Fanfic: Encontro - Legado | Tema: Medieval
A clareira estava cercada por árvores, paliçadas, rochas enormes; todo tipo de obstáculos para torná-la segura. Morris e Tyke estavam de guarda, enquanto meu pai me levava ao "interior" do local. Estantes, estandes, tendas: havia de tudo um pouco lá.
- Pegue qualquer arma de sua preferência. – Observei um pouco as armas, até escolher uma. Estendi minha mão e peguei uma espada longa. Ela era meio pesada, e não acho que poderia manejá-la com facilidade. Eu ia colocá-la de volta, mas o meu pai me impediu.
- Veja bem, independente da arma que você escolheu, toda arma tem o seu tempo de ataque. Uma arma mais pesada requer maior planejamento para atacar sem se deixar muito aberto, mesmo porque é fácil de errar o golpe. Contudo, se acertar... Enquanto uma arma mais leve deve ser com velocidade para que o inimigo fique atordoado.
- E agora, a sua arma específica. Não se preocupe, com o tempo tudo se resolve: Se você gostou dessa, eu te ensinarei a usá-la. Uma espada bastarda... Ou, como chamam os ferreiros, uma espada de uma mão e meia. Se há algo que posso afirmar sobre esta espada é, é sua versatibilidade. Homens mais magros ou garotos, como você são capazes de segurá-la com duas mãos, enquanto homens mais robustos e fortes como eu a usam com uma. Uma boa escolha para um iniciante. - Sorri. Estava encarando a espada, segurando-a com uma palma debaixo da lâmina e outra debaixo do punho. Depois eu a empunhei com ambas as mãos e a balancei no ar, testando-a. Meu pai continuou sua explicação:
- Eu conheço essa e muitas outras armas... Que você também passará a conhecer. Sendo uma espada, você teria duas escolhas. Ou terá, quando for capaz de segurá-la com uma mão: outra arma. O tamanho da outra arma depende da sua utilidade em conjunto com a sua espada, mas geralmente quanto menor ela é, mais emergencial ou ágil o seu uso é. Você também poderá usar um escudo, com o qual você protege seu corpo e podendo talvez empurrar o seu oponente com ele. – Meu pai gesticulava a cada palavra dita.
- Primeiro iremos treinar com a arma que você escolheu, mas depois também aprenderá a usar outras. - Passei um dedo pela lâmina, e ela deixou uma marca nele. O gume dela estava afiado, até demais. Suspirei.
- Bem, vamos passar à melhor parte então? – Olhei para o meu pai, e ele segurava duas espadas tão longas quanto a bastarda. Ele jogou uma delas para mim, e eu consegui pegá-la. Eu a peguei pela lâmina, e não senti nada. Essas estavam cegas.
- Que tal uma rodada para começar? – E meu pai começou a avançar. E novamente entendi o que eu deveria fazer. Quando ele chegou mais perto eu tentei dar uma estocada, mas ele se desviou, e começou a segurar a espada com uma mão. Eu avancei, e cortei de cima para baixo, tentando acertar seu ombro desprotegido. Ele desviou para o lado mais uma vez. Avancei, a espada para trás, preparando para acertar sua barriga com um golpe de cima para baixo. Mas ele foi mais rápido que eu, e antes mesmo de começar o movimento, a ponta de sua lâmina estava debaixo do meu queixo, apontando para minha garganta. Deixei minha espada cair.
- Agora você estaria morto. – Ele abaixou sua arma e peguei a minha do chão. Tyke e Morris apenas observavam. Ele chegou perto de mim e aproximou a mão que segurava o punho da espada perto do meu rosto.
- Olhe. Você deve juntar o polegar e o indicador, para manter sua pegada firme. Os três primeiros dedos não devem segurar com muita força, mas o anular e o mínimo sim. – Tentei segurar da mesma forma.
