Fanfics Brasil - CAPITULO V •■•Um Reino de Sonhos•■• D&C

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Capítulo: CAPITULO V

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A geada se estendia reluzente sobre a relva, iluminada pelos primeiros raios, do sol nascente, quando Dul se levantou em silêncio, com cuidado para não despertar a pobre Angel antes que fosse necessário. Depois de revisar cuidadosamente todas as possibilidades, terminou por conceber o melhor plano possível e até se sentiu quase otimista a respeito de suas possibilidades de escapar.

Angel rolou sobre suas costas e viu Dul, que já tinha posto a grossa calça de lã, a camisa de homem o espartilho que cada uma delas usaria por baixo do hábito quando o guarda as escoltasse até o bosque, onde a cada manhã lhe permitia ter alguns minutos de intimidade para atender a suas necessidades pessoais.

-Já é hora? -sussurrou Angel com voz abafada pelo terror.

-Sim - assentiu Dul com um sorriso de ânimo.

Angel empalideceu, mas se levantou e, com mãos tremulas, começou a se vestir.

-Desejaria não ser tão covarde - sussurrou enquanto levava uma mão ao peito e com a outra pegava o espartilho de couro.

-Não é covarde - assegurou-lhe Dul em voz baixa. -Simplesmente se preocupa muito, e com antecipação, pelas possíveis conseqüências de tudo o que faz. Na realidade, é mais valente do que eu - acrescentou enquanto a ajudava a amarar os cordões da camisa. -Pois se eu temesse as conseqüências tanto quanto você, nunca encontraria a coragem necessária para me atrever a fazer algo.

Angel esboçou um breve sorriso de avaliação diante do cumprimento, mas não disse nada.

-Tem chapéu? -perguntou Dul.

Angel assentiu e Dul pegou para si um chapéu negro que daria para esconder sua longa cabeleira. Levantou os saiotes do hábito cinza, e escondeu o chapéu na cintura da calça. O sol se levantou um pouco depois, dando ao céu um tom cinza opaco, e as jovens esperaram que chegasse o momento em que o gigante viesse buscá-las para acompanhá-las ao bosque. As amplas roupas esconderiam os objetos que levavam por baixo.

O momento se aproximava, e Dul baixou o tom de voz, até transformá-lo em um sussurro para reiterar seu plano pela última vez, temerosa de que Angel esquecesse o que tinha que fazer e se deixar levar pelo medo.

-Lembre que cada segundo é importante - disse-lhe. -Mas tampouco devemos dar a impressão de nos mover com muita rapidez, já que em tal caso, atrairíamos a atenção. Quando você tirar o hábito, esconda-o bem entre os arbustos. Nossa maior esperança de escapar depende de que eles não se dediquem a procurar dois rapazes e sim duas freiras. Se descobrirem os hábitos irão nos encontrar antes que consigamos abandonar o acampamento.

Angel assentiu e engoliu saliva com dificuldade.

-Uma vez que tenhamos tirado o hábito - continuou Dul, - Não me perca de vista e se mova em silêncio entre as folhagens das árvores. Não faça caso de nada do que escute, nem se volte para olhar. Quando se derem conta de que nós fomos embora, começarão a gritar, mas não devemos nos importar com isso. Não se assuste com o alvoroço que possa se armar.

-Não farei - assegurou-lhe Angel, que com muita dificuldade conseguia dominar seu pânico.

-Devemos permanecer escondidas no bosque e nos dirigiremos para o limite sul do acampamento, até o curral onde estão os cavalos. Quem nos procura não irão esperar que voltemos para o acampamento, e nos procurarão na direção oposta..., entrando no bosque.

-Uma vez que nos encontremos perto do curral, permanecerá escondida no bosque, e eu me encarregarei de trazer os cavalos. Com um pouco de sorte, quem ficará a cargo de vigiar os cavalos se mostrará mais interessado pelo alvoroço que se produzirá para nos procurar, do que por permanecer de guarda.

Angel assentiu em silêncio, e Dul considerou a melhor forma de expor o resto do que devia dizer. Sabia que se fossem descobertas restaria a ela tentar distrair seus perseguidores a fim de que Angel pudesse escapar, mas convencê-la de que fosse embora sem ela não ia ser nada fácil. Em tom sereno, disse finalmente:

-Agora escute no caso de termos que nos separar...

-Não! -Interrompeu-a Angel. -Não podemos nos separar.

-Me escute! -Sussurrou Dul com um tom tão autoritário que Angel não teve mais remédio que engolir o resto do protesto. -Se tivermos que nos separar, deve conhecer o resto do plano, para que eu possa... te seguir mais tarde.- Ao ver que Angel assentia, embora a contra gosto, Dul tomou as duas mãos suadas de sua irmã para lhe transmitir coragem. -No norte se encontra essa montanha alta, a que está atrás do curral. Sabe a qual me refiro?

-Sim.

-Bem. Uma vez que tenha trazido os cavalos montaremos, permaneceremos no bosque e avançaremos para o norte até que tenhamos encontrado a montanha. Uma vez ali nos desviaremos para oeste e desceremos pela colina, mas temos que permanecer no bosque, Quando encontrarmos um caminho, avançaremos em sentido paralelo a ele, mas sem sair do bosque. É provável que Claymore envie alguém para vigiar as estradas, mas procurarão duas freiras da abadia de Belkirk, não dois homens jovens. Se tivermos sorte nos encontraremos com alguns viajantes e nos uniremos ao seu grupo, o que nos permitirá aumentar a eficácia de nossos disfarces e nossas possibilidades de êxito.

-Mais uma coisa Angel, se nos reconhecerem e nos perseguirem, se dirija rapidamente na direção que te indicarei, pois eu irei em outra direção para afastá-los de você. Caso isso aconteça, permaneça escondida o tempo que puder. Não deve levar mais que cinco ou seis horas até a abadia, se me pegarem deve continuar sem mim. Não sei exatamente onde estamos, mas suponho que nos encontramos do outro lado da fronteira com a Inglaterra. Cavalgue para o norte pelo noroeste, e quando encontrar um povoado, pergunte qual a direção de Belkirk.

-Não posso te deixar - disse Angel entre soluços.

-Tem que fazer; dessa forma trará nosso pai e seus homens para me resgatar.

Angel se sentiu mais aliviada ao compreender que a pós a ultima frase, não estaria abandonando sua irmã e sim ajudando-a.

-Estou certa de que no sábado estaremos no castelo de Merrick - disse Dul com um amplo sorriso.

-No castelo de Merrick? -Falou Angel. -Não deveríamos ficar na abadia e enviar alguém para informar nosso pai do acontecido?

-Pode ficar na abadia se assim o desejar, e eu pedirei à madre Ambrose uma escolta para continuar até em casa nas últimas horas do dia ou da noite. Sem dúvida, nosso pai pensará que nos retêm aqui como reféns, de forma que devo chegar o quanto antes ao seu lado, antes que ele aceite as condições que eles quiserem lhe impor. Além disso, gostará de saber de quantos homens o Lobo dispõe e que armas usam. Perguntas que só nós podemos responder.

Angel assentiu, mas essa não era a única razão pela qual Dul desejava ir em pessoa ao castelo de Merrick, e ambas sabiam. Dul desejava, sobretudo fazer algo para que seu pai e seu clã se sentissem orgulhosos dela, e agora uma ocasião imperdível se apresentava. Quando tivesse êxito, se é que o teria, desejava estar presente para ver com seus próprios olhos.

Os passos do guarda soaram fora da tenda, e Dul ficou de pé, com um sorriso amável e conciliador no rosto. Angel também se levantou, com aspecto de estar certa de que logo teria que enfrentar à morte.

-Bom dia - disse Dul quando Sir Godfrey apareceu para acompanhá-las ao bosque. -Sinto-me como se não tivesse dormido,

Sir Godfrey, era um homem de uns trinta anos, olhou-a de forma estranha. Esquisito, pensou Dul, que ele até o momento não tinha dirigido uma só palavra amável para elas. Ficou tensa quando sir Godfrey a mirou de cima abaixo com cenho franzido; as roupas que ela usava por baixo do hábito faziam com que este estivesse um pouco volumoso.     

-Dormiu pouco - ele comentou se referindo sem dúvida aos esforços da noite anterior com a agulha.

Avançaram em silêncio sobre a relva úmida. Dul caminhava à esquerda de Sir Godfrey enquanto à direita deste continuava Angel, com passo vacilante. Dul dirigiu um olhar de soslaio ao seu guardião e fingiu um bocejo.

-Minha irmã se sente um pouco cansada por ter trabalhado até tão tarde da noite. Agradeceríamos se nos concedesse alguns minutos a mais para nos refrescar no riacho.

Sir Godfrey voltou para ela o rosto bronzeado e sulcado de rugas a observou com uma mescla de zelo e incerteza. Finalmente assentiu com um gesto de consentimento.

-Dispõem de quinze minutos - disse, e Dul se animou com estas palavras, - mas quero ver a cabeça do menos uma das duas a todo o momento.

Montou guarda junto ao bosque, com o perfil voltado para elas. Dul sabia que Sir Godfrey não tentaria olhar mais abaixo de suas cabeças. Em nenhum momento seus guardiões tinham mostrado nenhum desejo luxurioso de contemplá-las parcialmente nuas e se sentia agradecida por isso.

-Mantenha a calma - sussurrou Dul em direção a Angel. Conduziu-a para o riacho. Uma vez ali, avançou pela borda, afastando-se do bosque foi tudo o que se atreveu sem dar motivo a sir Godfrey de correr atrás delas. Finalmente, deteve-se em baixo de um ramo baixo de uma árvore, e com voz bastante alta para que o guardião não sentisse a necessidade das vigiá-las mais de perto, disse: - A água parece fria Angel.

Enquanto falavam, Dul se posicionou embaixo do ramo da árvore, soltou cuidadosamente o véu e fez gestos para Angel de que fizesse o mesmo. Uma vez tirado o véu, Dul se agachou com cuidado e sustentou no alto o véu, sobre sua cabeça, como se estivesse ainda ali, e o pendurou agilmente no ramo sobre sua cabeça. Satisfeita se agachou e se aproximou rapidamente de Angel, que também estava tirando o véu. Tirou os trêmulos dedos de Angel dele e o colocou o melhor que pôde sobre os matagais.

