Fanfic: The Lightning Thief | Tema: Glee
Hora da confissão: descartei Puck assim que chegamos ao terminal rodoviário.
Eu sei, eu sei. Foi rude. Mas Puck estava me deixando fora de mim, me olhando como se eu fosse um mulher morta, murmurando: "por que sempre tem de ser no primeiro ano?"
Sempre que Puck ficava nervoso, sua bexiga entrava em ação.
- Quinn, preciso ir ao banheiro.
Ótimo, minha chance de me livrar dele - Vai lá ué - Disse.
- Vem comigo.
- Puck, eu até iria se não fosse por um pequeno detalhe: eu sou mulher! Não posso entrar no banheiro masculino.
- Tava me esquecendo disso. É que pra mim você é como se fosse um homem. Não que eu ache masculina nem nada...- Puck estava realmente nervoso, começou a falar e não parava mais.
- Puck! - Gritei - Relaxa, eu sei o que você quis dizer. Você não estava apertado ?
Então ele saiu correndo e gritou para eu esperá-lo. Em vez de esperar, peguei minha mala, saí discretamente e tomei o primeiro taxi saindo do Centro.
- Cento e quatro Leste com a Primeira Avenida – disse ao motorista.
Uma palavra sobre a minha mãe, antes que você a conheça.
Seu nome é Judy Fabray e ela é a melhor pessoa do mundo, o que apenas prova minha teoria de que as melhores pessoas são as mais azaradas. Os pais dela morreram em um desastre de avião quando estava com cinco anos, e ela foi criada por um tio que não lhe dava muita bola. Queria ser escritora, assim passou o curso de ensino médio trabalhando e economizando dinheiro para pagar uma faculdade com um bom programa de oficinas literárias. Então o tio teve câncer e ela precisou abandonar a escola no último ano para cuidar dele. Depois que ele morreu, ela ficou sem dinheiro nenhum, sem família e sem diploma.
A única coisa boa que lhe aconteceu foi conhecer meu pai.
Não tenho nenhuma lembrança dele, apenas essa espécie de sensação calorosa, talvez o mais leve resquício de seu sorriso. Minha mãe não gosta de falar sobre ele porque isso a deixa triste. Ela não tem fotografias.
Veja bem, eles não eram casados. Ela me contou que ele era rico e influente, e o relacionamento deles era um segredo.
Então um dia ele zarpou pelo Atlântico em alguma jornada e nunca mais voltou.
Perdido no mar, minha mãe me contou. Não morto. Perdido no mar.
Ela vivia de trabalhos esporádicos, estudava à noite para tirar o diploma de ensino médio e me criou sozinha. Nunca se queixava ou ficava zangada. Nem uma só vez. Mas eu sabia que não era uma menina fácil.
Acabou se casando com Russel Ugliano, que foi simpático nos primeiros trinta segundos em que o conhecemos e depois mostrou quem realmente era, um imbecil de marca maior. Quando eu era pequena apelidei-o de Russel Cheiroso. Sinto muito, mas é a verdade. O cara fedia a pizza de alho embolorada enrolada num calção de ginástica.
Em nosso fogo cruzado, tornávamos a vida da minha mãe bem difícil. O modo como Russel Cheiroso a tratava, o jeito como ele e eu nos relacionávamos... bem, um bom exemplo é minha chegada em casa.
Entrei em nosso pequeno apartamento, esperando que minha mãe já tivesse voltado do trabalho. Em vez disso, Russel Cheiroso estava na sala de estar, jogando pôquer com seus cupinchas. Na televisão, o canal de esportes estava no voluma máximo. Havia batatinhas e latas de cerveja espalhadas pelo tapete.
Mal erguendo os olhos, ele disse com o cigarro na boca:
- Então você está em casa.
- Onde está a minha mãe?
- Trabalhando – disse ele. – Você tem alguma grana?
E foi isso. Nada de Bem-vinda ao lar. Bom ver você. O que fez nos últimos seis meses?
Russel tinha engordado. Parecia uma morsa sem tromba com roupas de brechó. Tinha uns três fios de cabelo na cabeça, todos penteados por cima da careca, como se isso o deixasse bonito ou coisa assim.
Era gerente do Hipermercado de Eletrônica, no Queens, mas passava a maior parte do tempo em casa. Não sei por que ainda não tinha sido demitido. Ele só fica recebendo o pagamento, gastando o dinheiro em charutos que me dão náuseas e em cervejas, é claro. Sempre cerveja. Toda vez que eu estava em casa ele esperava que eu lhe fornecesse fundos para jogar. Chamava isso de nosso segredinho. Isto é, se eu contasse para minha mãe, ele me quebrava a cara.