- Você nunca deve brandir uma espada sem a intenção de acertar algum inimigo, caso contrário vira um movimento desperdiçado. E nunca batalhe considerando o que você tem em mente. Você deve pensar o que o inimigo está planejando também. Você sempre deve levar em conta ambos os lados do duelo.
- Tudo bem. – Suspirei, e me preparei. Olhei para o meu pai, e ele segurava novamente a espada com ambas as mãos. Esperei um pouco e corri. Quando cheguei perto ele me atacou, mas eu desviei. Tentei atacar suas costelas, mas ele acertou minha barriga primeiro. Eu recuei, e recomeçamos a luta. Inverti a pegada no punho. Meu pai riu.
- Você já está considerando isso? – Eu fiz um corte horizontal, e ele defendeu. Voltei o ataque pelo lado de onde vim, e ele defendeu de novo. Ataquei de cima para baixo, e de baixo para cima, mas Alec bloqueou tudo. Então tentei uma estocada, mas no mesmo momento que ele desviou, acertou meu ombro. Arfei, aquilo doeu. Pus a mão no ombro, mas havia apenas o tecido rasgado e uma pequena marca. Aquele louro alto e grande recuou um pouco, apontou sua lâmina para mim, e depois a abaixou.
- Venha. De novo.
No dia seguinte, voltei a treinar isso. No dia seguinte, voltei a treinar isso. E nos próximos dias. E semanas. A primeira coisa que aprendi foi... Que meu pai meramente brincara comigo todos esses anos. Ele era ainda melhor do que eu imaginava; talvez ainda brincasse comigo, toda vez que praticávamos. Só saberia de verdade quando eu o visse em perigo.
Quanto as lições em si, comecei a ter uma percepção maior do que a que Alec já havia desenvolvido comigo desde os seis anos de idade. Diferentes modos de segurar a arma, mais de uma, nenhuma... Fui aperfeiçoando o meu uso com a espada. E todo esse treinamento estava finalmente fazer o meu corpo se desenvolver. Estava ficando forte, veloz, ágil. E como eu queria, estava começando a crescer. Finalmente havia alcançado a puberdade.
Pelo menos ás vezes eu tinha a chance de ir na cidade, e dormir numa cama decente. De aproveitar as luzes e as cores, e tentar levar uma vida um pouco normal. Infelizmente, eu não simpatizara com ninguém em especial, além de Tysen. Eu me encontrava com o ele toda semana, e podia perceber que estava cada vez menos tímido, e inspirando cada vez mais confiança... E até mais poder. Assim como eu.
Depois de muito tempo e esforço, eu já empunhava a espada direito. Mesmo com Morris, com quem eu treinava quando meu pai estava ausente; eu garantia que não teria misericórdia. Não sabia que Morris era capaz de lutar, mas fiquei muito surpreso da primeira vez. E agora estava devolvendo a surpresa. Eu o cortava horizontalmente, depois atacava de cima para baixo, como se eu estivesse dividindo a cabeça dele, ou cortando lenha. Ele bloqueou todas. Depois esperei, e ele acabou avançando. Estocou-me, no entanto me esquivei e cortei de baixo para cima, como se estivesse levantando alguma coisa com a espada. É um golpe quase impenetrável, e ele perdeu todo o equilíbrio quando raspou sua espada na minha, deixando faíscas voarem. E finalmente, girei, e dei várias estocadas nele. Morris não agüentou defender, e depois de lhe acertar três estocadas seguintes, a última o empurrou e ele caiu no chão. Ele se ajoelhou, usando a espada como apoio. Ele arfou, olhou para mim e disse:
- Você melhorou Faon. – Sorri. Girei a espada, e depois a joguei longe, e o ajudei a levantar. Mas então ele me deu uma estocada tão forte que eu mesmo fui empurrado para trás. E antes que me desse conta, sua lâmina estava mirando minha aorta.
- Mas ainda não acabou. Você ainda tem muito que aprender. – Chutei sua espada e corri para pegar a minha, antes que ele me alcançasse.
