Fanfic: The Lightning Thief | Tema: Glee
Não precisei de muito tempo para fazer as malas. Decidi deixar o cifre do Minotauro no meu chalé, então só restaram uma muda extra de roupas e uma escova de dentes para enfiar numa mochila que Puck encontrara para mim.
A loja do acampamento me emprestou cem dólares em dinheiro mortal e vinte dracmas de ouro. Essas moedas eram grandes como um biscoito gigante, tinham imagens de diversos deuses gregos estamapadas de um lado e o Edifício Empire States do outro. Os dracmas dos mortais antigos eram de prata, Quíron nos contou, mas os olimpianos nunca usavam nada menos que ouro puro. Quíron disse que as moedas poderiam vir a calhar para transações não-mortais - o que quer que isso significasse.
Ele deu a Rachel e a mim um cantil de néctar e um saco hermético cheio de quadradinhos de ambrosia, para usar somente em emergências, se fôssemos gravemente feridas. Aquilo era o alimento dos deuses, Quíron lembrou. Iria nos curar de qualquer ferimento, mas era letal para mortais. Em excesso, poderia deixar um meio-sangue com muita, muita febre. Uma overdose nos faria pegar fogo, literalmente.
Rachel carregava seu boné mágico dos Yankees, que era, ela me contou, um presente da mãe pelo seu décimo segundo aniversario. Ela levou um livro sobre a famosa arquitetura clássica, escrito em grego antigo, para ler quando estivesse entediada, e carregava uma comprida faca de bronze escondida na manga da camisa. Eu tinha certeza de que a faca ia nos causar problemas na primeira vez em que passássemos por um detector de metais.
Puck estava com seus pés falsos e calças para passar por ser humano. Seu famosa moicano no lugar e a cara de safado que ele tinha. Sua mochila berrante, alaranjada, estava cheia de sucata de metal e maçãs para o lanche. Em seu bolso havia um conjunto de flautas de bambu que o papai-bode esculpira para ele, muito embora ele só conhecesse duas músicas: o Concerto para Piano n° 12, de Mozart, e So Yesterday, de Hilary Duff, e ambas soassem muito mal em flautas de bambu.
Acenamos em despedida para os outros campistas, demos uma última olhada para os campos de morangos, o oceano e a Casa Grande, depois subimos a Colina Meio-Sangue até o alto pinheiro que outrora fora Thalia, filha de Zeus.
Quíron nos esperava em sua cadeira de rodas. Ao lado dele estava o surfista que eu tinha visto quando me recuperava no quarto doente. De acordo com Puck, o cara era chefe de segurança do acampamento. Supostamente, tinha olhos espalhados pelo corpo inteiro para jamais ser pego de surpresa. Naquele dia, no entanto, usava uniforme de chofer, então só pude ver os olhos extras das mãos, do rosto e do pescoço.
- Este é Argos - disse Quíron. - Vai levar vocês de carro até a cidade e, ahn, bem, ficar de olho em tudo.
Ouvi passos atrás de nós.
Finn veio correndo colina acima, carregando um par de tênis de basquete.
- Ei! - ofegou ele. - Ainda bem que alcancei vocês.
Rachel corou, como sempre acontecia quando Finn estava por perto.
- Só queria desejar boa sorte - disse ele para mim. - E pensei... ahn, quem sabe você poderia usar isso.
Ele me entregou os tênis, que pareciam bastante normais. Tinham até cheiro de normais.
Finn disse:
- Maia!
Asas brancas de ave brotaram dos calcanhares, deixando-me tão surpresa que os deixei cair. Os tênis bateram as asas no chão até que estas se dobraram e desapareceram.
- Impressionante! - disse Puck.
Finn sorriu.
- Ajudaram muito quando eu estava na minha missão. Presente do papai. É claro, eu não os uso muito hoje em dia... - Sua expressão tornou-se triste.
Eu não sabia o que dizer. Já era bem legal o fato de Finn ter ido se despedir. Tinha receio de que ele estivesse magoado comigo por ter ganho tanta atenção nos últimos dias. Mas ali estava ele, com um presente mágico... Aquilo me fez corar quase tanto quanto Rachel.
- obrigada Finn!.
- Escute, Quinn.. - Luke pareceu sem graça. - Todos esperam muito de você. Então, apenas... mate alguns monstros por mim, ok?
