Fanfics Brasil - 014 - Capítulo IV Amanhecer contigo [Adaptada AyA] (Finalizada)

Fanfic: Amanhecer contigo [Adaptada AyA] (Finalizada) | Tema: Rebelde


Capítulo: 014 - Capítulo IV

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Capítulo 4



Anahí jazia acordada, contemplando as luzes que a lua nova projetava sobre o teto brando. Christopher havia operado milagres e essa noite, durante o jantar, lhe havia dito que a academia estava pronta para ser usada. Mas seu problema era Alfonso.

Inexplicavelmente, havia tornado a recolher-se sobre si mesmo e parecia deprimido. Comia o que Alberta lhe dava, e permanecia calado, sem se queixar, enquanto Anahí lhe exercitava as pernas, mas tudo aquilo era mau sinal. A reabilitação não era algo que um paciente tivesse que aceitar passivamente, como fazia Alfonso. De momento podia ficar deitado e deixar que ela lhe movesse as pernas, mas quando começassem a trabalhar na academia e na piscina, teria que participar ativamente.

Não falava com ela do que o preocupava. Anahí sabia exatamente quando havia começado aquilo, mas não conseguia entender qual havia sido o estopim. Estavam lançando pulhas um no outro enquanto ela lhe dava uma massagem antes de começar os exercícios, e de repente os olhos de Alfonso haviam adquirido um olhar inexpressivo e vazio.

Desde então não tinha tornado a replicar nenhuma de suas brincadeiras. Anahí não acreditava que se devesse a algo que ela havia dito; esse dia, suas gracinhas haviam sido inofensivas e alegres, devido a que Alfonso parecia encontrar-se de muito melhor humor.

Anahí girou a cabeça para ler o marcador luminoso do relógio e viu que era pouco mais de meia noite. Como fazia cada noite, se levantou para ver como estava Alfonso. Não havia ouvido os ruídos que ele fazia quando tentava se girar, mas suas cismas a deixavam preocupada.

Quando entrou no quarto viu que as pernas dele pareciam torcidas, como quando tentava mudar de postura. Pôs suavemente a mão esquerda sobre ombro dele e a direita sobre as pernas, pronta para movê-lo.

-Anahí?


 


Sua voz baixa e insegura a sobressaltou, e retrocedeu de um salto. Estava tão concentrada em suas pernas que não havia notado que ele tinha os olhos abertos, ainda que a luz da lua que brincava sobre a cama era o bastante intensa como para que o visse com claridade.

- Pensei que estivesse dormindo - murmurou.
- O que você estava fazendo?
- Ajudando você a ficar de lado. Faço isso toda noite. É a primeira vez que você acorda.
- Não, já estava acordado - um lampejo de curiosidade se filtrou em sua voz enquanto movia os ombros, inquieto - Você quer dizer que entra aqui todas as noites para me virar na cama?
- Parece dormir melhor de lado - contestou ela a modo de explicação.

Ele soltou uma risada breve e amarga.

- Durmo melhor de barriga para baixo, ou pelo menos era assim antes. Faz dois anos que não durmo de barriga pra baixo.

A agradável intimidade da noite, o quarto iluminado pela lua, davam a impressão de que eram as únicas pessoas sobre a face da terra.

Anahí percebia nele um profundo desânimo. Talvez ele sentisse também por ela uma estranha cumplicidade; talvez agora, emboscado na escuridão, quisesse falar do que o angustiava.

Anahí se sentou sem vacilar na borda da cama e envolveu as pernas com a camisola.

- O que você tem,Alfonso? Tem alguma coisa te incomodando... - disse suavemente.
- Bingo! - resmungou ele - Você também estudou psicologia quando treinava para ser a Mulher Maravilha?

Ela ignorou o sarcasmo e lhe pôs uma mão sobre o braço.

- Diz pra mim, por favor. Seja o que for, está interferindo em sua terapia. A academia está pronta, mas você não.


 


- Eu poderia ter dito isso a você. Olha, tudo isto é uma perda de tempo - disse, e Anahí quase sentiu seu cansaço como uma grande pedra que estava oprimindo ele - Você pode me entupir de vitaminas e estimular minha circulação, mas pode me prometer que eu voltarei a ser o de antes? Não entende? Não quero só melhorar, nem qualquer outra solução de compromisso. Se não posso ser eu mesmo cem por cento, o mesmo de antes, então não me interessa.

Ela ficou calada. Não, não podia prometer de boa fé que não sofreria nenhuma incapacidade, uma mangueira ou dificuldades que o acompanhariam o resto da vida. Segundo sua experiência, o corpo humano podia se recuperar de maneira prodigiosa, mas as lesões que sofria sempre deixavam vestígios de dor e cicatrizes.

- Você liga tanto para ficar manco? - perguntou por fim - Eu tampouco sou como gostaria de ser. Todo mundo tem fraquezas, mas nem todos se dão por vencidos e se deixam entristecer por isso. E se você estivesse no lugar de Dulce, por exemplo? Gostaria que ela ficasse aí estendida e se deteriorando lentamente até se converter em um vegetal? Não gostaria que ela lutasse, que tentasse superar o problema com todas suas forças?