Depois aprendi o escudo propriamente. Segurá-lo firme, sem fraquejar; saber quando empunhá-lo, e quando deixá-lo de lado para se mover ou atacar rapidamente. E ainda comecei a usar lanças, boas de longe alcance e de fincar antes que o inimigo tenha até distância para atacar; machados, apesar de não achá-los escolha muito boa, apesar da brutalidade e da grande capacidade de arrancar membros fora. E arco-e-flecha. Eram mortais e eficazes, mas não era o meu estilo.
No outono, meu pai mudou o assunto das lições.
- Mágica. Muita poderosa, e muito perigosa. Poderosa pelos efeitos que se pode conseguir de forma impossível convencionalmente. Perigosa pelos inúmeros acidentes e a capacidade de drenar a sua vitalidade ao usar magia. É como drenar a energia do corpo e materializá-la da forma que você quer. Antes você aprendeu feitiços muito simples, e, portanto, fracos, e sem ou pouquíssimo efeito no seu corpo para ser percebido. Mas quanto mais focado e complexo, o feitiço fica muito mais forte. Por exemplo, lembra daquele truquezinho do incêndio? – Impossível esquecer.
- Aquilo é um feitiço simples, mas isso não o impede de torná-lo poderoso. – Ele tirou a luva preta de uma das mãos, e esticou o dedo indicador para cima. Algo começou a sair do dedo. Um líquido? Não... Um fluido? Está... Girando, volteando o dedo. Era vermelho. Em instantes, aquilo começou a condensar na ponta do indicador. Então, ele suspirou “flamma”, e uma pequena chama acendeu na ponta do seu dedo. Isso já era muito, já que quando ele me ensinou isso não aparecia chama alguma. Se houvesse algo inflamável aquilo pegava fogo, mas não passava disso. Ele fechou a mão, e esticou o dedo novamente. Dessa vez, ele falou lenta e vigorosamente:
- Flamma! – No intervalo de tempo em que falou, saiu um fluxo de energia do braço inteiro, que rodeou seu caminho até o dedo, até se concentrar. Uma labareda enorme subiu além do rosto, queimando várias folhas que caíam, tão vermelhas quanto fogo que foi se reduzindo a pequena chama como da primeira vez. Daí em diante, ele me ensinou a língua antiga usada para as magias, a centrar melhor a energia, e a pronunciá-las da forma mais intensa possível. Com a língua antiga era só falar o que eu queria que acontecesse e aquilo acontecia, podendo dessa forma “criar” qualquer feitiço. Também aprendi que apesar de pronunciar os encantos ser a forma mais eficiente de realizá-los, era possível com muito treino ter resultados medianos sem falar absolutamente nada.
Meu pai disse que algumas pessoas chegavam a treinar tanto isso que faziam magia tão instintivamente quanto espetavam o dedo e diziam “ai”. Você também precisaria “moldar” a energia segundo as suas palavras. Por exemplo, se você quer curar alguém, não adianta você ditar as palavras certas, mas usar uma energia destrutiva, pensando em raiva ou ódio. E que o próprio corpo impõe um limite: mesmo falando “flamma” do mesmo jeito que Alec, a energia vermelha saía do meu braço, desenhando seu caminho até a ponta do meu dedo, até condensar e criar a labareda; ela não tinha a mesma intensidade. A minha própria reserva e controle de minha vitalidade e o meu controle mágico devem aumentar para a intensidade dos meus feitiços ser maior.
Basicamente, quanto em mais línguas você expressasse sua vontade maior a chance de acontecer e a intensidade de tal feitiço. Oral, espiritual, até mesmo corporal: se quiser fazer uma esfera de qualquer material, seja fogo, gelo ou trovão; algo que ajudava era mover as mãos como se estivesse envolvendo uma bola. Funcionava.
