Fanfic: The Lightning Thief | Tema: Glee
Tive sonhos estranhos, cheios de animais de estábulos. A maioria queria me matar. O restante queria comida.
Devo ter acordado várias vezes, mas o que ouvi e vi não fazia sentido, então adormecia de novo. Lembro-me de estar deitada em uma cama macia, sendo alimentado com colheradas de alguma coisa que tinha gosto de pipoca com manteiga, só que era pudim. A menina com cabelo moreno meio encaracolado pairava acima de mim com um sorriso afetado enquanto limpava as gotas de meu queixo com a colher.
Quando ela viu meus olhos abertos, perguntou:
- O que vai acontecer no solstício de verão?
Eu consegui resmungar:
- O quê?
Ela olhou em volta, como se estivesse com medo de que alguém ouvisse.
- O que está acontecendo? O que foi roubado? Nós só temos algumas semanas!
- Desculpe - murmurei. - Eu não...
Alguém bateu à porta, e a menina rapidamente encheu minha boca de pudim.
Quando acordei novamente, a menina tinha ido embora.
Um sujeito loiro e forte, como um surfista, estava no canto do quarto me vigiando. Tinha olhos azuis - pelo menos uma dúzia deles - nas bochechas, nas testas, nas costas das mãos.
-
Quando finalmente voltei a mim de vez, não havia nada de estranho com o lugar ao meu redor, a não ser que era mais agradável do que eu estava acostumada. Estava sentado numa espreguiçadeira em uma enorme varanda, olhando ao longo de uma campina para colinas verdejantes à distância. A brisa tinha cheiro de morangos. Havia uma manta sobre as minhas pernas, um travesseiro atrás do pescoço. Tudo isso era ótimo, mas minha boca me dava a sensação de ter sido usada como ninho por um escorpião. A língua estava seca e pegajosa, e todos os dentes doíam. Sobre a mesa ao lado havia bebida num copo alto. Parecia suco de maçã gelado, com um canudinho verde e um guarda-chuva de papel enfiado em uma cereja.
Minha mão estava tão fraca que quase derrubei o copo quando passei os dedos em volta dele.
- Cuidado - disse uma voz familiar.
Puck estava apoiado no gradil da varanda, e parecia não dormir havia uma semana. Embaixo de um braço, segurava uma caixa de sapatos. Estava usando jeans, tênis e uma camiseta laranja-claro com os dizeres ACAMPAMENTO MEIO-SANGUE.
Apenas o velho Puck. Não garoto-bode.
Quem sabe não tive um pesadelo? Talvez minha mãe estivesse bem. Ainda estávamos de férias e tínhamos parado ali naquela grande casa por alguma razão. E...
- Você salvou minha vida - disse Puck. - Eu... bem, o mínimo que eu podia fazer... voltei na colina. Achei que você poderia querer isso.
Reverentemente, ele colocou a caixa de sapatos em meu colo.
Dentro havia um chifre de touro branco-e-preto, a base irregular por ter sido quebrada, a ponta salpicada de sangue seco. Não tinha sido um pesadelo.
- O Minotauro - disse eu.
- Ahn, Q. não é uma boa idéia...
- É assim que o chamam nos mitos gregos, não é? - perguntei. - O Minotauro. Meio homem, meio touro.
Puck mudou de posição, pouco à vontade.
- Você ficou desacordada por dois dias. Do que se lembra?
- Minha mãe. Ela está mesmo...
Ele abaixou os olhos.
Olhei ao longo da campina. Havia pequenos bosques, um riacho sinuoso, campos de morangos espalhados embaixo do céu azul. O vale era cercado por colinas ondulantes, e a mais alta, bem na nossa frente, era a que tinha o grande pinheiro no topo. Mesmo isso parecia bonito à luz do sol.
Minha mãe se fora. O mundo inteiro deveria estar escuro e frio. Nada devia parecer bonito.
- Desculpe - fungou Puck. - Eu sou um fracasso. Eu... sou o pior sátiro do mundo.
Noah Puckerman era um sátiro. Podia apostar que logo ele teria que deixar o moicano de lado pois seus chifres iam crescer.
Mas eu me sentia infeliz demais para me importar com a existência de sátiros ou mesmo minotauros. O importante era que minha mãe realmente tinha ido e nunca mais voltaria.
Eu estava sozinha. Um órfã. E teria de viver com... Russel Cheiroso? Não. Isso jamais iria acontecer. Preferia viver nas ruas.