Ele levantou o antebraço para tapar os olhos.

- Você joga sujo, Anahí! Sim, gostaria que Dulce lutasse. Mas eu não sou Dulce, nem minha vida é a dela. Antes do acidente nunca me havia dado conta do importante que é a qualidade de vida. As coisas que fazia eram temerárias e perigosas, mas, meu Deus, estava vivo! Nunca fui um homem dos que vão ao escritório das nove às cinco. Preferiria estar morto, ainda que sei que milhões de pessoas são perfeitamente felizes com essa classe de rotina, e se conformam. Isso está bom para eles, mas não para mim.

- E ficar manco te impediria de voltar a fazer todas essas coisas? - insistiu ela - Você pode voltar a saltar de pára-quedas, ou escalar montanhas. Pode seguir pilotando aviões. É tão importante o ritmo que você ande que está disposto a morrer por isso?


 


Ele baixou o braço bruscamente e olhou para ela.

- Por que você se empenha tanto em dizer isso? - perguntou com aspereza - Não me lembro de ter me jogado com a cadeira de rodas pela escada, se é isso o que você está pensando.

- Não, mas você está se matando de outro modo. Está deixando que seu corpo morrer de abandono. Christopher estava desesperado quando foi me buscar na Flórida. Me disse que você não viveria outro ano tal como estava, e depois de te ver creio que tinha razão.

Ele ficou mudo, contemplando o teto que havia olhado já mais horas que Anahí podia imaginar. Ela desejou estreitá-lo em seus braços e oferecê-la consolo, como fazia com as crianças com as que trabalhava; Alfonso era um homem, mas parecia tão perdido e assustado como uma cria.

Ficou tonta por aquela estranha necessidade de tocá-lo, cruzou os braços com força sobre o colo.

- Qual é a sua fraqueza? - perguntou ele - Você disse que todo mundo tem uma. Fale-me de seus tormentos, Anahí.

A pergunta era tão inesperada que Anahí não pode conter a onda de dor e um súbito estremecimento que recorreu seu corpo.

A fraqueza de Alfonso era evidente, qualquer um podia vê-la em suas pernas atrofiadas e inertes. A sua era também uma ferida que quase havia sido fatal, apesar de que ninguém pudesse vê-la.

Havia tido uma época escura em que a morte lhe havia parecido à saída mais fácil, um suave colchão para uma mente e um corpo golpeados que haviam recebido abusos demais. Mas, no fundo de sua alma, havia também uma centelha de vida luminosa e enérgica que lhe havia impedido inclusive de tentá-lo, como se soubesse que dar o primeiro passo seria já demasiado. Havia lutado, e vivia, e havia curado suas feridas o melhor possível.

- O que há? - insistiu ele suavemente - Você pode fuçar nos segredos dos demais, assim que porque não compartilha um pouco dos teus? Quais são as suas debilidades? Rouba lojas? Dorme com estranhos? Sonega impostos?


 


 


 


Anahí se estremeceu outra vez. Tinha as mãos tão fortemente apertadas que faziam transparecer os nós dos dedos. Não podia contar para ele, ao menos não tudo, e sem embargo, em certo modo, Alfonso e tinha direito de conhecer parte de sua dor. Ela já havia presenciado grande parte da sua, sabia o que pensava, conhecia seus anseios e sua desesperação. Nenhum outro paciente lhe havia exigido tanto, mas Alfonso não era como os demais. Estava lhe pedindo mais do que pensava, igual que ela, que lhe pedia um esforço sobre-humano.

No fundo, Anahí sabia que, se o rejeitasse agora, ele não voltaria a confiar nela. Sua recuperação dependia dela, da confiança que pudesse estabelecer entre os dois.

Estava tremendo a olhos vistos, seu corpo se estremecia da cabeça aos pés. Sabia que a cama vibrava, sabia que ele notava. Alfonso franziu as sobrancelhas e disse em tom indeciso:

-Anahí, escuta, eu...

- Sou filha ilegítima - disse ela com esforço, enquanto apertava os dentes. O esforço de falar a fazia ofegar, e sentia uma película de suor em todo o corpo. Respirou com um soluço que voltou a estremecê-la e logo, fazendo um esforço, conseguiu aquietar seu corpo - Não sei quem era meu pai. Minha mãe nem sequer sabia seu nome. Ela estava bêbada, ele andava por ali, e enfim... Teve uma filha. Eu. Mas não me queria. Me dava de comer, suponho, já que vivi para contar. Mas nunca me abraçou, nem me beijou, nem me disse que me queria. Em realidade, aproveitava qualquer oportunidade para me dizer que me odiava, que detestava ter que se ocupar de mim, que nem sequer suportava me ver. Seguramente me teria abandonado em uma lata de lixo se não tivesse sido pela pagamento de bem estar social que lhe davam por mim.

