Fanfic: LIÇÃO DE VIDA AYA finalizada

Anahí continuou a vasculhar os olhos queimando de vontade de deixar cair a primeira das lágrimas contidas em seu coração, sabendo que nada do que existia naquela pequena caixa de madeira era algo que valesse a pena guardar, exceto o retrato com sua mãe.

Ah, como fora uma tola por perder aquilo! Não que tivesse feito alguma diferença significativa para ela.

Anahí fechou a tampa com um barulhinho delicado, do qual se lembrava muito bem, no instante em que Mia irrompeu porta adentro, agarrada a seu ursinho de pelúcia.

— Quero ovos de dinossauro, mamãe! — E subiu na cama de Anahí.

— Eu também, querida. Estou morrendo de fome. — E fez cócegas na filha. — Vou preparar ovos de dinossauro para nós duas. Hum...

Era estranho, conjeturava Anahí , com água na boca, mas desde que acordara de volta a seu lar vinha sentindo um estranho desejo por comidas de criança, como leite batido com chocolate e "ovos de dinossauro". Como aperitivo na noite anterior, em vez de co­nhaque ou uísque optou por uma tigela com cereais de bichinhos e se deliciara com o alimento infantil.

De mãos dadas, as duas dirigiram-se à cozinha, surpreendendo Alfonso, que se encontrava no processo de preparar e servir cereal com leite para os dois meninos. Ele vestira seu "uniforme" de trabalho, que consistia de uma camisa branca de puro algodão, calça social escura e uma gravata conservadora listrada.

De vez em quando, muito de vez em quando,  Alfonso ousava um pouco e punha camisas verdes ou azuis. Os cabelos castanhos eram curtos e estavam sempre bem penteados; o rosto, barbeado e escanhoado. Os belos olhos... Profundos, porém hostis. E um dia haviam sido tão doces!

— Você se levantou cedo —comentou ele.

 Anahí não deixou de entender a implicação crítica de que ela em geral acordava tarde. Céus, Alfonso estava sendo cruel. Será que sempre fora assim e ela só descobrira isso depois de casada? Talvez a crueldade do marido fosse o motivo pelo qual ela bebera tanto durante todos aqueles anos, imaginou Anahí apenas por um minu­to, mas sabia, no fundo, que não era nada daquilo. Ela era a única culpada por ter transformado a existência de sua família num dra­ma sofrido, e seu marido, num homem frio e implacável.

Anahí escolheu ignorar a indireta de  Alfonso e, no lugar de de­volver-lhe palavras rudes ou cheias de sarcasmo, deu-lhe um sor­riso brilhante, e então quase uma risada perante a expressão as­sustada que viu no rosto dele.

Anahí sabia que seu marido esperava, com absoluta certeza, que ela mordesse a isca e ficasse enlouquecida de raiva, que o agredisse também, com palavras rudes e irônicas. Contudo, sentia-se feliz demais para enfrentar uma briga.

Aliás, não pretendia mais discutir com Alfonso , e muito menos com os filhos. Além disso, era muito engraçado e divertido tirá-lo de equilíbrio e vê-lo descontrolado daquele jeito. Quando acabasse de fazer com ele tudo que planejara,  Alfonso ficaria tão atônito que não saberia que rumo tomar.

 Anahí consultou o calendário pendurado na parede ao lado da porta de entrada da cozinha, notando, com um pequeno tremor de pânico, que tinha apenas nove dias para trabalhar em sua mágica sobre Alfonso . Para reconquistá-lo, para resgatar o passado e recu­perar o tempo perdido. Para começar a ser feliz.

— Ei, hoje é terça-feira — anunciou, animada. — É a Noite da Família no Sal`s. Por que não saímos todos para jantar, esta noite? Quando foi a última vez que saímos todos juntos para isso? Aliás, quando foi a última vez que saímos juntos para qualquer coisa, como um piquenique, um parque, um filme infantil, uma viagem?

As crianças vibraram com a idéia, fazendo uma grande alga­zarra à mesa do desjejum, gritando, batendo palmas e comemo­rando o passeio por antecipação.

Alfonso a encarou com raiva, como se desejasse fechar-lhe a boca com um esparadrapo, o que a fez sorrir ainda mais.

— É muito provável que eu tenha de trabalhar até mais tarde, hoje — balbuciou ele, as faces tornando-se rubras pela mentira.

Alfonso nunca soube mentir. Os três filhos choramingaram em coro, e Anahí se juntou a eles, forçando-o a abrir um sorriso seco e relutante.

— Talvez amanhã. —Alfonso procurava acabar com o assunto de uma vez por todas, pensando que no dia seguinte tudo já teria passado e ela, decerto, já estaria no terceiro drinque quando ele chegasse em casa.

— Amanhã, não,Alfonso . Hoje. É hoje o dia especial da família lá, e poderemos economizar dez por cento e ganhar um sorvete de creme.