Fanfic: Muito Mais Que Uma Princesa. [Vondy] / Terminada.
Capítulo XVII
Dulce estava deitada de lado na cama, toda enrolada, olhando fixamente para o papel de parede azul-salgueiro do quarto. O padrão azul e branco perdia o contorno, as cores se misturavam e se tornavam cinzentas diante de seus olhos embaciados. Ela piscava, obrigando-se a segurar as lágrimas e tentando entender o que havia acontecido. Não deveria se sentir assim, estupidamente atordoada e chorosa. Era filha de uma cortesã. Estava muito bem informada sobre todas essas coisas. A mãe lhe havia explicado tudo quando ela tinha doze anos, com advertências firmes para não deixar nenhum homem agir com ela como Christopher tinha acabado de fazer. Ela tinha visto estátuas nos museus de Paris, tinha espiado em livros proibidos, ela e Armand tinham trocado beijos apaixonados. Mas nada de toda essa informação a havia preparado para a realidade completa.
Doera, para começo de conversa. Isso tinha sido um grande choque, destroçando todas as maravilhosas sensações anteriores. Ela não esperava por isso. Quando Christopher a ajudava a se vestir, ela tinha visto o próprio sangue sobre o corpo, e sabia muito bem que não era a menstruação. Dulce aumentou a pressão dos joelhos contra o peito e se retraiu. Ela ainda estava dolorida, bem lá no íntimo do seu corpo. Mas não era por isso que tinha vontade de chorar.
Lady Belinda e Lorde Blair os tinham visto. Ela tinha seguido o olhar de Christopher e vira os dois de pé do outro lado. Apesar de Christopher ter levado apenas um momento para se pôr na frente dela, servindo-lhe de escudo, ele não tinha sido rápido o bastante. Dulce os vira e eles a tinham visto.
Lorde Blair e Lady Belinda tinham tido tato suficiente para se retirar sem uma palavra, e Christopher a levara para cima por uma escada de serviço pouco usada, perto da estufa. Ele tinha conseguido de alguma forma levá-la de volta ao quarto dela sem que ninguém mais a visse, mas Dulce não tinha ilusões de que isso ficaria em segredo. Lady Belinda não era como Lorde Haye, cuja discrição tinha impedido que a história sobre Armand Bouget vazasse. Não, a língua ferina de Belinda já devia estar muito ocupada. Até o fim do dia, todos os que estavam em Tremore saberiam o que ela vira, e em detalhes sensacionais. Se Dulce não era mercadoria danificada antes, sem dúvida seria agora. Mas mesmo isso não era o que a fazia ficar olhando, estupefata, para a parede, à beira das lágrimas.
Era a expressão que tinha visto no rosto de Christopher depois, uma expressão terrível de vergonha e ódio por si mesmo que ele não havia conseguido esconder ao pegar a roupa dela e cair em si sobre o que tinha acabado de fazer.
Dulce se esticou um pouco na cama e olhou para baixo, para a ponta rasgada do vestido e para o espartilho, duas pontas de tecido penduradas, formando um triângulo sobre o seu seio esquerdo. Ela tinha visto o rosto de Christopher e queria lhe dizer que estava tudo bem, que a culpa era sua e não dele. Que ela sabia e que o empurrara para aquilo de propósito, usando as palavras e o corpo como se fossem fósforos e ele, um barril de pólvora. A explosão resultante era culpa sua, e ele não tinha nada a se censurar. Mas as palavras de que ela precisava para lhe dizer tudo isso lhe faltaram, e ela só conseguira tocar a mão dele.
Alguém bateu na porta do quarto, e Dulce se sentou de um pulo. Anahí entrou de mansinho, fechando a porta atrás de si, e Dulce pôs a mão sobre a ponta rasgada do vestido, tentando instintivamente se cobrir, mas deteve-se ao ver o rosto de Anahí. Piscou para segurar as lágrimas e olhou, desamparada, para a cunhada de Christopher.
