Fanfic: LIÇÃO DE VIDA AYA finalizada

— O que foi? — A simples questão dele revelava pura impa­ciência e ira.

— Estou entediada, porém sem sono algum. Que tal jogarmos uma partida de xadrez? — sugeriu ela, sorridente.

Alfonso , por fim, ergueu o olhar e fitou-a por um longo minuto, antes de voltar a atenção ao livro de novo.

— Quando foi a última vez que jogamos xadrez? — insistiu Anahí.

Não podia afirmar com absoluta certeza, mas achava que tinha visto os cantos dos lábios dele ameaçarem a se curvar num sorriso.

— Sei que sempre perco, mas talvez hoje eu consiga... — Parou de repente, um vislumbre de lembrança atingindo-a por completo.

Anahí e Alfonso haviam jogado xadrez centenas de vezes, com ela perdendo quase todas as partidas... até o dia em que ela decidiu tornar tudo mais interessante com um pequeno show de strip-tease. Cada vez que Alfonso capturava uma de suas peças, Anahí tinha de tirar uma peça de roupa.

Não demorava muito até que estivesse sentada perante ele, com o tabuleiro entre os dois, com nada mais do que um grande sorriso no rosto. Então, Alfonso começava a perder cada uma de suas peças, de propósito, até que estivesse também sem nada sobre a pele. Nu e magnífico. Eles tinham se amado com loucura ali mesmo no chão, entre seus trajes descartados de qualquer jeito.

— Não acho que jogar uma partida seja uma boa idéia — disse Alfonso, o tom seco e amargo, e Anahí soube que deveria ter apenas imaginado aquela ameaça de sorriso que vira na boca do marido pouco antes.

Aquela torção dos cantos dos lábios deveria ter sido de contrariedade.

—Alfonso ?

Ele abaixou o livro num único movimento brusco. Tanto que bateu no colo com força, e Anahí chegou a emitir um pequeno gemido de lamento.

— Meu Deus, Anahí, vá se deitar! Já lhe pedi isso.

Era estranho, mas ela se manteve tranqüila diante da explosão do marido.

Não sabia explicar o porquê, mas, na realidade, sen­tiu-se surpresa pela própria reação.

— Você só está com medo de que possa perder de novo. E se isso acontecesse, o que iria fazer, hein,Alfonso? — Ela riu.

Apesar das narinas que se abriram e fecharam, ele não deu ne­nhuma indicação de que a escutara. Mas Anahí sabia que Alfonso ouvira, sabia que podia estar mexendo muito com ele. Só esperava que aquilo fosse algo muito bom.

Depois que ela desistiu, por fim, e saiu do escritório, Alfonso jogou de lado o livro que estivera fingindo ler, meneando a cabeça.

O que será que acontecera com sua esposa?, indagava-se, intri­gado. "Que coisa, meu Deus, estou tão cansado de tudo isso!" Nunca sabia o que Anahí inventara para esperá-lo quando voltava para casa à noite, após um dia de trabalho. Aquela, em particular, se mostrava talvez a mais cruel de todas, porque ela parecia perto demais da pessoa que costumava ser.

Não podia deixar-se levar por Anahí , no entanto. Recusava-se a baixar a guarda por apenas um único dia de sanidade. Aquilo tudo não devia passar de um truque de sua mulher, a fim de ame­nizar o clima tenso que vinha reinando em seu lar nos últimos tempos.

Mas Alfonso sabia que, no dia seguinte, tudo voltaria ao normal. Ela beberia, brigaria com todos e o pesadelo diário recomeçaria.

Pressionou as mãos contra as pálpebras e as esfregou.

— Não se deixe enganar — ordenou a si mesmo, em voz bem alta com autoridade. — Não seja tolo.

Quantas e quantas vezes a perdoara só para, logo em seguida, ter seu coração despedaçado no peito outra vez? Sua esposa tor­nara-se uma mulher perigosa, e poderia fazê-lo mergulhar num buraco sem saída, levá-lo com ela para o fundo do poço, se ele abrisse espaço.

No entanto, Alfonso não abriria. Não mais. Era verdade que vinha protelando o divórcio e agüentando aquele relacionamento absur­do por causa das crianças. Todavia, mudaria de nome, não se cha­maria mais Alfonso Herrera, se permitisse a si mesmo tornar a se envolver. De jeito nenhum!

Além do mais, por que faria uma coisa dessas? Afinal, não a amava mais. Anahí estivera mais do que certa naquela manhã, quando lhe dissera aquilo. O que era algo muito bom também, porque, quando fez a afirmação foi como se não se importasse.

Como se não fizesse a mínima diferença o fato de o marido amá-la ou não.

"Você não me ama", dissera, convicta, como algum psiquiatra fazendo uma observação clínica.

Aquilo teria machucado demais alguns anos antes. Mas agora, Alfonso se achava acima disso. Além disso. Além dela.

Recostou-se no espaldar, tentando relaxar, e retomou a leitura, dizendo a si mesmo que sentia-se aliviado por aquele pesadelo estar quase no fim. Iria pedir o divórcio e começar uma vida nova. Muito em breve.

Então, fitou o teto e não pôde deixar de prestar atenção quando ouviu os passos de  Anahí dirigindo-se para a cama.