Fanfic: Luxúria
Horas antes, Mike precisou subir várias escadas até chegar à sua sala.
O homem velho lhe entregou um papel com a grade de horários e abriu a porta para ele entrar. Foi a pior experiência que ele já teve.
Assim que ele pisou dentro da sala, todos pararam de conversar para olhar aquele excêntrico garoto de cabelos esquisitos. Pôde ouvir vários risinhos e comentários até encontrar uma cadeira bem no fundo da sala.
Os olhares continuaram até o professor dar uma tossezinha para chamar a atenção da turma. Todos foram silenciando aos poucos, mas ainda teve um último comentário.
— Quem é o vampiro?
A sala inteira se encheu de risadinhas, até mesmo o professor pareceu rir por um segundo. Mike conseguiu ver de quem fora o comentário. Era um rapaz corpulento, ruivo, com um nariz torto, como se estivesse cheirando algo podre.
— Você morde, Vampirinho? — falou novamente o garoto.
— Quer vir aqui descobrir? — disse Mike levantando e abrindo os braços ameaçadoramente.
O garoto loiro levantou e antes que a sala estourasse em alegria e emoção, o professor gritou:
— Sentados!
Mas Mike não se sentou.
— Senhor White, para diretoria, por favor. — disse o professor sério.
— Ótimo!
Ele pegou suas coisas e saiu da sala em dois segundos, aliviado.
Agora só precisava encontrar a sala do Diretor, mas antes que começasse a buscar na escola inteira, uma garota loira de cabelo repicado saiu da sala.
— Vamos, o professor mandou eu te levar até a Diretoria. Creio que você não deve saber onde é.
— Ótimo!
Eles andaram em silêncio por dois ou três minutos.
— Então... primeiro dia agitado?— falou a garota.
Mike continuou em silêncio.
— Não é de conversar muito, né? —tentou novamente.
Nada...
— Meu primeiro dia foi horrível também. Não é nada contra os americanos, é mais com as diferenças.
— Você é americana também? — perguntou Mike finalmente.
— Ora, ora, então ele sabe falar! — riu a garota, mas ele fechou a cara.
— Sim, sou de Nova York. E você?
— Baltimore...
— Baltimore? — disse ela rindo. — Você ia ser zoado em NY também
— Cala a boca! — resmungou ele, olhando para o outro lado.
― Você é bem esquentado, sabia?
Mike assentiu por um segundo e respirou fundo.
— Desculpe. — disse ele meio sem jeito.
— Ah relaxa, primeiro dia é primeiro dia! — disse ela.
Mike pôde admirar melhor a garota. Era magra, no estilo das modelos, seu cabelo loiro picotado dava a impressão de que ela era uma espécie de fada, muito linda. Isso era um fato.
— A diretoria... — sussurrou ele quando percebeu que estavam andando para lugar nenhum.
— Você quer mesmo ir pra diretoria? — falou a garota incrédula.
— Eu pensei que era para onde estávamos indo.
— Não. Vamos andar por aí até a hora do intervalo!
Mike corou ao ouvir aquilo. Fazia séculos que não saía com uma garota. Mas, para seu azar, a garota reparou em sua reação.
— E não encare isso como uma cantada, beleza? — disse ela sorrindo.
― Eu não...
― Ah, meu nome é Sarah!
— Mike.
— Eu sei! — disse ela brincando.
Ele não percebeu o tempo passar. Era simplesmente fácil ter uma conversa com Sarah. Conversavam sobre matérias de que gostavam e não gostavam. Mike odiava matemática e sempre teve muita dificuldade. Não sabia se estava caído por ela, mas sem dúvida não queria voltar para a sala de aula.
— Vamos sentar! — convidou ela, apontando para uma pequena escadaria que dava de frente para o jardim.
Ela sentou no primeiro degrau, de uma forma extremamente delicada. Mike ficou largado. Continuaram falando sobre como era difícil aprender matemática e outras matérias. Sarah ria e comentava que estava ótima nessas matérias.
Foi então que um pequeno passarinho pousou entre as pilastras que sustentam a escola. Ele era azul e Mike nunca havia visto algo parecido, ficou paralisado e com o braço esquerdo colocou a mão na mochila. Com cuidado, tirou um caderno com uma caneta pregada nele, abriu o caderno com um giro e começou a rabiscar concentrado.
Sarah ficou espantada com a rapidez do garoto e ficou só observando. Mike estava hipnotizado no papel, olhava para frente na direção do pequeno pássaro, segundos depois voltava total atenção para o papel.
O lápis riscava ligeiro a folha. Sua mão era firme, mas ao mesmo tempo era delicada. Movimentos rápidos e ligeiros nem sequer chegaram a assustar o pássaro que cantava feliz.
