Fanfics Brasil - Um pouco de veneno -2 a marca de um cristal [Finalizada]

Fanfic: a marca de um cristal [Finalizada] | Tema: vondy


Capítulo: Um pouco de veneno -2

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O resto do dia foi uma espécie de pesadelo circense, muito diferente do que Dulce imaginaria para um enredo de filme. Morta dona Albertina, a autoridade máxima era a professora Virgínia, uma vice-diretora cuja utilidade na direção da escola ainda não tinha sido percebida por ninguém. Seu primeiro ato como autoridade máxima foi um verdadeiro faniquito, que só serviu para quase transformar em comédia o trágico fim de dona Albertina.


Depois que a fizeram engolir um copo com água açucarada, a professora Virgínia trancou a diretoria e proibiu que qualquer pessoa entrasse lá.


- Ai, ai, ai, coitada de dona Albertina! Como é que uma coisa dessas foi acontecer? O coração dela era tão forte... Alguém chamou o pronto-socorro?


Foi necessário convencer a professora Virgínia de que o pronto-socorro teria pouco o que fazer com um cadáver e que o certo seria chamar a polícia, como em todos os casos de morte súbita, sem assistência médica.


- A polícia?! Na nossa escola? Que horror! Coitada da Albertina! Albertina! Albertina!


Entrou na sala da diretora como uma louca e trancou-se, sozinha. Lá dentro, teve outro ataque, aos berros, como se fosse possível acordar a morta.Quando a porta se abriu, a professora Virgínia parecia convencida de que a morta estava mesmo morta. Determinou que a diretoria fosse trancada de novo, com cadáver e tudo. Engoliu mais água com açúcar e, sem parar de lamentar-se, mandou dispensar todos os alunos e funcionários. Mais tarde, teve de agüentar a fúria do investigador, que chegou duas horas depois de chamada a polícia.


- Quem lhe deu ordem para dispensar todo mundo?


- N-ninguém... - gaguejou a professora Virgínia, sem saber o que fazer com as mãos. -Foi para os alunos não ficarem impressionados...


- E para estragar o meu trabalho!


- N-não... eu pensei que um ataque do coração, como esse...


Não tinha sido um ataque do coração, afinal. Pela projeção da escola e de dona Albertina, a autópsia foi feita naquela mesma tarde. No corpo obeso daquela educadora sorridente, querida por todos, líder de todos, encontraram uma boa dose de cianureto. Já anoitecia quando um carro da polícia foi buscar Dulce em casa. A mãe veio junto, naturalmente, carregando a pior crise de enxaqueca de que a filha se lembrava. Mas a mãe teve de aguardar fora da sala da diretora, enquanto o investigador interrogava sua filha. Na sala, apenas a polícia, a professora Virgínia, que ainda não tinha descoberto o que fazer com as mãos, as quatro testemunhas daquela manhã e o professor de química.O investigador procurava reconstituir a cena da descoberta do cadáver. Perguntava, interrompia, duvidava. Sentada ao lado de Christopher, quase sem ouvir o interrogatório, Dulce recordava claramente todo o cenário daquela manhã


- Coitada da dona Albertina... - choramingava a professora Virgínia. Dulce lembrava-se da mão gorda de dona Albertina, primeiro pedaço da anatomia morta que ela vira entre a mesa e a janela. Coisa feia, sem jeito, que é um cadáver! Ainda mais de alguém tão gordo, tão grande como a diretora. Estava jogada no tapete, como se um caminhão basculante a tivesse descarregado por cima da mesa. O vestido levantado, a boca aberta, os olhos esbugalhados. Nada que pudesse lembrar a alegria, o entusiasmo e o talento daquela mulher. A morte havia levado tudo.


- Coitadinha da dona Albertina... - fungava a professora Virgínia, como se estivesse ouvindo os pensamentos de Dulce e não o interrogatório profissional do investigador.


Tão gorda... Coitada! Sempre falando em fazer regime. Garantira que, no começo do ano letivo, estava decidida a emagrecer. Dissera que, desta vez, a decisão era para ser levada a sério. Dulce sorriu e, por um instante, visualizou a mesa da diretora naquela manhã. Lembrou-se claramente de um papel de bombom. Pobre dona Albertina! De dia, comendo saladinhas e exibindo sua vontade de emagrecer como se fosse um troféu e, à noite, fechada na diretoria com seus bombons e sua gulodice, como uma criança que se esconde para fazer reinações.


- Logo agora que ela estava fazendo regime... - lamentou-se a professora Virgínia.


Daquele momento em diante não haveria mais gula ou regime para dona Albertina. Não havia nem mais o papel de bombom, que desaparecera da mesa. Nela, o que havia era um objeto, talvez um vaso, coberto por um pano.


- Cianureto! - vociferava o investigador para o professor de química. - Como é que uma escola como esta guarda cianureto no laboratório?


O professor de química olhou de lado, procurando algum apoio junto a Brucutu ou à professora Renata, que parecia a mais revoltada de todos, embora soubesse controlar-se melhor,sem fazer o papel ridículo da professora Virgínia.


- São estudos que estou fazendo com o pessoal do curso técnico - balbuciou o químico. -Estamos analisando a mandioca e...


- A mandioca?! - berrou o investigador. - Vai me dizer que a vítima foi envenenada com mandioca?


- Não... é que extraímos um glicosídeo da mandioca que...


O pano que cobria o vaso sobre a mesa foi retirado. Não era um vaso. Era um frasco de laboratório. A meia distância, mesmo de óculos, não era possível a Dulce distinguir o que estava escrito no rótulo.


