Fanfic: Caminho ao sol
- Otávio,
acorda – a voz de alguém chamava ao longe, mas estava mais perto do que
pensava.
Resmungos.
- Vamos,
acorda. Não chamar de novo!
O quarto –
típico de um jovem de classe média alta - encheu-se com a luz do sol da manhã
quando uma senhora de estatura mediana abriu a cortina e a janela.
Encontrava-se num vestido de cor azul claro que lhe batia nos joelhos e touca
branca que lhe cobria os cabelos parcialmente grisalhos. Parecia ter seus
cinqüenta e poucos anos.
- Vamos,
Otávio... acorda – chamou mais uma vez, chacoalhando um garoto esparramado na
cama.
O mesmo
pareceu se despertar rapidamente. Virou-se para a senhora e gritou:
- Eu já
ouvi! Pensa que sou surdo?
O rosto da
senhora corou e ao mesmo tempo parecia assustado.
- O que é?
– a voz do garoto rugiu, grossa. – Vai ficar aí parada?
A senhora
fez que não com a cabeça e saiu em dispara pela porta entreaberta.
Otávio
esfregou os olhos e o rosto. Seu celular despertou e ele também pareceu
despertar.
Tomou banho
e aprontou-se. Pegou sua mochila e desceu.
Sentados à
mesa, encontravam-se um homem alto, encorpado e de feições intimidadoras; uma
mulher também alta, jovial, que naquele dia parecia triste; e Otávio.
Comiam no
mais puro silêncio.
- Esse café
está amargo – reclamou Otávio ao prová-lo.
- Quer que
eu faça outro, senhor? – perguntou a senhora que o acordara. Estava parada a
alguns metros da mesa.
- Não! –
respondeu rispidamente. – Da próxima vez, vê se faça direito.
- O que
foi, meu filho? – perguntou a mulher. Sua voz era suave. – Acordou com o pé
esquerdo?
- Acordei.
- Então,
considere o problema seu – disse. – Ângela não tem nada haver com o seu mau
humor.
Otávio
fuzilou a mãe com um olhar.
- E não
adianta fazer esse olhar. Sua mãe tem toda a razão – disse o pai.
- Ótimo, deem
sempre razões aos empregados, por que assim, um dia, eles não respeitarão mais
vocês – xingou, alterando o tom de voz.
-
Cala a boca – gritou o pai.
-
Acalmem-se, pessoal – pediu Ângela. – Não precisam brigar logo de manhã.
- Nada disso, Ângela. Otávio tem que aprender a respeitar os
outros – repreendeu o pai. Sua voz grossa ecoando pela sala de jantar.
Otávio levantou ferozmente e saiu da sala. Instante depois, se
pôde ouvir o som da porta principal bater.
´´´´
A rua estava deserta, as casas quietas, o sol subia pelo céu; o
calor misturava com a brisa gelada da manhã.
- Renata – chamou uma mulher envolta
a um roupão. Seus cabelos ruivos lhe cobriam o rosto, e ela a todo o momento
tentava tirá-los de sua visão.
A garota virou.
- O que foi, mamãe? – perguntou assustada.
Sua mãe era alta e magra; acabava de sair de seu quarto com os
cabelos emaranhados.
- Você esqueceu seu vale transporte.
Renata passou o fichário para a outra mão e pegou um pequeno cartão
de plástico.
- Obrigada, mamãe – agradeceu num sorriso.
- Vá com Deus, minha filha. Tome cuidado.
Renata nunca vira o ponto de ônibus tão cheio. Parecia que
todos de seu bairro combinaram de pegar ônibus no mesmo horário.
O cheiro de comida provindo das marmitas dos trabalhadores
misturava-se com os perfumes fortes que algumas mulheres usavam. Um cheiro
horroroso que fazia qualquer um passar mal... menos aqueles que já tinham se
acostumado.
O ônibus chegou dentro de alguns minutos e estacionou para que
todos pudessem entrar.
Era um empurra, empurra. Gritos do tipo: “Ei, você está
cortando fila!” ou “Guarda um lugar para mim”.
Quando chegou a vez de Renata já não havia mais lugar no ônibus
em tão ela fora obrigada a seguir na parte da frente ao lado do motorista que
vez ou outra lançava olhares e sorrisinhos para ela. No mesmo tempo em que
agradecia, ela praguejava: agradecia pelo fato de o motorista dirigir com o
vidro aberto fazendo com que o cheiro de comida e perfume não lhe tomasse as
narinas, já que o restante das janelas estava fechado; praguejava por que já se
sentia incomodada com os olhares e sorrisos do motorista.
- Você mora no Mario Decuni? – perguntou o motorista.
Renata fingiu não ouvir e continuou a olhar para o horizonte pela
grande janela do ônibus.
- Oi! – chamou o motorista. Seu bigode estilo Fred Mercury
ergueu-se em mais um sorrisinho.