Fingiria ter dezessete anos e me alistaria no exercito. Faria alguma coisa.
- Não foi sua culpa - disse eu.
- Foi, sim. Eu devia protegê-la.
- Minha mãe pediu para você me proteger?
-Não. Mas é isso que faço. Sou um guardião. Pelo menos... eu era.
- Mas por que...
De repente senti uma vertigem, minha visão rodando.
- Não se esforce demais - disse Puck. - Aqui.
Ele me ajudou a segurar o copo e eu levei o canudinho aos lábios.
Recuei com o gosto, porque estava esperando suco de maçã. Não tinha nada a ver com isso. Era gosto de biscoito com pedacinhos de chocolate. Biscoito líquido. E não qualquer biscoito - os biscoitos azuis da minha mãe com pedacinhos de chocolate, amanteigados e quentes, o chocolate ainda derretendo. Ao beber aquilo, meu corpo inteiro se sentiu bem, aquecido e cheio de energia. Minha tristeza não foi embora, mas era como se minha mãe tivesse acabado de acariciar minha bochecha e me dar um biscoito, como costumava fazer quando eu era pequeno, e tivesse dito que tudo ia ficar bem.
- Que gosto tinha?
Ele pareceu tão suplicante que me senti culpada.
- Desculpe. Devia ter deixado você provar.
Os olhos deles se arregalaram.
- Não! Não foi isso que eu quis dizer. Eu só... fiquei curioso.
- Biscoitos com pedacinhos de chocolate - disse eu. - Os da minha mãe. Feitos em casa.
Ele suspirou.
- E como se sente?
- Como se fosse acabar com a Lauren Zizes.
- Isso é bom - disse ele. - Isso é bom. Não acho que você deva se arriscar a tomar mais disso aí.
- O que quer dizer?
Ele pegou meu copo com cautela, como se fosse dinamite, e o colocou de volta na mesa.
- Vamos. Quíron e o sr. D estão esperando.
Devíamos estar na costa norte de Long Island, porque daquele lado da casa o vale seguia até a água, que cintilava a cerca de um quilômetro de distancia. Entre a casa e lá, eu simplesmente não consegui processar tudo o que estava vendo. A paisagem era pontilhada de construções que lembravam a arquitetura grega antiga - um pavilhão a céu aberto, um anfiteatro, uma arena circular - só que pareciam novos em folha, as colunas de mármore branco reluzindo ao sol. Em uma quadra de areia próxima, uma dúzia de crianças e sátiros jogavam voleibol. Canoas deslizavam por um pequeno lago.
Adolescentes de camiseta laranja-clara como a de Puck corriam umas atrás das outras em volta de um grupamento de chalés no meio do bosque. Algumas praticavam arco-e-flecha em alvos. Outras montavam cavalos em uma trilha arborizada e, a não ser que eu estivesse tendo alucinações, alguns cavalos tinham asas.
Na extremidade da varanda, dois homens estavam sentados frente a frente em uma mesa de carteado. A menina de morena que me alimentara com colheradas de pudim com sabor de pipoca estava apoiada no gradil da varanda, ao lado deles.
O homem de frente para mim era pequeno, mas gorducho. Tinha nariz vermelho, grandes olhos chorosos e cabelo cacheado tão preto que era quase roxo. Parecia uma daquelas pinturas de anjos-bebês, como se chamam mesmo... surubins? Não, querubins. É isso. Ele parecia um querubim que chegou a meia idade em um acampamento de trailers. Usava uma camisa havaiana com estampa de tigres e teria se encaixado perfeitamente em uma das rodas de pôquer de Russel, só que eu tive a sensação de que esse cara poderia ter ganhado até do meu padrasto.
Aquele é o sr. D - murmurou Puck para mim. - Ele é o diretor do acampamento. Seja educada. A menina é Rachel Berry. Ela é só uma campista, mas está aqui há mais tempo que quase todo mundo. E você já conhece Quíron...
- Mrs. Schue! - exclamei.
O professor de latim voltou-se e sorriu para mim. Os olhos estavam com aquele brilho travesso de quando ele fazia uma prova-surpresa e todas as respostas da múltipla escolha eram B.
- Ah, bom, Quinn - disse ele. - Agora já temos quatro para o pinoche.
Ele me ofereceu uma cadeira à direita do sr. D, que olhou para mim com olhos injetados e soltou um grande suspiro.
