Fanfic: a marca de um cristal [Finalizada] | Tema: vondy

O inimigo, rachado de alto a baixo, dividia Dulce. Uma das duas deveria amar Poncho, e a outra devia estar apaixonada por Anny. Mas ela sentia-se inteira de Poncho, cada pedacinho de seu corpo e de sua mente vibrava, pulsava, pertencia a Poncho. Só que Poncho pertencia a Anny. Como, então escrever uma carta de amor para a rival? Como ajudar seu amado a declarar-se mais ainda à garota que a estava destruindo?

 "Mas eu prometi, eu prometi..."

À sua frente, folhas rabiscadas, papéis amarrotados, um respondendo ao outro, um querendo agarrar, outro querendo ser agarrado, um forçando, outro permitindo. Era como se a mão esquerda escrevesse para a direita, era como se um ouvido falasse para o outro. Por sobre aquela divisão, pairava a voz rachada do inimigo, provocando, torturando, gozando,  mas, ao aumentar a dor, fazendo ferver ainda mais o caldeirão de misturadas paixões, promessas e desesperos que queimavam Dulce por dentro.

 Antes de ti, Poncho, eu nem sabia sequer,fui metade de mim mesma,fui pedaço de mulher...

Vou deixar meu peito aberto,Anny de amor sem fim, sem porteiro, sem vigia, para que entres em mim...

- Ah, Dulce, idiota! Ouve, sou teu inimigo... Esquece essa promessa cretina. Ele adora o que você escreve. Ele adora você!

Do outro lado do corredor, mesmo com duas portas a separá-los, a voz do inimigo fazia-se ouvir perfeitamente por Dulce.

"As palavras de Anny devem ser mais ingênuas. Acho que Poncho espera que seja assim. Ai, Poncho..."

Era metade de mim,era pedaço inocente, pois eu era quase nada e pensava que era gente...

Entre aqui dentro, Anny,aqui não há nada de mal,mas vais achar em meu peito um verdadeiro arsenal!

- Você cozinha os versos com o seu melhor tempero, não é? E pra quê? Pra morrer de fome enquanto os dois se empanturram com a emoção que você criou?

"Quando as cartas são de Poncho, acho que têm de ser mais fortes mais ousadas. Ah, Poncho, eu quero que você seja assim..."

Hoje sou ré, sou culpada, sou o sul e sou o norte,confesso meu crime de vida que dá luz em vez de morte!

É só transformar em granada os pulmões e o coração,espalhando aos quatro ventos estilhaços de paixão!

- Cretina! Rasga isso! Seja mulher, Dulce. Vá atrás dele. Lute por ele!

"Sou Dulce... Sou mulher, me escute... estou perdida..." Sou gente! Socorro, Poncho... me escute ... estou perdida..." 

Quero que venham juízes dispostos a me condenar e te nomeiem carrasco pra eu viver a te adorar. 

Pois que venha a medicina, pois que berre, pois que zangue! Nós vamos juntos gritar: - Um...dois... três... sangue!

- Rasga! Esquece!

Poncho, me agarra, sou tua!

Vem morar dentro de mim!

Entrega-te, Dulce!

CALEM A BOCA! TODOS VOCÊS!

                                                  ***

- Fique tranqüila, Anny. Aqui a gente pode conversar sossegada.  A mãe saiu, com enxaqueca e tudo. Temos a tarde inteirinha pra fofocar à vontade.

Anny experimentou um batom de Dulce, espremendo os lábios.

- Precisa trocar este espelho. Nem sei como você consegue se maquiar com esta rachadura... Como é que quebrou?

- Sei lá. Quebrou. Só isso.

Dulce já havia separado uma pilha de livros e cadernos, mas olhou sorrindo para a amiga.

- Você não estava pensando exatamente em estudar biologia quando veio para cá, não é?

Anahí olhou através do corredor, sorrindo de volta para a amiga, que a aguardava no quarto.Deu uma última olhada no espelho e andou sonhadoramente até à cama de Dulce, onde se jogou, sem se preocupar em tirar os tênis.

- Não sou como você, Dul. Você está sempre interessada em tudo, ligada em todas as coisas. Eu tenho só uma idéia fixa. Uma idéia fixa que já dura quase um mês. Não consigo pensar em nada senão em Poncho. Você não sabe o que isso significa...

- Ah...

A pilha de livros caiu das mãos de Dulce. A menina ajoelhou-se no chão e começou a reempilhá-los apressadamente, como se um rio estivesse por correr ali e pudesse arrastá-los consigo.

- Posso fazer uma idéia, Anny...

- Acho que você não pode. Ninguém pode saber o que é amar alguém como Poncho. Eu...eu acho que estou te traindo, Dul...

- Traindo? Como?

E a pilha de livros espalhou-se de novo pelo chão.

- Estou escondendo um segredo de você. Poncho adora suas cartas...

- Adora? Adora mesmo?

- E como! Eu vou ser grata a você o resto da vida por ter me impedido de passar por burra diante dele. Poncho parece tão caído por mim quanto eu por ele. No começo, nos primeiros dias, ele se conteve, como se... como se...

- Como se quisesse deixá-la à vontade...

- Exatamente. Deixar-me à vontade. Isso acabou fazendo com que o nosso namoro girasse quase que só através das suas cartas, Dul. Daquilo que você escrevia... Mas, depois, ele se abriu. E como se abriu! Ele é um amor, mas é também um gênio. O segredo que eu queria lhe contar são estas cartas dele. Veja.

Anny abriu a bolsa e tirou um macinho de cartas mil vezes re lidas.

- Hum? Cartas de Poncho?