Fanfic: A Dinastia Do Sol | Tema: Magic Campus
Quatro
A estrada de terra cortava o grande vale LingLan. A passagem era acidentada e a via estava em péssimas condições. Os buracos, uns grandes o suficiente para quebrar as rodas de carroças mais humildes, eram a maior inconveniência na viagem de Shanks.
- estamos muito longe, mestre? – perguntou o garoto, com desanimo.
- de Loras? Sim, estamos. Mas o mensageiro que nos levará até lá não está tão distante daqui. – o homem respondeu.
Flyper não se contentou com a resposta.
- estamos viajando há dois dias. Por que não podemos cruzar as terras prósperas de uma vez?
A pergunta fez o mestre rir. Ele olhou ao redor e apreciou a paisagem. Mascava uma folha de trigo e guiava as rédeas dos quatro cavalos pardos, fortes e saudáveis. A carroça era toda de madeira, também nobre, e com detalhes dourados. Ela foi, notavelmente, repintada. Por trás da tinta negra e dourada, era possível notar, nas portas, a insígnia de Dong Xuen. Depois de um tempo vendo os arbustos exóticos da região, que cercavam os dois lados da estrada, o mestre respondeu:
- já que a viagem está cansativa, vou contar uma história. Serve? – Shanks nunca se mostrava disposto a conversar algo que não dissesse respeito ao treino do garoto. Flyper demorou para acreditar, até que, mesmo sem ter respondido, o Mestre continuou. – As terras prósperas – suspirou – Hoje são apenas ruínas da nossa ganância. No fundo, tudo foi em vão. Casas para demônios, nada alem disso.
O garoto estava sentado na borda dos fundos da carroça. Ao ouvir o mestre começar a história, sentou-se ao seu lado.
- No inicio dos tempos, na época de Bess, a humanidade se concentrava em Loras, uma das primeiras cidades feitas pelos homens na Terra dos Despreocupados, até então, como chamávamos este continente que hoje é dividido em cinco impérios. Acho que você, pequeno, nunca contemplou a grandeza e a beleza dessa cidade, um milagre da antiga engenharia arquitetônica. A Cidade da Saudade fica no topo do monte Dangus, que no antigo dialeto, significa céu. Um dia, os homens decidiram descer. As terras, abaixo da cidade, eram férteis e a fauna era considerada uma dádiva. A diversidade dos animais, conforme descrevem os relatos, encantavam com as mais fantásticas criaturas. A agricultura logo garantiu a prosperidade de nossa raça, e aos poucos, fomos evoluindo. Mais cidades cresceram, algumas até maiores do que Loras. A paz reinava, e estávamos no auge de nossa civilização. Nunca mais foram vistas cidades com castelos tão esplendidos e magníficos, arquiteturas brilhantes e lindas, e diz-se que tinham até um sistema de saneamento e abastecimento de água. Bess nasceu na Terra Das Promessas, e no dia de seu nascimento, os primeiros demônios alcançaram a Terra dos Despreocupados. As cidades foram destruídas, toda nossa glória estava sendo apagada. Mas Loras nunca foi descoberta pelos monstros, por estar escondida acima das nuvens. Os homens não podiam combatê-los, porque não conheciam armas. Nessa guerra, que foi mais um massacre, eles trouxeram sua própria cultura e ergueram suas próprias cidades, sobre as ruínas de nossas casas. Bess, junto com mais seis anciões, encontraram um cristal sagrado, o qual batizaram de Jin Ming. A pedra foi dividida entre os seis anciões pela própria Jin Ming, a princesa de Loras. Estes receberam armas e armaduras, com inscrições ainda mais antigas que A Cidade Da Saudade. O cristal lhes deu a força e a sabedoria para reagir na guerra. Então, dentro dos limites de Loras, a primeira academia foi fundada. Um enorme complexo que lecionava todas as seis profissões que conhecemos hoje, porem, juntas. Eram verdadeiros guerreiros, com todas as habilidades de todas as profissões. Hoje, é concebível apenas uma profissão por homem, a qual ele deve seguir o resto de sua vida. Sem tempo, a Legião de Bess desceu o monte Dangus e, numa guerra que durou cem anos, expulsou os demônios das Terras Prosperas. Porem, uma magia negra foi lançada sobre a terra, condenada a nunca mais sustentar a vida. As mulheres humanas das terras baixas, durante a supremacia dos demônios, foram tomadas e violentadas e uma nova raça de híbridos surgiu. Eles foram descobertos pouco tempo após o jubilo dos demônios. Não eram tão diferentes de nós. Tinham cabelos e lábios azuis e olhos dourados como o reluz do ouro limpo. Eram mais rápidos e habilidosos com armas, mas nunca foram agressivos. Com o tempo, os homens fizeram a cultura dos lazulis abandonar as armas. Ainda sim, as crianças nasciam já sabendo magia negra, um dom natural, que intrigava o antigo clero Loraniano. Por isso, a raça dos lazulis foi sendo discriminada e sofreu de preconceito durante séculos. Bess estava adoecendo e a igreja culpou os lazulis de usar bruxaria contra o grande Ancião, que depois da guerra, passou a ser adorado como um deus, e até hoje, faz parte de nossa cultura. O sucessor de Bess estava sendo escolhido. Nessa época, já havia cidades muito alem das terras prosperas. Grandes descobertas foram feitas, como por exemplo, outros povos. O mais importante deles foram os Pompeanos, que hoje são os maiores comerciantes do nosso Reino. Pena que estão em crise. Os Pompeanos nos trouxeram os primeiros mapas. Com eles, os limites das nossas terras se expandiram absurdamente rápidos. Em meio século, já havíamos fundado cidades ao norte. A primeira delas foi Dong Xuen. Nessa cidade, ainda no inicio de seus tempos, nasceu um homem, hoje nosso querido Bei Si, que acabou sucedendo Bess, mas isso é outra história. Agora vai o que você precisa saber, garoto. Quando Bess morreu, os anciões migraram, cada um para seu canto, onde fundaram suas respectivas academias. Nessa fase de transição, entre a morte de Bess e a nomeação do novo guardião, a igreja foi quem governou Loras e a grande Dong. Agora vem a vergonha de nossa história. O clero, achando estar vingando a morte de Bess, ordenou o massacre dos Lazuli nas Terras Prosperas. Mulheres, idosos, crianças. Não pouparam ninguém. Queimaram suas casas, escolas... E então, para se defenderem dos homens, convocaram seus demônios. Trouxeram de volta à terra os monstros terríveis e as almas perdidas. Foi assim que os demônios chegaram pela segunda vez. Bei Si, então recentemente nomeado, criou um clã com nove grandes líderes encarregados de treinar um exercito especial para combater esses demônios. As Guerras Semitas, como chamamos esses confrontos, duraram oito anos. E foi muito lucrativa. Dong Xuen cresceu monstruosamente e os Lazuli foram derrotados e quase extintos, mas os demônios ainda prevalecem nas Terras Prosperas. Apenas Loras está a salvo deles. Por isso nenhum homem se atreve a ir nestas terras. Lá, encontramos apenas ruínas de um passado de glórias e vergonhas, sangue e morte. Encontramos demônios sedentos de vingança e manchas de um povo sofrido.
Depois que Shanks terminou de contar a história, uma pequena tensão se formou no ar e ambos permaneceram calados por um tempo. Depois, Flyper quebrou o silencio.
- e ainda dizem do norte... Como sabe disso tudo, mestre?
O homem pensou muito antes de responder.
- livros. – disse secamente.
Meia hora após se desviarem do curso da estrada principal, que cruzava todo o Vale LingLan rumo ao Vale Do Demônio, andavam por uma estrada de terra. Estavam indo em direção a uma cidade, não muito grande, mas não muito pequena. O vale era deserto e a cidade era o único sinal de civilização considerável. Estava protegida por altas muralhas de madeira que se estendiam para o leste, até que se perca de vista. Em alguns pontos, era notável certa destruição, tamanho eram os danos. Demoraram a abrir os portões aos viajantes, e estes, à medida que adentravam no coração da cidade, iam notando ainda mais destruição. O templo da cidade, em geral formado por um Septo e uma torre sineira, estava em pedaços. A grande parede que sustentava os vitrais frontais agora jazia em ruínas nas ruas e calçadas do perímetro junto a vidros coloridos. A torre sineira perdeu o andar onde fica o sino. Olhando para uma construção inacabada do outro lado da rua, encontraram o objeto. Havia caído sobre o lugar, destruindo o telhado e pondo abaixo uma das paredes.
Shanks notou como Flyper olhava para estes lugares destruídos e para rastros de sangue nas ruas, e depois o encarava. Sem que o garoto não diga nada, Shanks simplesmente comentou:
- dragões.