- Ah, suponho que devo dizer isto. Bem-vinda ao Acampamento Meio-Sangue. Pronto. Agora, não espere que eu esteja contente em vê-la
.
- Ahn, obrigada. - Logo me afastei um pouco dele, porque, se havia uma coisa que eu tinha aprendido com Russel era reconhecer quando um homem andou tomando umas e outras. Se o sr. D era abstêmio, eu era um sátiro.
- Rachel? - o Mrs. Schue chamou a menina loira.
Ela avançou.
- Esta mocinha cuidou de você até que ficasse boa, Quinn. Rachel, minha querida, por que não vai verificar o beliche da Quinn ? Vamos instalá-la no chalé 11 por enquanto.
Rachel disse:
- Claro, Quíron.
Ela provavelmente tinha a minha idade, talvez fosse uns cinco centímetros mais baixa, e tinha a aparência muitíssimo mais atlética.
Com seu bronzeado intenso e o cabelos morenos, era quase exatamente como eu imaginava uma típica menina da Califórnia, a não ser pelos olhos, que arruinavam essa imagem. Era de uma cor surpreendentemente chocolate; bonito, mas também intimidadores, como se ela estivesse analisando o melhor modo de me derrubar em uma luta.
Ela deu uma olhada no chifre de minotauro em minhas mãos, então de novo para mim. Imaginei que fosse dizer: Você matou um minotauro! Ou Uau, você é tão assustadora! Ou algo do tipo. Em vez disso, ela disse:
- Você baba quando está dormindo!
Depois saiu correndo pelo gramado, os cabelos morenos esvoaçando atrás dela.
- Então - disse, ansiosa por mudar de assunto -, o senhor, ahn, trabalha aqui, Mrs. Schue?
- Mrs. Schue não - disse o ex- Mrs. Schue. - Lamento, era pseudônimo. Você pode me chamar de Quíron.
- Combinado. - Totalmente confusa, olhei para o diretor. - E sr. D... significa alguma coisa?
O sr. D parou de embaralhar as cartas. Olhou para mim como se eu tivesse acabado de arrotar alto.
- Menininha os nomes são coisas poderosas. Você simplesmente não sai por aí os usando sem motivo.
- Ah. Certo. Desculpe.
- Devo dizer, Quinn - interrompeu o Quíron-Schue -, que estou contente em vê-la com vida. Já faz um bom tempo desde que fiz um atendimento domiciliar a um campista em potencial. Detestaria pensar que tinha perdido meu tempo.
- Atendimento domiciliar?
- O ano que passei na Academia Yancy para instruí-la. Temos sátiros de prontidão na maioria das escolas, é claro. Mas Puck me alertou assim que a conheceu. Ele sentiu que você era especial, então decidi ir lá. Convenci o outro professor de latim a... ah, tirar uma licença.
Tentei me lembrar do começo do ano escolar. Parecia tanto tempo atrás, mas eu tinha uma vaga lembrança de outro professor de latim na minha primeira semana em Yancy. Então, sem explicação, ele desapareceu e o Mrs. Schue assumiu a turma.
- Você foi a Yancy só para me ensinar? - perguntei.
Quíron- Schue assentiu.
- Honestamente, de inicio eu não tinha muita certeza a seu respeito. Contatamos a sua mãe, informamos que estávamos de olho em você, para o caso de estar pronta para o Acampamento Meio-Sangue. Mas você ainda tinha muito a aprender. Não obstante, chegou aqui viva, e esse é sempre o primeiro teste.
- Por favor - disse eu. -, o que é este lugar? O que estou fazendo aqui? Mrs. Schue.. Quíron, por que iria à Academia Yancy só para me ensinar?
O sr. D bufou.
- Fiz a mesma pergunta.
O diretor do acampamento deu as cartas. Puck se encolhia a cada vez que uma caía na sua pilha.
Quíron sorriu para mim de um modo compreensivo, como costumava fazer na aula de latim, como para me dizer que qualquer que fosse minha nota, eu era sua aluna mais importante. Ele esperava que eu tivesse a resposta certa.
- Quinn - disse ele -, sua mãe não lhe contou nada?
- Ela disse... - Lembrei-me dos seus olhos tristes, olhando para o mar. - Ela me contou que tinha medo de me mandar para cá, embora meu pai quisesse que ela fizesse isso. Disse que, uma vez aqui, provavelmente não poderia sair. Queria me manter perto dela.