Finn me deu um beijo no rosto, fez o mesmo com Rache só com a soma de grande abraço, que pareceu que ela ia desmaiar.
Depois trocou um aperto de mãos com Puck e se foi.
- Você está com a respiração acelerada.- Eu disse.
- Não estou, não.
- Você o deixou capturar a bandeira em seu lugar, não foi?
- Ai... por que mesmo eu quero ir a algum lugar com você, Quinn?
Ela desceu batendo os pés para outro lado da colina, onde um utilitário esportivo branco esperava no acostamento da estrada. Argos a seguiu, balançando as chaves do carro.
Peguei os tênis voadores e tive uma súbita sensação ruim. Olhei para Quíron.
- Eu não vou poder usar isso, não é?
Ele sacudiu a cabeça.
- A intenção de Finn foi boa, Quinn Mas subir para o ar.... não seria muito inteligente de sua parte.
Eu assenti, desapontado, mas então tive uma idéia.
- Ei, Puckerman. Você quer um apetrecho mágico?
Seus olhos se iluminaram.
- Eu?
Rapidamente, amarramos os tênis por cima dos seus falsos pés, e o primeiro garoto-bode voador do mundo estava pronto para o lançamento.
- Maia! - bradou.
Ele se ergueu do chão muito bem, mas então tombou de lado e sua mochila arrastou-se pela grama. Os tênis alados ficaram corcoveando para o alto e para baixo como minúsculos cavalos selvagens.
- Prática - gritou Quíron para ele. - Você só precisa de prática.
- Aaaaaa! Vou conquistar várias meninas voando agora - Puck saiu voando de lado colina baixo, como um cortador de grama ensandecido, em direção à van.
Antes que eu pudesse segui-lo, Quíron segurou meu braço.
- Eu devia tê-la treinado melhor, Quinn - disse ele. - Se ao menos tivesse tido mais tempo. Hércules, Jasão... todos receberam mais treinamento.
- Tudo bem. Só queria....
Eu me interrompi pois estava prestes a soar como uma criança mimada. Queria que meu pai tivesse me dado uma coisa mágica legal para ajudar na minha missão, algo tão bom quanto os tênis voadores de Finn ou o boné invisível de Rachel.
- Onde estou com a cabeça? - exclamou Quíron. - Não posso deixar você ir sem isso.
Ele puxou uma caneta do bolso do casaco e me entregou. Era uma esferográfica descartável comum, tinta preta, tampa removível. Custava provavelmente trinta centavos.
- Puxa disse eu. - Obrigada.
- Quinn , isto foi um presente de seu pai. Guardei durante anos, sem saber que era você que eu estava esperando. Mas a profecia agora está clara para mim. Você é a escolhida.
Lembrei-me da excursão ao Metropolitan Museum of Art, quando reduzi a Poá a coach Sylvester. Quíron me jogara uma caneta que se transformou em espada. Será que aquilo era...?
Tirei a tampa, e a caneta ficou mais comprida e pesada em minha mão. Em meio segundo eu estava segurando uma reluzente espada de bronze com lâmina de fio duplo, cabo envolvido em couro e uma guarda chata rebitada com pinos de ouro. Era a primeira arma que realmente parecia equilibrada em minha mão.
- A espada tem uma história longa e trágica, sobre a qual não precisamos falar - contou-me Quíron. - Seu nome é Anaklusmos.
- Contracorrente - traduzi, surpresa que o grego antigo me tenha vindo tão fácil.
- Mas só a use para emergências - disse Quíron, e apenas contra monstros. Nenhum herói deve ferir mortais, só se for absolutamente necessário, é claro, mas esta espada não os feriria em nenhum caso.
Olhei para a lâmina cruelmente afiada.
- Como assim, não feriria mortais? Como ela pode não ferir?
- A espada é de bronze celestial. Forjada pelos Ciclopes, temperada no coração do monte Etna, resfriada no rio Lete. É mortífera para monstros, para qualquer criatura do Mundo Inferior, desde que não matem você primeiro. Mas a lâmina passará através de mortais como uma ilusão. Eles não são bastante importantes para serem mortos pela lâmina. E devo avisá-la: como uma semideusa, você pode ser morta tanto por armas celestiais quanto por armas normais. Você é duas vezes mais vulnerável.
- Bom saber.
- Agora recoloque a tampa na caneta.