-Você sabe? Já?
Anahí fez um gesto delicado com a cabeça, indicando que sim.
- Sei. São quase onze horas.
- Tão tarde assim? - Ela deu uma olhada para a luz do sol que entrava pelas janelas e se perguntou como o tempo poderia ter passado tão rapidamente. - Conhecendo Lady Belinda, até as ajudantes de cozinha já ficaram sabendo, a esta altura. - Um riso trêmulo lhe saiu da garganta, o riso se transformou em um soluço e ela cobriu a boca com a mão.
- Ah, minha querida! - Anahí veio se sentar na beira da cama e pôs um braço ao redor dos ombros dela. - Maite está cuidando de Lady Belinda. Ela terá ido embora até o jantar, e o primo dela também. Todos os hóspedes vão hoje.
- Então eu estava certa. - Ela não queria que ninguém soubesse. Oh, Christopher! Ela olhou fixamente para o próprio colo, com o coração doendo de saudade dele e pelo que ela tinha feito para ele. - Todo mundo sabe.
Anahí pressionou gentilmente o braço sobre os seus ombros.
- Está tudo bem - ela murmurou, acariciando de leve o braço de Dulce, em um gesto terno e amigo. - Está tudo bem.
Ela balançou a cabeça.
- Não, não está nada bem. Eu vi o rosto dele depois. Santo cielo! A expressão do rosto dele. Eu nunca vou me perdoar. Eu não sabia. Eu não sabia. - A voz dela se ergueu, em pânico. - Eu não entendia.
- Calma - murmurou Anahí, levantando a mão e acariciando o cabelo de Dulce. - Calma.
Ela tentou controlar as emoções, mas estava muito abalada por dentro. Estremeceu e continuou a chorar, com soluços secos e ofegantes.
- Dulce, Dulce. - Anahí a abraçou, puxando o rosto dela para a curva do seu ombro. - Tudo vai dar certo, prometo. Christopher vai fazer com que tudo fique certo.
Uma leve batida na porta a fez pular.
- Eu mandei prepararem um banho para você. - Anahí se levantou. - Devem ser as criadas.
Dulce saiu cambaleando da cama e correu até a janela, olhando para fora para não ver o rosto das criadas, que sem dúvida já sabiam o que tinha acontecido. De costas para o quarto, ela se controlou com esforço. Esperou, ouvindo as criadas se moverem pelo quarto de acordo com as instruções dadas por Anahí em voz baixa, despejando água na banheira, estendendo e pondo as toalhas e o sabonete no devido lugar, acendendo lâmpadas. Apenas depois que as criadas saíram Dulce se virou.
Dulce se aproximou dela.
- Há roupas limpas para você sobre a cama - disse, fechando as cortinas. - E uma toalhinha como a que você usa durante a menstruação. Você vai precisar.
Dulce nem perguntou por quê. A sensação dolorida dentro dela e o sangue que havia visto nas coxas explicavam tudo. Ela fez que sim, e um estranho torpor tomou conta do seu corpo aos poucos, enquanto deixava que Anahí a levasse para a pequena banheira de cobre.
Anahí desabotoou os botões das costas do seu vestido, lhe entregou o sabonete e uma toalhinha molhada, e depois lhe deu uma batidinha no ombro. A compaixão brilhava nos olhos verdes, tanta compaixão que Dulce tinha vontade de começar a chorar de novo. Ela olhou para o chão.
- Vou deixar você sozinha enquanto se banha - disse Anahí. - Mas primeiro há algumas coisas que você precisa saber.
Ela fez uma pausa e perguntou:
- Dulce, ele a machucou?
Ela não conseguia levantar os olhos.
- Sim.
- Por favor, acredite quando eu digo que só dói na primeira vez. O desconforto vai passar e nunca mais vai doer desse jeito.
De alguma forma isso era reconfortante. Ela fez um movimento com a cabeça inclinada, concordando.