- Típico - disse o sr. D - É assim que eles normalmente são mortos. Menininha, você vai fazer um lance ou não vai?
- O quê? - perguntei.
Ele explicou, impacientemente, como se faz um lance em pinoche, e eu fiz.
- Lamento, mas há coisas demais a contar - disse Quíron. - Receio que nosso filme de orientação não seja suficiente.
- Filme de orientação? - perguntei.
- Não - concluiu Quíron. - Bem, Quinn. Você sabe que seu amigo Puck é um sátiro. Você sabe - ele apontou para o chifre na caixa de sapatos - que você matou o Minotauro. E não é um pequeno feito, garota. O que você pode não saber é que grandes forças estão em ação na sua vida. Os deuses - as forças que você chama de deuses gregos - estão muito vivos.
Olhei para os outros em volta da mesa.
Aguardei que alguém gritasse, Não! Mas tudo o que ouvi foi o sr. D gritando:
- Oh, um casamento real. Truco! Truco! - Ele gargalhou enquanto contava os pontos.
- Sr. D - perguntou Puck timidamente -, se não for comê-la, posso ficar com sua lata de Diet Coke?
- Hein? Ah, está bem.
Puck mordeu um grande pedaço da lata de alumínio vazia e mastigou tristemente.
- Espere - eu disse a Quíron -, está me dizendo que existe algo como Deus.
- Bem, vamos lá - disse Quíron. - Deus - com D maiúsculo, Deus. Isso é outro assunto. Não vamos lidar com o metafísico.
- Metafísico? Mas você estava falando sobre...
- Ah, deuses, no plural, grandes seres que controlam as forças da natureza e os empreendimentos humanos; os deuses imortais do Olimpo. Essa é uma questão menor.
- Menor?
- Sim, muito. Os deuses que discutimos na aula de latim.
- Zeus - disse eu. - Hera. Apolo. Você quer dizer , esses. E, de novo, uma trovoada distante em um dia sem nuvens.
- Menininha - disse o sr. D -, se eu fosse você, seria menos negligente quanto a ficar soltando esses nomes por aí.
- Mas são historias - disse eu. –- São... mitos, para explicar os relâmpagos, as estações e tudo mais. Era nisso que as pessoas acreditavam antes de surgir a ciência.
- Ciência! - zombou o sr. D. - E diga-me, Lucy Quinn Fabray - eu me encolhi quando ele disse meu nome verdadeiro, que nunca contara a ninguém -, o que as pessoas pensarão da sua ciência daqui a milhares de anos? Humm? Irão chamá-la de baboseiras primitivas. É isso o que irão pensar. Ah, eu adoro os mortais... ele não têm a menor noção de perspectiva. Acham que já chegaram tãããão longe. E chegaram, Quíron? Olhe para esse menino e diga-me.
- Quinn - disse Quíron -, você pode escolher entre acreditar ou não, mas o fato é que imortal significa imortal. Pode imaginar isso por um momento, não morrer nunca? Existir, assim como você é, para toda a eternidade?
- Você quer dizer, quer as pessoas acreditem em você ou não – disse eu.
- Exatamente - concordou Quíron. - Se você fosse um deus, gostaria de ser chamado de mito, de uma velha historia para explicar os relâmpagos? E se eu contasse a você, Lucy Quinn Fabray que um dia as pessoas vão chamar você de mito, criado apenas para explicar como menininhas podem sobreviver à perda de suas mães?
Meu coração disparou. Ele estava tentando me deixar zangada por alguma razão, mas eu não ia permitir que o fizesse. Eu disse:
- Eu não gostaria disso. Mas não acredito em deuses.
- Oh, é melhor mesmo - murmurou o sr. D. - Antes que um deles a incinere.
Puck disse:
- P-por favor, senhor. Ela acaba de perder a mãe. Está em estado de choque.
- Uma sorte, também - resmungou o sr. D, jogando uma carta. - Ruim mesmo é estar confinado a esse trabalho deprimente, com meninas que nem mesmo têm fé!
Ele acenou e uma taça apareceu sobre a mesa, como se a luz do sol tivesse momentaneamente se encurvado e transformado o ar em vidro. A taça se encheu de vinho tinto.
Meu queixo caiu, mas Quíron mal ergueu os olhos.
- Senhor D - advertiu -, as suas restrições.
O sr. D olhou para o vinho e fingiu surpresa.