Encostei a tampa da caneta na ponta da espada e instantaneamente Contracorrente encolheu e se transformou de novo em uma esferográfica. Enfiei-a no bolso um pouco nervosa, porque na escola tinha a fama de perder canetas.
- Não há riscos - disse Quíron.
- De quê?
- De perder a caneta - disse ele. - É encantada. Sempre vai reaparecer no seu bolso. Experimente.
Eu estava desconfiada, mas atirei a caneta o mais longe que pude colina abaixo e a vi desaparecer na grama.
- Pode levar alguns instantes - disse Quíron. - Agora verifique o bolso.
Sem dúvida, a caneta estava lá. Agora vou usar só calças com bolsos.
- Certo, isso é muito legal - admiti. - Mas e se um mortal me vir puxando uma espada?
Quíron sorriu.
- A Névoa é algo poderoso, Quinn.
- A Névoa?
- Sim. Leia a Ilíada. Está cheia de referências a isso. Sempre que elementos divinos ou monstruosos se misturam com o mundo mortal, eles geram a Névoa, que tolda a visão dos seres humanos. Você verá as coisas exatamente como são, sendo uma meio-sangue, mas os seres humanos interpretarão tudo de modo muito diferente. É realmente incrível até que ponto os seres humanos podem ir para adaptar as situações à sua concepção de realidade.
Pus Contracorrente de volta no bolso.
Pela primeira vez, senti a missão como algo real. Eu estava de fato deixando a Colina Meio-Sangue. Estava indo para o oeste sem nenhuma supervisão de adulto, sem um plano B, nem mesmo um telefone celular. (Quíron disse que os telefones podiam ser rastreados por monstros; se usasse um, seria pior do que lançar um foguete de sinalização.) Eu não tinha nenhuma arma mais poderosa do que uma espada para combater monstros e chegar à Terra dos Mortos.
- Quíron... - falei. - Quando você diz que os deuses são imortais... quer dizer, havia um tempo antes deles, certo?
- Quatro era antes deles, na verdade. O Tempo dos Titãs foi a Quarta Era, às vezes chamada de Era de Ouro, o que sem dúvida é um nome impróprio. Esta época, a época da civilização ocidental e reinado de Zeus, é a Quinta Era.
- Então como era... antes dos deuses?
Quíron contraiu os lábios.
- Nem mesmo eu sou bastante velho para me lembrar disso, criança, mas sei que era um tempo de trevas e selvageria para os mortais. Cronos, o Senhor dos Titãs, chamou seu reinado de Era de Ouro porque os homens viviam em inocência e livres de todo o conhecimento. Mas isso era mera propaganda. O rei Titã não se importava nada com sua espécie a não ser para servir de aperitivo, ou como fonte de entretenimento. Foi só no início do reinado do Senhor Zeus, quando Prometeu, o bom Titã, trouxe o fogo para a humanidade, que sua espécie começou a evoluir, e mesmo então Prometeu foi estigmatizado como pensador radical. Zeus o castigou severamente, como você deve se lembrar. É claro, por fim os deuses se interessaram pelos seres humanos, e nasceu a civilização ocidental.
- Mas agora os deuses não podem morrer, certo? Quero dizer, enquanto a civilização ocidental estiver viva, eles estarão vivos. Assim... mesmo se eu fracassar, nada pode acontecer de tão ruim a ponto de estragar tudo, certo?
Quíron me deu um sorriso melancólico.
- Ninguém sabe quanto tempo a Era do Ocidente irá durar, Quinn. Os deuses são imortais, sim. Mas os Titãs também eram imortais. Eles ainda existem, trancados em suas várias prisões, forçados a suportar dores e castigos infinitos, com o poder reduzido, mas ainda muito vivos. Que as Parcas não permitam que os deuses sofram tal maldição, ou que retornemos às trevas e aos caos do passado. Tudo o que podemos fazer, criança, é seguir nosso destino.
- Nosso destino... presumindo que saibamos qual é.
- Relaxe - disse-me Quíron. - Mantenha as idéias no lugar. E lembre-se, você pode estar a ponto de evitar a maior guerra da história humana.
- Relaxe - disse eu. - Estou muito relaxada.
Quando cheguei ao pé da colina, olhei para trás. Sob o pinheiro que outrora era Thalia, filha de Zeus, Quíron estava em plena forma de homem-cavalo, segurando no alto seu arco em saudação. Uma típica despedida do acampamento de verão pelo seu típico centauro.
