Fanfic: LIÇÃO DE VIDA AYA finalizada

Eles tinham sido datados em novembro, e ele os mantivera consigo, em segredo, esperando que alguma luz divina surgisse e fizesse sua esposa mudar de uma hora para outra.

Anahí ficou tentada a avisá-lo de que sabia do segredo dele, mas conteve-se, notando que uma nesga de bondade ainda restara em seu coração. Afinal, seu marido jamais entenderia o que nem ela mesma estava entendendo, e ficaria desnorteado, achando que Anahí enlouquecera de vez.

Assim, tornou a menear a cabeça, e um arrepio a percorreu.

— Estou com muito frio. Vamos entrar.

As crianças levantaram os olhos quando eles adentraram a co­zinha, os rostinhos amedrontados, como se soubessem que alguma coisa ruim estava acontecendo.

Miguel os fitou com maior intensidade do que os outros dois, decerto para ver se podia concluir que a briga que seus pais estavam tendo terminara.

Anahí deu-lhe um sorriso aberto, e a pobre criança relaxou. Será que ela não vira antes, tantos anos atrás, o que vinha causando a ele? Para ser franca, não conseguia lembrar.

Contudo, agora estava na cena muito mais como observadora do que como participante, vendo o que não tinha sido capaz de enxergar antes. A raiva de Alfonso , o medo de Miguel. Os sentimentos ambíguos de Alfonso JR. A tímida perturbação no olhai^- de Mia.

Alfonso beijou os filhos, despedindo-se deles com muito carinho, a fim de sair para o trabalho. Então fez uma pausa apenas para dar a .Anahí um olhar duro e frio antes de se encaminhar para a saída.

— Você tem de ir buscar Miguel na escola hoje — murmurou, num verdadeiro comando.

— A que horas? —Anahí usou a entonação mais alegre que conseguiu, buscando ignorar a rudeza do marido.

— A hora que ele sai, e que você deveria estar cansada de saber

—Alfonso falou de modo que apenas ela escutasse, enquanto abria a porta e partia.

Anahí sentiu um puxão na calça do pijama e olhou para baixo, vendo o rosto sério de Mia.

— Tenho de ir ao banheiro, mamãe.

— Tudo bem, vá em frente.

A menininha não entendeu direito.

— Você tem de me ajudar. Como sempre faz.

Anahí riu alto. Havia décadas não ajudava ninguém ir ao ba­nheiro. Nem cantava cantigas de ninar ou músicas infantis, ou buscava ninguém na escola ou cuidava de algo que não fosse ela mesma.

 Havia décadas sua única preocupação era de onde sua próxima refeição ou garrafa de bebida viriam.

Quando pegou nos braços sua garotinha de pijama cor-de-rosa com estampa da Minie e a colocou sentada no penico, sentiu os olhos arderem e a garganta se fechar em um nó, com uma incrível vontade de chorar.

Porém, controlou-se. Mia não entenderia o que estava havendo com ela. Ninguém jamais compreenderia.

Mia cantarolou uma canção infantil. Ouvir aquilo trouxe tudo de volta, inúmeras recordações tristes e deprimentes que Anahí achava que tinha conseguido esquecer.

"Doce ilusão!" Será que tudo aquilo surgia para relembrá-la do quanto fora ruim e promíscua? Do quanto tinha sido descuidada e ausente como mãe? Do quanto fora relaxada e egoísta, afastando, dessa forma, o marido que amava? Estaria ali, presa em um sonho, para que pudesse enxergar como seus filhos eram bonitos e sau­dáveis antes que ela tivesse arruinado o futuro deles?

Se esse era o caso, o sonho, o céu, ou o que quer que fosse aquela experiência, era cruel demais por impingir-lhe um castigo dolorosíssimo.

Afinal de contas, já condenara a si mesma como culpada fazia muito tempo. Isso não era o suficiente? Deus não precisava fazer com que vivenciasse todo aquele drama de novo só para fazê-la ver que era a única responsável por destruir a vida de seus três filhos. E por matar seu marido, mesmo que de maneira indireta. Anahí tinha plena consciência de tudo aquilo e acreditara que so­frerá o bastante. Que pagara por seus erros.

Mas, pelo jeito, não.           

Quando terminou o que tinha de fazer, Mia saiu correndo atrás dos irmãos.

—  Até mais tarde, mamãe! Eu te amo! — gritou já de certa distância.