No final do mês, meu pai começou a explicar o que a magia realmente era:
- Antes de mais nada, lembre-se que tudo é energia. O ar, a água, a terra, os animais, nós... No fundo, somos todos feitos do mesmo material. A magia apenas interfere, transforma essa energia. Pode parecer algo simples, mas não é. O que muitas pessoas, até mesmo grandes magos não sabem, é que temos um sexto sentido: a nossa alma, que também faz muito para nós. É ela que cria e molda o que existe ao redor de nós para se curvar á nossa vontade. Assim como o nosso corpo nos obedece, isso também é magia: o mundo nos obedecendo para executar certa ação que o nosso corpo sozinho não consegue. No entanto, ir além dos limites do corpo, até chegar ao poder da sua própria alma já não é fácil: não é a toa que muitas pessoas não fazem uso da magia. Você foi, por acaso, bem dotado e espiritualizado e não foi preciso saber disso para você executá-la. Mas o que para magos inexperientes parece ser loucura, certo feitiço é compreensível se você entender esse conceito. Basicamente é esse o conceito da escola de Misticismo: Compreender esse sexto sentido ao máximo. Existem três limites para a magia: a energia do nosso corpo, a qual usamos para proclamar feitiços, tanto como o fazemos para correr. Porém é em uma quantidade muito maior, visto a complexidade e a interiorização do feito. E o segundo limite, a própria alma. Quanto mais transcendental e sábio for, mais poderosa será sua magia. E a sua própria vontade. Quanto mais você querer algo, quanto mais você acreditar em si mesmo, maior ainda será o seu poder. E isso, ao contrário dos outros dois fatores, não se resumem apenas à magia, mas à sua vida inteira. E eu Faon, irei te treinar nos dois primeiros. Controlar a sua vontade será algo que você terá que aprender sozinho.
E assim foi.
Cada escola de magia era de certa forma relacionada á um Deus, assim como o Instrumento de cada um. Os nomes são apenas uma aproximação do que a escola em si é capaz de fazer, pois eles são capazes de fazer muito além do que apenas o nome diz. Misticismo era relacionado a Undin, pois como a magia do tipo Mística, o mar era quase infinito e cheio de segredos. E como o mar, sua cor era azul quando um feitiço era preparado para fluir no corpo do mago. Quando exposta, Alteração, como Venuniver, criava atalhos e caminhos por meio da modificação do plano físico, principalmente; apesar de não estar presa á essa função, de forma á usar os mecanismos dessa escola de muitas formas. Sua cor era a verde. Curat tem a relação mais facilmente desentendida com a sua escola, pois Terra e Ilusão não combinavam. Mas ambas fazem mudanças incapazes de notarmos pelos nossos olhos, porém capazes de criar, alterar, e destruir como queiram. Facilmente confundida com as sombras, ao moldar magia Ilusionista o fio de luz aparece purpúreo. Restauração, assim como Verulucis, curava e dissipava o mal e o tormento e permite aumentar, diminuir, melhorar ou piorar o fluxo da vida em cada um, sendo sua cor o branco. É fato pouco conhecido, porém, que a Sombra também tem uma escola. Mas esta não é de forma alguma mencionada, pelo perigo que ela impõe. A Invocação, que clama desde um cadáver de uma guerra reerga-se para tentar suceder no que falhou em vida, como um ser da própria Mucumbra. Destruição é relativamente óbvio, seu Deus era Flastatio. Antes de tomar forma elementar sua essência é vermelha.
Comecei a aprender a meditar, aumentar ainda mais o meu condicionamento físico, o meu próprio corpo: assim como fui entrando aos poucos na minha alma, tentando descobrir seus segredos e poderes por entre as suas entranhas. Meu pai disse que para pararmos de treinar por um tempo. Eu precisava me distanciar um pouco disso para voltar com a capacidade aumentada. Meu corpo e minha mente precisavam de descanso. Foi quando aquele fatídico dia chegou...