- Há mais uma coisa que você precisa saber - continuou Anahí. - Essa notícia vai se espalhar por toda parte. Belinda e as amigas dela vão adorar contar a todos com quem se encontrarem. Você tem que estar preparada para isso. Christopher vai se casar com você. Ele vai tomar conta de você. Mas vocês dois vão pagar um preço alto por isso. O seu pai vai querer a cabeça de Christopher, e um de vocês vai ter que se converter à religião do outro.
- Eu me converto. - Dulce sabia que isso era o mínimo que podia fazer naquelas circunstâncias. A religião nunca tinha sido muito importante para ela, de qualquer forma. - Eu me converto.
- Isso diminui um pouco o dano para Christopher, apesar de que, suspeito, o primeiro-ministro vai destituí-lo do cargo de embaixador. E sem dúvida o rei vai concordar.
Ela levantou a cabeça rapidamente, olhando horrorizada para Anahí.
- Christopher vai perder a posição dele?
- Com quase toda a certeza.
- Oh, não! - gemeu ela. - Não, não, não! O que eu fiz?
- Escute aqui, Dulce. - Anahí agarrou os braços dela e a sacudiu de leve. - Isso não é culpa sua. Ele é um homem de trinta e cinco anos e sabia o que estava fazendo. Ele tem que assumir a responsabilidade.
- Você não entende. - Ela soltou os braços das mãos de Anahí com um movimento brusco. - Eu tenho que vê-lo.
- Claro. Eu vou dizer a ele que você quer lhe falar. Espero que ele ainda não tenha ido embora.
- Embora?
- Ele vai hoje para Londres, como estava planejado. Quando o príncipe Fernando chegar, ele vai se encontrar com ele e obter o consentimento para se casar com você. Se você quiser vê-lo antes de ele sair, é melhor eu ir atrás dele. - Anahí começou a andar em direção à porta. Ela fez uma pausa antes de abri-la. - Dulce, não tenha medo. Christopher vai ser correto com você. Ele cumprirá o seu dever.
Anahí saiu, e Dulce entrou na água fumegante da banheira.
- Eu sei que ele vai se casar comigo - sussurrou ela para a porta fechada, na mais abjeta infelicidade. - É por isso que eu fiz o que fiz.
As mãos de Christopher, que ajeitava a gravata ao espelho, se paralisaram. Ele rapidamente tirou os olhos do próprio reflexo e olhou para o irmão, que estava à porta do quarto. A expressão de incredulidade no rosto de Alfonso exigia explicações, mas Christopher não queria explicar nada. Ele tinha passado as últimas horas tentando não pensar em nada, fazendo o possível para não sentir nada, lutando para enterrar as emoções bem fundo até não sentir nada. Era a única forma que conhecia de tornar tolerável o que havia feito. No entanto, quando voltou a olhar para o espelho, o que viu no próprio rosto o tirou do estado de entorpecimento cuidadosamente cultivado: tudo o que ele pensava ser tinha desaparecido, e ele já não mais reconhecia o homem ali refletido. - Ouvi esse comentário do próprio Tremore, quando cavalgamos hoje de manhã - continuou Alfonso. - Você não vai acreditar. Christopher se voltou para Harper, que estava ao seu lado. - Deixe-nos a sós. Com um discreto gesto de cabeça, o valete se encaminhou para a porta. Alfonso esperou até Harper sair e fechar a porta antes de voltar a falar. - Lady Belinda foi quem começou, naturalmente. Aquela mulher é a criatura mais malévola que existe. Não acredito que Tremore um dia chegou a pensar em se casar com ela. Ela é capaz de dizer qualquer coisa. - É mesmo - concordou Christopher. Ele respirou fundo e olhou nos olhos do irmão. - Às vezes ela até fala a verdade. - O quê? - Alfonso deu um meio sorriso. - Você quer dizer.. - Ele se interrompeu e balançou a cabeça, sem poder acreditar. - Belinda está dizendo a todo mundo que depois do baile ela e o primo encontraram você com Miss Saviñon. - Ele disse isso devagar, como se Christopher pudesse não compreender o rumor que circulava