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Argos nos levou para fora da zona rural em direção ao oeste de Long Island. Era esquisito estar novamente em uma auto-estrada, com Rachel e Puck sentados ao meu lado como se fôssemos caronas normais. Depois de duas semana na Colina Meio-Sangue, o mundo real parecia uma fantasia. Surpreendi-me olhando para cada McDonald’s, cada criança no banco traseiro do carro dos pais, cada cartaz e cada shopping center.
- Até agora, tudo bem - disse a Rachel. - Quinze quilômetros e nem um único monstro.
Ela me lançou um olhar irritado.
- Falar desse jeito traz má sorte, cabeça de alga.
- Ajude-me a lembrar: por que você me odeia tanto?
- Eu não odeio você.
- Posso estar enganada.
Ela dobrou o boné de invisibilidade.
- Olhe... é só que não deveríamos nos dar bem, ok? Nossos pais são rivais.
- Por quê?
Ela suspirou.
- Quantas razões você quer? Uma vez minha mãe pegou Poseidon com a namorada dele no templo de Atena, o que é superdesrespeitoso. Outra vez, Atena e Poseidon competiram para ser o deus patrono da cidade de Atenas. Seu pai criou uma estúpida fonte de água salgada como presente. Minha mãe criou a oliveira. As pessoas viram que o presente dela era melhor, portanto deram à cidade o nome dela.
- Elas realmente devem gostar de azeitonas.
- Ah, deixa pra lá.
- Agora, se ela tivesse inventado a pizza... isso eu poderia entender.
- Eu disse: deixa pra lá.
No assento dianteiro, Argos sorriu. Ele não disse nada, mas olho azul na sua nuca piscou para mim.
O trânsito ficou lento no Queens. Quando chegamos a Manhattan já era pôr-do-sol e começava a chover.
Argos nos largou na Estação Greyhound no Upper East Side, não longe do apartamento de minha mãe e Russel. Em uma caixa de correio, preso com fita adesiva, havia um folheto encharcado com meu retrato: VOCÊ VIU ESTA MENINA?
Eu o arranquei antes que Rachel e Puck pudessem vê-lo.
Argos descarregou nossas malas, certificou-se de que havíamos conseguido as passagens de ônibus e então foi embora, o olho nas costas de sua mão se abrindo para nos observar enquanto tirava o carro do estacionamento.
Pensei em como estava perto do meu velho apartamento. Em um dia normal, minha mãe estaria chegando em casa da doceria mais ou menos naquela hora. Russel Cheiroso provavelmente estava lá, jogando pôquer, sem nem sentir a falta dela.
Puck pôs sua mochila nos ombros. Olhou rua abaixo, na direção em que eu estava olhando.
- Quer saber por que ela se casou com ele, Quinn?
Olhei para ele.
- Você está lendo a minha mente ou coisa assim?
- Só as suas emoções. - Ele encolheu os ombros. - Acho que me esqueci de contar que os sátiros podem fazer isso. Você
estava pensando na sua mãe e no seu padrasto, certo?
Eu assenti, me perguntando o que mais Puck teria esquecido de contar.
- Sua mãe se casou com Russel por você - Puck me contou. - Você o chama de Cheiroso, mas não tem idéia. O cara tem essa aura... Eca, eu posso sentir o cheiro dele daqui. Posso sentir vestígios do cheiro dele em você, e já faz uma semana que você esteve perto dele.
- Obrigada - falei. - Onde fica o chuveiro mais próximo?
- Você devia ser grata, Quinn. Seu padrasto tem um cheiro tão repulsivamente humano que pode mascarar a presença de qualquer semideus. Assim que inalei o ar dentro do seu Camaro, eu soube: Russel esteve encobrindo seu cheiro por anos. Se você não tivesse morado com ele durante todos os verões, provavelmente teria sido encontrado por monstros muito tempo atrás. Sua mãe ficou com ele para proteger você. Era uma senhora esperta. Devia amar muito você para aturar aquele cara... se é que isso o faz se sentir melhor.
Não fazia, mas me forcei para não demonstrar. Eu a varei de novo, pensei. Ela não se foi.
Fiquei imaginando se Puck ainda podia ler as minhas emoções, confusas como estavam. Estava grato por ele e Rachel estarem comigo, mas me sentia culpada porque não fora sincera com eles. Não lhes contara a verdadeira razão de ter dito sim para aquela missão maluca.