Depois de alguns minutos, o passarinho estava em sua folha de caderno, em preto e branco. Imortalizado.
— Ok! Isso foi incrível! — disse ela pegando o caderno da mão de Mike.
— O quê? — falou confuso, voltando à realidade.
— Você desenhou em pouco tempo e está perfeito. Sarah estava realmente espantada.
— Er... Nunca tinha visto um pássaro azul, tive que desenhar, é uma mania que eu tenho!
— Cara, você é bom! Ela olhou para ele por um segundo, apertando seus olhos para ele, pensando em algo.
— Deveria ir ao parque da cidade, tem vários animais interessantes.
Ele balançou a cabeça.
— Você me desenha? — perguntou ansiosa. Mike corou no mesmo segundo, mas depois de um tempo ele focalizou a linda garota em sua mente.
Ela era escultural, como uma modelo. Seus olhos eram azuis iguais aos do pássaro e sua pele era de um tom alaranjado inexplicável. Ele pegou o caderno de volta e abriu em outra página.
— Legal! — disse animada. E começou a inventar uma pose, mas Mike não se importava, porque já tinha a garota com sua pose perfeita na cabeça.
Desenhou o esboço sem tirar os olhos dela. Concentrado, penetrado, completamente absorto naquela imagem. Sarah percebeu que ele estava envolvido no desenho e seu sorriso exagerado passou a se alinhar corretamente e seus olhos encontraram-se com os dele.
Uma sensação estranha tomou o peito de Mike, seu rosto esquentou muito, então tratou de respirar bem fundo.
Começou a fazer os detalhes. Olhando freneticamente para a folha e em seguida para a garota. Ele fazia sem parar, sem cansar nunca; precisava disso, precisava fazê-la perfeita. Sua mão dançava no papel, e Sarah nunca vira nada igual. Estava maravilhada.
Os olhos dos dois se encontraram novamente. Ele estava preso naquele azul, tão cheio de vida e beleza. O lápis fazia seu trabalho sozinho, contornando o mesmo traço várias vezes.
Mike estava perdido naquele olhar...
— SARAH!
Mike pulou, Sarah virou para olhar quem havia gritado. Era um garoto alto e bastante corpulento. Tinha os cabelos loiros e desgrenhados, os braços alargados e as mãos em punho, parecia bufar como um touro.
— Richard. — disse ela com tédio. Antes que o garoto se aproximasse, ela falou baixinho:
— Meu primo, superprotetor!
Mike levantou, pois não queria se sentir inferior ao brutamontes. Mas algo estranho aconteceu assim que ele se movimentara para levantar, um impulso poderoso bateu forte em seu peito e o lançou para traz, sentando-se novamente.
— RICHARD! — gritou Sarah.
Mas Mike não entendera. Não vira o garoto fazendo nada, ele estava parado a metros de distância. Então, por que ela estava brigando como se ele fosse o culpado?
— Eu vou indo, Mike, se cuida! — disse Sarah meio assustada. Ele não disse nada, ainda estava confuso. Ela foi ao encontro de seu primo e também não disse nada. Richard bufava com cara de ódio e ira, os dois foram embora e Mike não conseguiu ouvir sobre o que estavam discutindo.
Depois de um tempo ele voltou a si. Levantou, guardou suas coisas e viu vários alunos saindo sem parar de suas salas até o jardim. Não queria ir atrás de Sarah, não estava com medo, mas confuso.
Queria saber onde estava sua irmã Cherry. Era só uma escola, ela não estava necessariamente em apuros. Mas teria tido a mesma experiência que ele quando entrou na classe? Não queria que sua irmã passasse pela mesma humilhação.
— Olá, amigo! Mike quase saltou para frente com tamanho susto. Um garoto muito robusto para sua idade estava bem atrás dele, havia também outros dois mais atrás. Ambos muito fortes para sua idade.
Ele não respondeu, só os encarou. Nunca havia visto os três na vida e estava claro que vieram com más intenções. Ele pensou por um segundo nas suas opções, mas perderia em todas.
— Só viemos dar uma palavrinha com você! — disse o garoto com um sorriso. Mike não se mexeu um milímetro.
— Fique longe da Sarah, amigo, se não quiser se dar mal. Mike riu alto, eliminando o sorriso do garoto.
― E o que vocês são? A máfia ou algo do tipo? — falou ele entre risos.
Os dois garotos detrás se aproximaram ameaçadoramente, mas o garoto acenou para eles pararem.
— Você é americano, não é? — perguntou o garoto
―Sim.
— E acredito que seja novato aqui, porque ninguém seria burro o bastante para falar desse jeito com a gente.
— E o que “a gente” seria? — perguntou Mike, zombando.
— Nós somos leais aos sete! — falou orgulhoso.
— Sete? — perguntou Mike — Sete o quê?