Cruzaram a esquina do Septo e por trás da igreja destruída, viram o pequeno palácio. Estacionaram ali perto e o Mestre desceu na carroça. Um duende mensageiro estava sentado nas escadas da entrada principal do prédio. Shanks foi negociar o preço com o pequeno mago e logo voltou à carroça.
- cinco mil pratas. Um absurdo. Para ir para Loras? Pago 100 pratas e menos de quinhentos papeis pela taxa da carroça em Dong.
Não era para Flyper responder.
O duende mensageiro se preparava para enviar a carroça para a Cidade da Saudade, quando um grupo de homens, trajando togas verdes escuras, apareceu saindo pela porta do palácio. Atrás deles, mais dois surgiram. Estes vestiam trajes do governo local. Ao cruzarem olhares com o homem da carroça, correram em sua direção, interrompendo o ritual do duende.
- você? – disse uma voz desesperada. Um dos homens de verde, que usava o capuz da toga para cobrir o rosto até abaixo dos olhos, parecia ter reconhecido o homem. – Ruivo! O renegado de Bei Si! Salve-nos! Pelo amor de Bess, Salve-nos!
Shanks olhou para o homem fingindo certo desprezo.
- não sei quem é você. Largue-me, por favor.
- tirano traidor! Compense seus pecados, salve-nos! Está é a chance que Bess lhe dá para se redimir!
O mestre riu.
- minha alma está perdida, homem. Não existe redenção para mim. Agora se afaste da carroça, ou usarei a força.
Os homens estavam melancólicos e desesperados. Ao fundo, os dois homens do governo se entreolharam e um deles sacou uma garrucha, atirando para o alto.
- se afastem da carroça, abutres – gritou um deles. Depois, se aproximou dos viajantes. – perdoe esta pobre gente. Estão loucos, desesperados. Bess parece estar irritado com nosso povo. Fez a insanidade cair sobre nosso clero e enviou estes demônios para destruir nosso Septo.
Flyper apenas olhava, impressionado com tudo ao redor. Os homens iam cambaleando desamparados, de volta ao seu Septo destruído. Deviam ser do clero. Shanks não respondeu ao homem. Virou para frente e fez um sinal para o Mensageiro. Segundos depois, estavam numa estrada, com uma placa que os indicava estar a 200 km de Loras.
- Não vai fazer nada, Mestre?
Começaram a cavalgar. Era possível ver o monte Dangus, antes de sumir no céu.
- O que quer que eu faça garoto? Uma cidade governada por religiosos fanáticos. São atacados por dragões e põem a culpa em Bess? Hereges.
- aquele homem te chamou de Renegado de Bei Si. O que ele quis dizer?
- isso é... Apenas um insulto. Nada mais.
- mas mestre...
- NADA MAIS, EU DISSE. – respondeu impaciente.
Flyper esperava por outra história, mas estava claro que aquele não era o assunto adequado. Mestre Shanks sempre escondeu seu passado. Por que tantos mistérios? Por que não pode simplesmente se abrir? Ora, Flyper é seu aluno há quase um ano. Simplesmente não compreendia o motivo de tantos segredos. E aquela porta de bronze? Por que tanto sigilo, que mal fará saber o que existe do outro lado dela? O pequeno aprendiz sempre se perguntava essas coisas, todas as noites. A curiosidade lhe tirava o sono, mas passou a se acostumar com isso. Não espera muita coisa de Shanks, hoje em dia. Entendeu que quanto mais souber de seu mestre, menos o conhecerá.
- é uma pena – disse Flyper, meia hora depois de tomarem aquela estrada. Até então estavam em silencio. Shanks é um homem fechado, e ter contado aquela história foi algo surpreendente. O garoto nunca antes vira seu mestre falar tanto.
- o que?
- uma pena... Os Lazuli parecem um tanto... Interessantes.
Shanks pensou um pouco naquilo.
- quem sabe um dia você conheça algum.
Flyper se empolgou.
- eles ainda existem?
- nunca disse que foram extintos, garoto. Apenas disse que chegaram perto da extinção. Hoje, vivem apenas nas Terras Prósperas. Acho que não existem lazulis fora delas.
De repente, um enorme animal quadrúpede, de pelos dourados, surgiu vindo do nada, se materializando no meio da estrada, com um homem vestido de azul montado nele. Caindo de um metro de altura, de onde havia se materializado, o boi, que mais parecia um lobo gigante, seguiu galopando, em espantosa velocidade, na direção de Loras. Pouco depois, mais um se materializou. E em seguida, mais dois.
- mestre...
- não se preocupe. São amigos. Nunca viu um Boi Dourado?
- não, nunca.
O mestre parecia disposto a conversar agora, enquanto olhava os quatro cavalheiros sumindo de sua vista ao longo da estrada.
- são bons mascotes. Devem ter vindo de Pompéia. – analisou. – animais poderosos. Os homens que podem montar num desses são, geralmente, ainda mais poderosos. Homens de respeito. Em geral, líder de algum clã ou da guarda imperial.
Flyper demorou a responder. Os cavalheiros já haviam saído totalmente da vista dos viajantes.
- o que é um clã, exatamente?
Shanks olhou para o garoto de soslaio e voltou a encarar a estrada. A paisagem se alternava entre desertos e florestas rasteiras e o céu estava lindo, azul. As primeiras nuvens estavam na região do monte Dangus.
- clãs... Clãs são sociedades, compostas por mercenários indisciplinados. Tudo o que fazem é saquear pequenas cidades para ganhar respeito e confrontar outros clãs. De vez em quando, um favorzinho ao governo aqui e ali...
- mercenários?
- sim. Desertores ou alunos que não terminaram o curso. Completamente o contrario das Dinastias. As dinastias são grandes sociedades, poderosas, formadas por habilidosos guerreiros. Em geral, eles têm toda uma política interna. Todas possuem um código de honra, o qual você abre fazendo um juramento. Por isso, são tão temidas. Hoje em dia, apenas cinco estão vivas, enquanto por ai, mais clãs surgem todos os dias. Clãs - repetiu – esses idiotas ainda ficam ricos com esta merda.
O garoto não insistiu no assunto. Shanks ficou irritado. Judiou dos cavalos com a rédea por uma longa distancia, até que pareceu mais calmo, deixando a carroça na velocidade normal. Flyper voltou para a traseira do carro. Ao fundo, via nuvens negras, nada alem disso.
A carroça parou no inicio de uma trilha, meio estreita, que contornava a montanha, até chegar ao seu cume, onde fica a mítica Cidade da Saudade, conhecida como Loras. Esse inicio da trilha é marcado por duas estatuas, alinhadas nos extremos da via, com uma pequena marquise entre as duas. A da direita era um dragão de fogo domado por Bess e a da direita, um boi dourado montado por Bei Si e um Anjo do Diabo ajoelhado ao seu lado.
- estamos chegando. Mais algumas horas e estaremos lá. – disse Shanks.
Três horas de subida se passaram e os viajantes foram obrigados a parar para descansar os cavalos. Não bebiam nada desde a pequena cidade no Vale LingLan. Preparou um acampamento, pois já estava para anoitecer. Da carroça, trouxe algumas maçãs gordas e deu aos cavalos. Também montou um pequeno recipiente de água para os animais. Puxou um toldo da carroça e o estendeu. Trouxe mais algumas frutas para comer com Flyper.
- por que não caçamos? – perguntou o garoto, inocente.
- porque esta é uma terra sagrada. A caça aqui é uma heresia. – disse o mestre, sem cerimônia.
Já era noite e Flyper dormia. Não devia passar das dez horas. Os cavalos também repousavam. A subida necessitava de muito esforço e a carroça não era leve. Shanks olhava para as estrelas. Estava fora da lona, sentado ao lado de uma fogueira que havia acabado de acender. Fazia frio, pois já estavam a uma altura considerável naquela montanha. Afiava sua espada Cidiana com uma pedra de amolar. Olhou para a carroça e a avaliou de longe. Era realmente, bela e bem trabalhada, feita de materiais totalmente nobres. O teto era de madeira, forrada de tecido resistente e pele de selvagem azul, um animal muito prestigiado pela coloração de seus pelos, que, sobre a luz da lua, exalam uma linda luz azul. Devia ter sido algum presente. Um presente de alguém importante.
Com cuidado, embainhou a valiosa espada, e a repousou sobre suas coxas. Deitou-se ali, na terra com vestígios de mato e graminhas curtas, fitando as estrelas. Seus olhos começaram a se fechar.
Havia uma garota com sangue no braço direito. O braço estava quase todo ensopado do cotovelo até a ponta dos dedos. Shanks se aproximou dela e então notou que a moça chorava.
