Fanfic: a marca de um cristal [Finalizada] | Tema: vondy

- Ah, menina, que judiação! Estou morrendo de remorso. Eu tirei oito com a redação que você fez, e você tirou zero!

- Não esquente a cabeça, Anny. Eu dou um jeito naquele professor, pode crer. Na próxima, ele vai ter de me chamar de Deus e me dar um dez.

- Puxa, oito em redação! Nunca tirei isso. Uma nota oito vezes maior que a sua, para duas redações feitas pela mesma pessoa...

- Além de redação, acho que você vai ter de rever a sua matemática, Anny. Oito vezes zero dá zero mesmo.

 As duas riram e Dulce passou o braço pelos ombros de Anny. Quem visse as duas, assim abraçadas, assim sorrindo, teria uma imagem falsa daquela felicidade. Uma das duas mentia ao sorrir. Mas mentia como um mestre.

- Acho que nunca vou poder pagar tudo o que devo a você, Dul. E não estou falando de redação. Estou falando de amor...

- Para mim, escrever também é um ato de amor, Anny. Quem escreve ama aquele que vai ler, quer conquistar o amor daquele que vai ler.

"Só que Poncho nunca lera o que eu escrevi para ele. Nunca saberá do meu amor. Não há esperança", pensava ela atrás do sorriso.

- Você é muito adulta, Dul. Adulta demais...

- É que eu tenho sessenta anos, Anny. Mas sou conservada. Agora deixe de bobagem e continue com o amor e suas dívidas... Ou dúvidas, sei lá.

- Nada de dúvidas! Eu estou apaixonada mesmo. Gamada, caída! A melhor coisa que aconteceu na minha vida foi você ter me convidado para aquela festa. Conhecer Poncho foi...

Com a expressão mais interessada do mundo, Dulce ouviu o relato da amiga. Lá estavam no ponto do ônibus, cheio de gente, e Anny falava baixo, como segredo, como culpa, como num confessionário. Descrevia cada passo daquela noite inesquecível, cada dança, a pressão do rosto de Poncho junto ao seu, as palavras sussurradas ao ouvido. O único segredo que faltava era Poncho debruçando-se sobre Dulce no jardim. O único segredo que faltava era aquele beijo. Mas Anny nunca deveria saber disso. Por que estragar-lhe a felicidade? Bastava que uma das duas fosse infeliz.

 - Nos braços dele, eu...

Dentro de Dulce, por trás do sorriso interessado, a descrição feita por Anny ganhava mais detalhes, cheios de calor, de cheiros, de cobras, de contatos, de aranhas peludas...

-Meu único medo, Dulce, é que, para ele, eu não tenha passado de um presente de aniversário, de diversão para uma noite. Mas eu quero aquele garoto! Nem sei o que ele pensa de mim, mas é ele que eu amo. Preciso me encontrar novamente com ele!

- Que tal amanhã, às quatro horas, em frente ao cinema, na esquina da... -O quê?! De que você está falando?

- Bobinha! Eu não disse que tinha uma novidade que ia fazer você cair para trás? Pois esta é a novidade.

- Você... Você falou com Poncho? Sobre mim?

- É claro que falei. Nós somos primos, não somos? Somos confidentes... - O que foi que ele disse? O que foi que ele disse Dul?

Dulce sorriu, gozando carinhosamente a ansiedade de Anny.

- Hum... Mais ou menos o que diria Abelardo sobre Heloísa...

- Isso foi numa novela? Não assisti...

- Ah, Anny, isso não é novela de televisão...

- O que ele disse Dul?

- Acho que você vai preferir que ele repita tudo pessoalmente, não vai? O importante é que ele quer encontrar-se com você. No cinema. Amanhã às...

- Ai, ai, ai! A minha mãe...

- Diga que você vai ao cinema comigo. Passo na sua casa lá pelas três e meia. Eu tenho mesmo de dar um pulo numa livraria. Na saída do cinema nos encontramos e voltamos juntas.

- Você é um amor, Dul. Não sei o que eu faria sem você. Amanhã de manhã, no colégio, diga ao Poncho que...

- Eu? Não acha melhor você mesma dizer?

- Não sei se poderia Dul. Quando eu o encontrar, vou ficar muda como uma porta!

- Então escreva um bilhete. Basta sorrir e colocar o bilhete na mão dele. - Eu bem que gostaria. Ah, se eu pudesse eu colocaria nesse bilhete tanta coisa, como se... como se...

- Como se o bilhete fosse um buraco de fechadura através do qual Poncho pudesse conhecê-la melhor por dentro.

- É isso! Você sempre diz as coisas certas, Dul.

"Eu também tenho um buraco de fechadura, Anny. Mas Poncho quer espiar pelo seu..."

- Comigo é diferente. Eu sou burrinha, Dulce. Poncho haveria de rir de um bilhete escrito por mim. Logo ele, que sempre foi o primeiro da classe. Não é isso o que dizem?

- Pelo menos foi isso que a mãe dele disse para a minha.

- Eu não posso bancar a burra com ele, Dulce. O que eu vou fazer? Por favor, me ajude!

- Como hoje, na aula de redação?

Lentamente, Dulce abriu o fichário. Lá estava a folha, com o poema feito na aula de física: Nos teus braços me abandono, ao teu lado sou mulher... "Você vai receber o meu poema, Poncho..."

- Aqui está, Anny. Um texto de meu estoque. É só copiar com sua letra e colocar seu nome. Tudo o que você quer dizer ao Poncho está aí.

Anny pegou a folha, meio em dúvida.

- Como pode ser? Eu... Nem sei o que dizer...

"Você nunca sabe o que dizer minha querida...", em pensamento, Dulce gozava a amiga.

- Pode deixar que eu diga por você.

- Mas...será que o que está escrito aqui serve para o Poncho?

 - Como uma luva.

O ônibus encostou-se àquele momento e começou a engolir a fila de estudantes.

- Obrigada, Dulce. Você é demais!

-Corra se não, você perde o ônibus.

- Passe na minha casa as três, não quero me atrasar.

- Tchau, Anny.

A menina ficou vendo o ônibus se distanciar, levando sua amiga, sua rival, e a declaração de seu amor, de seu carinho, que serviria para aumentar ainda mais a paixão de Poncho por Anny.

"O condenado à forca prepara sua própria corda..." e o pensamento de Dulce oscilava entre a resignação e o desespero.

De uma janela do ônibus, acarinha de Anny surgiu, jogando um beijo para a amiga:

- Eu te adoro, Dul!

Dulce sorriu e devolveu o beijo. Agora não havia ninguém olhando. A menina deixou correrem as lágrimas represadas por seu orgulho.

"Todos me adoram... E quem me ama?"