Fanfic: Cidade Cinza

         Aproximadamente às três da tarde, Carla descera do ônibus e encontrava-se caminhando pelo centro da cidade de São Paulo. Nesse caminho alguns eventos curiosos aconteceram. Carla, querendo ou não, possuía um magnetismo colossal; chamava a atenção sem esforça-se para tal, os engravatados paulistanos que passavam apresados, preocupados com os seus compromissos diários, repentinamente perdiam as pressas nos pés diante de Carla, que passava suavemente como uma pluma esvoaçante. Tão confiante que provocava os olhares invejosos das mulheres. Tanta audácia, balançava seus cabelos quase os jogando nos rostos de quem passava, embasbacando-os. As cantadas a cada passo que ela dava iam baixando o nível gradualmente, mas ela não se importava, para ela ninguém possuía vontades próprias, aos seus olhos as pessoas paulistas são só máquinas programadas que sabem falar, tanto manipuláveis quanto previsíveis, então ela estava à parte daquilo. Quase voava. Os olhos verdes esmeralda, porém foscos, naquele momento estavam com as pupilas dilatadas com um quê de empolgação. Um mendigo numa esquina viu Carla passar e não perdeu a oportunidade e estender a mão lhe pedindo dinheiro; ela, por sua vez abriu um sorriso e jogou umas moedas displicentemente, causando a queda do mendigo ao chão a procura das pequenas moedas.

       O engarrafamento estendia-se quilômetros, o trânsito bastante intenso. Carla decidiu entrar num estabelecimento comercial, estava com a boca seca, morrendo de cede. Após refrescar sua garganta, acidentalmente viu um anúncio gigantesco de um restaurante de comida italiana. Ela decidiu ir para a Mooca uma semana depois, refugiar-se na casa de seus parentes, dos quais só se importava em momentos de desespero, momentos como este. Na rua daquele bairro, tarde ensolarada, Carla parou em frente a uma grande casa de dois andares e tocou a campainha.

         Uma senhora não muito idosa encaminhou-se até o portão, vestida de camisola de desenhos da Disney e cabelos pretos com raiz grisalha presos num coque, olhos bem verdes que eram exatamente iguais aos de Carla, a não ser pelas finas linhas de expressão em torno dos mesmos. A senhora assustou-se com Carla a sua frente e berrou bravamente:

— O que você está fazendo aqui?

— Não vai me dar boas vindas pra sua filha, Dona Carmem? - disse Carla alegre.

— Quero que me explique o que está fazendo aqui! - exigiu a senhora. 

— Visitar minha própria mãe agora é errado? Desculpe-me por ter compaixão, então! 

— Minha filha, eu te amo e quero seu bem, e só ficará bem lá, onde estava… - Carmem abaixou severamente o tom de voz, que antes era rude se tornou meigo. 

— Sem a senhora? - indagou Carla.

— Eu te visitava todos os dias, você sabe! 

— Não é a mesma coisa do que morar aqui com a senhora. - Disse Carla com meiguice na voz.

— Eles estão te caçando, filha… 

— Eu sei mãe, só a senhora pode me proteger dessa gente, só a senhora! Vamos, deixe-me entrar.

         A mãe dela encarou-a nos olhos, respirou profundamente e depois de alguns segundos em silêncio, sacou as chaves do bolso da camisola e abriu o portão, pondo a filha para dentro de casa. Casa espaçosa e de requintados moveis de arquitetura italiana, quadros pintados a mão enfeitavam as paredes da sala. Havia tapetes floridos espalhados e uma mesinha de vidro no centro do cômodo. Carla largou sua mala no sofá e deitou nele sem fazer cerimônia. A sua mãe a observava com um ar de curiosidade e certo pavor.

— Por onde andou? Está cansada? Quer uma água, um suco, mamãe faz para você, quero saber como saiu de lá, quero saber tudo.

        Ela saiu, foi até a cozinha buscar um copo de suco de laranja e voltou para servir a filha. 

— Não me esconda nada, ouviu bem? 

— Não preocupe mãe! - disse Carla com displicência. 

— Como assim? Quero que me diga o que andou aprontando e o que tem nessa mala? - perguntou Carmem aflita. 

— Tantas perguntas… - murmurou Carla.

— Pode começar a dizer…

— Mãe! Por Deus! Muitas coisas aconteceram nesses dois meses. - Carla tomou um gole do suco e tornou a falar. — Escapar não foi fácil, até para mim, preciso do seu reconhecimento, mãe.

— Não tente me confundir, o que fez nesses dois meses que está fora da Santa Maria? - a cada palavra Carmem estremecia mais.

— Eu tenho mania de começar as estórias pelo final, mas dessa vez vou começar pelo começo, mãe. - começou Carla. — Eu dei soníferos aos seguranças, os mesmos que os caras de branco me obrigavam a tomar… Então peguei a roupa de um deles e saí, para que não houvesse erros eu estudei as vítimas durantes umas quatro semanas. Foi bem empolgante ver que deu certo, estou aqui com a senhora e tudo vai ficar bem de novo.

— Mas por que veio só agora ver sua mãe? Eu vi a notícia do seu desaparecimento, eu quase morri de preocupação…

— Eu sei que aquele susto quando me viu era fingimento, mãe. Eu, mesmo longe da Santa Maria estava sabendo, as notícias correm mais que lebres. - Carla tomou mais um gole do suco e esticou suas penas no sofá.

— Mas o que fez nesses dois meses? Onde estava, minha filha? - perguntou Carmem à beira de prantos.

— Não se preocupa, mãe, sei me virar, estou viva, sã e salva com a senhora aqui, o que passou não importa mais.

         Ela dirigiu-se até sua mãe e abraçou-a carinhosamente. Carmem amoleceu em lágrimas e disse que jamais deixaria que a levassem de novo a aquele lugar tão sombrio e que iria cuidar dela até quando ela não quisesse mais seus cuidados.