- por que me abandonou, meu amor? – perguntou a menina.
O homem estava impressionado com aquilo tudo.
- o que você fez? O que é isso?
- eu só fiz a coisa certa. Eles vão me matar, eles... Não me abandone de novo, meu ruivo.
E a moça se desfez em cinzas, e logo toda a sala se desfez também. Um vazio completo preencheu o mundo, e sobre os pés do ruivo, o palácio imperial se ergueu. Estava na entrada dele e o prédio estava em chamas. Era uma tarde ensolarada de verão, de alguma época. O homem correu para dentro, sentindo-se engolido pelas chamas ardentes. Quando deu por si, estava na sala real, a sala de Bei Si. E o grande ídolo jazia morto sobre os braços dessa mesma moça, que segurava uma faca com um semblante Loraniano.
- o que você está fazendo? – Shanks perguntou desesperado.
- apenas o que deve ser feito... Eles virão por mim, mas você não me abandonará. Eles virão atrás de você também, sei que virão.
Shanks não entendia o que estava acontecendo.
- você o matou junto comigo, meu amor. Levarão você também. – repetiu a garota.
- por que fez isso? Você... Você me culpou, você me condenou, VOCÊ SABE O QUE ACABOU DE FAZER?
E a garota respondeu insana:
- apenas o que deve ser feito, meu amor. Apenas o que deve ser feito.
Shanks acordou do pesadelo horroroso. O que foi aquilo? Marcas de sua memória fundidas com seus medos? Estava suado e a fogueira ainda ardia. Olhou novamente para o céu e ao julgar pela nova posição das estrelas, concluiu que dormiu por quase três horas. Devia estar no auge da madrugada agora. Tirou a camisa de malha, revelando parte de seu corpo malhado. Foi até o balde d’água perto da carroça e lavou o rosto. Então, olhou para a lona da carroça e viu que Flyper já não dormia mais lá. Deu olhadelas ao redor do lugar e então sentiu uma presença próxima de si.
- estou começando a achar que tens problema para dormir, garoto – disse o homem.
- quem costuma ter pesadelos é o senhor, mestre – respondeu o aprendiz.
Era comum Flyper acordar nessa hora e vagar por ai. Por ordem do mestre, ele evita zanzar à deriva da noite. Acostumados a viver na floresta de Bambus, onde, à noite, as plantas carnívoras e os demônios verdes saem para caçar. E presas humanas é a refeição predileta dessas criaturas.
- estou reservando o sono para a viagem de hoje. Logo subiremos mais para Loras, não é?
O mestre passou mais água no rosto e respondeu:
- é. Partiremos logo. Mas eu vou voltar a dormir. Não saia de perto da carroça. – disse com uma voz cansada.
* * *
Dong Xuen amanheceu num clima macabro. Sobre a Praça do Mercado, onde se concentram as grandes feiras e mercados da cidade, existe uma ponte, com dez postes de archotes, que perfeitamente, iluminam toda a passagem. Naquela manhã, sobre cada poste, havia um homem pendurado pelo pescoço, numa corda grossa amarrada na ponta do archote, que havia acabado de apagar, sobre a primeira luz da aurora.
Nick, que bebia, já de manhã cedo, um vinho grosso, do topo de um telhado de uma casa qualquer, foi o primeiro a ver tal bizarrice.
- é... Parece que o novo capitão da guarda imperial está fazendo um bom trabalho. – disse para si mesmo e tomou mais um gole, direto da garrafa.
Feng e Puma foram os primeiros a aparecerem na feira. Com eles, estavam também, outros dois homens, um com algumas ferramentas e outro segurando placas de papel duro. Nick, de longe, viu que estavam pregando avisos. A primeira placa foi pregada no poste do meio da ponte. Com sua visão apurada, conseguiu ler parte do que estava escrito. Enxergar não era o problema. O ponto era que já estava quase no final da garrafa, e como possui uma alta tolerância ao álcool, o rapaz ainda não estava embriagado, mas apenas um pouco alterado. Quem venha os ladrões, os estupradores, os vândalos, os desertores e os assassinos. A guarda imperial de nossa cidade não terá mais tolerância com tais elementos. A partir de hoje, a pena de morte será aplicada a todos os meliantes.
Nick saltou do telhado, caindo sem estilo no chão. Estava pronto para cair de pé, mas se distraiu e acabou escorregando num toldo do segundo andar, quicando e caindo completamente fora do planejado, num bolsão de roupas sujas. Levantou-se atrapalhadamente e ainda, para sair do bolsão, caiu de novo. Andou até a praça, sem ao menos cambalear, e encontrou com Feng e Puma, observando os homens pregarem mais alguns avisos ao redor da feira.
- ora, se não é o pequeno mascote da dinastia. – disse Feng, zombando do rapaz – o que quer?
- esse Feng, sempre de bom humor – Nick riu – e então, parece que o novo capitão da guarda está tomando seu lugar, não?
O Capitão de Proteção estava ficando irritado. Afinal, para isso, não precisa de muito também.
- Eu sou um capitão de proteção, ele é o capitão da guarda. Cargos diferentes, funções diferentes. E, sou eu, ou Puma também está sentido esse hálito de cachaça?
- é vinho, seu imbecil.
- são seis e meia da manhã, garoto. – disse Puma, calmo – costuma beber nesse horário?
Um dragão minúsculo, do tamanho de uma águia comum, surgiu de uma nuvem de chamas no céu, e voou baixinho, até pousar no braço que Nick estendeu. Puma e Feng se entreolharam.
- lindo não? – disse o cavalheiro da dinastia. – eu o chamo de Dewk. É um ótimo dragão. Fiel e prestativo. Não foi muito caro sabe, na verdade, foi meu general quem me deu. Ele é muito bom para passar mensagens, e adora comer os corvos no almoço. Vocês não usam corvos por aqui, não é? Puxa vida, usam sim. Seria uma pena caso tivéssemos acidentes. – retirou pequena carta que estava presa à pata do dragão. O bixo começou a parecer desconfortado. – o que é garoto? – disse para o dragão – engasgou? Vamos, ponha para fora – acariciou suas costas e o dragão cuspiu uma pequena labareda, e uma pedrinha de fogo rajou sobre o rosto de Feng. – oh, me desculpe, senhor. Meu pequeno dragãozinho está meio gripado.
Puma parecia curioso quanto à carta. Nick leu tudo em silencio, e sua expressão zombadora converteu-se em apreensiva. Feng levou a mão ao rosto, onde estava queimado. Não havia sido um estrago muito grande, apenas uma manchinha preta no meio da bochecha.
- é bom que controle esta coisa, senão mando abatê-la – disse irritado.
- não se preocupe, senhor capitão. Ah, e está sujo aqui – respondeu Nick, apontado para o machucado no rosto do Capitão de Proteção. – agora, com licença, senhores. Preciso ir.
E virou as costas, ainda um pouco impressionado com os corpos enforcados e com seu pequeno dragão no ombro direito.
As maravilhosas muralhas de Dong Xuen encantavam a paisagem ao fundo. Fora de seus limites, Kyshme dormia numa humilde rede, no quintal de um casarão. Atrás de tal casa estava um pequeno lago, que fazia parte da fazenda, com uma extraordinária abundância de peixes. Eram vastas terras, e ao ver, férteis. As plantações se estendiam até perderem-se nos morros, havia três celeiros e dois armazéns, com mais dois silos. A área do gado também era grande. Atrás de um dos celeiros tinha um conjunto de galinheiros e ali perto, uma casa de ferragens. A casa em si, tinha três andares, contando com o sótão, e mais o porão. A varanda da frente, no primeiro andar, circundava a casa até a saída pela cozinha, onde tinha a porta dos fundos. Esta porta se abriu, e dela saiu uma pequena garota, trajando um curto vestido azul com bordados pretos na frente. Tinha o rostinho meigo e seus cabelos, morenos e escuros na raiz e clareando até as pontas, caiam soltos sobre suas costas. O corpo era esbelto, perfeitamente encaixado no belo vestido. Estava carregando dois copos de limonada. Foi até a rede onde jazia Kyshme, já acordado, com o sol batendo-lhe no rosto.
- bom dia, meu cavalheiro – sua voz era suave e agradável de se ouvir – conseguiu dormir nisso?
O rapaz se espreguiçou e sentou na rede. Pegou um dos copos, tomou até a metade e pareceu gostar.
- sonhei com você.
- mesmo? – perguntou a garota, ajudando Kyshme a se levantar – e como foi o sonho?
- maravilhoso. – disse apenas.
- você vai voltar agora?
Kyshme pegou suas mãos e as apertou.
