Fanfic: Para que servem os poetas(DyC)
-E aí...primeira vez em são Paulo? O que tu ta achando?
O que poderia achar? Via prédios cinzentos, ruas cinzentas e céu cinzento. Via multidão feia e pobre o trajeto até a periferia só lhe revelou mais seus palacetes e shoppings e prédios luxuosos, para o migrante de quinze anos ela só daria sua face cinzenta, empoeirada, empobrecida. Deus de ombros.
- Tu também num é de falar muito, né, menino? Igual teu pai. Só espero que num tenha puxado por ele outras coisas também...
Sem entender por que, Christopher sentiu os olhos arderem. E naquele momento não gostou do homem de cara de lua. Havia nas suas palavras uma critica ao pai e isso trazia um desgosto muito grande, porque Christopher não conhecia o pai- essa a verdade- para poder defendê-lo.
Quando o ônibus chegou ao fim da linha, o homem gordo ajudou Christopher a descer com a mala. Apontou um morro que se vislumbrava à frente, coalhado de casas de alvenaria e de madeira, mais barracos que casas, algumas delas.
- Vila Nhocuné. A gente chegou. A mala revezada das mãos de Christopher para as do homem, que já sabia se chamar Tonhão. Seguiram por vielas entre as casas e os barracos, até chegarem num raro sobrado de alvenaria, armazém à frente e varanda por cima. A casa de Tonhão. Ele não escondeu o orgulho:
-Eu que fiz. Com as próprias mãos.
Foi empurrando o rapaz para os fundos do armazém, apresentou rapidamente Christopher para uma mulher também gorducha e morena, a esposa de Tonhão. Esgueiraram-se por entre caixotes e caixas de mercadoria, ultrapassaram um banheirinho com privada e pia, Tonhão bateu numa porta sem esperar resposta, empurrou e entrou.
O pai. Muito magro do que Christopher se lembrava dele, muito mais pálido. O pai olhou na direção do filho, levantou o braço, tentou sentar na cama.
-Num força que o médico mandou repousar.- disse Tonhão,jogando a mala no chão e olhando em volta do quartinho, como se conferisse se o lugar comportaria mais uma cama. – Bom 'cês' devem ter muito que conversar. Depois Christopher vai lá pra frente, na mercearia.
Que tempo longo os dois ficaram se olhando! Talvez comprando as lembranças...Afinal, quando o pai partiu, Christopher ainda era um menino. E agora tão alto, tão forte. José fez um sinal com a mão, o filho se aproximou, recebeu um arremedo de abraço, era enfim o gesto pobre de intimidade que poderia haver entre eles.
-A vida ta difícil, filho- falou José, afinal
-Pra gente como nós, ta sempre difícil.
Aos porcos, nos dias que se seguiram, Christopher pôde entender melhor a dificuldade. José era ajudante-geral na mercearia do conterrâneo, ganhava ali o salário que enviava quase inteiro pra mainha. Acordar 4h30, preparar o café e receber o cesto de pão, atender os primeiros clientes que seguiam para o trabalho. Pelas oito Tonhão aparecia, morava no andar de cima, conferia a féria e comandava o serviço de limpeza e o estoque. E no resto do dia era José(ou agora, Christopher) quem varia, empilhava mercadoria, limpava o balcão, atendia freguês e corria, levantava, pegava, carregava, fazia. Trabalho duro. De deixar pés inchados, a ponto de Christopher optar pelos chinelos em vez de sapatos, na segunda semana de serviço.
-Teu pai trabalhava, trabalhou bem- explicou Tonhão certo dia.- Mas é aquilo... tem dia que ele num passa sem pinga. Num é sempre, que aí eu mandava embora. Mas foi por causa da pingo levou tiro. Se meteu onde devia, o diabo pôs tentação na boca do Zé, falou bobagem pra um malandro da favela, de no que deu. Ainda bem que a bala num matou ele.
A doença do pai era um tiro no estomago. Já havia sido hospitalizado, tiraram a bala e deram alta. No mais, ele precisava de repouso e comida leve. Coisas que Tonhão lhe dava, mas por que de graça? O que Tonhão tinha gasto estava na conta do empregado. E quem ia pagar essa conta era o menino Christopher.
-Tem documento, não tem? Certidão de nascimento, pelo menos?- perguntou Tonhão.
Quando viu o sinal negativo de Christopher, desconsolou-se. – E nem carteira de trabalho nem RG? – outras negativas-. – Vai ter de tirar tudo isso. Mas sem pressa, que aqui o empregado mesmo é teu pai. Se gostar de teu trabalho, quem sabe, a gente pensa em registro.
_num precisa não- respondeu o moço.
_Como num precisa? O que é que tu sabe dos direitos de empregado? Fica sabendo que Tonhão num é safado. Aqui mesmo no bairro, ta crente. Já fui cabra malandro, já bebi mais do que teu pai. Hoje Jesus me salvou. To ficando homem rico porque acredito em Deus e ajudo os outros. Que nem fiz com teu pai.
Christopher não sabia se devia acreditar da bondade de Tonhão; apesar de defender os direitos dos trabalhadores, nos três anos de trabalho do pai Tonhão não o havia registrado. Dizia que era coisa pra fazer mais tarde, quando a mercearia firmasse. Chorava muito pra pagar, preferia "botar na conta" os gastos de pai e filho, numa conta comprimida e escrita em letra miúda, sempre difícil de acompanhar nas colunas de DÉBITO e CRÉDITO.
Christopher podia não entender muito da cidade grande ou da vida adulta, mas aquilo não lhe parecia correto. Sabia que um dia deveria enfrentar o patrão. Mas, naquelas primeiras semanas, o corpo dolorido pelo trabalho pelas poucas horas de sono, o menino se sentia embotado demais para reagir.
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Autor(a): nanda
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Infeliz demais para pensar em outra coisa senão no trabalho a ser feito, com um desespero que pelo menos lhe tirava a imagem de Dulce da cabaça. O seu rosto dolorido, na despedida. O seu choro, enquanto acusava " foi tudo mentira entre a gente" e aquela palavra mentira mentira mentira o machucava tanto que era melhor mesmo trabalhar, carregar e limpar ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 2
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Mirian Postado em 24/07/2007 - 09:00:28
Nossa pobre Christopher, que so foi assumir seu amor depois de muito sofrimento...ja terminou a historia neh? muito legal...e diferente...bjo
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bely_dyc Postado em 22/07/2007 - 20:06:39
oiee! eu lia essa web em um forum! gosto muito dela! continua postando, bjoss!