Dois minutos mais tarde, as duas moças já estavam sem seus hábitos, que esconderam entre a terra cobrindo-os, com ramos e folhas secas. Em um momento de inspiração, Dul introduziu a mão entre o monte de roupa e pegou seu lenço. Levou um dedo aos lábios para indicar silêncio e deu uma piscada para Angel. Depois se inclinou e avançou engatinhando, até que se encontrasse a uns quinze metros riacho abaixo, na direção oposta a que tinham intenção de seguir. Deteve-se só o tempo suficiente para enrolar o lenço em um ramo espinhoso, com a intenção de parecer que o tinha perdido em sua fuga. Depois retornou para onde estava Angel.

-Confio que sirva para enganá-los, de forma que possamos dispor de mais tempo - disse-lhe.

 Angel assentiu, com expressão de uma de duvidosa e esperançosa. As duas mulheres se olharam por um instante, e cada uma comprovou o aspecto da outra. Angel encaixou ainda mais o chapéu na cabeça de Dul a fim de esconder a chamativa cabeleira avermelhada e fez um gesto de satisfação.

Com um sorriso de avaliação e ânimo, Dul tomou Angel pela mão e a conduziu rapidamente pelo interior do bosque. Avançaram para o norte e se mantiveram no perímetro do acampamento, rezando para que Godfrey lhe concedesse os quinze minutos que tinha prometido, ou provavelmente mais.

Poucos minutos mais tarde tinham conseguido chegar por trás do curral, onde permaneciam os cavalos. Esconderam-se entre o mato, e contiveram a respiração.            

-Fique aqui e não se mova - disse Dul. Percorreu com o olhar o terreno próximo em busca do guarda que, estava certa, se acharia perto dos cavalos. Não demorou a descobri-lo, adormecido no chão, no lado extremo mais afastado do curral.

-O guarda está adormecido em seu posto - sussurrou satisfeita voltando o olhar para a Angel, para logo acrescentar, já mais serena: - Se acordar e me descobrir tentando levar os cavalos, se afaste a pé e siga com nosso plano. Fique no bosque e se dirija para a montanha que está atrás de nós.

Sem esperar resposta, Dul avançou engatinhando. Ao chegar ao inicio do bosque, deteve-se para olhar ao redor. O acampamento continuava parcialmente adormecido, já que a manhã cinza fazia com que parecesse mais cedo do que era na realidade. Os cavalos estavam quase ao alcance de sua mão.

O guarda só se moveu uma vez em seu sonho enquanto Dul procurando não fazer ruído pegava as rédeas de dois cavalos um tanto inquietos e os conduzia com a corda para fora do curral. Levantou-se incomodamente e levantou a corda o suficiente para que os animais passassem por baixo. Apenas alguns minutos mais tarde entregava um dos cavalos a Angel e ambas os conduziram em silêncio para o interior do bosque, onde a espessa capa de folhas úmidas pelo orvalho da manhã silenciava seus passos.

Dul apenas pôde conter um sorriso de júbilo quando conduziram os animais até uma árvore que utilizaram para subir e montar. Já tinham se afastado bastante para os altos penhascos quando em seus ouvidos chegaram gritos de alarme procedentes do acampamento.

O alvoroço fez com que fosse desnecessário guardar silêncio, e as duas jovens bateram simultaneamente os pés nos flancos dos cavalos e empreenderam uma rápida fuga entre as árvores do bosque.

Ambas eram peritas amazonas e se adaptaram facilmente em cavalgar escarranchado. A ausência de sela constituía um desconforto, pois obrigava a segurar-se fortemente com os joelhos e segurar bem às rédeas para não cair, já que os corcéis tomavam como um sinal de que lhe exigia correr mais depressa. Diante delas se elevavam os altos penhascos e finalmente, do outro lado, encontrariam o caminho da abadia e por último o castelo de Merrick. Detiveram-se brevemente para que Dulce pudesse orientar-se, mas as árvores escureciam a escassa luz diurna que tentava entrar entre as folhagens, e ela se viu obrigada a abandonar suas intenções de se deixar guiar pelo instinto.

-Angel - disse enquanto sorria e dava umas palmadas no acetinado e grosso pescoço do enorme cavalo negro que montava. -Pense nas lendas que contam sobre o Lobo..., sobre seu cavalo. Não dizem que se chama Thor e que é o corcel mais rápido e ágil que há sobre a terra?

-Certo - respondeu Angel. Estremeceu ligeiramente sob o frio da manhã, enquanto os cavalos avançavam entre as árvores.

-E não falam que esse cavalo é tão negro como o pecado e que tem na frente uma mancha branca que o distingue? -prosseguiu Dul.

-Sim.

-E não lhe parece que este cavalo corresponde a essa descrição?

Angel voltou o olhar para o animal e assentiu com um gesto.

-Angel - disse Dul, e deixou escapar uma risadinha - roubei Thor, o poderoso cavalo negro do Lobo!    

 O animal endireitou as orelhas ao escutar seu nome, e Angel se esqueceu de suas preocupações e pôs-se a rir.

-Indubitavelmente, essa era a razão pela qual estava um tanto afastado dos outros cavalos - acrescentou Dul alegremente enquanto contemplava com admiração o magnífico animal. -E isso também explica por que, ao nos afastar do acampamento, avançamos com mais velocidade e tenho que contê-lo continuamente para não correr demais. -Inclinou-se e voltou a dar umas palmadinhas no pescoço do animal. -Que formoso é você!- sussurrou.

 

Godfrey entrou na tenda de Christopher e em tom de desgosto e sobressalto disse:

-Christopher, as mulheres... escaparam, há aproximadamente três quartos de hora... Arik, Eustace e Lionel estão procurando-as no bosque.

Christopher, que estava procurando uma camisa para vestir, deteve-se e olhou para Godfrey com expressão de incredulidade. Observou fixamente o mais ardiloso e feroz de seus cavalheiros.

-Que hão...o que? -Perguntou com um sorriso de incredulidade. -Pretende me dizer que permitiu que duas inocentes moças lhe enganassem?

Escolheu com fúria uma camisa do monte de roupas que as mulheres haviam cerzido na noite anterior. Colocou um braço na manga e olhou com sobressalto a abertura de um punho que se negava a deixar sua mão passar. Disse um xingamento grosseiramente contido, agarrou outra camisa e verificou os punhos para assegurar-se de que estavam normais. Introduziu o braço pela manga. Toda a manga se separou da camisa e caiu ao chão, como por arte de magia.

-Por Deus - exclamou entre dentes. -Quando colocar as mãos em cima dessa bruxa de olhos azuis, juro que... - Muito furioso para terminar a frase jogou a camisa de lado, dirigiu-se para a outra arca e pegou outra. A seguir pegou a espada e passou como um raio diante do Godfrey. -Me indique onde as viu pela última vez - falou

-Foi aqui, no bosque - disse Godfrey ao mesmo tempo em que assinalava o lugar onde os véus estavam pendurados nos ramos das árvores, sem nenhuma cabeça debaixo. -Não... será necessário que os homens fiquem sabendo disto, não é verdade?

Um breve brilho surgiu nos olhos de Christopher ao dirigir um seco olhar ao corpulento homem. Compreendeu imediatamente que Godfrey tinha sofrido um severo golpe em seu orgulho e que contava que os outros homens não ficassem sabendo.

Uma hora mais tarde, já não estava tão seguro disso e sua atitude até certo ponto despreocupada começou a ficar colérica. Necessitava daquelas mulheres como reféns. Era a chave que lhe abriria as portas do castelo de Merrick, provavelmente sem necessidade de derramar uma só gota de sangue e sem a perda de valiosos homens.

Os cinco homens avançaram para oeste, convencidos de que uma das jovens tinha perdido o lenço em sua fuga, mas ao não encontrar nenhum rastro que indicasse que foram nessa direção, Christopher chegou à conclusão de que uma delas, a dos olhos azuis, sem dúvida, deve ter tido presença de espírito suficiente para colocar aquele lenço onde o encontrariam com intenção deliberada de enganá-los. Era um absurdo, mas incrível, mas nem por isso menos inteligente.

Ladeado por Godfrey e um zombador Arik, Christopher se dirigiu para onde estavam os véus cinza e os arrancou furiosamente dos ramos.

-Dêem o alarme e formem um grupo para revistar o bosque - ordenou pouco depois ao passar diante da tenda em que as mulheres tinham ocupado. -Não resta dúvida de que se esconderam na floresta. Estes bosques são muito densos, e até é possível que tenhamos passado ao seu lado sem vê-las.

Uns quarenta homens formaram uma linha, separados uns dos outros pela longitude de seus braços estendido, e começaram a rastrear o bosque começando na margem do riacho e avançando lentamente. Olharam debaixo de cada matagal e tronco caído. Passaram-se os minutos, uma hora, depois duas horas até que finalmente, a tarde chegou.

De pé na margem onde as moças tinham sido vistas pela última vez, Christopher observou com atenção as colinas situadas para o norte, com uma expressão mais dura a cada momento que passava. O vento soprava cada vez com força maior e o céu se estava carregando de nuvens.

Diego se aproximou, depois de ter retornado da expedição de caça empreendida na noite anterior.

-Ouvi dizer que as mulheres escaparam esta manhã - disse, e imitando seu irmão dirigiu o olhar para a montanha mais alta que se elevava ao norte. -Acha que conseguiram alcançá-la?

-Não tiveram tempo de chegar lá a pé - respondeu Christopher sem conter sua fúria. -Mas no caso de tentarem, enviei homens para que verifiquem. Interrogaram todos os viajantes que encontraram, mas ninguém viu duas jovens mulheres. Um camponês disse ter visto dois rapazes a cavalgar pelas colinas, e isso foi tudo. Caso se dirigirem para essas montanhas o mais provável é que se percam. Não há sol suficiente para que lhe sirva de guia. Além disso, não sabem onde estão, de forma que não saberão que direção tomar.

Diego guardou silêncio enquanto contemplava as distantes montanhas. Depois se voltou para o Christopher, e lhe disse:

-Ao chegar ao acampamento, momentos atrás, perguntei-me se teria ido caçar.

-Por quê? -perguntou Christopher com aspereza.

Diego vacilou, pois sabia que Christopher apreciava seu leal e corajoso cavalo negro mais do que gostava de muitas pessoas. De fato, as façanhas de Thor nos torneios e no campo de batalha eram quase tão lendárias quanto às de seu proprietário. Em certa ocasião uma famosa dama da corte se queixou aos seus amigos dizendo que se Christopher Westmoreland mostrasse a metade de afeto que reservava para seu cavalo, se sentiria afortunada. Christopher respondeu, com seu sarcasmo típico, que se a dama em questão tivesse a metade do coração e lealdade que seu cavalo, teria se casado com ela.