- Não tenho grana nenhuma – falei.
Ele ergue uma sobrancelha oleosa.
Russel era capaz de farejar dinheiro como um cão de caça, o que era surpreendente, já que seu prórpio cheiro deveria encobrir qualquer outro.
- Você pegou um taxi no terminal de ônibus – disse ele. – Provavelmente pagou com uma nota de vinte. Recebeu seis ou sete dólares de troco. Alguém que espera viver embaixo deste teto deveria ser capaz de se sustentar. Estou certo, Eddie?
Eddie, o síndico do prédio, olhou para mim com uma ponta de solidariedade.
- Vamos, Russel – disse ele. – A garota acabou de chegar.
- Estou certo? – repetiu Russel.
Eddie fez uma careta para sua tigela de pretzels. Os outros dois caras soltaram juntos seus gases. Homens são asquerosos!
- Tudo bem – disse eu. – Tirei um maço de dólares do bolso e joguei o dinheiro em cima da mesa. – Tomara que você perca.
- Seu boletim chegou, espertinha! – gritou ele às minhas costas. – Eu não ficaria tão metida!
Larguei a mala em cima da cama. Lar doce lar.
O cheiro de Russel era quase pior que os pesadelos com a coach Sylvester ou o som da tesoura daquela velha enrugada cortando o fio de lã.
Mas assim que pensei naquilo, minhas pernas bambearam. Lembrei-me da expressão de pânico de Puck – como ele me fez prometer que não iria para casa sem ele. Um calafrio repentino me percorreu. Era como se alguém – alguma coisa – estivesse procurando por mim naquele momento, talvez subindo pesadamente a escada, com garras compridas e horrendas crescendo.
Então ouvi a voz da minha mãe.
- Quinnie?
Ela abriu a porta do quarto e meus medos se foram.
A simples entrada de minha mãe no quarto já consegue me fazer sentir bem. Seus olhos brilham e mudam de cor com luz. O sorriso é quente como uma manta. Ela tem alguns poucos fios grisalhos misturados com os longos cabelos loiros, mas nunca penso nela como uma pessoa velha. Quando me olha, é como se estivesse vendo todas as coisas boas em mim, nenhuma das ruins. Nunca a ouvi levantar a voz ou dizer uma palavra indelicada para ninguém, nem mesmo para mim ou Russel.
- Ah, Quinnie. - Ela me abraçou apertado. - Eu não acredito. Você cresceu desde o Natal!
O uniforme vermelho, branco e azul, da Doce América, tinha cheiro das melhores coisas do mundo: chocolate, alcaçuz e tudo o mais que ela vendia na doceria da Grande Estação Central. Tinha levado para mim um belo saco de ―amostras grátis, como sempre fazia quando eu ia para casa.
Sentamos juntos na beirada da cama. Enquanto eu atacava os doces de mirtilo, ela passava a mão no meu cabelo e queria saber tudo o que eu não havia escrito nas cartas. Nada mencionou sobre o fato de eu ter sido expulsa. Não parecia se importar com isso. Mas eu estava ok? Sua menininha estava bem? Mães né..
Eu disse a ela que estava me sufocando, pedi que desse um tempo e tal, mas, secretamente, estava feliz demais em vê-la.
Do outro cômodo, Russel berrou:
- Ei, Judy! Que tal um pouco de pasta de feijão, hein?
Eu rangi os dentes.
Minha mãe é a mulher mais gentil do mundo. Deveria ter se casado com um milionário, não com um imbecil como Gabe.
Por ela, tentei parecer otimista em relação aos meus últimos dias na Academia Yancy. Disse-lhe que não estava muito chateado com a expulsão. Dessa vez, conseguira durar quase o ano inteiro.
Eu havia feito novos amigos. Tinha me saído muito bem em latim. E, honestamente, as brigas não tinham sido tão ruins com dissera o diretor. Eu tinha gostado da Academia Yancy. De verdade. Enfeitei tanto os acontecimentos do ano que quase convenci a mim mesmo.
Comecei a ficar com a voz embargada só de pensar em Puck e no Mrs. Schue. Até Lauren Zizes de repente não pareceu assim tão idiota. Até aquela excursão ao museu... - O quê? - perguntou minha mãe.
Seus olhos puxaram pela minha consciência, tentando arrancar os segredos.
- Alguma coisa assustou você?
- Não, mãe.- Menti.