entre os hóspedes de Tremore. - Ela está dizendo que viu vocês dois na estufa. E que vocês estavam semidespidos. Os olhos de Christopher passaram pelo irmão e foram pousar no terno preto e na camisa branca que estavam sobre a cama. - Sim. - O vestido de Miss Saviñon estava rasgado - disse Alfonso. Christopher fechou os olhos, lembrando-se do momento exato em que o rasgara. Ele ainda ouvia o barulho do tecido se rompendo. A lembrança daquele som ainda conseguia deixá-lo excitado, ao mesmo tempo em que o envergonhava. Ele sentiu o torpor desaparecer aos poucos e tentou desesperadamente agarrar-se a ele. - Sim, eu sei. - Deve haver algum engano. Eu conheço você. Belinda deve estar mentindo. Ou ela entendeu mal o que viu. Christopher abriu os olhos e voltou a olhar nos olhos do irmão. Não disse nada. Alfonso ficou olhando fixamente para o rosto dele. - É verdade! - murmurou ele, enxergando além da cuidadosa máscara diplomática com que Christopher tentava disfarçar o próprio constrangimento. - Meu Deus, é verdade! O meu irmão, pego em uma situação comprometedora com uma jovem senhora. O sistema solar deve ter parado. - Lady Belinda viu o fim dessa situação comprometedora, e não o começo - ele se pegou dizendo. Ele, o mais compenetrado e discreto dos homens, estava sentindo necessidade de fazer algum tipo de confissão. E, o que era ainda mais desconcertante, estava fazendo essa confissão para - entre todas as pessoas do mundo - o seu mal-afamado irmão caçula. - O... - Ele engoliu em seco diante da audácia de dizer isso em voz alta. - O dano já tinha sido irreparavelmente feito. - Você quer dizer que você... que você e ela... você fez? - Alfonso, o cretino, na verdade começou a sorrir. - Ora, ora, ora - murmurou ele. - Como caíram os valorosos - ironizou, citando a Bíblia. - Não estou com nenhuma disposição para as suas brincadeiras - retrucou Christopher quase no limite. - Por Deus, se você disser mais uma palavra, vou fazer com que a engula, e terei mais uma coisa de que me arrepender hoje. Alfonso levantou as mãos, pedindo trégua, e qualquer sinal de divertimento desapareceu de seu rosto. - Desculpe, desculpe. Mas você deve entender que estou abismado. Você nunca faz nada errado. Você nunca se engana. Você é sempre perfeito. Sempre foi. E para mim, o fato de você ser humano é uma revelação extraordinária. "Você é humano, afinal de contas." As palavras de Dulce ecoaram na sua cabeça.
- Há o mais espantoso rumor circulando hoje.
Autor(a): raaayp
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
- É claro que eu sou humano. - Desejando não ser, ele esfregou a mão sobre o rosto, irritado. - Meu Deus, por que todos acham que eu não sou? - Bem, eu sempre estive inclinado a duvidar que fosse. Quando éramos meninos, os nossos professores sempre faziam comparações entre nós, e era sempre eu que levava a pior, posso ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 592
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minhavidavondy Postado em 25/07/2016 - 14:19:52
Maravilhosa,já li bastante.
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stellabarcelos Postado em 27/11/2015 - 01:04:41
Muito linda essa web! Já li duas vezes! Amooo
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maby Postado em 27/10/2011 - 22:51:06
A web foi perfeita, vou sentir saudades dela...posta maissssssssssssss:)
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maby Postado em 27/10/2011 - 22:51:06
A web foi perfeita, vou sentir saudades dela...posta maissssssssssssss:)
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maby Postado em 27/10/2011 - 22:51:05
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maby Postado em 27/10/2011 - 22:51:04
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