Nenhuma resposta.
- Ainda está longe da Rua Laurelli?
- Uns vinte minutos.
- Pare no próximo ponto para eu descer, por favor – pediu.
- E a passagem? Você ainda não rodou a roleta.
- Não seja por isso. – Renata abriu sua bolsa e tirou duas
notas de dois reais e entregou ao motorista. – Pode ficar com o troco.
O motorista coçou a pança e estendeu a mão para pegar o
dinheiro. Quando ambas as mãos se encontraram, ele acariciou a de Renata que a
puxou rapidamente.
- Tem certeza de que quer descer no próximo ponto? Você estará
muito longe da Rua Laurelli.
- Não tem problema.
Foram mais alguns instantes rodando até o ônibus chegar ao
próximo ponto. Renata desceu sem falar nada.
- De nada – falou o motorista sorrindo maliciosamente.
Renata não sabia se realmente estava distante de sua nova
escola, mas começou a caminhar, sem hesitar. Perguntou para várias pessoas que
a mandavam para várias direções.
O sol já ardia. E faltava meia hora para o inicio das aulas.
- Olá, com licença – pediu para um casal de namoradas que vinha
caminhando na direção oposta. – Podem-me dizer como faço para chegar à Rua
Laurelli?
O casal foi generoso e a ajudou. Deu as coordenadas descrevendo
detalhadamente alguns pontos de referência.
- Você vai levar uns quinze minutos para chegar lá. Caso se
perca, pare num posto de gasolina e pergunte – disse o namorado: alto, moreno e
musculoso.
- Obrigada.
- Não há de quer – a namorada
respondeu.
E então Renata começou a caminhar novamente.
Agora mais segura.
´´´´
- Bruno, levante – chamou uma voz grossa ao pé de seu ouvido.
- Mas já é hora? – perguntou num
resmungo.
- Sim. E não podemos nos atrasar para
o primeiro dia de aula.
- Só mais um minuto.
- Não, não.
- Vaaamos – chamou a voz mais uma
vez.
- Nããão quero.
Então Bruno sentiu algo lhe tocar os
lábios.
Ele abriu os olhos. Um garoto ruivo,
de olhos verdes como esmeraldas e sorriso esbranquiçado, acabara de lhe beijar.
- Agora eu vou.
Os dois se levantaram da cama
bagunçada, foram para o banho e depois se aprontaram.
- Bom dia, pessoas – saudou Bruno ao
sentar-se à mesa para o café da manhã.
- Bom dia – responderam todos.
- Como foi à noite, maninho? –
perguntou o irmão do garoto ruivo. Tinha alguns traços do irmão mais novo e um
sorriso malicioso.
- Foi ótima.
- Hummm... – fez uma mulher de
estatura alta, também ruiva, de pele tão branca que se podiam ver algumas
veias. – O que os dois fizeram, hein?
- Nada de mais, mamãe.
- Acredito...
- Deixe-os em paz, Monique.
- Não posso mais brincar com o meu
filho e o meu genro, Alexandre?
Alexandre era o típico pai que
andava na moda. Usava brinco na orelha. Praticava esportes para manter o corpo em
forma. Tinha tatuagens; e não estava nem aí para o que pensavam dele. Tipo: A
vida é minha e eu faço o que bem entender com ela.
- Claro que pode, Mo. Mas não à mesa
– disse, mexendo nos fios também ruivos de seus cabelos.
- Não vão começar a discutir, vão? –
repreendeu o filho mais velho.
- Hoje não, Caio – respondeu
Monique.
- E como seus pais estão, Bruno? –
perguntou Alexandre.
- Chatos como sempre.
- Não diga isso, Bruninho. Os pais
nunca são chatos. Nós só tomamos as medidas que achamos necessárias para a
proteção de vocês.
- Então dispenso as medidas de
proteção tomadas por meus pais.
Riram, mas logo o café da manhã
seguiu-se em puro silêncio. Nesse tempo, Alexandre e Caio saíram para
trabalhar, restando somente Monique, o filho e Bruno.
- É melhor irmos andando também,
Bruno.
- Esperem, crianças! Eu também vou.
- Não precisa, mãe. A senhora não
tem que trabalhar?
- Hoje é a minha folga, então
aproveitei e marquei uma hora com um tatuador.
- A senhora vai fazer uma tatuagem?
– espantou o filho.
- Não, vou acender uma vela para São
Benedito, Willian. Claro que vou fazer uma tatuagem!
- Então vamos! – chamou Bruno.
- Vão andando que eu vou subir para
pegar a minha bolsa.
´´´´
- Carla, Carla! – chamou alguém que
estava parado em frente ao portão automático.
- Já estou indo! – gritou uma moça
mediana, de cabelos loiros e compridos.
Ela entrou e logo saiu com a mochila
nas costas.
- Bom dia, Gabriel.