A verdade era que eu não me importava em recuperar o relâmpago de Zeus, em salvar o mundo ou mesmo em ajudar meu pai a sair da encrenca. Quanto mais pensava nisso, mas me ressentia de Poseidon por nunca ter me visitado, nunca ter ajudado a minha mãe, nunca se quer mandado uma droga de cheque de pensão alimentícia. Ele só me reconhecera porque tinha um serviço a ser feito.
Eu só me preocupava com minha mãe. Hades a levara injustamente, e Hades iria devolvê-la.
Você será traída por aquele que chama de amigo, sussurrou o Oráculo em minha mente. E, no fim, irá fracassar em salvar aquilo que mais importa.
Cale a boca, respondi.
A chuva continua caindo.
Ficamos impacientes esperando o ônibus e decidimos brincar de footbag com uma das maçãs de Puck. Rachel foi incrível. Ela era capaz de arremeter a maçã com o joelho, com o cotovelo, com o ombro, ou o que fosse. Eu mesmo não era de toda ruim.
O jogo terminou quando arremessei a maçã para Puck e ela chegou perto demais da sua boca. Em uma megamordida de bode, nossa footbag desapareceu - miolo, pedúnculo e tudo.
Puck enrubesceu. Ele tentou se desculpar, mas Rachel e eu estávamos muito ocupadsas dando risada.
Finalmente o ônibus chegou. Enquanto estávamos na fila para embarcar, Puck começou a olhar em volta, farejando o ar do jeito como farejava uma garota bonita na escola.
- O que foi isso? - perguntei.
- Não sei - disse ele, tenso. - Talvez não seja nada.
Mas podia perceber que era alguma coisa. Também comecei a olhar para trás por cima do ombro.
Fiquei aliviado quando afinal embarcamos e encontramos lugar juntos na parte de trás do ônibus. Guardamos nossas mochilas. Rachel batia nervosamente seu boné dos Yankees na coxa.
Quando os últimos passageiros subiram, Rachel apertou com força o meu joelho. ―Quinn.
Uma senhora acabava de embarcar no ônibus. Usava vestido de veludo amarrotado, luvas de renda e chapéu laranja, tricotado e disforme, que encobria seu rosto, e carregava uma grande bolsa de lã estampada. Quando ergueu a cabeça seus olhos pretos faiscaram, e meu coração deu um pulo.
Era a coach Sylvester. Mais velha, mas enrugada, mas sem dúvida a mesma cara maligna.
Eu me encolhi no assento.
Atrás dela subiram mais duas senhoras: uma de chapéu verde, outra de chapéu roxo. A não ser por isso, eram parecidíssimas com a coach Sylvester - as mesmas mãos encarquilhadas, as mesmas bolsas de lã, os mesmo vestidos de veludo enrugados. Um trio de avós demoníacas.
Elas se sentaram na fileira da frente, logo atrás do motorista. As duas no corredor cruzaram as pernas bem na passagem, formando um X. Aquilo era bastante normal, mas enviava uma mensagem clara: ninguém sai.
O ônibus partiu da estação e seguimos pelas ruas escorregadias de Manhattan.
- Ela não ficou morta muito tempo - disse eu, tentando impedir minha voz de tremer. - Achei que você tivesse dito que eles podem ser afastados por toda uma vida.
- Eu disse, se você tiver sorte - disse Rachel. - Você obviamente não tem.
- Todas as três - choramingou Puck. - Di immortales!
- Está tudo bem - disse Puck, obviamente se empenhando em pensar. - As Fúrias. Os três piores monstros do Mundo Inferior. Sem problemas. Sem problemas. Vamos simplesmente saltar pelas janelas.
- Não abrem - gemeu Puck.
- Uma saída nos fundos? - sugeriu ela.
Não havia nenhuma. E, mesmo que houvesse, não teria ajudado. Àquela altura, estávamos na Nona Avenida, em direção ao Túnel Lincoln.
- Elas não vão nos atacar com testemunhas em volta - disse eu. - Ou vão?
- Os mortais não têm bons olhos - lembrou-me Rachel. - Seus cérebros só podem processar o que eles vêem através da Névoa.
- Eles vão ver três velhas nos matando, não vão?
Ela pensou a respeito.
- Difícil dizer. Mas não podemos contar com a ajuda de mortais. Talvez uma saída de emergência no teto...?
Chegamos ao Túnel Lincoln, e o ônibus ficou às escuras a não ser pelas luzes do corredor. Estava assustadoramente silencioso sem o ruído da chuva.