- preciso ir, Miyasa. Tentarei voltar essa noite também. Apenas espere por mim. – e deu-lhe um beijo na boca, como despedida. Atravessou o quintal do casarão e foi até o celeiro, onde havia deixado seu cavalo. Montou nele e foi-se para Dong Xuen.
- não pode ser possível. De onde a Dinastia de Lenço preto tirou tantos monstros? – perguntou Selenium.
- não faço idéia. Ninguém lá sabe explicar essa nova horda. Estão precisando de ajuda. Segundo a carta, ainda temos forças para manter o Templo de Arafa por mais algum tempo. – respondeu Nick.
- diz mais alguma coisa?
- sim. Estão montando um novo pelotão para quebrar o cerco à cidade. Querem um de nós como general.
Selenium passou a mão no rosto.
- Feng não deixará Kyshme ir. E já que todos por perto me odeiam, melhor que eu vá. Sou mais bem vindo no Sul.
- não acho que um de nós deva ir. Estamos aqui para assistir o exercito de Bei Si. Em breve marcharemos e todos contam conosco. Falarei com o intendente no Palácio Imperial. Ele pode indicar alguém para ir no nosso lugar.
O Lazuli se impressionou.
- faz tempo que não ouvia algo sensato vindo de você, Nick.
Selenium seguia o caminho para o palácio imperial, que passava por algumas tabernas famosas da cidade, entre elas a Antiga Taverna. Notou que, na porta de uma delas, a primeira que viu no caminho, tinha um aviso. Era uma ordem de retirada e demolição, imposta pela Guarda Imperial e pelo Palácio Imperial.
Depois, mais a frente, avistou outro bar, com o mesmo aviso. Estavam dando um prazo de dois dias para que fechem os estabelecimentos. Apressou o andar e avistou, na porta da Antiga Taverna, Natako, o dono do estabelecimento. Segurava o aviso e parecia inconformado.
- parece que estão fechando as tavernas da cidade – disse o homem. – não vejo o sentido disso.
- nomearam um novo Capitão da Guarda. Ele deve ter algo contra um pouco de diversão – respondeu o Lazuli.
Seguiu seu caminho até o palácio, onde estava marcada uma audiência. Selenium estaria desarmado, se não fosse a pequena adaga dourada escondida entre suas vestes, a qual teve que entregar para os guardas da entrada. Estava, também, bem vestido. Vestes originais da dinastia do sol, nos tons de vermelho e laranja. Em geral, oficiais renomados da dinastia usam um manto dourado ou alaranjado, mas Selenium sempre dispensada tal mordomia.
No salão principal havia uma série de portas. A do meio dava no fórum da cidade. O meritíssimo, um homem casmurro e um tanto gordo, já estava em posto. Os outros seis conselheiros, três a sua direita e três a sua esquerda, e mais Feng, Puma e Kyshme aguardavam pelo Lazuli, para começar a seção.
O juiz foi o primeiro a falar.
- pois bem. Convocou essa audiência, agora esclareça o que quer. – disse sem cerimônia.
O cavalheiro pigarreou.
- vossa excelência, está ciente de que jogaram uma criança na casa de sombras? – respondeu Selenium.
Feng deu uma risadinha. O meritíssimo o encarou.
- algum problema, capitão? Não? Pois bem. Lazuli – apontou para tal – não era uma criança. Era um demônio. Temos dezenas de testemunhas.
- as raposas malignas são demônios que entram no corpo dos homens. Elas se apossam de sua alma e...
- não me interessa nada sobre seus amiguinhos – interrompeu o gordo juiz – a criança não será libertada. Uma vez na casa de sombras, não há como sair.
- isso não é verdade. Ainda acho que...
- NÃO IMPORTA O QUE VOCÊ ACHA, DEMÔNIO! – o homem estava gritando agora. Feng e Puma, junto com alguns conselheiros, surpreenderam-se quanto à postura do juiz, que era muito mais profissional que isso. Selenium fechou os punhos.
- senhor, devo lembrá-lo de que ele é da Dinastia do Sol – cochichou um dos conselheiros.
- não me interessa isso também. A dinastia está tão corrupta que deixam... Merdinhas como você entrarem na sociedade para apagar todo o resto de dignidade que lhes sobra!
- CONTROLE-SE SENHOR – gritou Kyshme.
- REITRE-SE DA MINHA FRENTE, ABERRAÇÃO!
Selenium, embora nervoso, tentava mostrar uma falsa calma.
- então, essa é sua palavra final?
- sim – respondeu imediatamente, batendo com o martelo de madeira no pequeno maço da mesa.
O Lazuli encarou os membros do conselho, um por um, depois olhou para Puma e Feng, que estava com uma maliciosa expressão de satisfação, e por fim, encarou o meritíssimo.
- então que assim seja, vossa Excelência. – disse virando as costas. Saiu e pegou sua adaga de volta com os guardas. Montou o cavalo e voltou para os palacetes no sul da cidade.
Na residência dos cavalheiros, Nick tomava banho, cantando uma canção absurdamente obscena e do outro lado da porta, pequenos se reuniam, gargalhando e alguns, que já deviam estar lá há algum tempo, já decoraram o refrão e acompanhavam, aos risos, a melodia do cavalheiro. Selenium irrompeu no quarto, assustando os menores e estes correram de lá. Pegou sua espada e trocou as roupas. Abandonou as lindas vestes laranja da dinastia por um traje cinzento. Era um sobretudo cinza escuro e por dentro, uma camisa de malha e calças negras. Amarrou a montante nas costas e a adaga dourada na cinta. Enquanto se arrumava, Nick saiu nu do banheiro, coberto com a toalha.
- aonde vai, moço?
- vão tirar aquele garoto de lá por bem ou por mal.
- fala do demoniozinho?
Selenium assentiu com a cabeça.
- então boa sorte. Dizem que quem entra na casa de sombras nunca mais sai.
O Lazuli não se importou com o comentário:
- veremos. – disse desafiadoramente.
Selenium cavalgou de volta para o palácio. Na entrada, os guardas cobraram, desgostosos, suas armas. O cavalheiro não cedeu, e estes não questionaram. Com um pontapé, abriu a porta principal, e em passos calmos, seguiu até o portal para a casa de sombras. Primeiro havia uma porta de bronze, que levava a um corredor negro, e no fim deste corredor, uma porta dupla, também de bronze, com leões serpentes, símbolos de Dong Xuen, esculpidos. Abriu a porta, um tanto cabreiro e para sua surpresa, ali só havia um quartinho minúsculo, e neste quartinho, um pequeno Duende Mensageiro.
- não pode entrar aqui – disse com certo tédio na voz.
O Lazuli sacou a espada, a mais de um metro do duende, e com uma das mãos, a apontou para sua garganta. A montante roçou no pescoço do pequeno mensageiro que estremeceu.
- quem é você? – perguntou o cavalheiro.
- sou a passagem – respondeu o Duende, com o mesmo tédio na voz, agora um pouco misturado com medo.
- a passagem? E para onde você leva os condenados? – estava pressionando o mensageiro contra a parede. Um filete de sangue escorria do pescoço do anão.
- levo-os para seus pesadelos.
- um garoto foi preso aqui recentemente.
- ah sim... Não é comum crianças serem condenadas de tal maneira.
- leve-me até ele.
- isso é impossível, você precisa...
- LEVE-ME ATÉ ELE!
O duende o encarou com desdém.
- certo, certo. Ainda vai se arrepender disso, cavalheiro. Agora feche os olhos.
Tudo lá fora se acalmou. O calor da cidade se transformou em uma série de brisas úmidas. O barulho do comercio e das carroças, da movimentação dentro do palácio, se calou. Agora, não se ouvia um ruído, que não fossem pequenas gotas pingando do teto em poças pequenas. Abriu os olhos. Não viu nada, apenas a mais profunda escuridão. Ao fundo, talvez, tenha ouvido gemidos. Gemidos de dor, de medo, de desespero. Com uma das mãos, criou uma esfera de luz azul, iluminando parte de onde estava. E então, se viu no topo de uma montanha. Pegou uma pedrinha no chão, e a jogou para o fundo, para ver a altura do morro. Cinco ou seis segundos depois, ouviu o barulho da pedrinha se estilhaçar no chão. Não era muito alto, contanto que descesse aos pulos. Pegou sua esfera de luz e a isolou ao longe. Quando caiu, pode ver que havia alguma coisa se mexendo no chão, mas era difícil enxergar. Fez outra esfera de luz e começou a descer a montanha.