Não havia um só homem no exército de Henrique que se atrevesse a tirar o cavalo de Christopher do curral para montá-lo. O que significava que alguém mais o tinha feito.

-Christopher...

Christopher se voltou ao detectar um tom de vacilação na voz de seu irmão, mas sua atenção se viu repentinamente atraída por um pequeno montículo de folhas entre os arbustos. Um sexto sentido o fez remover as folhagem com a ponta do pé e então viu... o inconfundível cinza de um hábito de freira. Inclinou-se e agarrou o objeto, ao mesmo tempo em que Diego acrescentava:

-Thor não está no curral com os outros cavalos. Essas mulheres devem tê-lo pegado sem que o guarda se desse conta.

Christopher se endireitou lentamente com as mandíbulas apertadas. Observou os hábitos e sussurrou entre dentes:

-Procuramos duas freiras que fugiram a pé, quando deveríamos ter procurado dois homens baixos, um dos quais ia ao lombo de meu cavalo.

Lançando um xingamento, girou-se e se dirigiu rapidamente para o curral. Ao passar diante da tenda das mulheres jogou dentro os hábitos cinza com um gesto de fúria e asco. Depois se pôs a correr seguido de perto pelo Diego.

A sentinela que montava guarda diante do grande curral saudou seu senhor e logo retrocedeu alarmado quando este o agarrou pela camisa e o levantou no ar.

-Quem estava de guarda esta manhã ao amanhecer?

-Eu... milorde.

-Abandonou seu posto?

-Não, milorde!  Não! - gritou, sabendo muito bem que semelhante negligência se castigava com a pena de morte.

Christopher o empurrou para o lado com evidente desgosto. Poucos minutos depois, um grupo de doze homens, com Christopher e Diego encabeçado, galopavam pelo caminho, para o norte. Ao chegar às abruptas montanhas situadas entre o acampamento e o caminho norte, Christopher deteve bruscamente o seu cavalo e começou a dar ordens. Caso as mulheres não tivessem sofrido nenhum acidente ou se perdido, Christopher sabia que deveriam ter descido pelo lado mais afastado e subido pela outra colina. Mesmo assim, enviou quatro homens com instruções de rastrear aquelas colinas.     

Seguido de Diego, Arik e os outros cinco homens, Christopher afundou as esporas em seus arreios e o grupo partiu a galope pelo caminho. Duas horas mais tarde, rodearam a montanha e chegaram ao caminho do norte. Uma bifurcação conduzia para o nordeste, e o outro para o noroeste. Com gesto de indecisão, Christopher fez gestos a seus homens de que se detivessem e se perguntou que rota teria seguido as mulheres. Se não tivessem tido a presença de espírito suficiente para deixar aquele condenado lenço no bosque a fim de enganar seus perseguidores e fazê-los procurar na direção errada, teria levado todos os seus homens pela bifurcação do noroeste. Mas, tal como estavam as coisas, não podia desprezar a possibilidade de que tivessem seguido deliberadamente o caminho que as afastasse meio-dia da viagem de seu destino. Christopher sabia que embora que lhe custasse mais tempo, lhe permitiria ganhar segurança. Entretanto duvidava de que soubesse qual era a direção que deviam seguir para retornar a sua casa. Observou o céu; só restavam duas horas de luz. O caminho do noroeste parecia subir para as montanhas, na distância. A rota mais curta era também a mais difícil de seguir de noite. Duas mulheres, assustadas e vulneráveis, embora vestidas como homens, tomariam certamente o caminho mais seguro e fácil, embora fosse o mais longo. Tomada sua decisão enviou Arik e o restante dos homens para verificar um percurso de trinta quilômetros daquela rota.

Voltou o cavalo para a rota do noroeste e fez gestos ao Diego de que o seguisse. Zangado, Christopher pensou que aquela arrogante e arteira bruxa de olhos azuis teria a coragem de percorrer a montanha sozinha e de noite. Se atreveria a qualquer coisa, pensou com fúria crescente ao lembrar da amabilidade com que tinha expressado seu agradecimento na noite anterior por dedicar-se a cerzir suas roupas, e o quanto ela havia sido gentil ao aceitá-lo. Aquela mulher não conhecia o que era o temor. Ainda não. Mas quando lhe pusesse as mãos em cima, aprenderia o que significava. Aprenderia a lhe temer.

Cantarolando alegremente, Dul acrescentou mais ramos na agradável fogueira que tinha acendido utilizando a pedra de fogo que lhe tinham entregado na noite anterior para que acendesse as velas de sua tenda. Em alguma parte, na floresta, um animal uivou para a lua que saía, Dul cantarolou com maior determinação, com intenção de esconder seu temor instintivo com um amplo e corajoso sorriso destinado a tranqüilizar a pobre Angel. A ameaça de chuva tinha passado e no céu brilhavam as estrelas e a lua redonda e dourada, e Dul agradecia profundamente que assim fosse. A chuva era a última coisa que desejava nesse momento.

O animal uivou de novo, e Angel se enrolou mais com a manta do cavalo.

-Dul - sussurrou, olhando sua irmã com expressão de confiança. -Esse som é o que acredito que seja? -E como se o som era impronunciável, seus pálidos lábios pronunciaram em silêncio a palavra «lobo».

Dul estava razoavelmente segura de que não se tratava de um só, mas sim de uma manada.

-Refere-se à coruja que acabamos de ouvir? -perguntou com um sorriso, tentando ganhar tempo.

-Não era uma coruja - disse Angel.

Dul fez uma careta de alarme quando sua irmã sofreu um ataque de tosse que a deixou com a respiração entrecortada. A doença pulmonar que tinha afetado Angel desde sua infância voltava a acossá-la agora, agravada pelo temor e o frio úmido.

-Embora não fosse uma coruja -disse Dul com suavidade, - nenhum animal predador se aproximará desta fogueira. Disso estou certa. Garrick Carmichael me disse isso em uma noite em que nós três estávamos retornado ao castelo desde Aberdeen e a neve nos obrigou a acampar. Acendeu uma fogueira, e foi isso o que Becky disse para mim.

No momento, o perigo que supunha ser em acender fogo, preocupava Dul quase tanto como a presença de lobos nas cercanias. Uma pequena fogueira poderia ser vista a grande distancia, inclusive no meio do bosque, e embora estivessem a várias centenas de metros do caminho, não podia afastar de si a sensação de que seus perseguidores ainda poderiam encontrá-las.

Com intenção de distrair suas preocupações levantou os joelhos até o peito, apoiou o queixo sobre elas e apontando para Thor com um gesto disse.

-Alguma vez viu um animal mais magnífico que esse? No inicio ao montá-lo esta manhã, pensei que me jogaria da garupa, mas logo pareceu notar nossa urgência e se tranqüilizou. Mas o que achei mais estranho é que durante todo o dia parecia adivinhar o que eu desejava que fizesse, sem necessidade de que o guiasse ou o esporeasse. Imagine o quanto papai se sentirá feliz quando retornarmos com um cavalo desse tipo, capaz de escapar de cercos e até mesmo das garras do Lobo.

-Não pode estar certa de que seja seu cavalo - disse Angel, com expressão de que tinha suas próprias idéias a respeito da prudência de ter roubado um corcel de grande coragem e fama.

-Mas é claro que é! -declarou Dul com orgulho. -É exatamente como descrevem os trovadores em suas canções. Além disso, cada vez que pronuncio seu nome me olha. - E para demonstrar, chamou em voz baixa e o animal levantou a magnífica cabeça e a olhou com olhos inteligentes que quase pareciam humanos. -É ele! - exclamou Dul jubilosa, embora Angel parecesse estremecer só de pensar.

-Dul - sussurro com expressão de tristeza enquanto estudava o sorriso corajoso e decidido de sua irmã. -Por que acha que tem tanta coragem e eu tão pouco?

-Porque nosso senhor é muito sábio - respondeu Dul com um sorriso. -E aposto que você recebeu toda a beleza, e ele quis me dar algo que compensasse.

-OH, mas... - Angel se deteve bruscamente na metade da frase quando de repente o grande cavalo negro levantou a cabeça e relinchou com força.

Dul ficou de pé de um salto se aproximou rapidamente de Thor e colocou uma mão sobre o focinho para mantê-lo tranqüilo.

-Rápido, apaga o fogo, Angel! Utilize a manta! -exclamou. Com o pulso acelerado, aguçou o ouvido e percebeu a presença dos cavaleiros antes de ouvi-los. -Me escute - sussurrou freneticamente. -Assim que eu montar Thor, solte a corda de seu cavalo e o envie pelo bosque nessa direção. Depois, corra até aqui e se esconda debaixo dessa árvore caída. Não se afaste nem faça nenhum ruído até que eu retorne.

Enquanto falava, Dul subiu em um tronco e subiu na garupa do Thor.

-Levarei Thor ao caminho e o farei cavalgar para essa elevação. Se esse endiabrado conde estiver aí, irá me perseguir. -Fez uma pausa, com a respiração entrecortada e, dirigindo o cavalo para o caminho, acrescentou: - E Angel se me apanharem e eu não retornar, siga o caminho que conduz à abadia e aja de acordo com nosso plano... Envia papai para me resgatar.

-Mas... - sussurrou Angel, tremendo de terror.

-Vamos logo! -implorou Dul. Depois dirigiu o cavalo através do bosque, em direção ao caminho, fazendo deliberadamente tanto ruído quanto era possível para chamar a atenção de seus perseguidores e afastá-los de Angel.

-Ali! -gritou Christopher ao Diego ao mesmo tempo em que mostrava a mancha escura que cavalgava em direção ao caminho.

Lançaram-se em perseguição do cavalo e seu cavaleiro. Ao chegar ao local onde as mulheres tinham acampado, o inconfundível aroma da fogueira recém apagada fez com que Christopher e Diego reprimissem bruscamente suas montarias.

-Reviste o acampamento - gritou Christopher, que já esporeava de novo seu cavalo. -Provavelmente, encontrará por aí a mais jovem. Maldição, como cavalga! -exclamou quase admirado, com a vista fixa na pequena figura inclinada sobre o pescoço de Thor, que fazia impetuosos esforços para se manter ao menos trezentos metros afastado dele.