Eu me senti mal por mentir, queria contar a ela sobre a coach Sylvester e as três velhas com o fio de lã, mas achei que aqui ia parecer bobagem.
Ela apertou os lábios. Sabia que eu estava escondendo alguma coisa, mas não quis me pressionar. - Tenho uma surpresa para você - disse ela. - Nós vamos à praia.
Meus olhos se arregalaram.
- Montauk? - Perguntei ansiosa.
-Três noites... no mesmo chalé. -
-Quando? - Perguntei mais ansiosa ainda. Ela sorriu.
- Assim que eu me trocar.
Mal pude acreditar. Minha mãe e eu não tínhamos ido a Montauk nos últimos dois verões porque Russel dissera que não havia dinheiro suficiente.
Russel apareceu no vão da porta e rosnou.
- Pasta de feijão, Judy. Você não ouviu?
Tive vontade de dar-lhe um soco, mas meus olhos encontraram os de minha mãe e entendi que ela estava me oferecendo um acordo: ser gentil com Russel só um pouquinho. Só até ela estar pronta para ir para Montauk. Então sairíamos dali.
- Eu já estava a caminho, meu bem – disse ela a Russel. – Estávamos só conversando sobre a viagem. Os olhos de Gabe se apertaram.
- A viagem? Você quer dizer que estava falando disso a sério?
- Eu sabia - murmurei. - Ele não vai nos deixar ir.
- É claro que vai - disse minha mãe calmamente. - Seu padrasto só está preocupado com o dinheiro. É tudo. Além disso - acrescentou -, Gabriel não terá de se contentar com pasta de feijão. Vou fazer para ele uma pasta de sete camadas suficiente para todo o fim de semana. Guacamole. Creme azedo. Serviço completo.
Russel amanciou um pouco.
- Então esse dinheiro para viagem... vai sair do seu orçamento para roupas, certo?
- Sim, meu bem - disse minha mãe.
- E você não vai com meu carro para nenhum lugar, só vai usar na ida e na volta- Continuou Russel.
- Seremos muito cuidadosas.
Russel coçou seu queixo duplo.
- Talvez se você andar logo com essa pasta de sete camadas... E talvez se a garota pedir desculpas por interromper meu jogo de pôquer...
Mas os olhos da minha mãe me advertiram para não deixá-lo zangado. Por que ela aturava aquele cara? Eu quis gritar. Por que ela se importava com o que ele pensava?
- Desculpe - murmurei. - Sinto muito ter interrompido seu importantíssimo jogo de pôquer. Por favor, volte a ele agora mesmo.
Os olhos de Russel se estreitaram. O cérebro minúsculo provavelmente estava tentando detectar o sarcasmo na minha frase.
- Está bem, seja lá o que for - convenceu-se. E voltou para o jogo. - Obrigada, Quinn - disse minha mãe.
- Depois que chegarmos a Montauk, vamos conversar sobre.. o que quer que você tenha se esquecido de me contar, certo?
Por um momento, pensei ter visto ansiedade nos olhos dela - o mesmo medo que vira em Puck na viagem de ônibus -, como se minha mãe também tivesse sentindo um estranho calafrio no ar. Mas então o sorriso dela voltou e concluí que devia estar enganado. Ela passou a mão no meu cabelo e foi fazer a pasta de sete camadas para Russel.
Já estavámos prontas para partir e Russel estava voltando em seu passo desajeitado para o prédio, fiquei tão zangada que fiz uma coisa que não consigo explicar. Quando Russel chegou à porta de entrada, fiz um gesto com a mão que tinha visto Puck fazer no ônibus, uma espécie de gesto para afastar o mal, a mão em garra sobre o coração e depois um movimento de empurrar na direção de Russel. A porta de tela bateu tão forte que o acertou no traseiro e o mandou voando até a escada, como se tivesse sido disparado por um canhão. Talvez tenha sido apenas o vento, ou algum acidente maluco com as dobradiças, mas não fiquei lá tempo suficiente para descobrir. Entrei no Camaro e disse para minha mãe pisar fundo.
