Fanfic: LIÇÃO DE VIDA AYA finalizada

Uma vez que as crianças saíram da sala para brincar no jardim, Alfonso  virou-se para Anahí, que estava parada a seu lado, numa postura relaxada, como se não tivesse um único problema a resol­ver. Na verdade, continuava sorrindo para ele, usando um avental que não saíra da gaveta de panos de prato do armário da cozinha desde o dia em que a mãe dela lhe dera de presente. Um presente com significado de brincadeira, claro.

— Não pense que um boneco de neve e uma lasanha vão con­sertar todas as coisas que você tem feito de errado — ele a avisou, muito sério. — Porque não vão.

Ela se mostrou decepcionada e culpada, ao mesmo tempo.

— Apenas pensei que isso pudesse ser um começo...

— De qualquer modo, não estou com muita fome.

Alfonso  detestava agir como um homem insensível, embora sou­besse que Anahí  merecia aquilo. A coisa que lhe dissera na noite anterior, o modo como o olhara com rancor, a forma como gritara na frente das crianças, falando coisas pesadas e absurdas... Ele não podia esquecer-se de tudo aquilo. E não esqueceria.

Anahí o observou dando-lhe as costas e subindo a escada, de­certo para fechar-se no escritório, como de costume. Ela estava um pouco surpresa pelo fato de Alfonso ter rejeitado uma boa lasa­nha. Ainda mais com molho de tomate seco. Afinal de contas, era o prato favorito de Alfonso.

Eles deveriam ter tido uma discussão tremenda havia pouco, ou Alfonso jamais teria rejeitado. Era incrível como eles costumavam brigar...

— Vou guardar um pedaço para você — Anahí  afirmou alegre, antes de voltar para a cozinha. — E sem arsênico, se você se com­portar direitinho — finalizou brincalhona.

— Não se incomode — respondeu ele, por cima do ombro, e sumiu no corredor do andar de cima.

Aquilo não a incomodou. Anahí sabia que, se  Alfonso estava bravo daquele jeito, era porque ela merecia. E, como nem sequer cogitava a razão tola pela qual haviam discutido, não fazia diferença alguma.

Anahí se casou com Alfonso pela docilidade dele. Pelo carinho e pela atenção que ele lhe dava sem cessar. Foi só depois que des­cobriu que seu marido podia ser duro, implacável e inflexível. Todavia, Alfonso tinha motivos de sobra para ter se transformado em uma pessoa fria e rude.

Anahí e os filhos comeram lasanha, fingindo que a ausência de Alfonso  à mesa não era nenhum grande problema. A situação como um todo não estava tão ruim assim, decidiu. Não era tão bom quanto lembrava, mas também não tão terrível.

As crianças se alimentaram bem. Até mesmo Alfonso JR, que pare­cera já nascer inapetente, porque Anahí permitira que os três to­massem leite com chocolate junto com a refeição, mais para sa­tisfazer seu próprio estranho desejo pela coisa.

Após a refeição tumultuada e alegre com os filhos, bem dife­rente do que ela recordava que costumava ser, um instante cheio de repressões e gritaria, só para mexer com o marido Anahí pre­parou-lhe um prato enorme, e, por cima da tampa que usou para cobrir antes de guardá-lo na geladeira, anexou um bilhete, onde escreveu:

Palavra de honra que a comida não está envenenada... não muito.

Alfonso deveria pelo menos dar um sorriso quando lesse aquilo. E conseguir arrancar um sorrisinho que fosse de seu marido a uma altura daquelas já seria alguma coisa significativa e um meio ca­minho para tê-lo de volta. Se é que tinha ainda alguma chance.

E se Deus estivesse apenas lhe dando um vislumbre rápido do que fora sua vida antes de enviá-la direto para o inferno?, inda­gou-se de súbito, e um arrepio de pânico a invadiu. E se sua alegria tivesse sido nada mais que uma miragem provocada por seu desejo de ser feliz?

E se tivesse apenas sido presenteada com aquele único dia para relembrá-la de quão abençoada fora antes de jogar tudo para o alto?

Anahí suspirou. Teria de parar de pensar nisso e aproveitar a fantasia, enquanto durasse.

A hora de pôr as crianças na cama foi dolorosa e preciosa, ao mesmo tempo. Aqueles três sonolentos, em seus pijamas amassa­dos, olhavam-na com tanto amor que Anahí teve vontade de chorar. Não queria apavorá-los, mesmo que estivesse se sentindo aterro­rizada por dentro por talvez não vir a ter a oportunidade de abraçá-los de novo. Poderia acordar morta no dia seguinte; ou pior, viva e em um hospital.

Assim, abraçou os filhos como se fosse a última vez. A última.

Quando os três se deitaram, ela os contemplou durante minutos, pensando em como eram bonitos, doces e de uma ingenuidade absoluta.