- Bom dia. Preparada para o começo
das aulas?
- Estou – respondeu Carla não muito
animada.
O sol se estendia entre os prédios
centrais quando Gabriel anunciou 6h30.
- Não chegaremos a tempo.
- Não se continuarmos a andar como
duas lesmas. Vamos!
Ambos apertaram o passo. Passavam
apressados pelos pedestres que vinham de todas as partes.
Ouviu-se uma buzina.
Continuaram a andar.
Mais uma vez a buzina chamou. Mas
dessa vez acompanhada de uma voz.
- Carla! Carla!
A garota parou e voltou alguns
passos. Gabriel a acompanhando.
A buzina vinha de um Crossfox
branco.
- Silvio?
- Querem uma carona? – perguntou um
garoto moreno, de olhar rígido e voz grossa; encontrava-se sentado no banco do
passageiro.
- Claro!
- Obrigado, Silvio – agradeceu
Gabriel ao bater a porta do carro.
- De nada.
O motorista era o pai de Silvio.
Tinha os traços do filho, mas ele aparentava ser mais alto e forte. Fitou
Gabriel pelo retrovisor por todo o percurso.
- Entregues, crianças – disse ao
estacionar numa vaga a poucos metros da escola.
- Criança é a vovozinha – xingou
Carla, rindo logo depois.
- Olha como fala comigo, hein,
mocinha? – riu o pai de Silvio. – Tchau, Gabriel.
- Tchau, tchau. Obrigado pela
carona.
- Não há de quer. Aparece lá em
casa.
Gabriel ficara meio constrangido ao
perceber os olhares do homem para ele, e agora pelo Aparece lá em casa.
Ele deu as costas para o homem e foi
de encontro a Carla.
Silvio já estava com a sua turma da
escola.
- Carla – chamou num sussurro a
amiga -, o pai do Silvio é meio estranho, você não acha?
- Por quê?
- Não sei. Eu fiquei com medo dele.
- Eu sei do que está falando. É
sobre as olhadas que ele te deu, não é?
- Você viu?
- Claro que vi. Acha que sou cega?
- Quando saí do carro, ele disse
para eu aparecer lá na casa dele.
Carla riu.
- O que foi? – assustou Gabriel.
- E o que você falou?
- Nada.
- Quanta ingenuidade, Gabriel – riu
Carla, logo correndo na direção de um grupinho de meninas, gritando.
Gabriel chegou logo atrás,
cumprimentando cada garota – umas quatro – mas sem o mesmo entusiasmo de Carla.
´´´´
O pequeno apartamento estava um
pouco bagunçado, com roupas amontoadas pelos cantos, sapatos espalhados, e as
sobras da pizza que fora o jantar da noite passada em cima da mesinha de
centro.
- Papai – chamou num bocejo um
garoto exíguo, de cabelos castanhos e desleixados, e a estampa do sono em seu
rosto. – Papai!
O homem a quem o garoto chamava
resmungou.
- O que foi?
- Estamos atrasados.
- Que horas são?
- 6h30.
O homem arregalou os olhos de
repente.
- Como?! – despertou.
- 6h30.
- Estamos atrasados! – exclamou,
levantando num pulo.
- Como se eu não soubesse – o garoto
bocejou novamente, calmo.
- Você tem que estar na escola às
7h00, Heitor.
- Eu sei.
- E o que você está fazendo aí
parado? Vamos nos aprontar.
Eram 6h45 quando o pai de Heitor
saiu com o carro do estacionamento do prédio. O homem estava metido num smoking
meio amarrotado e batucava no volante, demonstrando sua ansiedade.
- Você está me deixando nervoso com
esses batuques, sr. Rogério.
- Oh, desculpe – pediu o homem,
contraindo as mãos.
O sinal abriu e Rogério acelerou.
Em poucos minutos, para ser exato
6h58, Heitor descia do carro e rumava na direção do portão.
- Atrasado novamente, Heitor –
analisou o porteiro.
- Como sempre, sr. Lourival, a culpa
é do meu pai. Ele dorme demais, e se não fosse eu, ainda estaríamos dormindo –
respondeu, acrescentando um riso. – Tenha um bom dia.
- Você também, Heitor.
´´´´
No fim das contas o sinal tocou às
07h15. E o portão fora fechado às 07h20.
Os atrasados tiveram sorte nesse
dia.
E então, de onde Otávio, Renata,
Bruno, Carla e Heitor estavam, eles saíram para o início de mais um ano
escolar.
Autor(a): lemond
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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Comentários da Fanfic 1
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misterdumpet Postado em 10/08/2011 - 11:57:07
Nesta Segunda Feira 15/08 , estreia DESVIO DE CONDUTA, uma webnovela que vai fazer você compreender que ser bom ou ser mau é uma questão de opinião. http://www.e-novelas.com.br/?q=webnovela&id=12089