e repulsivo. Mas
quis a sorte ou o
capricho do dono da casa estabelecer aquele contraste,
talvez para fazer
sobressair a beleza de umas à custa da fealdade do
outro.
Belchior
tinha em uma das mãos o vasto chapéu de palha, que
arrastava pelo chão, e com a outra empunhava. não um
ramalhete, mas
um enorme feixe de flores de todas as qualidades, à
sombra das quais
procurava eclipsar sua desgraciosa e extravagante
figura. Parecia um
desses vasos de louça, de formas fantásticas e
grotescas, que se enchem
de flores para enfeitar bufetes e aparadores.
-
Valha‑me Deus! - pensou Isaura ao dar com os olhos no jardineiro.
- Que sorte é a minha! ainda mais este!... este ao
menos é de
todos o mais suportável: os outros me amofinam, e
atormentam: este as
vezes me faz rir.
-
Muito bem aparecido, senhor Belchior! então, o que deseja?
-
Senhora Isaura, eu... eu... vinha..., - resmungou embaraçado
o jardineiro.
-
Senhora!... eu senhora!... também o senhor pretende caçoar
comigo, senhor Belchior?...
Eu
caçoar com a senhora!... não sou capaz... minha língua seja
comida de bichos, se eu faltar com o respeito devido à
senhora... Vinha
trazer‑lhe estas froles, se bem que a senhora mesma é uma
frol...
-
Arre lá, senhor Belchior!... sempre a dar‑me de senhora!... se
continua por essa forma, ficamos mal, e não aceito as
suas froles... Eu
sou Isaura, escrava da senhora D. Malvina; ouviu,
senhor Belchior!
-
Embora lá isso; e soverana cá deste coração, e eu, menina,
dou‑me por feliz se puder beijar‑te os pés. Olha,
Isaura...
-
Ainda bem! Agora sim; trate‑me desse modo.
-
Olha, Isaura, eu sou um pobre jardineiro, lá isso é verdade; mas
sei trabalhar, e não hás de achar vazio o meu
mealheiro, onde já tenho
mais de meio mil cruzados. Se me quiseres, como eu te
quero,
arranjote a liberdade, e caso‑me contigo, que também
não és para andar
aí assim como escrava de ninguém.
-
Muito obrigada pelos seus bons desejos; mas perde seu tempo,
senhor Belchior. Meus senhores não me libertam por
dinheiro nenhum.
-
Ah! deveras!... que malbados!... ter assim no catibeiro a rainha
da Jermosura!... mas não importa, Isaura; terei mais
gosto em ser escravo
de uma escrava como tu, do que em ser senhor dos
senhores de
cem mil cativos. Isaura!... não fazes idéia de como te
quero. Quando
vou molhar as minhas froles, estou a lembrar‑me de ti
com uma soidade!...
Deveras! ora viu‑se que amor!...
-
Isaura! - continuou Belchior, curvando os joelhos, - tem piedade
deste teu infeliz cativo...
-
Levante‑se, levante‑se, - interrompeu Isaura com impaciência.
- Seria bonito que meus senhores viessem aqui encontrá‑lo
fazendo
esses papéis!... que estou‑lhe dizendo?... ei‑los
aí!... ah! senhor Belchior!
De
feito, de um lado Leôncio, e de outro Henrique e Malvina, os
estavam observando.
Henrique,
tendo‑se retirado do salão, despeitado e furioso contra
seu cunhado, assomado e leviano como era, foi
encontrar a irmã na
sala de jantar, onde se achava preparando o café e ali
em presença dela
não hesitou em desabafar sua cólera, soltando palavras
imprudentes,
que lançaram no espírito da moça o germe da
desconfiança e da
inquietação.
-
Este teu marido, Malvina, não passa de um miserável patife
- disse bufando de raiva.
-
Que estás dizendo, Henrique?!... que te fez ele?... - perguntou
a moça, espantada com aquele rompante.
-
Tenho pena de ti, minha irmã... se soubesses... que
infâmia!...
-
Estás doido, Henrique!... o que há então?
-
Permita Deus que nunca o saibas!... que vilania!...
-
O que houve então, Henrique?... fala, explica‑te por quem és,
- exclamou Malvina, pálida e ofegante no cúmulo da
aflição.
-
Oh! que tens?... não te aflijas assim, minha irmã, - respondeu
Henrique, já arrependido das loucas palavras que havia
soltado. Tarde
compreendeu que fazia um triste e deplorável papel,
servindo de
mensageiro da discórdia e da desconfiança entre dois
esposos, que até ali
viviam na mais perfeita harmonia e tranquilidade.