Depois partimos para o uso de armadura. Vestir e se capaz de se mover e fazer tudo o que eu fazia antes com ela... Incluindo lutar. Eu mal conseguia me mover no primeiro dia... Então meu pai me forçou a usá-la repetidamente até me acostumar. Depois de uma semana sem tirá-la ao menos para dormir, nunca me senti tão livre e leve. Sem aquele peso, ele me ensinou como aproveitar isso: como ser o mais silencioso possível, como controlar o barulho do meu coração, da minha respiração e dos meus passos, e mesmo assim continuar sendo rápido e até mesmo como matar alguém sem fazer ruído algum. Como se para... Perseguir alguém sem ser notado, ou penetrar um lugar de alta periculosidade onde mortes devem acontecer para continuar a adentrá-lo.
Alec começou (finalmente) a dar algo mais teórico depois de outro mês treinando isso. Estratégia de guerra, controle de exércitos, e até mesmo técnicas de persuasão. Posicionar os arqueiros atrás, mas de preferência dos lados, deixando os inimigos expostos às flechas e sem os aliados à frente para atrapalhar na mira. Atacar em flancos depois de engajar em combate, se dividir em dois quando atacado, confundir o oponente e marcar, pressionando o seu oponente onde quer que ele fique aberto, usar o território à sua disposição. Cada situação é específica. Eu teria que me adaptar, improvisar e vencer toda vez. Mas agora sabia como fazer isso. E... Contar as piadas certas. Saber convencer, argumentar. Fazer a pessoa rir ou chorar, conforme meu desejo. Persuasão era mesmo relevante? Eu não fazia o tipo carismático. Haveria o tempo em que tudo isso fosse útil. E então aconteceu mais um incidente...
Esse tempo todo se passou em apenas um ano. No ano seguinte, ele me ensinou a criar coisas, moldar coisas, ser útil em geral. Como artesão, como tecelão, como ferreiro. Criar desde utensílios até obras de arte com o mais básico dos materiais. Como tecelão, fazer roupas tanto de fios nobres, para serem vendidos á preços altíssimos, como também usar peles de animais. Como ferreiro, criar colheres, garfos, facas, adagas, espadas, escudos, armaduras. E mecanismos. Meu pai adorava mecanismos. Ele dizia que esse era o nosso futuro: logo, toda a sociedade, prédios e utensílios seriam baseados em mecanismos. Mecanismos! Ele enfatizou tanto essa parte que acho que ela nunca sairá da minha cabeça. Talvez essa fosse a intenção. Também aprendi a sobreviver no meio do nada, reconhecer plantas comestíveis e água potável, assim como caçar. Tive que voltar a praticar com o arco-e-flecha.
De manhã eu criava algo, de tarde eu treinava contra alvos ou corria pela cidade, e de noite eu estudava sobre todo tipo de coisas nos livros que estavam dispostos no acampamento. Tanto livros sobre história, quanto prosa de inúmeros bardos, que raramente assinavam o seu trabalho. Também comecei a ter aulas de equitação com um cavalo incrível, o garanhão mais bonito e veloz que eu conhecera até então... E talvez por todo o sempre: Palomino. Na verdade a sua raça era o Palomino: eram fortes e belos, com uma pelagem que varia do branco ao castanho. No meu caso, ele era dourado como o sol, tanto o pelo quanto a crina. Achei Palomino um nome bonito e decidi-lo atribuir a ele, como se fosse o melhor representante possível de sua espécie. E para variar, mais um acidente aconteceu comigo. Um acidente muito... Estranho. No entanto, revelador.