Finalmente estava no chão e encontrou o ponto onde a pedrinha se estilhaçou. Algo o agarrou por trás. Fedia e estava meio molhado e ainda, tentou morde-lhe o rosto. Selenium libertou-se da coisa, e com a esfera na mão, pode ver que tinha o rosto transfigurado. Era um condenado e devia estar preso há tanto tempo que sua alma o abandonou, a razão se foi por completo e agora só restava o instinto de se alimentar, custe o que custar. Lembrava muito aqueles zumbis do deserto do Mar Vago. Com a montante em punho, Selenium, sem muita dificuldade, partiu o corpo da coisa ao meio e um sangue negro jorrou para todos os cantos. No chão, a coisa se contorceu, até que o cavalheiro lhe fincou novamente a espada.
- isso é inacreditável. – sussurrou Selenium, apenas para si.
Continuou sua busca pelo garoto, mas agora que sabia o que realmente era a casa das sombras, suas esperanças diminuíram bastante. Depois de algum tempo caminhando, e lá dentro, não se tem a mínima noção do tempo, encontrou algo que deveria ser um pedaço de roupa, recentemente rasgado. Era laranja, como o uniforme da Estrela De Fogo.
Com a esfera de luz na mão, pouco antes de se levantar, viu que algumas dezenas dessas coisas se reuniram ao seu redor. Calmamente, evitando movimentos bruscos, levantou-se e entrou em posição de defesa com a montante. Quando o primeiro veio atacar, logo seguido por quase todos os outros, Selenium pulou sobre suas costas, ergueu a arma no ar, e logo, mil espadas choveram sobre as coisas, matando quase todas. Quando pousou no chão, o cavalheiro identificou os restantes vivos na escuridão. Sua espada criou um brilho azul e o homem voou sobre a primeira criatura, dando-lhe sucessivos golpes velozes, e logo pulou para o segundo monstro, montando em suas costas e fincando-lhe a espada. Agora estavam todos mortos.
Selenium seguiu seu curso por mais algum tempo. Quanto tempo estava andando? Horas? Dias? Não fazia idéia. Talvez o tempo passasse mais rápido ali. Percebeu que era fácil abandonar a ração num lugar onde nem um feixe de luz podia ser visto.
Uchiha corria rápido, com o braço sangrando e uma tocha nas mãos. Estava com a camisa rasgada e um bastão de ferro em punho. Cruzava as ruínas de uma sacada, quando na sua frente, surgiu um zumbi. Esfregou-lhe a tocha no rosto e a coisa gritou de dor. O golpe do bastão arrancou sua cabeça, que estourou na parede. Três criaturas o seguiam e o garoto voltou a correr. Estava descalço. E então, viu-se encurralado. Desesperado, apagou a tocha e colocou o cabo do archote na boca. Jogou o bastão para cima do muro e escalou, destruindo suas unhas contra a parede para escalá-las a todo custo. Lá em cima, antes de pegar o bastão, uma criatura arranhou seu rosto com suas unhas podres. Antes do segundo golpe, Uchiha rolou para o lado, fincou o cabo do archote apagado na perna da coisa, que pendeu sobre uma perna, perdendo o equilíbrio. O garoto, aproveitando a vantagem, pegou o bastão de ferro e deu-lhe um golpe no abdômen, seguido por outro nas costas. A coisa caiu no chão e então, Uchiha fincou a arma no seu rosto. Correu mais. A horda de criaturas ainda o perseguia, e já escalavam a parede. O garoto começou a sentir um cheiro estranho. Parecia pólvora ou carvão, não sabia ao certo o que era. Com magia, acendeu novamente a tocha e viu que estava dentro de algum túnel. Pela corrente de ar, deveria ter outra saída, seguindo reto. As paredes brilhavam cobertas por um pó negro. Seguiu nas entranhas da caverna e o cheiro aumentava. A tocha reluzia agora com mais intensidade e outras duas criaturas meteram-se no caminho. Uchiha jogou a tocha para o ar e segurou o bastão com ambas as mãos. Bateu nas costelas do primeiro monstro, passou por este e golpeou o rosto do próximo, nocauteando ambos. A tocha caiu em sua mão e ele seguiu o caminho. E então, encontrou algo bizarro ali. Era um monstro, com pelos que cobriam todo o corpo, e parecia um gorila. Segurava sobre o ombro uma enorme viga de metal.
- mas que droga é... – desviou do golpe violento que estremeceu o chão. Subiu na viga e a altura de seu rosto, golpeou-lhe com o bastão. Mas ao contrario dos outros, este não cedeu com o golpe. Espantou o moleque dali através de um soco poderoso com o musculoso braço. Agora preparava outro golpe com a viga, mas Uchiha rolou para o lado, e quando o metal golpeou novamente o chão vazio, o garoto foi para debaixo de suas pernas e acertou-lhe no membro viril. O monstro, para a surpresa do pequeno, não mostrou reação. Levantou um dos pés e tentou esmagar-lhe a cara, mas este saiu ligeiro dali. Nas suas costas, sobre a luz da tocha, viu que havia uma espécie de câmara, e sua porta, de metal reforçado, estava escancarada. De lá, saia o tal misterioso cheiro, que era pó de pólvora. Então, a casa de sombras é nada mais que uma mina de carvão e enxofre. E havia pó de pólvora nas costas do monstro. Esperto, atraiu a criatura para perto e novamente, rolou para suas costas, e jogou a tocha em seus pelos. Rapidamente começou a queimar, e desesperado, acabou se jogando na câmara inflamável. A horda de zumbis já havia alcançado Uchiha, agora cansado, cercado por milhares de criaturas desalmadas. Sentiu a corrente de ar trespassando pela parede atrás de si, e com um golpe de bastão, abriu um pequeno buraco na caverna. A parede era falsa, ou deve ter sido resultante do acumulo de sedimentos. Cedeu com facilidade, e quando finalmente o monstro despencou sobre a pólvora, todo o túnel se incendiou, destruindo todas aquelas coisas.
Selenium viu uma explosão quase no cume de um pequeno monte, não muito longe dali. Só poderia ser o garoto. Correu na direção do fogo, antes que se dissipasse. Alguns minutos depois, escalou o pequeno monte e sentiu um cheiro de cabelo queimado. Antes não era uma boa idéia gritar o nome do garoto, pois poderia chamar atenção das criaturas. Mas agora, uma explosão deveria ter chamado atenção de todo o exercito de zumbis. Precisava encontrar o garoto rápido. Seguiu o rastro de sangue no chão e não tardou muito, encontrou o pequeno sentado e sangrando no cume do monte. Ali em cima, o vento soava com mais força e refrescava o corpo e as feridas. O garoto já ia entrar em posição de combate, mas Selenium o acalmou.
- vou te tirar daqui, garoto.
Uchiha riu.
- nem tente. Já estamos mortos.
Selenium refez a esfera de luz. Viu as feridas de Uchiha e tentou curar algumas. Refez suas unhas e colocou alguns dedos do pé no lugar. Sentiu vários ruídos atrás de si. Aumentou o tamanho da esfera de luz e quando olhou da ponta do cume, viu que uma infinidade de zumbis escalava o monte em busca do sangue fresco.
- fique atrás de mim garoto. As coisas vão ficar interessantes agora. – disse Selenium, desafiadoramente.
Sargento Zero e seus auxiliares, Mota, Junior e Yohan, ambos trajando a farda imperial, entraram tranquilamente na vazia Antiga Taberna. O dono estava polindo alguns copos de vidro.
- os mais sensatos já fecharam suas tavernas e bares. Você tem menos de quarenta e oito horas para fechar o seu – disse o Sargento.
- pois não fecharei. Herdei esse lugar de meu pai e sou dono dele desde que consigo me recordar. Terá que me matar para tirá-lo de mim.
- então guarde minhas palavras, homem. Se for preciso, farei com que se junte aos homens da praça. Esta espelunca é de onde saem os vândalos e criminosos da cidade. A ordem de fechamento das tavernas partiu do conselho imperial. Apenas sigo as ordens. – disse indo embora.
- não tenho medo do senhor, Sargento sei lá o que.
Uma garota saiu das sombras, perto da mesa de bilhar, no canto da taverna. De todas as tavernas, aquela era a maior e mais famosa. Muitos homens se enriqueciam ali, e outros ficavam ainda mais pobres, gastando todos os bens na bebida e nos jogos viciantes. Ainda havia as meretrizes, as mais belas da cidade. Era um lugar badalado e faria falta na cidade.
A garota tinha um rebolado sensual, corpo esbelto, cabelos e olhos negros.
- o que pretende fazer agora? – sua voz era suave e calmante.
O homem suspirou.
- absolutamente nada, Andreza...
* * *
- e eu os declaro... Marido e Mulher. Agora já pode beijar a noiva.
Os convidados gritavam parabéns e vivas e Youko beijava Chastity apaixonadamente. Era tudo tão belo... O dia estava tão lindo e havia tantos convidados... E sua esposa... Tão linda, tão meiga...
