Fanfic: História de um Grande Amor - adaptada. (vondy) | Tema: Rebelde

Dulce arregalou os olhos.

— Eu não posso beber.

— Não pode?

— Ao menos, não deveria — ela corrigiu-se e franziu o cenho.

Ucker gostou de vê-la irritada. Era bom saber que ainda podia provocar uma mulher, mesmo uma moça inexperiente como aquela.

— Já que está aqui, a senhorita poderia tomar um co­nhaque.

Dulce permaneceu imóvel por um momento, hesitando. Depois deixou o pequeno livro sobre a mesa próxima da porta e adiantou-se.

— Apenas uma dose.

— Então conhece o seu limite?

— Para ser mais exata, não sei qual é ele.

— Muita sabedoria para alguém tão jovem — Ucker co­mentou em voz baixa.

— Tenho dezenove anos — Dulce explicou sem nenhum tom de desafio.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Como eu disse...

— Quando o senhor estava com dezenove anos...

O sorriso de Ucker foi ferino ao notar que Dulce se calou.

— Naquela época — ele entregou-lhe uma dose generosa de conhaque —, eu era um idiota.

Serviu-se de igual porção e tomou tudo num grande gole, colocou o copo sobre a mesa com um ruído exagerado e recostou-se na poltrona, apoiando a cabeça nas mãos.

— O mais certo seria dizer: como todos os jovens dessa idade — declarou Dulce.

Ele a fitou. Ela não tinha tocado na bebida, nem mesmo se sentado.

— A presente companhia possivelmente deve ser excluída — Ucker a corrigiu.

— Achei que conhaque fosse tomado naqueles cálices bojudos de boca mais estreita.

Ele notou que Dulce se sentava afastada, mas não lon­ge demais e sem desviar a vista. Estaria temendo uma agres­são por parte dele?

— Conhaque pode ser servido no que se tiver mais à mão. Como neste caso. — Ele levantou o copo, mas não achou necessário terminar a sentença e ocupou-se em servir outra dose para si mesmo.

Tornou a fitar Dulce. Ela estava imóvel, de olhar fixo nele, com expressão difícil de ser decifrada. Era impossível afirmar se o desaprovava, mas gostaria de ouvi-la dizer al­guma coisa, mesmo que fosse mais um comentário sobre for­matos de cálices. Qualquer coisa que o fizesse esquecer que eram onze e meia da noite e que ainda faltavam trinta mi­nutos para aquele maldito dia terminar.

— Srta. Dulce, o que achou do culto? — Desafiou-a com o olhar a dizer algo além das costumeiras trivialidades.

A surpresa foi a primeira emoção visível no rosto de Dulce.

— Está se referindo ao funeral?

— Apenas ao serviço religioso — Ucker explicou com vivacidade.

— Eu diria que foi interessante.

— Ora, vamos, srta. Savinón, sei que poderá falar bem mais do que isso.

Dulce mordeu o lábio inferior. Ucker lembrou-se de que esse também era um costume de Alice, sempre que pretendia fingir-se de inocente. E que havia parado com essa mania quando conseguira a tão sonhada aliança de casa­mento.

Serviu-se de mais um drinque.

— O senhor não acha...

— Não! — Não havia conhaque suficiente no mundo para uma noite como aquela.

Dulce inclinou-se para a frente, pegou o copo e tomou um pequeno gole.

— Achei que o senhor se comportou de maneira esplên­dida.

Ucker engasgou e tossiu, como se tomasse conhaque pela primeira vez.

— Como é? Ela sorriu.

— E melhor beber goles menores. Ele a fitou com o olhar faiscante.

— É raro alguém falar honestamente a respeito da morte — Dulce comentou. — Não tenho certeza de tomar o rumo adequado, mas... bem... Alice não era uma pessoa maravi­lhosa, era?

Na aparência serena de Dulce destacava-se o olhar ati­lado.

— Srta. Savinón, não sei por quê, mas me parece que está se expressando com um leve toque vingativo.

Ela deu de ombros e tomou outro pequeno gole de co­nhaque.

— De maneira nenhuma — declarou, sabendo que não seria levada a sério. — Mas sou uma boa observadora.

— Não me diga! — Ucker ironizou.

— Não estou entendendo. — Dulce retesou-se.

Ele não imaginava por que o agradava tanto irritá-la. In­clinou-se para a frente só para ver se conseguia deixá-la constrangida.

— Eu tenho reparando na senhorita há anos.

Mesmo na semi-obscuridade, Ucker notou que ela empalidecia.

— E sabe o que percebi? — ele murmurou. Dulce entreabriu os lábios e meneou a cabeça.

— A senhorita acompanha os meus movimentos o tempo inteiro.

Ela levantou-se com brusquidão e quase derrubou a pol­trona.

— Preciso ir. Não é certo eu ficar aqui e, além disso, já é tarde. Eu...

— Ora, srta. Savinón. — Ucker ficou em pé. — Não se preocupe. Eu a tenho visto observar todo mundo.

Ele segurou-a pelo braço. Dulce estacou e não tentou desvencilhar-se.

Ucker não queria que ela fosse embora. Não desejava ficar sozinho. Faltavam vinte minutos para a meia-noite e a intenção era deixá-la com uma raiva, idêntica à que ele carregava havia anos.