Fanfic: Até lhe conhecer. | Tema: Original

Abri a janela do meu quarto que dava para o quintal da frente. Pelos sons que ouvi durante a noite, supus que estaria chovendo. E foi chuva que eu vi. A grama estava encharcada, gotas pesadas batiam na calçada de cimento que levava aos portões, as flores balançavam com o vento. Voltei para a cama e me escondi debaixo das cobertas, eu realmente não queria encarar um dia chuvoso. Quando estava quase engatando num sonho ouvi batidas na porta.

- Lucinda. - Chamou minha mãe.

- O que foi? – Respondi e logo me arrependi pela dureza em minha voz.

- O colégio. As aulas começam hoje, caso tenha se esquecido. – Mamãe disse em tom sarcástico.

- Que ótimo! - Falei e logo ouvi minha porta sendo batida.

Minha mãe, Clarice, é pouco mais baixa que eu, tem olhos cor de mel e cabelos na altura dos ombros os quais ela vive tentando domar. Alguns meses atrás, na minha antiga cidade, aconteceu algo que mudou nossas vidas. Eu decepcionei muito minha mãe, não por querer, mas foi algo que não pude evitar. Algo que talvez não fosse só minha culpa, mas eu tinha todos contra mim, até as pessoas em que mais confiava.
 

O fato é que após aquele dia eu nunca mais fui a mesma. Confiar nas pessoas ficou cada vez mais difícil, as palavras amor e amizade foram abolidas do meu dicionário. Dali em diante eu só tentaria seguir minha vida e fazer meu futuro. Isso incluía o novo colégio, eu não havia me acostumado totalmente a ele, não tinha amigo nenhum, estudava sozinha, fazia os trabalhos escolares sozinha, comia sozinha. E eu não me importava.
Levantei da cama e dei uma boa olhada no meu quarto. A minha casa era antiga, quando compramos escolhi o quarto do terceiro andar, que era uma suíte de casal antes das minhas modificações. Ele tinha acesso ao telhado e eu sempre ia até lá olhar as estrelas, coisa que eu amava. Minha cama era disposta em baixo da janela, luzes de natal enfeitavam as paredes de cor clara, num canto uma escrivaninha com um bom Notebook, a única coisa material que eu realmente adorava, estantes com vários livros e um guarda-roupa. Nada de fotos ou posters. Eu preferia um visual simples, sem muitos enfeites. O quarto não estava tão bagunçado, mas eu teria tarefas quando voltasse do colégio, como separar as roupas sujas para Beatriz, nossa empregada e organizar meus livros.

Tomei uma ducha quente, escovei os dentes, vesti um jeans escuro, blusa de mangas compridas e uma jaqueta. Coloquei a mochila nas costas e passei pela minha mãe sem falar um A. Aproveitei que a chuva havia cessado e fui a pé para o colégio.
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Situado em um bairro muito afastado do centro de Vale dos Anjos, erguia-se o colégio Progresso, uma instituição pública, mas muito desenvolvida. Tínhamos quadra de esportes com arquibancada, várias salas amplas e de vários tipos, estacionamento, refeitório e uma boa biblioteca, tudo isso em um campo cercado por cercas de ferro. Os alunos dali eram em sua maioria, bons, alguns razoáveis e como em todo colégio, havia os que frequentavam apenas para fazer arruaça. Eu me incluía nos razoáveis, minhas notas não eram perfeitas, mas eu me esforçava muito. Gostava de aprender. E precisava de uma bolsa integral para a faculdade.

Minha primeira aula era de Química, matéria que eu amava. Os alunos eram os mesmos, afinal já era mais da metade do ano, Agosto, para ser precisa. Retornávamos das férias. O único rosto diferente que notei foi o de uma garota, ela tinha cabelos pretos em cachos rebeldes, olhos castanhos e feições fortes. Estava sentada na carteira ao lado da que eu costumava me sentar. Deixei que a mochila escorregasse pelo meu braço e parasse na mesa. Sentei-me e peguei uma folha a fim de tomar notas. A garota nova falou comigo.

-Oi. – Disse casualmente.

-Oi. – Respondi sem entusiasmo.

-Sou a Susi.

-Me chame de Lucy. – sempre preferi meu apelido que me fora atribuído por meu pai.

Ela se preparou para falar algo até que o Professor a interrompeu gritando na frente da turma.

- Gente! Silêncio! Vou passar um trabalho, sentem-se em dupla. Sem exceções. – Ele finalizou olhando para mim.

Toda a turma terminava de se dividir. Antes eu sobrava, não que eu me importasse.

-Acho que você vai ser minha dupla. – Susi falou.

-Espero que seja boa em química. – Falei em tom de brincadeira me arrependendo porque não queria dar espaços para meu mundo particular. Não queria amigos, fim.

-Será que uma média 4.8 te agrada?

Rimos e focamos nossa atenção no trabalho. O questionário era simples, apenas uma revisão dos bimestres anteriores. Em 20 minutos estava pronto e entregue ao professor.

-Então, você é nova na cidade também? – Provavelmente ela era. Só havia uma escola que ia até o 3º ano do ensino médio e essa era a Progresso.

-Sim, me mudei a uma semana. – Eu entendia o que ela estava vivendo, a meses o mesmo aconteceu comigo.

-Ah. Eu me mudei para cá no início do ano.

-Sério? Mas, por quê?

-Você não me contou seu motivo, não vou contar o meu. – Eu jamais contaria, nem a ela nem a ninguém.

-Uh. O que foi? Você cometeu algum crime é? – O tom dela era de brincadeira, ela nem imaginava que o que aconteceu era doloroso demais para mim.

-Talvez. Prefiro não falar sobre isso, tudo bem?

-Ok, querida. Mudando o assunto, o que tem aqui na cidade para garotas como nós fazermos?

-Garotas como nós? – ri.

-Independentes, solteiras e atraentes! Espera, você é solteira, não é?

-E espero ficar solteira por muito tempo! – Pela primeira vez, em todos aqueles meses, eu me senti bem. Eu sei, eu conheci Susi naquele mesmo dia, mas me sentia bem com ela. Quem sabe a palavra amizade não estava voltando ao meu vocabulário?
-Temos três opções. Shoppings, o parque de diversões e, minha opção preferida, as festas na praia.

-Que seja a festa na praia!

Tem um motivo especial para eu preferir as festas na praia. Vale dos Anjos tinha uma vasta costa, um cais maravilhoso de onde eu observava os astros com perfeição. Além disso, as festas eram animadas, começavam quando o sol se punha e iam até de madrugada. Vários jovens frequentavam a praia, músicas contagiantes enchiam o ar da noite, a praia era um cenário perfeito para um romance.

-Hoje as 6, aonde nos encontramos? – Perguntei.

-Desculpe, mas eu não conheço praticamente nada por aqui, você poderia ir uma hora antes na minha casa e de lá íamos para praia, que tal?

-Ok.

Após anotar o endereço, cuja rua eu já conhecia, levantamos de nossas carteiras e seguimos nossos caminhos, não haveria mais aulas naquele dia. Marquei um horário com Susi e segui para minha casa.