Tarde e em
vão procurou atenuar o terrível efeito de sua fatal
indiscrição.
-
Não te inquietes, Malvina, continuou ele procurando sorrir‑se;
- teu marido é um formidável turrão, eis aí tudo; não
vás pensar que
nos queremos bater em duelo.
-
Não; mas vieste espumando de raiva, com os olhos em fogo, e
com um ar...
-
Qual!... pois não me conheces?... sempre fui assim; por - dá
cá aquela palha - pego fogo, mas também é fogo de
palha.
-
Mas pregaste‑me um susto!...
-
Coitada!... toma isto, - disse‑lhe Henrique, oferecendo‑lhe
uma xícara de café, é a melhor coisa que há para
aplacar sustos e
ataques de nervos.
Malvina
procurou acalmar‑se, mas as palavras do irmão tinham‑lhe
penetrado no âmago do coração, como a dentada de uma
víbora, aí
deixando o veneno da desconfiança.
O
aparecimento de Leôncio, que vinha do salão, pôs termo a este
incidente. Os três tomaram café à pressa e sem
trocarem palavras; estavam
já ressabiados uns com outros, olhavam‑se com
desconfiança, e de
um momento para outro a discórdia insinuara‑se no seio
daquela
pequena família, ainda há pouco tão feliz, unânime e
tranqüila. Tomado o
café retiraram‑se, mas todos por um impulso
instintivo, dirigiram seus
passos para o salão, Henrique e Malvina de braços
dados pelo grande
corredor da entrada, e Leôncio sozinho por
compartimentos interiores,
que comunicavam com o salão. Era ali com efeito que se
achava o
pomo fatal, mas inocente, que devia servir de
instrumento da
desunião e descalabro daquela nascente família.
Chegaram
ainda a tempo de presenciar o final da cena ridícula,
que Belchior representava aos pés de Isaura. Leôncio,
porém, que os
espiava através das sanefas entreabertas de uma
alcova, não avistava
Henrique e Malvina, que haviam parado no corredor
junto à porta da
entrada.
-
Oh! oh! - exclamou ele no momento em que Belchior prostrava‑se
aos pés de Isaura. Creio que tenho dentro de casa um
ídolo,
diante do qual todos vêm ajoelhar‑se e render
adorações!... até o meu
jardineiro!... Olá, senhor Belchior, está bonito!...
Continue com a farsa,
que não está má... mas para tratar dessa flor não
precisamos de seus
cuidados, não; tem entendido, senhor Belchior!...
-
Perdão, senhor meu, - balbuciou o jardineiro erguendo‑se
trêmulo e confuso; - eu vinha trazer estas froles para
os basos da sala...
-
E apresentá‑las de joelhos!... essa é galante!... Se continua
nesse papel de galã, declaro‑lhe que o ponho pela
porta fora com dois
pontapés nessa corcova.
Corrido,
confuso e azoinado, Belchior, cambaleando e esbarrando
pelas cadeiras, lá se foi às cegas em busca da porta
da rua.
-
Isaura! ó minha Isaura! - exclamou Leôncio saindo da alcova,
avançando com os braços abertos para a rapariga, e
dando à voz até ali
áspera e rude, a mais suave e tema inflexão.
Um
ai agudo e pungente, que ecoou pelo salão, o faz parar mudo,
gélido e petrificado. Tinha avistado no meio da porta
Malvina, que, pálida
e desfalecida, ocultava a fronte no ombro de seu
irmão, que a
amparava nos braços.
-
Ah! meu irmão! - exclamou ela voltando de seu delíquio, -
agora compreendo tudo que ainda há pouco me dizias.
E
com uma das mãos comprimindo o coração, que parecia querer‑lhe
estalar de dor, e com a outra escondendo no lenço as
lágrimas, que
dos formosos olhos lhe brotavam aos pares, correu a
encerrar‑se em
seu aposento.
Leôncio
desconcertado pelo terrível contratempo, de que acabava
de ser vítima, ficou largo tempo a passear, frenético
e agitado, de um a
outro lado, ao longo do salão, furioso contra o
cunhado, a cuja
impertinente leviandade atribuía as fatais ocorrências
daquela manhã,
que ameaçavam burlar todos os seus planos sobre
Isaura, e excogitando
meios de safar‑se das dificuldades em que se via
empenhado.
