Fanfic: LIÇÃO DE VIDA AYA finalizada

Capítulo II

15 de dezembro

Anahí não ousou erguer as pálpebras, porque sabia que, se o fizesse, sua cabeça explodiria tamanha a pressão que sentia latejar nas têmporas. Assim, decidiu permanecer deitada ali por mais uns dez minutos, culpando a si mesma e praguejando contra sua tolice de ter deixado Eddie lhe dar aquela tequila. De novo!

O velho e bom Eddie tivera boas intenções, claro, mas o álcool já tirara dez anos da vida dela. No mínimo dez, concluiu com tristeza.

— Isso vai me matar antes de matar você, garota — dissera o dono do bar que ela mais freqüentava uma centena de vezes, ao lhe estender um grande drinque.

Demorou uns cinco minutos até que Anahí se recordasse de que não podia estar de ressaca, a menos que fosse possível ter ressacas no céu. Ou no inferno. Não precisava abrir os olhos para saber que não se achava mais no hospital. Assim como tinha certeza absoluta de que também não era aquele apartamento horroroso de um dor­mitório em que costumava morar, perto da Rua Coolidge.

Foi quando, enfim, a curiosidade a venceu e Anahí tomou co­ragem de abrir os olhos. E, em seguida, tornou a fechá-los, apa­vorada. E mais uma vez os abriu.

— Que horror!

A bem da verdade, não era de fato um horror. Mas também não se tratava do paraíso. Estava em casa. Não naquele apartamento sujo, destruído, infestado de ratos e baratas que chamara de lar nos últimos cinco anos. Mas sim seu antigo lar, onde um dia vivera com sua família.

Lar...

Anahí olhou para baixo e não pôde conter uma risada. Aquele edredom velho e feio que Alfonso detestava estava estendido sobre a cama. A cama deles, o leito que escolheram e compraram antes do casamento, vinte e cinco anos atrás.

Ela observou o quarto, em absoluta confusão. Aquele aposento, aquela vida... não existiam mai s. Anahi vendera o imóvel, a mobília toda, e até mesmo o velho e feio edredom.

E isso fora muitos e muitos anos atrás. Como podia estar ali, num lugar que não mais existia? Perguntava-se, intrigada.

Vindo de algum outro cômodo no piso inferior, Anahí, de re­pente, escutou os sons familiares de alguém se movendo, decerto pela cozinha. A batida de uma colher contra um prato de porcelana, água corrente da pia e risadas infantis.

Alfonso. As crianças. Não era possível!

"Ou estou embriagada ou morri", decidiu, tocando o próprio corpo.

— Quem está aí? —Anahí chamou e, quando ouviu a própria voz, sorriu encantada.

Não ouvira aquela entonação por um longo tempo, que soava clara e equilibrada, graças a seus vinte anos de vício em cigarro.

— Mamãe!

Como um raio, uma garotinha que possuía uma semelhança chocante com sua própria filha naquela mesma idade irrompeu dormitório adentro e pulou sobre o leito.

Os cabelos loiro-escuros e encaracolados da menina estavam bagunçados como se ela tivesse acabado de acordar de uma noite inteira de sono pacífico. Os olhinhos também se mostravam sonolentos.

Anahí fitou o rosto meigo da criança e sorriu para ela. Foi quan­do sentiu o coração quase parar no peito.

— Mia... — sussurrou abraçando forte a filha, com medo de que, se a apertasse demais, ela pudesse desaparecer como num passe de mágica.

Aquilo não estava acontecendo. Não podia estar.

Era um sonho. Não, aquele era o lugar para o qual tinha ido, se tivesse mesmo morrido. Apesar de todas as bobagens que cometera durante sua curta existência, Deus tivera piedade dela e decidira deixá-la entrar no reino dos céus.

Se é que Ele existia!

Anahí comprimiu as pálpebras, deixando que o pranto escor­resse por suas faces e caísse sobre a cabeça da menina. Depois, respirou fundo, sentindo o perfume de morango do xampu daque­les cabelos finos, sentindo o roçar dos cachos macios contra seu rosto, as pequenas mãos infantis tentando alcançá-la para poder lhe dar um abraço.

— Ei, você está chovendo em mim, mamãe! — E Mia fez um biquinho, fingindo-se zangada.

Anahí a encarou, emocionada, como se não pudesse crer no que via.