Youko acordou de seu breve momento em que esteve afundado na sua mais preciosa memória. Agora a paisagem converteu-se na guerra. Bolas de fogo voavam sobre sua cabeça, algumas atingiam a muralha, derramando pedras sobre as casas próximas. Arqueiros defendiam os muros e uma legião de cavalheiros estava preparados para sair e quebrar o cerco.
- Senhor, os aríetes já estão nos portões do leste.
- prepare as catapultas!
O soldado pareceu não entender o que o general queria dizer.
- senhor, as catapultas já estão em posição.
- então envie os cavalos!
- Horus sairá com toda a legião de defesa. Precisamos de outro recurso.
- solte os gigantes.
Os gigantes não estavam completamente domesticados para serem montados, mas era o único recurso. A cidade estava sendo atacada a mais de uma semana e a Dinastia do Sol resistia bravamente. Qualquer outro exercito já teria caído. Estavam em desvantagem numérica. Dentro da Cidade De Arafa deveriam ter trinta mil homens da Dinastia vermelha, enquanto do lado de fora, atacando-os, deveriam ter mais de um milhão de monstros da dinastia negra.
Youko correu para onde Horus estava montado em seu cavalo, pondo seu elmo dourado.
- vai mesmo sair com nossa ultima legião?
Horus olhou para o general.
- não tem outro jeito.
- vai levar esses duzentos homens lá para fora. Devem ter duzentos mil no campo norte.
- a idéia é abrir caminho até a torre móvel. Se fizermos ela cair, o cerco recuará. Seria um grande favor se soltassem os dragões para nos dar apoio aéreo. Eles também têm arqueiros.
Um escudeiro trouxe a lança de Horus e sua Espada Cruel, a mais poderosa das espadas, feita das sombras das Terras Prósperas, com o metal Loraniano e a aura flamejante da Dinastia do Sol, nas colinas vermelhas.
Youko montou e correu para o Templo Real, uma magnífica construção no centro da cidade. No topo do prédio, quase um arranha céu medieval, estava um esquadrão de dragões e homens que os montavam. Estavam equipados com varias garrafas de pólvora.
- preparem-se, vamos voar – gritou o General. Montou em seu dragão escarlate, que se posicionava a frente do resto do esquadrão. Fez um sinal para seu escudeiro e este se aproximou. – Juan! Você comandará o exercito até que eu retorne. Os gigantes serão soltos nos portões leste. Diga para os arqueiros darem-lhes cobertura!
- sim senhor! – respondeu obediente.
Os dragões tinham mais ou menos trinta metros de comprimento, da cabeça até o fim da cauda e suas asas envergavam quase o mesmo tamanho do corpo. E então voaram da torre, gloriosos, esplêndidos. A visão de uma legião de dragões montados conquistava o respeito do inimigo. De lá de cima, Youko viu soltarem os gigantes.
Gigantes das Nuvens, como são chamados, são comuns na região do Oasis do Céu, pertencente ao império de Pompéia. São selvagens difíceis de domesticar. Em geral, medem quase seis metros de altura e são fortes como dez homens.
Era possível haver uns vinte ou mais saindo dos portões leste da muralha. Surpreenderam os aríetes inimigos, destruindo-os todos e jogando-os contra a horda de monstros da Dinastia Negra. Cada gigante estava montado por um homem, assim como os dragões. Seus pulsos estavam atados à correntes de ferro, controladas pelos homens que os montam. Logo, alinharam-se paralelos às muralhas, criando um muro impenetrável. Os monstros estremeceram, mas logo criaram coragem e avançaram contra os gigantes. Estes estavam desprovidos de armaduras e armas, exceto alguns, com certos adornos dourados nos membros e um elmo dourado, complementando a visão temerosa dos selvagens domesticados. Iriam deter o avanço das tropas no leste por um bom tempo.
Horus avançava bravamente com seu pequeno esquadrão de cavalheiros, quebrando o cerco de todo um exercito inimigo, rumando à torre móvel, uma espécie de castelo onde deveriam estar os generais da dinastia inimiga. Destruí-lo iria abalar o moral do exercito. Esse era o plano.
Alguns cavalheiros já tombaram no caminho, mas as lanças douradas quase não permitiam a aproximação dos monstros. Era suicídio, uma loucura. Simplesmente se jogaram, duzentos cavalheiros contra todo um exercito. Deveria ter milhões lá fora. Os dragões bombardeavam os inimigos, dando cobertura aos bravos e abrindo caminho, com suas bolas de pólvora e cuspindo fogo. Alguns dragões eram montados por dois homens. Um cuidava das rédeas enquanto outro atirava com um mosquete. Eram muito úteis, disparando projeteis a distancia.
- PREPARAR GANCHOS! – gritou Horus, quando se aproximaram da torre. Então, os cavalheiros sacaram arpões e miraram no alto da torre. Começaram a atirar, e à medida que os ganchos se prendiam na estrutura, abandonavam seus cavalos e começavam a escalar com extrema destreza. No primeiro andar, encontraram alguns monstros que logo derrotaram, continuando a jornada rumo ao topo da torre. Horus havia abandonado sua lança dourada, junto com seu cavalo, e agora usava, na mão esquerda, uma espada de gume duplo e na direita, uma adaga dourada. Logo no primeiro andar, encontraram dois generais, que foram abatidos com esforço. Os homens da Dinastia do Sol começaram a espalhar pólvora pela sala. Encontraram a escada que levava ao segundo andar. Vinte guerreiros ficaram para trás, para guardar a posição. Horus, na fronte da linha de combate, dentro da enorme torre, foi o primeiro a alcançar o grande salão principal, no segundo andar. Quando arrombou as portas duplas da entrada, arremessou a adaga, que em seu trajeto, cortou o braço de um soldado inimigo e ainda perfurou o coração do que deveria ser um general, que estava sentado com uma série de pergaminhos, em sua mesa de mogno. Entraram em formação, protegendo os flancos, e logo, a sala estava limpa, se não fosse por um general de alta patente. Sem muita cerimônia, cortaram sua cabeça e espalharam mais pólvora pelo recinto. O salão era grande e Horus, o General, decidiu deixar quarenta homens guardando o local. Subiram mais. O terceiro andar não era grande como os outros. Limparam o caminho até chegarem num salão oval, onde se reuniam praticamente todo o conselho bélico da dinastia inimiga.
- que delicia – disse Horus – Bess ouve nossas preces. Todos eles na mesma sala... Devo estar sonhando. – ordenou o ataque e os lideres foram massacrados. Quando matava um general renomado ou de alta patente, arrancava sua insígnia do uniforme e guardava consigo. Dizia estar colecionando suas glórias.
No topo da torre, fez sinal para o dragão escarlate. Youko saltou no ar, deixando o monstro alado para trás e pousou perfeitamente bem, no terraço da torre.
- já espalhamos a pólvora. Agora é só mandar seus dragões atearem o fogo.
- e como pretende sair, Horus?
- do mesmo jeito que entramos.
- é suicídio. Morrerão assim que saírem dos portões.
- darei meu jeito.
- é mais fácil hastear a bandeira. Saberão que tomamos a torre.
Dos vinte gigantes, apenas cinco estavam vivos, resistindo bravamente às hordas inimigas que os engoliam. Incontáveis pilhas de cadáveres jaziam naquele campo de sangue. Koga, montado no gigante de elmo e adornos dourados lutava até a última gota de sangue. Não podiam recuar, ou condenariam a cidade. A muralha dependia deles.
- ATÉ O FIM HOMENS! – gritou.
E os homens rugiram triunfantes. Os gigantes recebiam flechadas, de todos os cantos, espadas e lanças cortavam seus pés e pernas, mas agora eram da dinastia do sol. Agora, não eram meros selvagens, mas máquinas de matar. Mais um gigante caiu. Eram apenas quatro. E a cada queda, a adrenalina e a vontade de lutar até o fim só aumentava. Estavam recuando para mais perto da muralha, mesmo assim, não cedendo aos inimigos. Cada golpe dos gigantes estremecia o chão.
Siro estava na retaguarda de Koga. Estava dando cobertura ao general e ali, mostraram ser os mais bravos cavalheiros já visto pelo inimigo. Não se deixavam abalar. Eram quatro contra dezenas de milhares. Uma flecha trespassou suas costas e ele largou as correntes, caindo do gigante. Abandonado, a criatura acabou ficando sem reação e o instinto falou mais alto. Correu em direção aos inimigos, atacando a todos em sua frente, mas logo, o pobre selvagem foi abatido.
Koga estava sozinho com seus três companheiros, provavelmente os últimos homens que veria na vida. Estava exausto, cansado, esgotado, e os outros, nas mesmas condições. Mesmo com toda a bravura, não agüentariam por muito mais tempo.