E no terceiro ano, eu fiz treinos psicológicos, mentais. Voltei ao meu condicionamento mágico, entre outros mais. Um mago, por exemplo, tinha que treinar muito até a sua magia ter efeitos notáveis. Preparar-me para o pior, para não se deixar levar, mesmo que de fato o pior acontecesse. E que talvez dessa vez, eu não ficasse tão surpreso, como quando fiquei com os três eventos que me assombraram durante o meu intenso treinamento. Meu pai uma vez me enfeitiçou, e me fez pensar que ele tinha sido morto. Eu teria que aprender a controlar todos os meus sentimentos para poder me concentrar, e de todas as partes, essa era a mais difícil. Essa era a pior parte. Era o que me fazia pensar como eu ainda era uma criança. Eu rezei para os Deuses para que nunca isso viesse a acontecer. Também teria que treinar para aprimorar tudo que agora sabia. Meditar durante horas enquanto pronunciava encantamentos. Sentava no telhado de um prédio no centro da cidade, tentando me concentrar enquanto havia o barulho das multidões e o calor do meio-dia. Estava me conectando cada vez mais com a minha alma, e consequentemente, o cosmos. No entanto, toda vez que eu tentava chegar mais fundo, eu não conseguia. E eu sentia algo terrível, assustador... Decidi não falar isso para o meu pai, e achei que pudesse resolver isso mais tarde. Apesar disso, aos poucos eu ficava forte, inteligente, perigoso, rápido. Eu era uma arma mortal, um grande artista, e um ícone da persuasão. Eu só tinha uma única fraqueza até então: o meu próprio coração. Mas acho que isso veria com o tempo, não era algo que pudesse vir do dia para a noite. Na medida em que eu vivesse a vida, o meu coração endureceria e se fortaleceria de acordo. Desde que nunca parasse de bater, metafórica e literalmente. Nesse tempo todo, meu pai quis me transformar em uma espécie de pessoa perfeita, mas para que? Fiquei muito poderoso... Como descobri que meu pai realmente era. Muito mais do que já pensava que era. Eu me surpreendi.
No final das contas depois de três longos anos, meu pai finalmente me daria o último teste. Agora seria o teste final, no dia do meu aniversário de dezessete anos; e com ele um segredo. Aparentemente, o mundo era muito mais perigoso do que parecia... Como eu suspeitava, depois de tudo que aconteceu. Segundo o meu pai, tudo que ele me ensinou sobre a mitologia era verdade. Cada palavra dita por ele. Talvez o que estivesse escrito nos livros não fosse, mas tudo que ele falara para mim sobre isso ele próprio já testemunhara, e, ocasionalmente lutara contra. E o mais importante: Eu teria que estar preparado. Faltavam poucos meses para a chegada do milênio, e dentre todas as pessoas meu pai é o que mais desconfia da profecia do Primeiro Regente. O que mais duvida de que não seja verdade. O que mais tem se preparado nos últimos anos para o pior... E agora a mim também.
Tomamos a estrada de terra para longe de Lumare, o caminho normal para fora da cidade, no entanto ao invés de continuar pela trilha até a familiar clareira onde eu treinava, viramos a esquerda, para o norte, para perto da praia. Fiquei observando á medida que o sol brilhava mais forte, e a manhã passava rápido.
- Aonde estamos indo? Eu estou com um pouco de fome.
- Você come quando você voltar. Além do mais, você já ficou com mais fome que isso e sobreviveu.
- Ah é, eu me lembro muito bem. Eu tive que meditar durante um dia inteiro. Depois tive que recitar um encantamento para criar uma aura visível de pura energia ao redor de mim, sem poder me mexer. Durante uma semana. Só pude comer migalhas e beber água que caía da chuva enquanto eu me esforçava para não desmaiar. Porque diabos você tem me tratado tão mal, Papai? – Perguntei com a voz tão carregada de ironia que não pude deixar de sorrir e olhá-lo da mesma forma que me olhava as vezes... Quando eu falava algo absurdo.
- Você pode concentrar um pouco de energia em si mesmo, mesmo com sono, fome e sede, não é?
- É.
- E todos os treinamentos árduos não resultaram em uma vantagem, um poder que você pudesse usar a seu bel-prazer?