Nosso chalé alugado ficava na margem sul, lá na ponta de Long Island. Era uma pequena cabana de cor clara com cortinas desbotadas, quase enterrada nas dunas. Havia sempre areia nos lençóis e aranhas nos armários, e na maior parte do tempo o mar estava gelado demais para nadar. Eu adorava o lugar. Íamos lá desde que eu era bebê. Minha mãe ia ainda havia mais tempo. Ela nunca disse exatamente, mas eu sabia por que a praia era especial. Era o lugar onde conhecera meu pai. À medida que nos aproximávamos de Montauk, ela parecia ir ficando mais jovem, os anos de preocupação e trabalho desaparecendo do rosto. Os olhos ficavam da cor do mar. Chegamos lá ao pôr-do-sol, abrimos todas as janelas do chalé e passamos por nossa rotina de limpeza. Caminhamos pela praia, demos salgadinhos de milho às gaivotas e mascamos jujubas azuis, caramelos azuis e todas as outras amostras grátis que minha mãe levara do trabalho.
Acho que eu deveria explicar a comida azul.
Veja bem, Russel uma vez disse à minha mãe que isso não existia. Eles tiveram uma discussão, que pareceu uma coisinha de nada na época. Mas, desde então, minha mãe fez tudo o que era possível de comer em azul. Ela assava bolos de aniversários azuis. Batia vitaminas com mirtilos azuis. Comprava tortilhas de milho azul e levava para casa balas azuis da loja. Isso - junto com o fato de conservar o nome de solteira, Fabray, em vez de se chamar sra. Ugliano - era prova de que ela não tinha sido totalmente domada por Russel.
Tinha uma inclinação para rebeldia, como eu.
Quando escureceu, acendemos uma fogueira. Assamos o cachorro-quente e marshmallows. Minha mãe contou histórias sobre quando ela era criança, antes de os pais morrerem no acidente de avião. Contou-me sobre os livros que queria escrever um dia, quando tivesse dinheiro suficiente para largar a doceria.
Finalmente, reuni coragem para perguntar sobre o que sempre me vinha à cabeça quando íamos a Montauk – meu pai. Os olhos dela ficaram cheios d’água. Imaginei que iria me contar as mesmas coisas de sempre, mas nunca me cansava de ouvi-las.
- Ele era gentil, Quinn – disse ela. – Alto, bonito e forte. Mas gentil também. Você tem o cabelo dele, você sabe, e os olhos verdes.
Mamãe pegou uma jujuba azul do saco de doces.
- Gostaria que ele pudesse vê-la, Quinn. Ficaria muito orgulhoso.
Eu me perguntei como ela podia dizer aquilo. O que havia de tão bom a meu respeito? Um menina disléxica, hiperativa, com um boletim péssimo e expulsa da escola pela sexta vez em seis anos.
- Que idade eu tinha? - perguntei. - Quer dizer... quando ele se foi?
Ela olhou para as chamas.
- Ele só ficou comigo por um verão, Quinnie. Bem aqui nesta praia. Neste chalé.
- Mas... ele me conheceu quando eu era bebê.
- Não, meu bem. Ele sabia que eu estava esperando um bebê, mas nunca o viu. Teve de partir antes de você nascer.
Tentei conciliar o fato de que eu parecia me lembrar de... alguma coisa sobre meu pai. Uma sensação calorosa. Um sorriso.
Sempre presumira que ele havia me visto quando bebê. Minha mãe nunca dissera exatamente isso, mas ainda assim eu achava que tinha acontecido. Saber agora que ele nunca me viu...
Fiquei com raiva do meu pai. Talvez fosse uma bobagem, mas eu me ressenti por ele ter partido naquela viagem oceânica, por não ter tido coragem para se casar com minha mãe. Ela nos deixara e agora estávamos presas ao Russel Cheiroso.
- Você vai me mandar embora de novo? - perguntei a ela. - para outro internato?
Ela puxou um marshmallow do fogo.
- Eu não sei, meu bem. - Sua voz soou muito séria. - Acho... acho que teremos de fazer alguma coisa.
- Por quê você não me quer me ver por perto? - Eu me arrependi das palavras assim que elas saíram.
Os olhos de minha mãe ficaram marejados. Ela pegou minha mão e apertou com força.
- Ah, Quinnie, não. Eu... eu preciso, meu bem. Para seu próprio bem. Eu tenho de mandar você para longe.
Suas palavras me lembraram o que o Mrs. Schue tinha dito - que era melhor para mim deixar Yancy.
- Porque eu não sou normal? - disse eu.
- Você diz isso como se fosse uma coisa ruim, Quinn. Mas não se dá conta do quanto você é importante. Pensei que Yancy seria bastante longe. Pensei que você finalmente estaria em segurança.
- Em segurança por quê?
Os olhos dela encontraram os meus, e me veio uma enxurrada de lembranças - todas esquisitas, assustadoras que sempre aconteciam, algumas que eu tentara esquecer.
Em cada uma das escolas, algo de horripilante acontecera, algo perigoso, e fui forçada a sair.