A coach Sylvester se levantou. Com uma voz inexpressiva, como se tivesse ensaiado aquilo, ela anunciou para o ônibus inteiro:
- Preciso usar o toalete.
- Eu também - disse a segunda irmã.
- Eu também - disse a terceira irmã.
Todas elas começaram a se aproximar pelo corredor.
- Já sei - disse Rachel. - Quinn, pegue meu chapéu.
- O quê?
- É você que elas querem. Fique invisível e siga pelo corredor. Deixe que elas passem por você. Talvez você possa chegar até a frente e escapar.
- Mas vocês...
- Há uma pequena possibilidade de que elas não reparem em nós - disse Rachel. - Você é filha de um dos Três Grandes. Seu cheiro deve encobrir o nosso.
- Não posso abandonar vocês.
- Não se preocupe conosco - disse Puck. - Vá!
Minhas mãos tremiam. Eu me senti uma covarde, mas peguei o boné dos Yankees e pus na cabeça.
Quando olhei para baixo, meu corpo não estava mais ali.
Comecei a me esgueirar pelo corredor. Consegui passar dez fileiras, depois me esquivei para um assento vazio bem quando as Fúrias passaram.
A coach Sylvester parou, farejando, e olhou diretamente para mim. Meu coração estava disparado.
Parecia não ter visto nada. Ela e as irmãs continuaram andando.
Eu estava livre. Cheguei até a frente do ônibus. Já estávamos quase saindo do Túnel Lincoln. Estava a ponto de apertar o botão de parada de emergência quando ouvi lamentos abomináveis vindos da fileira do fundo.
As velhas não eram mais velhas. Os rostos ainda eram os mesmos - acho que seria impossível ficarem mais feios -, mas os corpos haviam murchado e tinham o aspecto de um couro marrom sobre formas de bruxas, com asas de morcego e mãos e pés como garras de gárgulas. As bolsas viraram chicotes chamejantes.
As Fúrias cercaram Puck e Rachel estalando os chicotes e sibilando:
- Onde está? Onde?
As outras pessoas no ônibus estavam gritando, escondendo-se em seus bancos. Certo, elas viram alguma coisa.
- Ela não está aqui! - gritou Rachel. - Saiu!
As Fúrias ergueram os chicotes.
Rachel sacou a faca de bronze. Puck agarrou uma lata da sua sacola de lanches e se preparou para jogá-la.
O que eu fiz a seguir foi tão impulsivo e perigoso que eu merecia ser a rainha do transtorno do déficit de atenção do ano.
O motorista do ônibus estava distraído, tentando enxergar o que estava acontecendo pelo espelho retrovisor.
Ainda invisível, agarrei o volante e dei um tranco para a esquerda. Todos gritaram ao serem jogados para a direita, e ouvi o que esperava ser o som das três Fúrias esmagadas contra as janelas.
- Ei! - gritou o motorista. - Ei! Oaaa!
Ele lutou para segurar o volante. O ônibus chocou-se com a lateral do túnel, o metal arrastado pela parede lançando fagulhas um quilômetro atrás de nós.
Saímos de lado do túnel, de volta à tempestade, com pessoas e monstros arremessados de um canto a outro do ônibus e carros jogados de lado como se fossem pinos de boliche.
De algum modo o motorista achou uma saída. Arremessamo-nos para fora da auto-estrada, passamos méis dúzia de semáforos e acabamos disparando por uma daquelas estradas rurais de New Jersey, nas quais não dá para acreditar que exista tanto nada do outro lado do rio quando se deixa Nova York. Havia bosques à nossa esquerda e o rio Hudson à direita, e o motorista parecia se desviar na direção do rio.
Outra grande idéia: aperto o freio de emergência.
O ônibus gemeu, traçou um circulo completo sobre o asfalto molhado e se chocou contra as árvores. As luzes de emergência se acenderam. A porta se abriu. O motorista foi o primeiro a sair, com os passageiros gritando enquanto fugiam em pânico atrás dele. Subi no assento do motorista e deixei-os passar.
As Fúrias retomaram o equilíbrio. Estalaram os chicotes para Annabeth enquanto ela brandia a faca e gritava em grego antigo que recuassem. Puck atirava latas.
Olhei para a porta aberta. Eu estava livre para partir, mas não podia abandonar meus amigos. Tirei o boné invisível.
