Fanfic: Jogos Vorazes (original)
Quando eu acordo, o outro lado da cama está frio. Meus dedos se esticam, procurando o calor de Prim mas encontrando apenas a áspera lona que cobre o colchão. Ela deve ter tido sonhos ruins e subido com a nossa mãe. É claro que ela subiu. Esse é o dia da colheita.
Eu me apoio em um cotovelo. Há luz bastante no quarto para vê-las. Minha irmã pequena, Prim, enroscada do seu lado, embrulhada no corpo da minha mãe, suas bochechas pressionadas juntas. No sono, minha mãe parece mais jovem, ainda que cansada mas não deprimida. A face de Prim é fresca como uma gota de chuva, tão linda quanto a prímula cujo nome a ela foi dado. Minha mãe era muito bonita antigamente, também. Ou assim me dizem.
Sentada aos joelhos de Prim, guardando-a, está o gato mais feio do mundo. Nariz amassado, metade de uma orelha faltando, olhos cor de suco apodrecido. Prim o nomeou Buttercup, insistindo que a pele amarela lamacenta dele combinava com uma flor brilhante. Ele me odeia. Ou ao menos desconfia de mim. Mesmo que tenha sido há anos, eu acho que ele ainda se lembra de como eu tentei afogá-lo em um balde quando Prim o trouxe para casa. Gatinho magro, barriga inchada de lombrigas, rastejando com pulgas. A última coisa que eu precisava era outra boca para alimentar. Mas Prim implorou tanto, chorou até, que eu tive de deixá-lo ficar. Ficou ok. Minha mãe se livrou dos insetos e ele tornou-se um caçador de ratos. Ainda pega um rato ocasional. Às vezes, quando eu limpo uma caça, eu alimento as entranhas de Buttercup.
Entranhas. Sem vaia. Esse é o mais próximo do que nós nunca chegaremos ao amor.
Eu balanço minhas pernas para fora da cama e deslizo dentro das minhas botas de caça. Couro flexível que foi moldado para o meu pé. Eu coloquei minhas calças, a camisa, enrolei minha longa trança escura dentro de um boné, e agarrei meu saco de forragem. Na mesa, em uma tigela de madeira para protegê-lo de ratos e gatos, está um perfeito queijinho envolto em folhas de manjericão. O presente de Prim para mim no dia da colheita. Eu coloco o queijo cuidadosamente no meu bolso e deslizo pra fora.
Nossa parte do Distrito 12, apelidado de Seam, está usualmente rastejando com mineiros de carvão dirigindo-se para o turno da manhã nesta hora. Homens e mulheres com os ombros curvados, juntas inchadas, muitos dos que deixaram há muito tempo de tentar esfregar o pó de carvão de suas unhas quebradas, as linhas de suas faces afundadas. Mas hoje as ruas de
cinza negra estão vazias. Persianas na toca das casas cinza estão fechadas. A colheita não é até as duas. Pode também dormir dentro. Se você puder.
Nossa casa é quase no limite do Seam. Eu só tenho que passar uns poucos portões para chegar ao campo imundo chamado de Meadow. Separando Meadow da floresta, de fato fechando todo o Distrito 12, está uma alta cerca de arame com voltas de arame-farpado no topo. Na teoria, é supostamente para estar eletrificada vinte e quatro horas por dia como um dissuasor para predadores que vivem na floresta - bando de cães selvagem, pumas solitários, ursos - que costumavam ameaçar nossas ruas. Mas desde que nós somos sortudos pra conseguir duas ou três horas de eletricidade nas noites, é geralmente seguro tocar. Mesmo assim, eu sempre tiro um momento para escutar cuidadosamente um zumbido que significa que a cerca está viva. Nesse momento, está silenciosa como uma pedra. Escondida por uma massa de arbustos, eu deito sobre minha barriga e deslizo sob um trecho de 60 cm que estava frouxo por anos. Existiam alguns outros pontos fracos na cerca, mas esse era tão perto de casa que eu quase sempre entro na floresta por aqui.
Tão logo eu estou nas árvores, eu encontro um arco e uma bainha de flechas em um tronco oco. Eletrificada ou não, a cerca tinha sucesso em afastar os comedores de carne do Distrito 12. Dentro da floresta eles vagam livremente, e há preocupações adicionais como cobras venenosas, animais violentos, e nenhum caminho real para seguir. Mas há também comida se você sabe como encontrá-la. Meu pai sabia e me ensinou algo antes dele ser explodido em pedaços em uma detonação na mina. Não existia nada nem para enterrar. Eu tinha onze anos então. Cinco anos depois, eu ainda acordo gritando para ele correr.
Embora passar os limites para a floresta seja ilegal e caça furtiva exerce as mais severas das punições, mais pessoas se arriscariam se tivessem armas. Mas a maioria não é destemida o bastante para se aventurar com apenas uma faca. Meu arco era uma raridade, feito pelo meu pai, junto com uns poucos outros que eu mantenho escondidos na floresta, cuidadosamente envoltos em capas impermeáveis. Meu pai podia ter feito um bom dinheiro vendendo-os, mas se os oficiais descobrissem ele seria publicamente executado por incitar uma rebelião. A maioria dos Pacifistas cobre os olhos para os poucos de nós que caçam porque eles estão tão famintos por comida fresca quanto todo mundo está. Na verdade, eles estão entre os melhores clientes. Mas a idéia de que alguém possa andar armado em Seam nunca seria permitida.
No outono, umas poucas bravas almas enfiam-se na floresta para colher maçãs. Mas sempre na vista do Meadow. Sempre perto o bastante para correr de volta à segurança do Distrito 12 se problemas chegassem. "Distrito Doze. Onde você pode morrer de fome em segurança," eu murmuro. Então eu olho rapidamente por sobre meu ombro. Mesmo aqui, mesmo no meio do nada, você se preocupa que alguém tenha de escutado.
Autor(a): fuckingperfect
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