— Você ficou avisado! E dizendo assim o garoto se virou e foi embora junto com os amigos.
— Cara, que escola mais doida! — disse colocando a mão na cabeça.
Ele estava faminto e se lembrou de que Christine, a criada da casa, havia posto algo em sua mochila, era uma caixa com um delicioso bolo dentro.
O retorno para a sala de aula foi mais fácil. Os alunos já não riam, com exceção do garoto que o zoara da primeira vez. Mas ele não deu a mínima atenção, abriu o seu caderno enquanto a professora começava a tagarelar. E lá estava o desenho de Sarah, mas a garota em pessoa não estava na sala. Suas coisas também não. Ele só pôde olhar para o desenho.
Na última aula, o professor foi interrompido bruscamente por um bater na porta.
Logo em seguida um grupo de jovens entrou na sala de aula . Eram muitos. Ficaram parados, encostados no quadro e de frente para a turma até que um garoto de cabelos negros começou a falar:
— Boa tarde a todos! Eu sei que devem estar cansados e loucos para fugir da aula do senhor Fray!
O professor simulou um sorriso.
— Mas como é de costume, todo ano nós realizamos uma festa de começo de ano. Antes eu gostaria de saber se temos algum novato nessa sala?
O coração de Mike parou, ele não se mexeu.
— Brincadeira gente. — disse o garoto, e todos riram.
― Eu sei que a maioria de vocês devem ser novatos, apesar de que nessa turma temos o maior número de alunos que estão aqui há mais de dois anos.
Foi aí que Mike deu uma boa olhada nos jovens que estavam a sua frente. Sete ao todo. Havia esse garoto de cabelos longos e negros no meio, uma garota linda ao seu lado de cabelo curto igualmente negro, que o olhava de lado, um jovem que ele mesmo admitia ter uma boa aparência, igual à dos modelos “teens” que as meninas tanto suspiravam. Seu cabelo era meio comprido e ondulado, castanho brilhante e o ajeitava freneticamente.
Em seguida estava um garoto com vestes largadas, também tinha um bom visual, mas era pálido como se estivesse com muito sono. Passava a imagem de que precisava ficar de pé por obrigação.
Do seu lado havia uma garota de cabelos dourados. Era atraente, mas era cheia de objetos brilhantes em seu corpo. Brincos, anéis em todos os dedos, cordões aos montes. Chegava a ser exagerado ter aquilo tudo de uma vez. Mas estranhamente lhe cabiam bem.
Logo ao lado, um rapaz que aparentava ser o mais velho do grupo. Tinha uma cara azeda como se fosse imparcial ao que estava acontecendo. Ele olhava a cada segundo para seu relógio, como se tivesse algo mais importante para fazer.
Foi o último que mais chamou a atenção de Mike.
Era um garoto robusto demais e de cabelos loiros, com uma cara de ódio que parecia fazer parte de sua expressão normal. Richard, o primo de Sarah.
Seu olhar encontrou o de Mike, como um lobo encontra sua presa. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, o garoto loiro que o zoou de vampiro resolveu se manifestar:
— Temos um novato especial. É essa figura aí atrás! — disse apontando para Mike, fazendo todos rirem imediatamente.
― Ah, seu nome? — perguntou animado o garoto de cabelos negros.
— Mike. Mike White! — disse tentando se controlar “O que está havendo comigo?” Ele sentia algo parecido como uma ameaça.
— White? ― surpreendeu-se o garoto. ― Ora, ora. Eu conheço a sua avó. Ela é uma senhora muito influente nessa cidade. Bem, nem tanto quanto eu, é claro!
Começou a rir e as garotas fizeram o mesmo, já os rapazes não.
— De qualquer modo meu nome é Alphonse Asmodeus. Nossas festas são feitas no meu castelo. Provavelmente seus motoristas devem conhecer o lugar.
Alphonse ignorou completamente o professor e sua aula. Falava sem parar nas modelos famosas que ele mesmo convidou, e que sem dúvida a festa ficaria marcada para a história. Mike conseguiu perceber logo que ele era o tipo de cara paquerador, pois as garotas da sala retribuíam seu olhar com risinhos.
Richard não tirava os olhos de Mike, e ele estava incomodado com isso.
Na sua antiga escola nunca havia entrado em nenhuma briga. Tinha amizade com tanta gente que não conquistara nenhum inimigo nem nada do tipo. Era tudo tão fácil em Baltimore... Como se todas as portas se abrissem para ele, era simples conviver com as pessoas de lá.
Sua fase de revolta começou quando ele soube da prisão dos pais. Deixou a escola e não atendia aos telefonemas dos amigos. Pintou os cabelos e comprou roupas completamente diferentes das que usava antes. Teve apenas alguns dias para fazer tamanha alteração no visual, pois eles iriam se mudar para Newcastle.