- Ei!
As Fúrias se viraram, mostrando as presas amareladas para mim, e a saída de repente me pareceu uma excelente idéia. A coach Sylvester avançou de modo arrogante pelo corredor, como costumava fazer em classe, pronta para me dizer que estava na detenção. Cada vez que ela estalava o chicote, chamas vermelhas dançavam pelo couro farpado.
Suas duas irmãs horrorosas pularam para cima dos assentos de ambos os lados e se arrastaram na minha direção como dois lagartos enormes e asquerosos.
- Lucy Quinn Fabray - disse a coach Sylvester com um sotaque que vinha de algum lugar mais distante do que o sul da Geórgia. - Você ofendeu os deuses. Você deve morrer.
- Eu gostava mais de você como treinadora - falei.
Ela rosnou.
Rachel e Puck se aproximaram com cautela por trás das Fúrias, procurando uma passagem.
Tirei a esferográfica do bolso e a destampei. Contracorrente se alongou e virou uma reluzente espada de fio duplo.
As Fúrias hesitaram.
A coach Sylvester já havia sentido a lamina de Contracorrente antes. Obviamente não gostou de vê-la de novo.
- Renda-se agora - sibilou. - E não sofrerá o tormento eterno.
- Boa tentativa - disse a ela.
- Quinn, cuidado! - gritou Rachel.
A coach Sylvester lançou seu chicote em volta da mão com a qual eu segurava a espada, enquanto as Fúrias em cada lado pularam em cima de mim.
Era como se minha mão estivesse envolta em chumbo derretido, mas consegui não soltar Contracorrente. Atingi a Fúria da esquerda com o cabo e a mandei cambaleando de costas para a poltrona. Virei e fiz um corte na Fúria da direita. Assim que a lamina entrou em contato com o pescoço dela, ela gritou e explodiu em pó. Annabeth agarrou a coach Sylvester em um golpe de luta e a atirou para trás, enquanto Puck arrancava o chicote de suas mãos.
- Ai! - gritou ele. - Ai! Quente! Quente!
A Fúria que eu havia atingido com o cabo da espada veio de novo para cima de mim, garras à mostra, mas desferi um golpe com Contracorrente e ela estourou como um saco cheio de bolinhas de isopor.
A coach Sylvester estava tentando tirar Rachel das costas. Ela esperneou, arranhou, sibilou e mordeu, mas Rachel se agarrou firme enquanto Puck amarrava suas pernas com seu próprio chicote. Depois os dois a empurraram de costas para o corredor. coach Sylvester tentou se erguer, mas não havia espaço para ela bater as asas de morcego, portanto continuou caindo.
- Zeus o destruirá! - prometeu ela. - Hades terá sua alma!
- Braccas meas vescimini! - gritei.
Eu não sabia muito bem de onde viera o latim. Acho que queria dizer: ―Coma as minhas calças.
Um trovão sacudiu o ônibus. Os cabelos se eriçaram na minha nuca. Que coisa mais idiota eu fui dizer em latim.
- Fora! - gritou Rachel para mim. - Agora!
Não era necessário.
Corremos para fora e encontramos os outros passageiros andando de uma lado para outro, atordoados, discutindo com o motorista ou correndo em círculos e gritando: ―Nós vamos morrer! Um turista de camisa com estampa havaiana e uma câmara bateu uma foto minha antes que eu pudesse pôr a tampa na minha espada.
- Nossas malas! - Puck se deu conta. - Nós deixamos nossas...
BUUUUUUM!!As janelas do ônibus explodiram enquanto os passageiros corriam para se abrigar. Um relâmpago rasgara uma enorme cratera no teto, mas um lamento furioso lá dentro me disse que a coach Sylvester ainda não estava morta.
- Corram! - disse Rachel. - Ela está chamando reforços! Temos de sair daqui!
Mergulhamos para dentro dos bosques enquanto a chuva despencava torrencialmente, com o ônibus em chamas atrás de nós e nada à frente a não ser trevas.
Autor(a): brubs
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+ Fanfics do autor(a)Prévia do próximo capítulo
De certo modo, é bom saber que há deuses gregos lá fora, porque aí temos alguém para culpar quando as coisas dão errado. Por exemplo, quando você está se afastando a pé de um ônibus que acaba de ser atacads por bruxas monstruosas e explodido por um relâmpago, e ainda por cima está choven ...
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