Christopher sabia instintivamente que perseguia Dul, e não a sua tímida irmã, do mesmo modo que estava certo de que aquele cavalo era Thor. O formoso e negro animal galopava a toda velocidade, e não bastava ele correr que nem um louco para alcançá-los e tentar compensar o tempo perdido toda vez que Dulce se negava a deixá-lo saltar um obstáculo e fazia com que o rodeasse, pois ao não ter sela, corria o perigo de ser jogada da garupa.

Quando conseguiu ficar a uma distância de cinqüenta metros Christopher viu que Thor se afastava repentinamente do caminho e se negava a saltar sobre uma árvore caída, o que era um sinal de que percebia o perigo e tentava proteger a si mesmo e a sua amazona. Um grito de alarme e terror brotou do peito de Christopher ao olhar fixamente para onde eles estavam indo e se dar conta de que mais à frente da árvore o terreno descia abruptamente.

-Não, Dulce! - exclamou.

Mas ela não ouviu seu grito de advertência.

Assustada até quase a histeria, Dul fez com que o animal voltasse, enfrentou de novo o obstáculo e afundou os calcanhares em seu reluzente flanco.

-Adiante! -ordenou.

Depois de um momento de vacilação, o cavalo tomou impulso com as patas traseiras e efetuou um poderoso salto. Quase imediatamente Dul deixou escapar um grito dilacerador ao perder o equilíbrio e deslizar do cavalo que saltava. Por um segundo tentou agarrar as espessas crinas, mas caiu pesadamente entre os ramos do tronco de uma árvore. Depois percebeu outro som..., o ruído surdo e repugnante de um animal enorme que rolava ao encontro da morte.

Dul tentava manter o equilíbrio entre os ramos da árvore quando Christopher apeou e correu para a borda do terreno. Dul afastou o cabelo dos olhos e viu que diante dela, a poucos passos, não havia mais que negrume. Depois voltou a cabeça para seu perseguidor, mas este olhava fixamente para o terreno baixo, com as mandíbulas tão apertadas que pareciam de granito. Dul se sentiu tão acovardada e desorientada que não fez o menor gesto de protesto quando ele a agarrou violentamente pelo braço e a arrastou para fora dos ramos da árvore.

Por um instante Dul não conseguiu imaginar o que ele pretendia. Mas então compreendeu Thor! Deu-se conta de que o Lobo procurava seu cavalo. Rezou para que o magnífico animal não tivesse sofrido dano algum ao cair pelo abrupto terreno. Viu-o ao mesmo tempo em que Christopher... Sua negra figura jazia a poucos metros da grande rocha que tinha detido sua queda, lhe quebrando o pescoço.

Christopher a soltou e Dul permaneceu onde estava, paralisada pelo remorso e angústia, sem deixar de observar fixamente o formoso animal de cuja morte se sentia responsável. Como se de um sonho se tratasse, viu o guerreiro mais feroz da Inglaterra fincar um joelho na terra ao lado de seu cavalo morto, acariciar levemente a negra e lustrosa pelagem e pronunciar palavras que ela não conseguiu escutar, mas cujo eco revelava uma profunda tristeza.

As lágrimas nublaram seus olhos, mas quando Christopher se levantou e voltou o olhar para ela, a pena cedeu lugar ao pânico. O instinto lhe indicou que devia se pôr a correr, mas não foi bastante rápida. Christopher a segurou pelo cabelo, a jogou cruelmente para trás e a obrigou a se voltar para ele.

-Maldita seja! -falou grosseiramente. Com uma expressão de raiva nos olhos. -Esse cavalo que acaba de matar tinha mais coragem e era mais leal que muitos homens! Sobrava-lhe tanto de ambas as coisas que até permitiu que o enviasse para a morte.

A pena e o terror pareciam gravados no rosto pálido de Dul, mas não exerceram nenhum efeito sobre o homem, que apertou ainda mais a mão que segurava o cabelo e a obrigou a jogar a cabeça para trás.

-Ele sabia que atrás dessa árvore havia um terreno em declive, e lhe advertiu isso. Mas você teve que enviá-lo para a morte!

Como se não confiasse em seu poder para se controlar por mais tempo, agarrou-a pelo braço e a arrastou sem piedade, obrigando-a a segui-lo para cima do terreno. Dul pensou por um instante que o motivo que a tinha deixado lá embaixo era para impedir que lhe roubasse o outro cavalo. Nesse momento se sentia tão nervosa que embora outra oportunidade tivesse se apresentado nem sequer teria tentado. Agora, entretanto, recuperava o controle de seus sentidos, e quando ele a levantou e a obrigou a montar, sentiu que outra ocasião se apresentava. No instante em que o conde se dispôs a pôr o pé no estribo, Dul investiu repentinamente para se apoderar das rédeas e conseguiu lhe arrebatar uma da mão. Mas o plano fracassou, porque Christopher se içou sem esforço sobre o cavalo que já iniciava o galope e depois rodeou com o braço a cintura de Dul, com tal força que lhe cortou a respiração.

-Tente um só truque mais - sussurrou em um tom de fúria que a estremeceu, - faça qualquer outra coisa que me incomode, e lhe asseguro que lamentara durante o resto de sua vida. Compreendeu-me?

E ressaltou a pergunta apertando ainda mais sua presa.

-Sim! -ofegou Dul.

Depois, lentamente, ele afrouxou a pressão sobre sua cintura.

 

Escondida debaixo da árvore caída onde Dul havia lhe dito que permanecesse Angel viu Diego Westmoreland aparecer trazendo pelas rédeas o cavalo que ela tinha espantado momentos antes. Da posição que ocupava só podia ver as patas dos animais, no chão do bosque e, uma vez que ele tivesse desmontado suas pernas. Deveria ter entrado no bosque, pensou Angel freneticamente, mas se tivesse feito isso teria se perdido. Além disso, Dul havia lhe dito que não se movesse de onde estava e, em situações como essa Angel continuava fiel e impecavelmente as instruções de sua meia-irmã.

As pernas do homem avançaram para o lugar onde ela se escondia. Deteve-se diante da fogueira apagada e removeu os restos com a ponta da bota. Angel percebeu instintivamente que o olhar do homem verificava as escuras curvas dos matagais. De repente o homem se encaminhou diretamente para ela, que respirou fundo, tratando de dominar os tremores que o pânico produzia. Angel levou a mão à boca e tratou de silenciar o ataque de tosse que parecia a ponto de assaltá-la, enquanto olhava com terror as pontas das botas, que estavam a poucos centímetros dela.

-Está bem - ressonou a profunda voz no pequeno bosque. -Saia daí, milady. Proporcionou-me uma alegre caçada, mas já terminou.

Confiando que aquilo fosse só uma armadilha e que ele não soubesse na realidade onde se escondia, Angel se afundou ainda mais em seu esconderijo.

-Muito bem - disse ele. -Suponho que terei que me colocar entre as folhagens e obrigá-la a sair. -Agachou-se bruscamente e, um instante depois, uma mão enorme se introduziu entre os ramos, mediu e finalmente se fechou sobre o seio de Angel.

Um grito de horror e indignação brotou da garganta da moça quando a mão se abriu para em seguida voltar a fechar-se lentamente, como se tentasse identificar o que acabava de encontrar. Ao fazer, a surpresa fez com que Diego afastasse a mão por um instante. Mas imediatamente tomou Angel pelo braço e a tirou de seu esconderijo.

-Bem, bem, bem - disse ele. -Parece que encontrei uma fada dos bosques.

Angel não teve a coragem para tentar golpeá-lo ou mordê-lo como tinha feito Dul com seu irmão, mas ao menos conseguiu olhá-lo com o cenho franzido quando ele a obrigou a montar no cavalo roubado e depois montou seu próprio cavalo, sem deixar de sustentar as rédeas do que ela montava.

Ao sair no caminho de volta, Angel rezou para que Dul tivesse conseguido escapar, e tentando fortalecer seu ânimo olhou em direção a montanha. O desgosto se apoderou dela ao ver Dul se aproximar no lombo do cavalo do Lobo Negro. Diego conduziu suas montarias até ao lado da de seu irmão, e perguntou:

-Onde está Thor?

-Morto - respondeu laconicamente Christopher com expressão de fúria.

O Lobo cavalgada em um silêncio tenso, e sua cólera se tornava maior a cada minuto que passava. Além da profunda perda que era a morte do Thor, também se sentia cansado, faminto e intensamente encolerizado com aquela jovem, já que julgando corretamente considerava que Angel não tinha culpa alguma do acontecido. A única culpada, agora sabia era a jovem ruiva, que tinha conseguido enganar até o ardiloso e experiente sentinela, pôr meio exercito em pé de guerra, e obrigar Lobo Negro há dedicar um dia e uma noite a capturá-la. Mas o que mais enfurecia este último era à vontade inquebrável da moça, sua costa rígida e sua atitude desafiante. Era como uma menina malcriada incapaz de admitir que tivesse cometido um engano e que não se deixava desmoronar nem rompia a chorar.

Quando chegaram ao acampamento, todos os homens os olharam e deixaram escapar um suspiro de alívio, mas nenhum foi o bastante estúpido para gritar vitória. Que tivessem permitido deixar escapar duas cativas já era suficiente para que todos se sentissem sobressaltados, mas que, além disso, fossem mulheres era algo tão inimaginável como humilhante.

Christopher e Diego se dirigiram para o curral. Christopher desmontou e, sem a menor cerimônia desceu Dul do cavalo. Ela se voltou, disposta a dirigir-se para sua tenda, mas imediatamente ficou rígida e soltou um grito de dor e surpresa quando Christopher a segurou pelas costas.

-Quero saber como tirou os cavalos do curral sem que o guarda a visse.

Todos os homens que se encontravam perto pareceram ficar tensos e voltaram o olhar para Dul, à espera de sua resposta. Até então se comportaram como se ela fosse invisível, mas agora Dul estremeceu diante dos rápidos e intensos olhares que lhe dirigiram.

-Me responda!

-Não precisei de nenhum esforço - respondeu Dul com tanta dignidade e desprezo como pôde, - já que seu guarda estava dormindo.