- A autópsia encontrou cianureto, professor.


- Pois é. Neste frasco há glicosídeo cianonitrila que é extraído da mandioca...


- Cianureto?


- É. Pode-se dizer que sim.


- A vítima poderia ter apanhado isto no laboratório, não é? Qualquer pessoa poderia, não é?


- Bem, dona Albertina poderia...


- Como é que uma coisa dessas foi acontecer justo na nossa escola? - lamentou, aos soluços, a professora Virgínia, assoando o nariz com estrondo.


O investigador exibiu um envelope plástico transparente que revelava um pouco de pó branco.


- Este envelope estava no chão, ao lado da mão da vítima. Certamente é o mesmo produto deste frasco, não é?


- Pode ser... - o professor de química sentia-se esmagado.-Posso fazer uma análise e...


- Deixe isso à polícia técnica, professor. A sua parte irresponsável o senhor já fez, deixando cianureto no laboratório, ao alcance de qualquer um!


O professor protestou timidamente:


- Ora, não é bem assim. Há muitos produtos potencialmente perigosos em qualquer laboratório. No caso da linamarina...


- Como?! O que o senhor disse?


A surpresa de Dulce interrompeu o professor.


- Linamarina. É o nome que se dá a esse glicosídeo.


- A esse veneno, o senhor quer dizer! - cortou o investigador.


As recordações daquela triste manhã, na escuridão do laboratório, voltaram todas à memória de Dulce. Linamarina! Os dois nomes de mulher que, juntos, agora eram o nome da morte. Há quase um mês alguém mexera naquele frasco. Na penumbra, sem óculos, cheia de lágrimas, no começo da longa estrada que haveria de afastá-la cada vez mais do seu grande amor, Dulce não poderia ter reconhecido aquele alguém. Sua única certeza é que não poderia ter sido a diretora. O vulto de avental branco não era grande. Nem obeso.


- Coitada da dona Albertina! - choramingou de novo a vice-diretora.


- Dona Virgínia! Quer retirar-se? A senhora está atrapalhando o interrogatório!


Para a polícia, o caso pareceu simples. A porta trancada, com a chave do lado de dentro, o envelope contendo Linamarina, as janelas fechadas e quatro testemunhas que haviam encontrado, juntas, o cadáver eram provas suficientes para uma conclusão de suicídio. Motivos para o suicídio? Não cabia à polícia deduzir. Afinal, onde está mesmo a lógica de alguém que decide tirar a própria vida? Uma vida obesa, alegre e produtiva? Uma vida de mulher, uma morte de mulher, uma morte com nome de mulher? Uma morte chamada Linamarina?Lembrou-se do poeta João Cabral de Melo Neto e de Morte e vida Severina, aquele poema maravilhoso. Uma vida Severina... uma morte Linamarina...


Tudo se juntava como uma carga pesada demais para Dulce. A recordação daquele beijo louco, daquele Poncho louco do jardim, daquela noite louca, quando tudo havia começado. Depois, a desilusão no laboratório, as cartas e os poemas cheios de seu amor desesperado. Agora, aquela morte tão estúpida, tão grotesca, e a lembrança do vulto de branco mexendo na Linamarina. Mexendo na morte.


Suicídio... E o que Dulce tinha feito no dia anterior? Não tinha sido ela mesma a disparar o tiro de misericórdia na nuca de sua última esperança de felicidade? O que tinha sido aquela declaração ao telefone? O que tinha significado forçar o encontro de Poncho e Anahí em sua própria casa? Não fora isso uma espécie de suicídio? Um desejo de acabar logo com aquele sofrimento que só crescia, a cada hora, a cada verso, a cada lágrima?Afinal, o que era a morte? Uma massa de banha jogada grotescamente sobre um tapete de diretoria? E o que era a vida, o que seria a vida, agora que a ligação entre Poncho e Anahí tornara-se pública e definitiva? O que seria então a morte senão um alívio, um basta a toda aquela tortura? O que seria a morte?


Severina como a do retirante nordestino?


Linamarina como a da diretora obesa e sorridente?


Como seria a outra morte, a da menina gorda, da garota feia, da poetisa de óculos, espinha no nariz e inimigo rachado?


"Mais vale um fim trágico do que uma tragédia sem fim...", recordou ela, ainda na diretoria, mal sentindo a delicada pressão da mão de Chris sobre a sua. Olhou para o tapete vazio onde havia descoberto o cadáver da diretora. E foi o seu próprio cadáver que viu ali.


 


 



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Autor(a): megvondy

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- Oh, Dulce, entre. Está mais calminha? Carinhosamente, a professora Virgínia fez Dulce entrar na pequena sala da vice-diretoria, tão inútil quanto a ocupante. - Bem... eu é que estava nervosa, não é? Mas você compreende, tenho certeza. Albertina morta, assim, sem mais nem menos... Nós éramos muit ...


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Comentários da Fanfic 151



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  • analima2000live Postado em 16/01/2012 - 11:43:27

    http://www.fanfics.com.br/?q=fanfic&id=14188

  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:13:16

    Esperando os próximos capítulos.... POSTA MAIS!!!

  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:13:06

    Esperando os próximos capítulos.... POSTA MAIS!!!

  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:13:00

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  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:12:52

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  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:12:43

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  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:12:34

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  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:12:27

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  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:12:16

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  • lucas2280 Postado em 09/01/2012 - 00:12:09

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