E então, o milagre.
No norte, onde estava a torre dos generais, a bandeira da Dinastia do Sol foi hasteada. Nunca esteve tão bela, reluzente sobre a luz do sol, daquela tarde ensolarada. Os inimigos se abalaram com isso. Com a incrível resistência da dinastia do sol estavam mais reduzidos. O cerco foi quebrado, os dragões continuavam a bombardeá-los. Koga gritou comemorando, triunfante. Os inimigos recuaram. Foram mantidos a duzentos metros da muralha, graças aos bravos gigantes. Agora, corriam, e levavam consigo seus horrendos estandartes negros. Aríetes e catapultas foram deixados para trás, e em menos de meia hora, já não se via mais um monstro negro no campo de batalha. A cidade estava intacta, embora a muralha tenha sofrido certos danos com as catapultas. No campo, incontáveis corpos e sangue por todos os cantos. Dragões e gigantes, cavalos e humanos, caídos por todos os cantos. Flechas fincadas no chão, crateras de bolas de fogo, armas valiosas abandonadas.
A torre foi postada sobre a pequena colina de terra, a quase um quilômetro das muralhas, para vigiar o perímetro caso outra leva ousasse atacar os guerreiros da dinastia. Era pra ser uma guerra vencida. Dentro das muralhas não deveria ter mais de trinta mil homens, enquanto o cerco inimigo poderia ter mais de um milhão. A visão do campo tinha sido completamente tomada por um mar de monstros negros.
Koga voltou para dentro da muralha e viu o dragão escarlate de Youko pousar no topo da torre principal. Horus devia ter ficado na torre móvel, gloriosa com a bandeira laranja da Dinastia.
No salão principal do templo, era hora do banquete. Agora estava frio e já passava das nove da noite. Os soldados estavam cansados, foi um dia difícil. O cerco inimigo ameaçava a cidade já fazia oito dias, e finalmente, foi derrotado. Na sacada da torre principal, Koga e Youko encaravam a torre, e logo atrás dela, a lua cheia do deserto.
- foi um dia e tanto, não? – brincou Youko.
- juro, meu irmão, que morreria defendendo a muralha.
- estão contando no banquete a bravura dos seus gigantes. Conseguiram derrubar tantos monstros que até agora estão queimando os corpos – deu uma risadinha suave – a cidade estaria condenada se não fosse por você, meu amigo.
- quase todos meus homens morreram ao meu lado, defendendo as muralhas. Lembre-se deles também. Vejo que estreou seu dragão novo. O que achou?
Youko voltou a olhar para a torre.
- ainda preciso me acostumar. Ele é um pouco maior que Soryon. Ainda sinto saudades do meu dragãozinho. – suspirou – pobre animal...
Um escudeiro apareceu na sacada. Estavam convocando os dois generais na sala de reuniões. Indo para o cômodo, passaram pelo salão principal, onde viram Juan, que foi general temporariamente, se vangloriando de seus feitos na defesa interna da cidade. Na sala de reunião, dois intendentes da dinastia aguardavam os generais. O escudeiro se retirou e fechou a porta. Um dos intendentes carregava uma carta.
- é de Dong Xuen. – disse o homem – Kyshme, nosso sargento em Dong confirmou que virá para liderar a nova legião de apoio.
- senhor? – Youko não entendia.
- estamos perto do fim desta guerra. As tropas de Pompéia estão a caminho. Em breve, estas terras serão reunificadas ao Império e enfim poderemos voltar para o Norte. Logo logo verão novamente suas famílias. Tudo depende desse homem. Apenas queríamos informar isso. Repassaremos a carta para a torre móvel, para que o general Horus também seja informado. Estão dispensados.
Koga e Youko viraram as costas, indo para a porta quando o intendente voltou a falar.
- são guerreiros bravos. Não me admira que tenham chegado à patente de general tão rapidamente.
* * *
Ainda naquela tarde, Selenium continha os zumbis lançando-lhes esferas de fogo. Eram muitos para apenas um homem. Uchiha tentou se levantar, e andou um pouco até tropeçar em algo que parecia ser metal colado no chão.
- ei, do cabelo azul! – gritou o garoto – ilumine aqui, acho que encontrei algo!
- estou um pouco ocupado agora, garoto – disse, jogando fogo aos zumbis que escalavam o monte. Agora estavam tão perto que o Lazuli apelou para a espada. Quando sacou a montante, criou uma esfera de luz azul e a jogou para Uchiha. O garoto pegou a bola de luz e iluminou aquilo que lhe causou o tropeção.
- é um trilho!
- jura? – perguntou Selenium, sem se desconcentrar dos monstros que fatiava. Sua espada reluzia em azul, e confrontava sozinho a horda de zumbis. Não agüentaria por muito tempo e sabia disso. Mas ainda sim, estava bastante calmo. E tudo ficou melhor quando ouviu o garoto gritar:
- encontrei um vagão! Está emperrado, não consigo tirá-lo daqui!
- continue tentando! – estava ficando difícil. Disparava fogo contra os zumbis com uma mão e com a outra, manejava a poderosa montante.
- cara, de qual academia você é? – o garoto estava impressionado.
- sou da Dinastia Do Sol, pequeno. Agora, concentre-se!
Uchiha golpeava as travas do vagão com uma pedra que havia encontrado ali.
- quase lá! – gritou para Selenium.
O Lazuli não respondeu. Recuou para onde o vagão estava e na mesma hora, Uchiha conseguiu destravá-lo, mas acabou quebrando seus freios. O carro não tinha teto, deveria ter sido usado para o transporte de carvão. Já estava em movimento, descendo o monte. Uchiha conseguiu entrar, mas Selenium precisou correr mais antes que o carro tomasse velocidade e descesse a ladeira quilométrica. O vagão atropelava os zumbis, abrindo caminho na multidão desalmada. O cavalheiro colou a esfera de luz na frente do carro para iluminar o caminho. Estavam descendo o monte a uma velocidade incrível, sem desacelerar.
- ESSA DROGA VAI VOAR PARA LONGE – gritou Uchiha.
- CALA A BOCA E SE SEGURA, MOLEQUE! – respondeu Selenium.
No fim do monte, o terreno agora era nivelado e o carro, ainda acelerado, seguiu por mais algum tempo, até perder totalmente a velocidade, perto de algo que parecia ser uma usina abandonada.
Saíram do vagão e foram na direção da usina. Estava realmente abandonada, nem os monstros estavam por perto. Depois das portas principais, que estavam destruídas, havia uma sala enorme e depois, um corredor, com uma porta dupla de bronze negro, com dois leões serpentes esculpidos. Andaram nessa direção, e então, o susto.
Uma criatura gigante e peluda surgiu das sombras, fazendo o chão tremer.
- mas que merd... – Selenium jogou Uchiha para trás do corredor e rolou para o lado, se desviando do golpe violento da coisa. O monstro golpeou novamente o chão e dessa vez, o cavalheiro tentou escalar sua mão, mas a criatura a reergueu enquanto o Lazuli ainda se agarrava ao punho fechado. O movimento da coisa foi tão brusco que o guerreiro foi jogado ao ar, mas habilidoso, se agarrou aos pelos das costas do monstro. A espada ficou no chão, mas usou o apoio da adaga para escalar seu torso e chegar à cabeça. E por fim, desferiu um golpe às cegas em seu rosto, por sorte, acertando seu olho e depois, rachando seu crânio fincando-a no alto da cabeça. A criatura tombou sangrando. Selenium foi para o corredor onde Uchiha aguardava assistindo ao espetáculo e foram em direção à porta de bronze. Com um pontapé, arrombou as portas e dentro da pequena sala estava um duende solitário. Selenium o agarrou e o ergueu do chão.
- leve-nos de volta! – gritou para o mensageiro.
- terá um preço – o duende revidou.
- tenho toda a prata que quiser.
- não se paga com dinheiro. Trata-se de um favor. – o duende estava disposto a colaborar. Parecia ter esperado por esse momento por um bom tempo. Nem se espantou com a aparição dos dois humanos. – armazenarei minha magia nesse copo. Mas antes de voltarem, terão de me matar.
Selenium não entendia direito.
- matá-lo? Por que deveria?
- estou condenado a viver nesse lugar esquecido por Bess para contemplar as almas abandonadas. Não agüento mais. Sombras, morte, desespero. Liberte-me.
O duende armazenou uma aura mística, esverdeada, no copo. Selenium assentiu com a cabeça para Uchiha, dizendo para que fosse à frente. Não precisava ver o que se seguiria agora.