Uma expressão de dolorosa incredulidade passou por um instante sobre os coléricos olhos de Christopher, mas seu rosto permaneceu inexpressivo ao fazer um breve gesto ao Arik. O gigante loiro, com o machado de guerra nas mãos, avançou entre os homens em direção ao negligente sentinela. Dul observou a cena que se desdobrava diante de seus olhos, e se perguntou o que aconteceria ao pobre homem. Sabia que, sem dúvida, seria castigado por ter se descuidado de seu dever, mas imaginava que o castigo não seria verdadeiramente terrível. Ou seria? Não soube por que Christopher a agarrou bruscamente pelo braço e começou a arrastá-la ao seu lado.

Enquanto Christopher a fazia cruzar o acampamento, Dul sentiu os olhares de hostilidade que os soldados e cavalheiros lhe dirigiam. Os havia enganado e os evitados ao escapar. Agora a odiavam por isso, e o ódio era tão violento que até a pele de seu rosto queimava. Inclusive o conde parecia mais colérico com ela agora que antes, e Dul teve que acelerar o passo, até quase correr, para manter-se a sua altura e evitar que lhe arrancasse o braço. 

A preocupação que experimentava diante da sua cólera se viu repentinamente superada por outra calamidade. Christopher Westmoreland a levava para sua própria tenda.

-Não entrarei aí - exclamou ela e começou a lutar.

Xingando entre dentes, o conde a levantou e a colocou sobre o ombro, como se fosse um saco de farinha, com o traseiro apontando para o céu e o cabelo caindo em cascata até tocar as panturrilhas dele. Os homens soltaram gritos e risadas, brincando do escárnio a que era submetida, e Dul teve que respirar fundo para controlar sua fúria e seus sentimentos de humilhação.

Já dentro da tenda, a jogou sem olhar sobre o monte de tapetes de pele que havia no chão e ficou ali a observando, enquanto Dul se arrastava até ficar sentada para depois ficar de pé e olhá-lo com expressão de animal encurralado.

-Se me desonrar, eu juro que o matarei - gritou, embora estremecesse diante da fúria que transformou o rosto de Christopher em uma máscara de aço e seus olhos em brasas reluzentes.

-Lhe desonrar? - repetiu ele em tom de desprezo. -O ultimo sentimento que desperta em mim agora é luxúria. Ficará nesta tenda porque está fortemente vigiada, e porque deste modo não terei que empregar o tempo de meus homens em controlar seus movimentos. Além disso, estamos no centro do acampamento e se de novo decidir tentar escapar, meus homens impedirão. Está claro?            

Ela o olhou furiosa, mas guardou silêncio, e sua arrogante negativa em se submeter à vontade de Christopher não fez mas que o enfurecer ainda mais, que fez um esforço para controlar sua raiva e continuou:

-Se fizer mais alguma uma coisa que seja um inconveniente para mim ou para qualquer um dos homens deste acampamento, me encarregarei pessoalmente de transformar sua vida em um inferno. Entendeu-me?

Ao olhar aquele rosto, duro e sinistro, Dul compreendeu perfeitamente que poderia fazer, e que o faria.

-Me responda! -ordenou com expressão diabólica.

Dul, consciente de que já o tinha importunado com seus atos muito mais do que o razoável, engoliu saliva com dificuldade e assentiu com um gesto.

-E... - prosseguiu ele, mas se deteve bruscamente na metade da frase, como se não fosse capaz de confiar em si mesmo se continuasse falando. Voltou-se, agarrou um jarro de vinho da mesa e estava a ponto de tomar um gole quando Gawin, seu escudeiro, entrou na tenda. Levava nos braços as mantas que tinha recolhido da tenda das prisioneiras, mantas que começou a entregar aos homens antes que se desse conta de que não tinham sido cerzidas e sim cortadas em tiras. A expressão do rapaz refletia cólera e incredulidade.

-O que se passa agora? -perguntou Christopher.

Gawin voltou para seu senhor o rosto jovem e indignado.

-As mantas sir - disse, e dirigiu um olhar acusador para Dul. -Destroçou-as, em vez de cerzir. Estas mantas eram a única proteção dos homens contra o frio, mas agora...

Dul sentiu que o pulso acelerava, e viu com horror que o conde voltava a deixar a jarra sobre a mesa e com um sussurro áspero, cheio de raiva contida, ordenava-lhe:

-Venha aqui.

Dul sacudiu a cabeça e retrocedeu um passo.

-Não faz, mas que piorar as coisas - advertiu-lhe ele ao mesmo tempo em que ela retrocedia outro passo. - Disse que venha aqui.

Dul teria preferido saltar por um escarpado. A aba da tenda estava levantada, mas não havia forma de escapar; os homens foram se reunindo diante da entrada, sem dúvida à espera de ouvi-la gemer e gritar suplicando clemência.

Sem deixar de olhar Dul, Christopher disse a seu escudeiro:

-Gawin, tragam fio e agulha.

-Sim, milorde.

O rapaz se dirigiu para fora para buscar o que lhe fora pedido. Ao voltar deixou sobre a mesa ao lado de Christopher, e logo retrocedeu. Observou com surpresa que seu senhor se limitava a levantar os farrapos em que se transformaram as mantas e sustentá-los no alto diante da bruxa ruiva.

-Irá cerzir cada uma delas - disse a Dul com seu tom de voz muito sereno.

A tensão abandonou o corpo de Dul, que olhou para seu seqüestrador com uma mescla de desconcerto e alívio. Depois de tê-lo obrigado a passar um dia e uma noite para encontrá-la, de ter matado a seu formoso cavalo e de destruir sua roupa e a de seus homens, o único castigo que lhe impunha era o de cerzir as mantas que ela mesma tinha destroçado. Isso era transformar sua vida em um inferno?

-Não dormirá com uma manta até que tenha reparado todas as demais, compreendeu? -acrescentou com um tom tão duro como o aço. -Até que meus homens estejam agasalhados você passará frio.

-Eu..., compreendo - assentiu Dul com voz vacilante.

A atitude dele era tão contida, tão paternal, que não lhe ocorreu pensar que queria lhe fazer mais nada. De fato, ao adiantar-se e estender uma mão tremula para os farrapos das mantas que Christopher segurava lhe ocorreu por um instante que os rumores tinham exagerado grosseiramente sua crueldade. Mas logo sua hipótese se revelou falsa.

-Ai! -gritou quando a mão do conde se fechou violentamente em torno de seu braço com tanta força que lhe arrancou o ar dos pulmões e jogou a cabeça para trás.

-Pequena bruxa malcriada - falou. -Alguém deveria ter tirado esse orgulho à palmadas quando era uma menina. Mas aposto que não o fizeram, então eu me encarregarei disso... - Levantou a mão e Dul protegeu o rosto com um braço, convencida de que ele pretendia golpeá-la no rosto. Mas em vez disto a segurou pelo braço e o abaixou. -Lhe partiria o pescoço se lhe desse um golpe. Não, tenho pensado fazer em outro lugar...

E antes que Dul pudesse reagir, Christopher se sentou e, com um movimento rápido a colocou de barriga para baixo sobre seus joelhos.

-Não! -Exclamou ela, lutando furiosamente, assustada, horrivelmente consciente dos homens reunidos diante da tenda que tentavam escutar o que acontecia. -Não se atreva!

Ao sentir que Dul tentava escapar, aprisionou suas coxas com uma perna e levantou a mão. Depois a fez descer com força sobre as nádegas da moça, ao mesmo tempo em que dizia:

-Isto é por meu cavalo.

Em um esforço por abafar um grito de dor, Dul mordeu o lábio inferior até fazê-lo sangrar, enquanto a mão levantava e voltava a descer uma e mais outra vez.

-Isto por seu afã destrutivo..., por sua estúpida fuga..., pelas mantas danificadas...

Com a intenção de bater nela até que soluçasse e lhe suplicasse que parasse Christopher continuou batendo até que a mão começou a doer, mas apesar disso Dul, continuava lutando freneticamente não deixou escapar um só gemido. De fato se o corpo dela não desse um salto espasmódico cada vez que a mão lhe golpeava o traseiro, o conde teria duvidado de que sentisse algo.

Christopher levantou a mão de novo e então vacilou. Dul apertou as nádegas, como antecipação de um novo golpe, e esticou todo seu corpo, mas não emitiu nenhum soluço. Enojado consigo mesmo e privado da satisfação de fazê-la chorar e suplicar clemência, a deixou cair ao chão, levantou-se e permaneceu olhando-a, com a respiração entrecortada.

Mas Dul era tão teimosa e orgulhosa que se negou a lhe permitir o prazer de vê-la derrubada a seus pés. Apoiou uma mão no chão e se levantou lentamente. Até que ficou de pé diante dele, segurando a parte superior das calças.

Não podia ver sua expressão, pois tinha a cabeça abaixada, mas sentiu que estremecia e tentava endireitar os trêmulos ombros. Parecia tão pequena e vulnerável, que experimentou um golpe de culpa.

-Dulce - disse em tom áspero.

Ela levantou a cabeça e, por um instante, Christopher não pôde evitar sentir admiração pela extraordinária visão que se desdobrou diante dele. Ali de pé, como uma cigana grosseiramente encolerizada com o cabelo revolto semelhante a labaredas douradas, e uma expressão de ódio nos olhos rasos de lágrimas não derramadas, Dul levantou lentamente uma mão, em que empunhava uma adaga que, evidentemente tinha tirado da bota enquanto levava as palmadas.

E enquanto sustentava a adaga no alto, preparada para atacá-lo, Christopher Westmoreland pensou que era a criatura mais magnífica que jamais tinha visto; um anjo selvagem, linda e encolerizada, ávido por vingança, que não parecia experimentar o menor temor de se enfrentar com um inimigo muito mais forte. Christopher se deu conta nesse instante de que tinha lhe feito mal e a tinha humilhado, apesar disso não tinha conseguido dominar seu espírito indomável. E de repente, não estava certo de querer dobrá-la. Lentamente, estendeu-lhe a mão para ela.

-Me dê a adaga, Dulce.

Ela a levantou ainda mais e Christopher sentiu que sua intenção era afundar-lhe no coração.

-Não voltarei a lhe causar mais danos - prosseguiu, confrontando a situação com calma, enquanto o jovem Gawin se aproximava sigilosamente de Dul por trás, com uma expressão assassina no rosto preparado para defender seu senhor. -Tampouco meu fiel escudeiro - acrescentou com ênfase para que Gawin compreendesse que se tratava de uma ordem, - que agora mesmo se encontra atrás de você, preparado para lhe cortar a garganta se tentar alguma coisa.