Isaura,
tendo resistido em menos de uma hora, a três abordagens
consecutivas, dirigidas contra o seu pudor e isenção,
aturdida, cheia de
susto, confusão e vergonha, correu a esconder‑se entre
os laranjais
como lebre medrosa, que ouve ladrarem pelos prados os
galgos
encarniçados a seguirem‑lhe a pista.
Henrique
altamente indignado contra o cunhado não lhe queria ver
a cara; tomou sua espingarda e saiu disposto a passar
o dia inteiro
passarinhando pelos matos, e a retirar‑se
impreterivelmente para a corte
ao romper do dia seguinte.
Os
escravos ficaram pasmos, quando à hora do almoço Leôncio
achou‑se sozinho à mesa. Leôncio mandou chamar
Malvina, mas esta,
pretextando uma indisposição, não quis sair de seu
quarto. Seu primeiro
movimento foi um ímpeto de cólera brutal; esteve a
ponto de atirar
toalha, pratos, talheres e tudo pelos ares, e ir
esbofetear o desassisado e
insolente rapaz, que em má hora viera à sua casa para
perturbar a
tranqüilidade do seu viver doméstico. Mas conteve‑se a
tempo, e
acalmando‑se entendeu que melhor era não se dar por
achado, e encarar
com ares da maior indiferença e mesmo de desdém, os
arrufos da
esposa, e o mau humor do cunhado. Estava bem
persuadido que lhe
seria difícil, se não impossível, dissimular mais aos
olhos da esposa
o seu torpe procedimento; incapaz, porém, de retratar‑se
e implorar
perdão, resolveu amparar‑se da tempestade, que ia
despenhar‑se sobre
sua cabeça, com o escudo da mais cínica indiferença.
Inspiravam‑lhe
este alvitre o orgulho, e o mau conceito em que tinha
todas as mulheres,
nas quais não reconhecia pundonor nem dignidade.
Depois
do almoço Leôncio montou a cavalo, percorreu as roças e
cafezais, coisa que bem raras vezes fazia, e ao
descambar do Sol voltou
para casa, jantou com o maior sossego e apetite, e
depois foi para o
salão, onde, repoltreando‑se em macio e fresco sofá,
pôs‑se a fumar
tranqüilamente o seu havana.
Nesse
comenos chega Henrique de suas excursões venatórias, e
depois de procurar em vão a irmã por todos os cantos
da casa, vai
enfim encontrá‑la encerrada em seu quarto de dormir
desfigurada,
pálida, e com os olhos vermelhos e inchados de tanto
chorar.
-
Por onde andaste, Henrique?... estava aflita por te ver,
- exclamou a moça ao avistar o irmão. - Que má moda é
essa de deixar a
gente assim sozinha!...
-
Sozinha?!... pois até aqui não vivias sem mim na companhia de
teu belo marido?...
-
Não me fales nesse homem... eu andava iludida; agora vejo
que andava pior do que sozinha, na companhia de um
perverso.
-
Ainda bem que presenciaste com teus próprios olhos o que eu
não tinha ânimo de dizer‑te. Mas, vamos! que pretendes
fazer?...
-
O que pretendo?... vais ver neste mesmo instante... Onde está
ele?... viste‑o por ai?...
Se me não
engano, vi‑o no salão; havia lá um vulto sobre um sofá.
-
Pois bem, Henrique, acompanha‑me até lá.
Por
que razão não vais só? poupa‑me o desgosto de encarar
aquele homem...
-
Não, não; é preciso que vás comigo; estava à tua espera
mesmo para esse fim. Preciso de uma pessoa que me
ampare e me
alente. Agora até tenho medo dele.
-
Ah! compreendo; queres que eu seja teu guarda‑costas, para
poderes descompor a teu jeito aquele birbante. Pois
bem; presto‑me de
boa vontade, e veremos se o patife tem o atrevimento
de te desrespeitar.
Vamos!
Autor(a): remakes
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Capítulo 6 - Senhor Leôncio, - disse Malvina com voz alterada aproximando‑se do sofá, em que se achava o marido, - desejo dizer‑lhe duas palavras, se isso não o incomoda. &n ...
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Comentários da Fanfic 2
Para comentar, você deve estar logado no site.
-
lauren Postado em 13/03/2011 - 19:32:07
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Comente tb! por favooor -
saulo Postado em 13/03/2011 - 19:05:13
PELO O QUE EU VI, VC É UM FÃ DA TV ABREV.
Abraço!!!