Na pequena sala, a claridade machucou os olhos de Uchiha. Poucos segundos depois, Selenium surgiu atrás dele. Mas deram de cara com Feng e Puma tampando a passagem. O duende mensageiro estava morto, ensangüentado, no chão. Feng estava com a espada em punho e dela, pingavam gotas de sangue.
- o que você fez? – perguntou Selenium, irritado.
- eu é que lhe pergunto. Acabou de libertar um demônio. E esse duende o ajudou. Você terá o mesmo destino dele, seu Lazuli nojento. Agora, passe o garoto para cá.
Selenium riu sonoramente.
- escute, senhor capitão. Ainda estou usando a insígnia da dinastia. Então, você não manda em mim.
- vossa excelência tinha razão. A dignidade da dinastia é jogada na lama por causa de merdinhas como você – respondeu Feng, apontando para Selenium. – então leve este inútil para longe daqui e depois assuma as conseqüências. Mas quero ter o prazer de acabar com você. Desafio-o para um duelo. Amanhã, ao meio dia, na praça do mercado. Que tal?
Selenium sabia que não podia recusar, e rapidamente respondeu:
- vejo você na arena, Senhor Capitão De Proteção.
Miyasa chorava nos ombros de Kyshme.
- você não pode ir... Não pode... Vai me abandonar de novo?
- eu preciso, meu amor... Sou um guerreiro da dinastia, faz parte de meu juramento honrar o dever. Fui convocado.
- mas não podia ser os outros? Seus amigos, eles...
- eles têm outros afazeres por aqui. Olha, eu preciso ser breve. Passarei aqui de manhã antes de partir, prometo – beijou sua mão. Estava de noite e Kyshme tinha saído escondido da cidade para rever sua amada. Agora precisava partir. Em breve estaria num campo de guerra, lá no sul, combatendo a Dinastia de Lenço Preto ao lado de grandes guerreiros, lendas da Dinastia Do Sol.
Kyshme já estava pronto para voltar à cidade, montado em seu cavalo quando Miyasa ressurgiu insistente. As lagrimas escorriam-lhe o rosto.
- Kyshme, você não pode ir... Eu estou... Estou...
O cavalheiro não respondeu. Apenas a encarou esperando que terminasse o que iria dizer. E a garota prosseguiu:
- estou grávida Kysh... Vamos ter um filho... Preciso de você...
Kyshme estava numa situação complicada. Deixaria a cidade em breve e Feng ainda irritou-se com sua decisão. Havia implorado para que ficasse, e agora, esqueceu até mesmo da formatura para assistir suas tropas no Sul. A formatura, segundo uma carta que chegou ao conselho de Dong Xuen naquela tarde, foi adiada para o mês seguinte, já que a tragédia causada por um aluno interrompeu o procedimento final da academia.
Naquela noite, a Antiga Taberna estava cheia. Na verdade, o local estava sempre cheio a partir das seis horas, mas agora estava cheio demais. Nick estava sentado bebendo quando um lindo dragão vermelho, do tamanho de uma coruja rompeu taverna adentro e pousou na mesa onde estava sentado. Carregava uma carta na pata. Toda a taverna parou e encarou o cavalheiro e seu dragão. Sem se importar com os olhos curiosos, Nick abriu a carta e a leu. Em seguida, gritou comemorando, os homens ainda sem entender. Subiu na mesa e gritou:
- O SUL É NOSSO! O CERCO DA DINASTIA DE LENÇO PRETO FOI QUEBRADO!
E os homens o acompanharam nos gritos, comemorando.
* * *
A carroça finalmente havia chegado ao topo do monte, quando ainda era tarde e o sol pairava no céu do oeste. Loras, a maravilhosa cidade anciã. Estacionou a carroça no parque perto do mercado. Deixou Flyper com dois instrutores avançados, para que não ficasse solto por ai fazendo o que bem entendesse. Foi para a casa dos anciões. Não era grande como um palácio, nem mesmo como um palacete. Era mais uma mansão, muito bem trabalhada pelos melhores arquitetos e engenheiros da época. Deveria ter mais de três séculos. A porta da entrada era dupla, de madeira que podia ser nobre, mas Shanks desconhecia sua origem. Poderia ser de alguma floresta dentro das Terras Prosperas. Antes de dar o primeiro toque com as argolas presas no metal da porta, esta se abriu. Lá dentro era iluminado como se houvesse um Sol inteiro no interior da casa. Shanks apenas viu homens baixos e gordos, trajando gibões verdes de pluma e alguns poucos, ainda mais baixinhos, vestidos com nobres roupas azuis e meia capa nas costas.
- olá, meu bom homem. Aguardávamos pelo senhor. – disse uma voz rouca, vinda de trás de si. Virou-se e deparou-se com um velhinho, apoiado em uma bengala dourada. Usava uma espécie de coroa e tinha uma barba grisalha que caia até quase o chão. Sua postura era curvada, corcunda e o velho era magro e baixo – vamos, siga-me.
Cruzaram aquela sala, que terminava numa escada bifurcada, subindo para a direita e para a esquerda. Seguiram o caminho da esquerda e andaram mais um pouco até chegar à outra sala. O interior do lugar era gigante, não era possível acreditar em suas dimensões exteriores. Na sala, estava outro velhinho, com os mesmos trajes e com a mesma barba grisalha. Ele encarou Shanks e logo começou a falar.
- Shanks, o exilado. Que prazer em revê-lo. Quanto tempo faz? Cinqüenta anos? Você não mudou nada, homem. Não envelhece como os humanos, pelo que vejo.
- cinqüenta anos e parece que foi ontem – respondeu Shanks – e acredite, senhor. Eu mudei. Por que me chamou?
- os demônios estão voltando e isso já não é novidade para ninguém.
- era pra mim. – respondeu o mestre, com certa frieza.
- que seja – prosseguiu o velho – as Terras Prósperas podem, novamente, se tornar uma ameaça para nossa civilização.
- pouco posso fazer quanto a isso. – Shanks estava sendo direto.
O velho pensou um pouco antes de responder.
- conhece algum Lazuli? – perguntou o ancião.
- conheço alguns. Por quê?
- porque eles podem se tornar a chave para nossa salvação. São os únicos que entram nas Terras Prósperas sem serem mortos por demônios. Ouvimos um boato de que um antigo sargento da Dinastia do Sol foi enviado para defender Pompéia do ataque de selvagens. De lá, ele foi para Dong Xuen e ainda deve estar lá.
Shanks começou a rir.
- não posso voltar para Dong. Não se lembra disso? Fui banido.
- pois voltará. E vai nos trazer aquele Lazuli.
- e o que eu ganho com isso? Sabe, não tenho tempo a perder com besteiras. Agora tenho um aluno. E pretendo ensiná-lo tudo o que sei.
- isso faz parte de sua vingança? Vai criar uma maquina de matar para vingar seu passado? – o velho estava zombando.
- se eu quisesse vingar meu passado, o faria eu mesmo. Agora, vá direto ao ponto.
- oferecemos perdão. Seus crimes serão perdoados pelo império de Loras e poderá voltar para sua família em Dong Xuen.
Agora o silencio se estabeleceu na sala. Para Shanks, embora arriscada, era uma oferta tentadora. O mestre quebrou o silencio:
- não vou cruzar meio mundo sustentado por uma mentira.
- não estamos mentindo. Tem nossa palavra. Seu aprendiz pode ficar na nossa academia enquanto estiver fora. Não precisará pagar por isso. Receberá uma arma nova, montaria e armadura.
- não preciso de nada disso – disse Shanks, satisfeito.
- pelo menos dê uma olhada na montaria. Lio-yu, leve-o para os estábulos.
Andaram até o lugar, calados. As enormes portas estavam destrancadas e o baixinho apenas as empurrou e estas cederam, abrindo-se completamente. Dentro, não havia um cavalo sequer – eles estavam soltos na fazenda da cidade. Havia um dragão vermelho, adormecido, lindo e feroz. Shanks contentou-se.
- é meu?
O velho anão assentiu com a cabeça.
- é o nosso melhor dragão. Foi domesticado pelos cavalariços da Dinastia Do Sol. É da raça dos Divinos, muito nobre por sinal. É feroz, leal e inteligente e acima de tudo, é rápido.
- qual o nome?
- Durion. Em homenagem à Duryos, antigo intendente da Dinastia.
- excelente. Avise a seu mestre que partirei à primeira luz da alvorada de amanhã. Irei falar com meu aprendiz.
Autor(a): Selenium
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
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Cinco Estava arrumando seus documentos na escrivaninha quando um funcionário do palácio irrompeu no quarto. Com a brecha da porta, a umidade lá de fora entrou vinda como uma brisa, chamuscando as velas no interior do recinto. — O senhor Li-Yang mandou chamá-lo. — disse o guarda, bem direto. &nbs ...
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