Fanfic: Cidade Cinza

"Às vezes temos que levar conosco lembraças ao invés de pessoas."

                   Observando mais atentamente Carla conseguiu ler a frase escrita a giz de cera: “você sai do quartinho, mas o quartinho não sai de você”. Carla deixou escapar gargalhadas.

 —Do que está rindo, louca? – perguntou Zeca curioso.

—Do seu quarto, ele é mais desenhado que você. – Carla levantou-se e foi até a parede mais rabiscada para observar os detalhes mais de perto, Zeca acompanhou-a deixando de lado a TV.

 —Todos os meus amigos que entraram no quartinho picharam. – contou Zeca mastigando a pizza. —Todas as meninas que namorei também. Todo o mundo desenha o que quer aqui, para deixar uma marca, sei lá quando isso começou.

—Muito boa essa sua ideia, enfim você pensou Zeca! – disse Carla sorrindo sarcasticamente.

—Ah, cala a boca! – mandou Zeca.

—Será que eu posso pichar? – perguntou Carla, seus olhos brilharam.

—Pega os gizes de cera na primeira gaveta. – disse Zeca limpando as mãos gordurosas na própria camisa.

                    O armário com aparência suja parecia que guardava pilhas de roupas de maneira desorgazada,  pedaços de roupas estavam para fora das gavetas e portas, massanetas quabradas e restos de alimentos pelo chão. Numa prateleira havia troféus grandes e uns menores, algumas medalhas penduradas em pregos simploriamente decoravam o quarto e davam um ar de puberdade causando nostalgia em Carla. Ela pegou o giz na cor verde, quase no tom dos seus olhos e começou a assinar algo na parede.

 —Vai escrever o que? – perguntou Zeca esticando-se para tentar ver o que ela fazia.

—Sai, garoto, você não pode ver agora! – disse Carla pondo seu corpo contra a parede.

 —Porra, eu quero ver! – disse o garoto tentando tira-la da frente da parede sem usar tanta força.

—Espere e verá. Um dia eu vou sair daqui mesmo, moleque. – finalizou Carla.

                   Zeca falhara nas tentativas de convencê-la a ver a pichação antes de ela ser concluída. E a pichação era nada mais nada menos que a frase: “Talvez a Cidade Cinza seja pequena demais para mim”.

—Você é pancada mesmo, hein mina!? – disse Zeca após ler a frase.

—Tem um significado profundo, Zeca! – afirmou Carla, admirando sua arte. —Veja além, busque o poema, Zeca. Poetas não fazem sentido.

—Você não faz sentido. – disse Zeca. —Se bem que, de todas as coisas que escreveram essa é a segunda que faz mais sentido.

—E qual é a primeira?

—Aquela ali. – Zeca apontou para uma frase perto de uma pichação abstrata.

—A do quartinho? Ah, não sei se gostei dessa frase! – confessou Carla.

—Por quê? Todo o mundo leva um pedaço do quartinho, é a vida!

—É que eu costumo deixar ao invés de levar.  – Carla encarou o espelho.

                  As palavras dela horripilavam Zeca na mesma intensidade que o deixavam mais curioso.

—Qual seu sonho, Zeca? – indagou Carla de repente fazendo com que Zeca processasse seu raciocínio em outra coisa sem ser as palavras anteriores de Carla.

—Sonho mais acordado do que dormindo.