- Tentei manter você tão perto de mim quanto pude - falou minha mãe. - Eles me disseram que isso era um erro. Mas só havia uma outra opção, Quinn... o lugar para onde seu pai queria mandá-lo. E eu simplesmente... simplesmente não poderia agüentar ter de fazer isso.
- Meu pai queria que eu fosse para uma escola especial?
- Não uma escola - disse ela suavemente. - Um acampamento de verão.
Minha cabeça estava girando. Por que meu pai - que nem sequer ficara por perto tempo suficiente para me ver nascer - teria falado com minha mãe sobre um acampamento de verão? E, se isso era tão importante, por que ela nunca mencionara antes?
- Desculpe, Quinn - continuou ela ao ver a expressão em meus olhos. - mas não posso falar sobre isso. Eu... eu não podia mandar você para aquele lugar. Significaria dizer adeus a você para sempre.
Ela se voltou para o fogo, e eu percebi pela sua expressão que, se fizesse mais perguntas, ela começaria a chorar.
Naquela noite eu tive um sonho muito real.
Havia uma tempestade na praia, e dois belos animais, um cavalo branco e uma águia dourada, estavam tentando matar uma ao outro à beira-mar. A águia mergulhou e fez um talho no focinho do cavalo com suas garras enormes. O cavalo empinou e escoiceou as asas da águia. Enquanto eles lutavam, o chão retumbou e uma voz monstruosa riu em algum lugar embaixo da terra, incitando os animais a lutarem arduamente.
Corri até eles, sabendo que tinha de impedir que se matassem, mas eu corria em câmera lenta. Sabia que iria chegar tarde demais. Vi a águia mergulhar, o bico apontado para os grandes olhos do cavalo, e gritei: Não!
Acordei assustada.
Do lado de fora, havia realmente uma tempestade, o tipo de tempestade que racha árvores e derruba casas. Não havia nenhum cavalo nem águia na praia, somente relâmpagos que criavam uma falsa luz do dia e ondas de seis metros golpeando as dunas como artilharia.
Com o trovão seguinte, minha mãe acordou. Ela sentou na cama, os olhos arregalados, e disse:
- Furacão.
Depois um ruído muito mais próximo, como de malhos na areia. Uma voz desesperada - alguém gritando, esmurrando a porta do nosso chalé.
Minha mãe pulou da cama de camisola e abriu a porta de um safanão.
Puck estava lá, emoldurado no vão da porta contra um fundo de chuva torrencial. Mas ele não era... ele não era exatamente o Puck.
- Procurei a noite toda - arquejou ele. - O que você estava pensando?
Minha mãe olhou para mim aterrorizada - não com medo do Puck, mas da razão de sua chegada.
- Quinn - disse ela, gritando para se fazer ouvir mais alto que a chuva. - O que aconteceu na escola? O que você não me contou?
Fiquei paralisada olhando para Puck. Não conseguia entender o que estava vendo.
- O Zeu kai alloi theoi! - gritou ele. - Está bem atrás de mim! Você não contou a ela?
Eu estava chocada demais para registrar que ele acabara de praguejar em grego antigo, e eu tinha entendido perfeitamente. Estava chocada demais para me perguntar como Puck chegara ali sozinho no meio da noite. Porque Puck não estava usando calças - e onde deveriam estar as pernas dele... Onde deveriam estar as pernas dele...
Minha mãe olhou para mim com expressão severa e falou em um tom que jamais usara antes:
- Quinn. Conte-me agora!
Eu gaguejei algo sobre velhas senhoras na banca de frutas e a coach Sylvester, e minha mãe ficou olhando para mim, o rosto mortalmente pálido aos clarões dos relâmpagos.
- Vão para o carro. Vocês dois. Vão!
Puck correu para o Camaro - mas ele não estava exatamente correndo. Estava trotando, sacudindo seu traseiro peludo, e de repente sua história sobre um distúrbio muscular nas pernas fez sentido para mim. Entendi como ele podia correr tão depressa e ainda assim mancar quando andava.
Porque onde deveriam estar seus pés não havia pés. Havia cascos fendidos.
Autor(a): brubs
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Arrancamos noite adentro por estradas rurais escuras. O vento golpeava o Camaro. A chuva açoitava o pêra-brisa. Eu não sabia como minha mãe conseguia ver alguma coisa, mas ela mantinha o pé no acelerador.Toda vez que um relâmpago produzia um clarão, eu olhava para Puck sentado ao meu lado no banco de trás e me pergunt ...
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