Fanfic: Cidade Cinza

"Querer não é poder, mas já ajuda." 

—São todos os dias brigas assim? – perguntou Carla sem preocupações em receber uma palavra cortante de Zeca.

—Só quando ele está bêbado. – disse Zeca com descaso. —Esse é seu segundo dia aqui, você tem sorte de não ter presenciado coisa pior.

—Eu não me importaria em ver... – revelou Carla.

                        Zeca lançou lhe um olhar inquietante.

—Bom – prossegui Carla —desabafe, Zeca.

—Já parei de me importar faz tempo com as putarias dele. – continuou Zeca.  —Dor de cabeça nem tenho mais. Depois de hoje vi que sou sozinho no mundo e ninguém nunca me deu o mínimo de valor. Ódio é tudo que tenho a oferecer. Está vendo o que eu te disse hoje no shopping? É neste inferno que vivo vinte e quatro horas por dia. Por isso tenho que sair e beber todas, chapar, sabe? Hoje vamos sair de novo. E você viu meu cigarro?

—Está aqui. – Carla retirou do bolso o maço de cigarros.

—Só quero mesmo é um bom rolê com os meus amigos. – bufou Zeca ascendendo seu cigarro.

—Obedeça a seu pai uma vez na vida, Zeca.

—Eu tenho controle sobre minha vida, Carla, e estou apertando qualquer botão. – tragando seu cigarro, Zeca largou-se em sua cama encarando o teto. —Olhe, Carla, aprendi a esperar o mínimo das pessoas...

—José... – começou Carla, mas foi interrompida por ele.

—Queria ter uma família normal...

—Deve doer muito, Zé. Não é? – disse Carla deitando-se ao lado dele. 

—Para de me lembrar disso, merda. – mandou Zeca, infeliz.

—Só estou dizendo a verdade.

—E qual verdade? Se sua vida é uma mentira, mina.

                     Carla se deu conta que Zeca sabia o que estava falando.

                     Encarando-se, as palavras caíram em um abismo e de lá não sairiam tão cedo. Sem sentir o rosto, Zeca a encarava com o olhar fixo, Carla fazia o mesmo a poucos centímetros de distância, suas testas poderiam se chocar a qualquer movimento brusco. “José Neto é esperto”, Carla odiava admitir isso para si mesma. Odiava tanto que não falara nada, só encaro-o em silêncio. O adolescente foi até a pichação de Carla e sorrindo perguntou:

—Você estava presa, né?

—Sim. – confirmou Carla.

—Foragida! – Zeca disse com alegria como se tivesse ganhado um prêmio em dinheiro. —Agora sim minha vida ficou interessante.

                       E Carla riu. Essa não era a verdade, tampouco Zeca acertaria. A discussão deles não durou muito, as risadas supriram as desconfianças e ameaças, Zeca se sentia bem com Carla, e mesmo que jamais admitisse isso a ela com todas as palavras, ele gostava da companhia dela, e dela, e da sensação que só sentia com ela por perto, como se ela fosse a segurança dele, aquela que ele tanto desejava ter, quase como um caminho para uma a libertação dos problemas. As palavras verdadeiras, que eram poucas, davam um jeito de se converterem em algo positivo a ele. A vida parecia menos pesada quando ele contava seus problemas e sonhos a ela, tudo parecia mais banal do que de fato era, porque ela tinha soluções nas palmas das mãos.