Em seu arrebatamento de fúria, Dul tinha se esquecido da presença do escudeiro na tenda, e que aquele rapaz tinha assistido ao espetáculo de sua humilhação. A consciência disso estalou em seu interior como um vulcão.

- Me dê a adaga - repetiu Christopher, convencido de que ela a entregaria.

Mas não o fez. A adaga desceu com a velocidade de um raio, diretamente para seu coração. Só os rápidos reflexos de Christopher o permitiram desviá-la com o braço para depois torcer o braço que sustentava a arma mortal, ao mesmo tempo em que atraía à agressora para ele, rodeava-a com o braço e a aprisionava contra seu corpo, enquanto o brilhante sangue gotejava do corte que ela tinha conseguido lhe produzir na face perto da orelha.

-Pequena bruxa sedenta de sangue! - exclamou ele com selvagem cólera contida. A admiração que tinha experimentado momentos antes por sua coragem desmoronou instantaneamente ao notar que o sangue começava a lhe escorrer pelo rosto. -Se fosse um homem te mataria por isso.

Gawin observava a ferida de seu senhor com uma ira que superava inclusive a dele. Voltou o olhar para Dul e em tom de ódio e desprezo disse:

-Chamarei o guarda.

-Não seja estúpido! -respondeu-lhe Christopher. -Quer que se estenda pelo acampamento e depois pelo território a notícia de que fui ferido por uma freira? Que desapareça o temor que os inimigos têm de mim e de minha lenda, esse temor que derrota nossos inimigos antes que se atrevam sequer a levantar suas armas contra mim?

-Peço-lhe desculpas, milorde -disse Gawin, - mas como impedirá que ela conte uma vez que a solte?

-Me soltar? -perguntou Dul, que despertou do transe em que estava e sumindo o temor olhou fixamente o sangue que tinha derramado. -Têm intenção de nos soltar?

-Em seu dia, se é que antes não a mate primeiro - respondeu o Lobo. Afastou-a para o lado com tal força que Dul caiu no meio do monte de tapetes, em um canto da tenda. Sem afastar o olhar de sua prisioneira, receoso, agarrou a jarra de vinho e bebeu um bom gole. Logo seu olhar se fixou na longa agulha que havia sobre a mesa, junto ao fio e ordenou ao seu escudeiro: - Encontre uma agulha menor.

Dul permaneceu sentada onde caiu, desconcertada diante das palavras e as ações do conde. Agora que recuperava a razão, mal podia acreditar que ele não a tivesse matado ali mesmo por tentar assassiná-lo. Lembrou então as palavras que tinha pronunciado: « Que desapareça o temor que os inimigos têm de mim e de minha lenda, esse temor que derrota nossos inimigos antes que se atrevam sequer a levantar suas armas contra mim?» Em algum lugar, entre os escuros cantos de sua mente, Dul tinha chegado à conclusão de que o Lobo não era tão mau como a lenda o apresentava; se fosse, já a teria torturado e desonrado. Em vez disso, era evidente que tinha a intenção de permitir que ela e Angel partissem.

Quando Gawin retornou com uma agulha menor, Dul experimentou um sentimento de compaixão pelo homem que tinha tentado matar momentos antes. Não podia perdoá-lo, e não o perdoaria, por tê-la maltratado fisicamente, mas agora que o tinha ferido, tanto em seu corpo como em seu orgulho, como ele tinha ferido os seus, considerava que as coisas estavam quites entre eles. Ali sentada, observando-o beber do jarro, decidiu que a partir desse momento o melhor e mais sensato, seria fazer todo o possível para que não mudasse de opinião a respeito de devolvê-las a abadia.

-Terei que fazer a barba, sir - advertiu-lhe Gawin. -De outro modo não poderei ver a ferida para costurá-la.

-Barbeia então - murmurou Christopher. -Não sou muito bom com essa coisa, nem sequer quando vejo o que estou fazendo. Tenho cicatrizes por todo o corpo para demonstrar.

-É uma pena que ela tenha feito este corte no rosto - disse o escudeiro, e Dul teve a sensação de que tinha deixado de existir para eles no momento. -De qualquer forma, já está cheio o bastante de cicatrizes.

Pegou uma faca muita afiada e uma vasilha com água para começar a barbeá-lo. O rapaz concentrado em sua tarefa, interpunha-se entre o Lobo e Dul, mas esta se inclinou primeiro para um lado e depois para o outro, curiosa em ver que tipo de rosto feroz escondia aquela barba negra e espessa. Ou se por acaso escondia um queixo de aspecto fraco? Perguntou-se. Inclinou-se mais para a direita, tanto que estava a ponto de perder o equilíbrio em sua intenção de olhar.

Christopher não se esqueceu de sua presença, nem tinha deixado de desconfiar dela, muito menos agora que tinha demonstrado ser bastante ousada para tentar assassiná-lo.

Olhou-a com a extremidade do olho e a viu inclinar-se de um lado para outro.

-Se afaste Gawin - disse em um tom de brincadeira, - para que ela possa ver meu rosto, do contrário perderá o equilíbrio e cairá no chão.

Dul, que estava muito inclinada para a direita, não pôde recuperar o equilíbrio com rapidez suficiente para fingir que não o estava espiando. Ruborizou-se e afastou rapidamente o olhar do rosto de Christopher Westmoreland, mas não antes de perceber com assombrosa impressão de que ele era consideravelmente mais jovem do que imaginava. Além disso, não tinha um queixo fraco, e sim forte, quadrado, com uma curiosa e pequena covinha no centro. Além disso, não pôde observar nada mais.

-Vamos, vamos não seja tímida agora - disse Christopher com sarcasmo. Mas o forte vinho que tinha tomado antes contribuía para suavizar seu temperamento.

Além disso, a mudança que se operou na moça que de ousada assassina tinha passado a ser uma jovem curiosa, parecia-lhe tão desconcertante como divertido. - Dê uma boa olhada no rosto onde acaba de gravar sua inicial - acrescentou.

-Preciso costurar essa ferida, milorde - disse Gawin com cenho franzido. -Eu não gosto nada de seu aspecto; é profunda e está inflamada.

-Procure fazer um bom trabalho não, quero ter um aspecto ruim diante de lady Dulce - disse Christopher com ironia.

-Sou seu escudeiro, milorde, não uma costureira - replicou Gawin. Sustentou a agulha e o fio sobre o profundo talho que nascia na têmpora e continuava o contorno da mandíbula.

De repente, para Christopher a palavra «costureira» o fez lembrar os pontos limpos e quase invisíveis que Dul tinha costurado em uma calça de lã. Afastou Gawin para um lado e olhando Dul disse em tom sereno, embora não desprovido de autoridade:

-Venha aqui.

Dul que não desejava importuná-lo para que não mudasse de opinião a respeito de libertá-las, levantou-se e obedeceu cautelosamente, aliviada por afugentar a pressão que sentia nas nádegas.

-Se aproxime mais - pediu ele ao ver que se detinha, fora de seu alcance. -Parece justo que seja você quem vai cerzir o que cortou. Costure a ferida.

À luz de um par de velas, Dul observou pela primeira vez o talho que tinha lhe feito no rosto, e a visão da carne rasgada, somada à idéia de ter que atravessá-la com a agulha, fez com que se sentisse aponto de desmaiar. Engoliu com dificuldade, e sussurrou:

-Não..., não posso.

-Pode fazer e vai fazer - disse Christopher em tom implacável. Apenas um segundo antes tinha duvidado da prudência de permitir que ela se aproximasse com uma agulha na mão, mas ao sentir o quanto estava horrorizava com o que tinha feito, sentiu-se mais tranqüilo. De fato, pensou que ao obrigá-la a vê-lo, ou tocá-lo, não era mais que uma justa vingança. 

Com visível má vontade, Gawin entregou a agulha e o fio a Dul, que segurou com mão tremula junto ao rosto de Christopher. Mas justo quando se dispunha a tocá-lo, lhe agarrou a mão e lhe disse em tom de advertência:

-Espero que não lhe ocorra à estúpida idéia de fazer deste suplício necessariamente doloroso.

-Não, não pensava em fazer. E não o farei - disse Dul fracamente.

Satisfeito Christopher lhe estendeu a jarra de vinho.

-Tome beba antes um bom gole disto. Fará com que seus nervos fiquem mais firmes.

Se naquele momento ele tivesse lhe dado veneno, lhe assegurando que isso a tranqüilizaria, Dul o teria tomado de tão angustiada se sentia diante da tarefa que tinha que fazer. Levantou a jarra e bebeu três longos goles, engasgou-se e depois bebeu um pouco mais. Teria continuado bebendo se o conde não tivesse tirado com firmeza a jarra da mão.

-Beber muito nublaria a visão e seus movimentos seriam trêmulos - disse asperamente. -Não quero que me costure a orelha. E agora, já pode começar. -Voltou à cabeça para o outro lado e lhe ofereceu a face rasgada, enquanto Gawin se mantinha ao lado da cativa, observando-a atentamente para assegurar-se de que não causaria dano algum ao seu senhor.

Dul jamais tinha costurado carne humana. Agora, ao fazer um esforço para atravessar com a agulha a carne do conde, sentiu náuseas e não pôde reprimir um leve gemido. Christopher a observava com a extremidade do olho e tentava não fazer nenhuma careta de dor, por temor que ela sentisse e desmaiasse.

-Para quem quer ser uma assassina, têm um estômago extraordinariamente fraco - comentou, tentando assim distrair sua mente da dor e dela da sangrenta tarefa.

Dul mordeu o lábio inferior e introduziu de novo a agulha na carne. A cor desapareceu de seu rosto e Christopher tentou distraí-la novamente com sua conversa.

-O que a fez pensar que tinha vocação para ser freira?

-Eu... não a tinha - falou ela.

-Então o que fazia na abadia de Belkirk?

-Meu pai me enviou para lá - respondeu, sem deixar de lutar contra a náusea que estava sentindo com o que estava fazendo.

-Por que acredita que está destinada a ser freira? -Perguntou Christopher com incredulidade. -Sem dúvida deve ter visto um aspecto de sua natureza que eu desconheço.

O comentário fez com que Dul esboçasse um sorriso e recuperasse a cor.

-Na realidade - admitiu em tom entusiasmado que adotava quando não estava zangada ou alerta, - suponho que me enviou porque viu o mesmo aspecto de minha natureza que você viu.