-Ora vejam. - Ele olhou para o céu e gritou: - Velhos hábitos! Desculpe!
Mais trovões.
Quíron piscou para mim.
- O sr. D irritou o pai dele tempos atrás, sentiu-se atraído por uma ninfa dos bosques que tinha sido declarada inacessível.
- Uma ninfa dos bosques - repeti, ainda olhando para a Diet Coke como se tivesse vindo do cosmos.
- Sim - confessou o sr. D. - O pai adora me castigar. Na primeira vez, Proibição. Horrível! Dez anos abasolutamente terríveis! Na segunda vez... bem, ela era mesmo linda, não consegui ficar longe... na segunda vez, ele me mandou para cá. Colina Meio-Sangue. Acampamento de verão para adolescentes como você. ―Seja uma influencia melhor, ele me disse.―Trabalhe com os jovens em vez de arrasar com eles. Ah! Que injustiça.
O sr. D parecia ter seis anos de idade, como uma criancinha fazendo pirraça.
- E... - gaguejei - o seu pai é...
- Di immotales, Quíron - disse o sr. D. - Pensei que você tinha ensinado o básico a esta menina. Meu pai é Zeus, é claro.
- Você é Dionisio - disse eu. - O deus do vinho.
O sr. D revirou os olhos.
Repassei os nomes começados em D da mitologia grega. Vinho. A pele de um tigre. Os sátiros que pareciam estar todos trabalhando aqui. O modo como Puck se encolhia de medo, como se o sr. D fosse seu senhor.
- Como eles dizem hoje em dia, Puck? As crianças dizem, fala sério?
- S-sim, sr. D.
- Então, fala sério, Quinn Fabray. Achou o quê; que eu fosse Afrodite?
- Você é um deus.
- Sim, criança.
- Um deus. Você.
- Menina, você é retardada ou algo assim ? Já disse que sou um deus. - Ele se virou para olhar diretamente para mim, e vi uma espécie de fogo arroxeado nos seus olhos, um indício de que aquele homenzinho reclamão e gorducho só estava me mostrando uma minúscula parte de sua verdadeira natureza. Tive visões de vinhas estrangulando descrentes até a morte, guerreiros bêbados insanos com o entusiasmo da batalha, marinheiros gritando enquanto suas mãos se transformavam em nadadeiras, os rostos se alongando em focinhos de golfinho. Eu sabia que, se o pressionasse, o sr. D iria me mostrar coisas piores. Iria plantar uma doença no meu cérebro que me levaria a usar camisa-de-força pelo resto da vida.
- Gostaria de me testar, criança? - disse em voz baixa.
- Não. Não, senhor.
O fogo diminuiu um pouco. Ele voltou ao jogo de cartas.
- Acho que ganhei.
- Não exatamente sr. D - disse Quíron. Ele baixou uma seqüência, contou os pontos e disse: - O jogo é meu.
Achei que o sr. D fosse transformar Quíron em pó em sua cadeira de rodas, mas ele apenas suspirou pelo nariz, como se estivesse acostumado a ser batido pelo professor de latim. Pôs-se de pé, e Puck levantou-se também.
- Estou cansado - disse o sr. D. - Acho que vou tirar uma soneca antes da cantoria desta noite. Mas primeiro, Puck, precisamos conversar de novo sobre seu desempenho para lá de imperfeito nessa missão.
O rosto de Puck cobriu-se de gotículas de suor.
- S-sim, senhor.
O sr. D voltou-se para mim.
- Chalé 11, Quinn Fabray. E cuidado com seus modos.
Ele se afastou para dentro da casa, com Puck o seguindo arrasado.
- Puck vai ficar bem? - perguntei a Quíron.
Quíron assentiu, embora parecesse um pouco perturbado.
- O velho Dionisio não está realmente zangado. Ele apenas detesta seu trabalho. Ele foi... ahn, confinado à Terra, pode-se dizer, e não pode agüentar ter de esperar mais um século antes de ser autorizado a voltar ao Olimpo.
- O Monte Olimpo - disse eu. - Você está me dizendo que realmente existe um palácio ali?
- Bem, agora há o Monte Olimpo na Grécia. E há o lar dos deuses, o ponto de convergência dos seus poderes, que de fato costumava ser no Monte Olimpo. Ainda é chamado de Monte Olimpo, por respeito às tradições, mas o palácio muda de lugar, Quinn, assim como os deuses.