— Então, senhoras e senhores. Nem sequer pensem em faltar a essa festa. Os melhores prazeres da vida estarão lá! E assim o garoto chamado Alphonse se despediu da turma.
― As festas dos sete são as melhores! — gritou alguém do meio da sala assim que “Os sete” foram embora. A turma toda se encheu de animação e empolgação. Mike sentiu-se um completo alienígena por ser o único que achara estranha a frase “os melhores prazeres da vida estarão lá”.
Mas, afinal de contas onde, estava Sarah? Mike não conseguia parar de pensar naquilo. Ele havia conhecido a garota há algumas horas, mas ela era especial, sentia que precisava falar com ela mais uma vez, só mais uma vez.
— Professor, posso ir à enfermaria? O professor deu uma olhada rápida para Mike, foi o suficiente para lhe dar a permissão.
Precisava saber onde ela estava e não fazia a mínima ideia de onde começar a procurar. Apesar do enorme colégio, não foi preciso andar muito. Ele avistou de longe dois jovens, Richard e Sarah. “Será que se eu der a volta por outro caminho eu consigo escutar a conversa?”
Ele se referia a outro corredor onde havia muitas plantas e era impossível que os dois vissem Mike ali atrás. E chegou do outro lado em segundos.
— Por que, Sarah? — perguntava o garoto tentando conter sua raiva, talvez por afeto, pensou Mike: ― Não entendo por que você faz isso?
— Fazer o que, Richard? — disse a garota de braços cruzados. ― Ter uma vida social?
Sarah parecia tão magra e insignificante perto do brutamontes a sua frente. Agora passava a impressão de que não tinha medo algum do rapaz.
— Você sabe que eu tenho uma reputação a zelar. Não posso permitir que você saia com um perdedor daqueles! Mike sentiu uma enorme vontade de entrar na conversa, com chutes e pontapés.
Richard disse aquilo tudo com muita facilidade, como se fosse algo normal de se dizer.
— Eu não estava saindo com ele e não me importo com esse seu grupinho idiota! — disse ela com raiva. Mas Richard estava com mais raiva, parecia que ia avançar com fúria na garota. Mike sentiu um impulso de protegê-la.
— Sarah... Você sabe que eles são minha vida! Estava claro que o garoto estava se contendo ao máximo. Veias no seu pescoço apareciam nitidamente, ela recuou alguns milímetros.
— Isso não é vida. — falou séria. —Por que você não escuta sua namorada? Ela sim sabe o que é melhor pra você, não eles!
— Sarah. Por favor, para o seu bem, me escute! Estava suplicando agora.
Os dois ficaram em silêncio.
— Eu não queria ter sido envolvida nisso! A voz de Sarah saía baixa e esganiçada. Mike pôde ver seus olhos se encherem de água.
— Me perdoe...
— Me deixa em paz!— falou ela alterando sua voz e saindo em segundos do corredor, deixando seu primo sozinho.
Mike não se mexeu. Richard estava de cabeça baixa em frente à parede, pensativo.
Ele observou seus punhos se fechando e tremendo de fúria novamente. Era como se uma onda de fúria rompesse de seu peito, a respiração de Richard tornava-se mais rápida e havia uma careta no seu rosto, uma fúria infernal.
PAM!
Foi tudo em segundos. Mike caiu para trás com o enorme barulho. Demorou um pouco para que entendesse o que realmente havia acontecido. Ficou em pânico.
— Meu Deus... — falou ele baixinho.
Mike nunca usou drogas, apesar das situações apelativas de sempre. Não estava imaginando coisas. O garoto que estava poucos metros a sua frente fez um buraco enorme na parede de concreto com apenas um soco.
Estava difícil de respirar.
Levou as mãos à boca para conter o barulho que iria provocar. “O cara fez um buraco na parede!”, pensava milhares de vezes sem parar, “UM BURACO NA PAREDE!”.
O buraco era enorme e ainda se alongava com os pedaços que caíam. Richard parecia ter se acalmado depois do soco monstruoso. Já estava andando para bem longe de onde Mike estava, então não escutou sua respiração assustada.
“Preciso me acalmar”, pensou Mike. Ele aspirou grande quantidade de ar para os seus pulmões, por isso tossiu muito. Levantou com dificuldade, já não se via mais Richard.
Ele foi ver mais de perto o enorme buraco. O que afinal estava acontecendo ali? O que era esse grupo dos “sete” afinal? Era tudo muito confuso e o sinal indicando que as aulas terminaram deixou tudo pior. Pior porque ele se lembrou de Cherry, sua irmã, a única família verdadeira que ele tinha naquele momento, e faria de tudo para protegê-la.
Autor(a): Ju Barone
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