-Sério? -Perguntou Christopher, em tom familiar. -Que razões teve para tentar assassiná-lo?

Sua voz soou tão genuinamente mal-humorada, que Dul não pôde evitar sorrir de novo. Além disso, não tinha comido nada desde o dia anterior, e o forte vinho já corria por suas veias, relaxando-a e a enfraquecendo da cabeça aos pés.

-E então? -animou-a Christopher ao mesmo tempo em que observava as diminutas covinhas que se formava em sua bochecha.

-Não tentei assassinar o meu pai - respondeu ela com firmeza, antes de dar outro ponto.

-Qual foi então o motivo pelo qual ele lhe enviou a um convento?

-Entre outras coisas porque me neguei a me casar com alguém... de certo modo.

-Sério? -perguntou Christopher genuinamente surpreso ao lembrar o que tinha ouvido contar da filha mais velha de Merrick da última vez em que esteve na corte do Henrique.

Conforme afirmavam os rumores, a filha mais velha de Merrick era uma solteirona fria e pouco atraente. Tentou lembrar quem a havia descrito nesses termos. Tinha sido Edward Balder, o conde de Lochlordon, um emissário da corte do rei Jacob. Mas não era o único em afirmar tais coisas dela.

Entretanto, que era uma solteirona fria e pouco agraciada não era a única coisa que diziam a respeito da mulher. Havia algo mais, embora não lembrasse no momento.

-Que idade tem? -perguntou de repente.

A pergunta a pegou de surpresa e lhe surpreendeu.

-Dezessete anos - admitiu a contra gosto, conforme observou Christopher, - e duas semanas.

-Tão velha assim? -perguntou ele com uma careta que era uma mescla de brincadeira e compaixão. Evidentemente, não podia dizer que era «tão velha», embora a maioria das jovens se casasse entre os quatorze e os dezesseis anos de idade. Pensou que ainda não estava suficientemente qualificada para que a considerasse uma solteirona.

-É uma solteirona por vontade própria?

O sobressalto e a negativa afloraram nos profundos olhos azuis de Dul, e ele tentou lembrar o que outras coisas diziam dela na corte. Não conseguiu lembrar nada, exceto, conforme afirmava sua irmã, Angel, sobrepunha-a completamente. A beleza de Angel, de acordo com os rumores, deslumbrava o sol e as estrelas. No momento, Christopher se perguntou por que um homem preferiria uma jovem loira, dócil e pálida do que esta tentadora e feroz mulher, e então lembrou que ele mesmo tinha preferido os consolos de uma loira angelical... de uma em particular.

-É uma solteirona por vontade própria? -perguntou de novo, embora esperasse prudentemente que ela desse outro ponto antes de pronunciar a palavra que a tinha feito vacilar.

Dul deu outro pequeno ponto e depois outro e mais outro, com intenção de afastar de si a repentina e insólita consciência daquele homem tão atraente quanto viril. Porque era muito atraente, teve que admitir para seu próprio assombro. A beleza varonil de seu bronzeado rosto recém barbeado a pegou completamente de surpresa. Sua mandíbula era quadrada, o queixo com furinho, os maçãs do rosto altas e largas. Mas o que a desarmava completamente era sua última descoberta: o conde de Claymore, cujo simples nome inspirava terror nos corações de seus inimigos, possuía as pestanas mais espessas que tinha visto em sua vida. Um leve sorriso dançou em seu rosto ao imaginar como todos se sentiriam intrigados em sua casa quando compartilhasse com eles aquela informação.

-É uma solteirona por vontade própria? -repetiu Christopher, desta vez com um pouco mais de impaciência.

-Suponho que sou, visto que meu pai me advertiu que me enviaria a um convento se estragasse a única oferta adequada de matrimônio que provavelmente receberia em toda minha vida.

-E quem lhe ofereceu? -perguntou Christopher, intrigado.

- Edward Balder, o conde de Lochlordon. Não se mova! Ordenou-lhe com atrevida temeridade quando ele se sobressaltou pela surpresa. -Caso se mova poderá me acusar de não fazer bem meu trabalho.

Aquela advertência por parte de uma jovenzinha que, além disso, era sua prisioneira, fez com que Christopher estivesse a ponto de soltar uma gargalhada.

-Quantos pontos condenados têm intenção de me dar? -Perguntou em tom de irritação. -Acho que era só um pequeno talho.

Ofendida ao comprovar que pelo visto ele considerava seu atrevido ataque como um pouco mais que um ligeiro inconveniente. Dul retrocedeu um passo e lhe dirigiu um olhar feroz.

-Pois em minha opinião é um talho grande e de aspecto feio.

Christopher abriu a boca para replicar, mas não pôde evitar dirigir o olhar para os seios da jovem, retesados contra o tecido da camisa que usava. Era estranho que não tivesse observado até esse momento o quanto generosamente era dotada quão estreita era sua cintura e o quanto era suave e redondo seus quadris. Mas pensando melhor, tampouco era tão estranho, disse Christopher a si mesmo, posto que poucas horas antes estivesse coberta com o hábito e até alguns minutos atrás ele se sentia muito furioso para se dar conta sequer do que ela tinha posto. E no instante em que se deu conta desejou não ter observado. Porque lembrou também o quanto deliciosamente arredondada eram suas nádegas. O desejo brotou em seu interior e o fez mover-se incomodado na cadeira.

-Termine com sua tarefa - disse asperamente.

Dul atribuiu aquela brutalidade a suas repentinas mudanças de humor, os mesmos que o faziam parecer um monstro maligno em um momento, e quase bondoso no seguinte. Quanto a ela, seu próprio corpo era tão imprevisível como as mudanças de humor de Christopher. Apenas alguns minutos antes havia sentido frio, apesar da fogueira que ardia dentro da tenda. Agora, por outro lado, sentia muito calor, embora só estivesse com a camisa. Entretanto, desejava restaurar à quase amistosa camaradagem que compartilhavam há alguns momentos, não porque desejasse que fosse seu amigo, simplesmente porque isso lhe permitia ter menos medo. Sem muita confiança em si mesma se atreveu a comentar:

-Parece surpreso quando mencionei o conde de Lochlordon.

-Com certeza - admitiu Christopher em tom evasivo.

-Por quê?

O conde não desejava lhe dizer que Edward Balder era provavelmente o responsável pelos injustos rumores que circulavam por Londres sobre ela. Tendo em conta que o tal Balder não era mais que um vaidoso, não era nada surpreendente que reagisse manchando o bom nome da mulher que o tinha recusado.

-Porque é um velho - respondeu finalmente Dul.

-E também feio.

-Sim, isso também.

Por mais que tentasse, o conde não podia imaginar que um pai carinhoso tentasse casar a sua filha com um velho como aquele. Tampouco acreditava que seu pai tivesse verdadeiramente a intenção de enterrá-la em um convento. Sem dúvida, o conde de Merrick se limitou a enviá-la para que passasse ali umas semanas e aprendesse a obedecer.

-Durante quanto tempo esteve na abadia de Belkirk?

-Dois anos.

Christopher ficou com a boca aberta, mas a fechou imediatamente, pois o rosto doía horrivelmente e sua atitude começava a piorar repentinamente.

-Evidentemente, seu pai lhe considera tão teimosa rebelde e caprichosa como eu - disse com irritação, com o único desejo de tomar outro gole de vinho.

-Se eu fosse sua filha, como se sentiria? -perguntou Dul, indignada.

-Maldito - respondeu com franqueza, e fez pouco caso do olhar de desgosto que lhe dirigiu. -Em apenas dois dias me opôs mais resistência do que encontrei nos dois últimos castelos que tomei à força.

-Quero dizer se fosse sua filha e seu pior inimigo tivesse me raptado - disse Dul, com os braços para frente e uma expressão de ira nos olhos. -Como queria que me comportasse?

Momentaneamente atônito e sem saber o que dizer Christopher a olhou fixamente e refletiu sobre suas palavras. Em nenhum momento aquela moça tinha tentado negociar com ele nem tinha pedido clemência. Em vez disso, fez todo o possível para enganá-lo, escapar dele, e inclusive matá-lo, nessa ordem. Não tinha derramado uma só lágrima, nem sequer durante as palmadas que ele deu, Depois quando acreditou vê-la chorar por um momento, ela planejava lhe afundar a adaga no coração. Aquela jovem parecia incapaz de derramar lagrimas, mas no momento Christopher refletiu a respeito de como teria se sentido se ela tivesse sido sua filha... uma mulher inocente longe da segurança da abadia, nas mãos de seus captores.

-Pode guardar as garras Dulce - disse secamente. -Compreendo a que se refere.

Ela aceitou sua vitória com um gracioso gesto de assentimento. De fato, fez com muito mais graça do que Christopher lhe concedeu.

Foi a primeira vez que ele a viu sorrir abertamente e o efeito que isso teve sobre seu rosto foi mais do que assombroso, O sorriso apareceu lentamente e permaneceu em seus olhos um instante, para depois estender-se para seus generosos lábios, que se abriram permitindo vislumbrar dentes brancos e perfeitos, enquanto se formavam um par de covinhas em sua bochecha.

Christopher poderia ter respondido com um sorriso zombador, mas ao sentir uma expressão de desdém no rosto do Gawin, lhe ocorreu pensar que provavelmente estivesse sendo muito amável com uma prisioneira que, além disso, era a filha de seu inimigo. Mas, acima de tudo, o fazia diante da mulher que era responsável por muitos de seus homens passassem frio essa noite por estarem sem mantas que os cobrissem. Apontou para o monte de tapetes e disse:

-Podem se deitar aí. Amanhã começará a reparar o dano que causou.

A brusca mudança de humor que se operou em Christopher fez com que Dul deixasse de sorrir e retrocedesse um passo.

-Falo muito sério - acrescentou ele, mais zangado consigo mesmo do que com ela. -Enquanto não reparar essas mantas dormirá sem uma.

Ela levantou o queixo com um gesto de arrogância ao que ele já se acostumou, e se voltou para dirigir-se para os tapetes que lhe serviam de cama. Christopher carrancudo observou que não caminhava como uma freira e sim com a graça provocadora de uma cortesã.

Dul tombou sobre as peles e ele apagou as velas. Um momento mais tarde, o conde se deitou ao seu lado e se cobriu com as peles. De repente, ela sentiu que o calor reconfortante do vinho começava a abandoná-la, e por sua mente esgotada começaram a desfilar os acontecimentos daquela interminável jornada, desde o amanhecer, quando Angel e ela planejaram sua fuga, até poucas horas atrás quando voltaram a ser capturadas pelo homem que agora jazia ao seu lado.