- Você quer dizer que os deuses gregos estão aqui? Tipo... nos Estados Unidos?
- Bem, certamente. Os deuses mudam com o coração do Ocidente.
- O quê?
- Vamos, Quinn. O que vocês chamam de civilização ocidental. Você acha que é apenas um conceito abstrato? Não, é uma força viva. Uma consciência coletiva que ardeu brilhantemente por milhares de anos. Os deuses são parte dela. Você pode até dizer que eles são sua fonte ou, pelo menos, que estão ligados tão intimamente a ela que possivelmente não vão deixar de existir, a não ser que toda a civilização ocidental seja destruída. A chama começou na Grécia. Então, como você bem sabe... ou espero que saiba, já que foi aprovado no meu curso... o coração da chama se mudou para Roma, e assim fizeram os deuses. Ah, com nomes diferentes, talvez: Júpiter em vez de Zeus, Vênus em vez de Afrodite, e assim por diante; mas as mesmas forças, os mesmos deuses.
- E então eles morreram.
- Morreram? Não. O Ocidente morreu? Os deuses simplesmente se mudaram, para a Alemanha, para a França, para a Espanha, por algum tempo. Aonde quer que a chama brilhasse mais, lá estavam os deuses. Eles passaram vários séculos na Inglaterra. Tudo o que você precisa é olhar para a arquitetura. As pessoas não esquecem os deuses. Em todos os lugares onde reinaram, nos últimos três mil anos, você pode vê-los em pinturas, em estátuas, nos prédios mais importantes. E sim, Quinn, é claro que agora eles estão nos Estados Unidos. Olhe para o símbolo do país, a águia de Zeus. Olhe para a estátua de Prometeu no Rockfeller Center, para as fachadas dos edifícios governamentais em Washington. Eu o desafio a encontrar qualquer cidade americana onde os olimpianos não estejam proeminentes expostos em vários locais. Goste ou não – e acredite, uma porção de gente não gostava muito de Roma também -, os Estados Unidos são agora o coração da chama. São a grande potencia do Ocidente. E, portanto, o Olimpo é aqui. E nós estamos aqui.
Aquilo tudo foi demais para mim, especialmente o fato de que eu parecia estar incluída no nós de Quíron, como se fizesse parte do mesmo clube.
- Quem é você, Quíron? Quem... quem eu sou?
Quíron sorriu. Ele mudou de posição, como se fosse levantar da cadeira de rodas, mas eu sabia que era impossível. Era paralítico da cintura para baixo.
- Quem é você? - ele ficou pensativo. - Bem, essa é a pergunte que todos queremos ver respondida, não é? Mas, por enquanto, temos de lhe arranjar um beliche no chalé 11. Ali haverá novos amigos para conhecer. E tempo à vontade para as aulas amanhã. Alem disso, haverá guloseimas em volta da fogueira esta noite, e eu simplesmente adoro chocolate.
E então ele se levantou da cadeira de rodas. Mas havia algo de estranho no modo como ele fez isso. A manta caiu de cima das pernas, mas elas não se moveram. A cintura foi ficando mais longa, erguendo-se acima do cinto. De início, pensei que estivesse usando roupas de baixo muito compridas de veludo branco, mas à medida que ele foi ser erguendo da cadeira, mais alto que qualquer homem, percebi que a roupa de baixo de veludo não era roupa de baixo; era a parte da frente de um animal, músculos e tendões sob um pêlo branco e áspero. E a cadeira de rodas não era uma cadeira. Era algum tipo de recipiente, uma enorme caixa sobre rodas, e devia ser mágica, porque não havia como ela contê-lo inteiro. Uma perna saiu, comprida e com joelho saliente, com um grande casco polido. Depois outra perna dianteira, depois a parte traseira, e depois a caixa ficou vazia, nada além de uma casca de metal com um par de pernas humanas acoplado.
Olhei para o cavalo que acabara de pular da cadeira de rodas: um enorme corcel branco. Mas, onde devia estar o seu pescoço, estava a parte de cima do corpo do meu professor de latim, suavemente enxertada no tronco do cavalo.
- Que alívio - disse o centauro. - Fiquei tanto tempo confinado lá dentro que minhas juntas adormeceram. Agora venha, Quinn Fabray. Vamos conhecer os outros campistas.
Autor(a): brubs
Este autor(a) escreve mais 2 Fanfics, você gostaria de conhecê-las?
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