- Isso você não sabe - respondeu, incorporando-se sobre um cotovelo.

Anahí notou que lhe surpreendia o tom amargo de sua voz, mas agora que havia começado, não podia parar. Tinha que soltar o veneno, ainda que a matasse.

- Ela que me disse - insistiu com voz chorosa...


- Já sabe como são as crianças. Fazia tudo o que podia para tentar que ela me quisesse. Não podia ter mais de três anos, mas lembro que subia nas cadeiras e me pendurava nos armários para pegar-lhe a garrafa de whisky. Não servia de nada, claro. Aprendi a não chorar porque, se chorasse, me dava uma bofetada. Aprendi a comer o que pudesse, se ela não estava em casa, ou estava bêbada e se desmaiava. Pão duro, um pedaço de queijo, dava no mesmo. Às vezes não havia nada para comer porque ela gastava todo o pagamento em whisky. Se esperasse um pouco, ela acabava fugindo com algum homem e voltava com algum dinheiro, o justo para aguentar até o pagamento seguinte, ou até o próximo homem.

- Meu Deus, pare! - disse ele com aspereza, pondo a mão no braço dela e sacudindo-a.

Ela se separou bruscamente.

- Foi você quem perguntou - disse ofegando. Os pulmões lhe doíam pelo esforço que lhe custava insuflar ar em seu peito consternado - Assim que terá que ouvir. Cada vez cometia o erro de incomodá-la, e para isso não fazia muita falta, me batia. Uma vez me atirou uma garrafa de whisky. Tive sorte porque só me fez um pequeno corte na testa, e ainda que estivesse tão aborrecida por ter ficado sem o whisky, me deu uma surra com o sapato. Sabe o que ela me dizia uma e outra vez? «Você só é uma bastarda, e ninguém quer uma bastarda». Uma e outra vez, até que cheguei a acreditar. Recordo o dia preciso em que me convenci disso. Era meu sétimo aniversário. Havia começado a ir ao colégio, sabe? E eu imaginava que os aniversários tinham que ser algo especial. Era quando seus pais te faziam presentes para demonstrar o quanto te queriam. Acordei e fui correndo ao quarto dela, convencida de que esse dia por fim me quereria. Me pegou uma bofetada por ter acordado ela e me meteu a empurrões no armário. Me deixou trancada lá o dia inteiro. Era essa a importância que merecia meu aniversário, entende? Ela odiava me ver.

Estava inclinada, o corpo crispado pela dor, mas tinha os olhos secos e doídos.


 


- Aos dez anos eu vivia na rua - sussurrou; as forças começavam a abandoná-la - Estava melhor ali que em casa. Não sei o que houve com ela. Um dia voltei para casa e estava vazia.

Sua áspera respiração era o único som que se ouvia no quarto.

Alfonso jazia petrificado, os olhos ardentes cravados nela. Anahí poderia ter se derrubado; de repente se sentia esgotada. Fazendo um esforço, se endireitou.

- Alguma outra pergunta? - perguntou com voz apagada.
- Só uma - disse Alfonso, e Anahí se tencionou dolorosamente, mas não se queixou. Aguardou, perguntando-se, exausta, o que mais ele queria saber - Afinal, alguém te adotou?
- Não - sussurrou  e, fechando os olhos, se balançou um pouco - Acabei em um orfanato, um lugar como outro qualquer. Tinha comida e um lugar onde dormir, e podia ir ao colégio com regularidade. Era muito grande para que me adotassem, e ninguém queria me acolher. Suponho que tinha um aspecto muito estranho.

Movendo-se como uma anciã, se pôs em pé e saiu devagar do quarto, consciente de que o ar seguia carregado de perguntas que Alfonso queria formular para ela, mas já havia recordado o suficiente. Dava no mesmo o que tivesse conseguido, quantos anos tinham se passado desde que era uma menina solitária e desconcertada. A falta de amor de uma mãe seguia sendo um vazio a preencher. O carinho materno era à base da vida de qualquer criança, e sua ausência a havia deixado aleijada por dentro, do mesmo modo que o acidente havia deixado aleijado a Alfonso.

Se derrubou de barriga para baixo na cama e dormiu profundamente, sem sonhar, mas ao soar o alarma do relógio se despertou instantaneamente. Com o passar dos anos havia aprendido a funcionar inclusive quando sentia como se uma parte de seu ser tivesse sido massacrada, e assim era como se sentia essa manhã.


 


 


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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 118



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  • maria_cecilia Postado em 19/12/2012 - 22:01:16

    aaa a web é lindaaaaaaaaaaaaaa

  • ana_carolina Postado em 10/11/2012 - 21:18:03

    Ainh que pena que acabou =(

  • ana_carolina Postado em 10/11/2012 - 21:18:03

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  • ana_carolina Postado em 10/11/2012 - 21:18:03

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  • ana_carolina Postado em 10/11/2012 - 21:18:02

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  • ana_carolina Postado em 10/11/2012 - 21:18:02

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