Com o olhar perdido na escuridão, rememorou a pior cena de todas. Visualizou Thor, que galopava sem esforço algum entre as árvores do bosque, saltando um obstáculo atrás de outro. Depois o viu ali estendido, morto, junto à grande rocha, com sua brilhante pelagem reluzindo à luz da lua.       

As lágrimas se formaram em seus olhos; deixou escapar um suspiro, e depois outro, e tratou de afastar aquela imagem de sua mente, mas isso não desapareceu a dor que sentia pela morte daquele corajoso animal.

Christopher que temia ficar adormecido antes que ela, percebeu o som de seus suspiros e de sua respiração agitada. Convencido de que fingia chorar com a esperança de que ele tivesse piedade e lhe permitisse se cobrir com as peles, mudou de lado e com um movimento suave tomou o rosto entre as mãos, e o voltou para ele. Os olhos de Dulce brilhavam por causa das lágrimas que não derramadas.

-É tão fria que contêm o pranto? -Perguntou-lhe com incredulidade, verificando seu rosto a frágil luz das brasas da fogueira.

-Não - respondeu com voz rouca.

-Então, por quê? - Perguntou completamente desconcertado, pois não atinava o que podia ter dobrado finalmente o teimoso orgulho da moça. -Pela palmadas que dei?

-Não - sussurrou ela com os olhos fechados. -Por seu cavalo.

De todas as respostas que tivesse podido dar aquela era a que Christopher menos esperava, e a que mais desejava ouvir. De algum modo saber que ela lamentava a insensata morte de Thor fazia com que ela parecesse menos trágica.

-Era o animal mais formoso que jamais vi - acrescentou ela reprimindo um soluço. -Se esta manhã, ao pega-lo soubesse que o conduzia para a morte teria ficado aqui até encontrar... outra forma de escapar. -Abriu os olhos e olhou fixamente para o conde, que fez uma careta de dor ao afastar a mão de seu rosto.

-Foi um milagre que tivesse caído para fora do cavalo. De outra forma teria sido o fim dos dois - disse mal-humorado.

Dul se voltou e afundou o rosto entre as peles.

-Não caí - sussurrou com a voz angustiada. -Ele me atirou para fora. Durante o dia tinha superado os obstáculos mais altos. Sabia que podíamos saltar essa árvore com facilidade. Mas ao fazer ele empinou sem razão e caí para trás. Ele me sacudiu de sua garupa antes de saltar.

-Thor deixou dois potros Dulce - disse Christopher com suavidade. -Se parecem muito com ele. Um deles está aqui, conosco. O outro está em Claymore, onde está sendo adestrado. Não o perdi de todo.

Dul, emocionada, deixou escapar um suspiro de alívio, e sussurrou:

-Obrigada.

O vento gélido de outono disfarçado de inverno cruzou o vale iluminado pela lua e envolveu em seu frio abraço os soldados que dormiam, fazendo com que batesse os dentes. Em sua tenda, Christopher se moveu sob as mantas quentes e notou contra seu braço o roçar estranho de uma mão gelada.

Abriu um olho e viu Dulce, que feita um novelo sobre as peles em uma intenção inútil por um pouco de calor, tremia convulsivamente. Christopher não se achava tão adormecido para não saber o que fazia, e tampouco se esqueceu de que tinha proibido Dul de se esquentar em baixo das mantas até que consertasse o dano que tinha causado a seus homens. E, se quisesse ser completamente honesto, ao pensar na jovem encolhida, lhe ocorreu que seus homens deviam estar tremendo muito mais ao ar livre, sem tenda nem mantas que os protegesse do frio. De forma, que não houve justificativa para o que fez a seguir. Levantou-se, apoiado em um cotovelo, estendeu uma mão mais à frente do corpo de Dulce, tomou a borda do grosso monte de peles e jogou até cobrir Dulce com elas.

Tombou de novo e fechou os olhos, sem experimentar nenhum remorso. Até porque seus homens estavam acostumados ao frio e à força dos elementos. Justamente o contrário de Dulce Merrick.

Ela se acomodou sob as peles e apertou instintivamente as nádegas contra o joelho dobrado de Christopher. Apesar da barreira das peles, o conde lembrou imediatamente os deliciosos atributos femininos que agora se encontravam facilmente ao seu alcance. Mas imediatamente afastou aqueles pensamentos de sua mente. Ela tinha uma habilidade peculiar para ser de uma só vez uma jovem inocente e inexperiente e uma deusa de cabelo ruivo capaz de dar rédea solta a seu temperamento com a mesma facilidade com que se quebra um pequeno ramo no chão, e capaz além de aplacar a dor com um sussurrado «sinto muito». Mas menina ou mulher, ele não se atreveu a tocá-la. Sabia que cedo ou tarde teria que deixá-la partir, ou renunciar a seus planos cuidadosamente traçados para um futuro que não demoraria mais que um mês a chegar. Para Christopher não era nenhum motivo de preocupação o que o pai de Dulce se dobrasse ou não. Ao término de uma semana, ou dois no máximo entregaria sua filha se aceitasse render-se nos termos que fossem satisfatórios para Henrique, ou a ofereceria a este caso o conde de Merrick não se dobrasse. Agora, ela não era propriedade de Christopher, mas sim de Henrique, e ele não desejava confrontar as complicações que surgiriam caso decidisse fazer amor com ela.

 

O conde de Merrick, evidentemente furioso caminhava de um lado a outro, diante da fogueira acesa no centro do salão, enquanto escutava as sugestões de seus dois filhos e dos quatro homens a quem considerava seus amigos e parentes mais íntimos.

-Não podemos fazer nada - disse Garrick Carmichael em tom de cansaço. -Ao menos enquanto o rei Jacob não nos enviar os reforços que solicitamos ao lhe informar de que o Lobo tinha feito às moças prisioneiras.

-Então, e só então poderemos atacar esse bastardo e destroçá-lo - resmungou Malcolm, seu filho mais novo, ele encontra-se perto de nossas fronteiras. Desta vez não teremos que fazer uma longa marcha até Cornualles que nos debilitou antes de entrar em combate.

-Não vejo diferença nenhuma esteja perto ou longe com os homens que contamos - disse serenamente Christian, o filho mais velho. -Não seria uma estupidez atacá-lo, mesmo que não tenhamos liberado Angel e Dul.

-E como supõe que vamos fazer isso, em nome de Deus? -Falou Malcolm, e em tom terminante, acrescentou: - As moças estão virtualmente mortas. Agora tudo o que resta fazer é procurar um modo de nos vingar.

Mais baixo de estatura que seu irmão e seu padrasto, e de temperamento muito mais sereno, Christian afastou o cabelo castanho avermelhado da frente do rosto, inclinou-se diante de sua cadeira e olhou ao redor.

-Mesmo que o rei Jacob nos envie homens suficientes para esmagar o Lobo, não conseguiremos libertar nossas irmãs, que provavelmente morreriam na luta, ou seriam assassinadas assim que esta começasse.

-Deixem já de discutir esse plano, a menos que tenham outro melhor! -exclamou o conde.

-Acredito que tenho - disse Christian com o mesmo tom sereno, e todas as cabeças se voltaram para olhá-lo. -Não podemos libertar as moças pela força, de forma que teremos que agir com sigilo. Em vez de enviar um exército para desafiá-lo, permita que eu leve alguns poucos homens. Nos disfarçaremos de vendedores ou de frades, e seguiremos o exercito do Lobo, até que estejamos em condições de nos aproximar das moças. É muito provável que Dul tenha pensado que faríamos algo assim, e nesse caso estará atenta a nossa presença.

-Eu digo que devemos atacar! - falou Malcolm.

Uma vez, que seu desejo de enfrentar o Lobo era mais forte que sua razão, isso mostrava o pouco que se preocupava com suas irmãs.

Os dois jovens voltaram o olhar para seu pai, à espera que expressasse sua opinião.

-Malcolm - disse finalmente o conde, com afeto. -É muito próprio de você assumir a postura de um homem, procurar vingança e mandar ao diabo as conseqüências. Terá sua oportunidade de atacar quando Jacob nos enviar reforços. Mas, no momento - acrescentou olhando para Christian com expressão de respeito, - o plano de seu irmão é o melhor que temos.


 


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Autor(a): nathyneves

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Durante os cinco dias seguintes, Dul estudou a rotina dos homens do Lobo, Pela manhã, pouco depois do amanhecer se levantavam e praticavam com suas armas durante várias horas, o que fazia com que nos campos e no vale ressonasse incessantemente o ruído das espadas ao se chocarem. Os arqueiros cuja habilidade era legendária, também praticavam ...


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 26



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  • beel Postado em 22/02/2009 - 15:49:56

    VOLTA A POSTAAAAAAAAAAR

  • beel Postado em 13/02/2009 - 18:25:00

    Voltaa aa postaar !!
    Se vc voltar postar eu comentoo todos os dias,várias vezes !!
    Por favoooooor !!
    Continuaaaaaaaaaaaaaa

  • nathyneves Postado em 13/02/2008 - 17:26:18

    Eu irei parar de postar aquii
    http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=48488462&tid=25782030367557 67535&start=1

    ai em cima ta o link da web no orkut
    Beijooos

  • dull Postado em 07/02/2008 - 00:36:45

    Por favor não para de poxtar eu amo sua Web...

  • nathyneves Postado em 31/01/2008 - 00:05:54

    Vou viajar e só volto depois do carnaval... Beijoos

  • mirian Postado em 28/01/2008 - 18:47:35

    eu tbm ADORO a sua web..e vou comentar
    todo cap para vc nao parar + de postar, OK?
    BJOS...

  • deborah Postado em 27/01/2008 - 10:11:40

    leitora nova!!!!
    essa web é lindah, eu to amando de vdd!
    To muito curiosa...
    Besitos e posta quando der...

  • avinha Postado em 26/01/2008 - 00:06:56

    nhaaa naum para de postarrr! sua web eh lindaa... *-*

  • nathyneves Postado em 24/01/2008 - 01:49:49

    Okeey então amanhã eu volto a postaar

  • avinha Postado em 23/01/2008 - 21:16:43

    ahhh pleaseee naum para de postar mais naum
    eh taum linda sua web


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