- Sim, pai.
-E você ainda não está convencido que isso é para o seu bem?
- Eu sei, mas para que exatamente? Por mais que... - Ele não poderia saber.
- Mesmo contando com o que aconteceu há três anos atrás, nunca mais aconteceu nada parecido. Foi um caso isolado. E um guarda sobrevive, e ele não sabe tanto assim sobre magia e história e até piada.
- Você não se lembra daquele dia? – Fiquei muito curioso agora. Não podia ser que ele sabia disso, poderia?
- Que dia, pai? – Respondi receoso.
- Não finja que não sabe Faon. Foi no começo do treinamento. Eu observei você de longe, aquele tempo todo. Eu sabia que você era capaz de fazer o que devia. E você o fez. Aquela foi a primeira vez que você conseguiu concentrar a energia em sua volta, não foi? – Fiquei em silêncio, em parte me sentindo chocado, em parte com raiva, mas em parte satisfeito com o meu pai. Pelo menos, me parecia que ele não havia descoberto da última vez há um ano trás, até por que eu lhe contei o que aconteceu seis meses depois. Também não falou nada sobre sangue ou ficou enojado, então pensei que ele desconhecia essa parte. Não havia dúvidas, porém, de que ele era um ótimo mestre, por mais que parecia ser tão impessoal ás vezes. De alguma forma, ele conseguira manter sua imagem de pai. E eu o amava de todas as formas.
- Foi.
- Acredite em mim, e você verá.
- E quando foi que eu não acreditei pai? – Ele sorriu e olhou para frente.
Continuamos caminhando até chegarmos ás areias desertas e aquecidas pela luz do sol, e uma construção aparecer perto da praia, numa elevação desta. Isso me lembrava um pouco de Asven...
- Este é, ou melhor, era um templo antigo destinado á devoção dos Divinos, porém a Sombra o corrompeu. – Relatava meu pai enquanto nos aproximávamos das ruínas.
- Mas eu pensei que existisse uma espécie de barreira entre Mucumbra e o resto do mundo...
- A única barreira que existe entre Mucumbra e o nosso mundo é o fato de que os servos da Sombra não sabem fazer barcos. No entanto, isso não impede do mal que corrói aquela terra de se espalhar pelo restante da Existência de outras formas e eventualmente influenciar seres fracos de vontade, até eles próprios virarem seus lacaios.
- Foi o que aconteceu aqui? – Perguntei, receoso.
- Sim. Tanto as almas corroídas quanto inocentes de monges ainda percorrem o lugar. – Suspirei. No entanto, eu estava pronto para isso. Eu tinha duas espadas feitas por mim, orientado pelo meu pai. Minhas melhores criações. Feitas com o melhor metal possível para confeccionar uma arma: aço de dragão, ou titânio. Mais leve e resistente que o aço normal. Eu conhecia aquelas lâminas perfeitamente; eram íntimas, ligadas com a minha alma. De frente, elas eram retas. Mas olhando-as de lado, o cabo era curvado para um lado, e a lâmina para o outro; ela também se afinava ligeiramente até a ponta, e tinha um pequeno gancho perto do punho e um outro um pouco abaixo da metade da espada.
Sem falar, é claro, que eram encantadas.
Um processo longo e demorado sem os instrumentos corretos. Foi uma das poucas coisas que o meu pai deixou de me ensinar até pelo perigo, a obscuridade e a complexidade de tal feito. Eu já imaginava que teria algo a ver com morte ou sacrifício, pois apenas uma alma poderia encantar algo eternamente. Eu tive que ficar meses minerando dentro de cavernas para conseguir titânio o suficiente para fazer o meu trabalho. Eu a forjava e a segurava, tendo certeza para que ela ficasse perfeita e equilibrada em minhas mãos, na melhor forma possível, de forma a se tornar uma extensão de mim, e eu a manejar como nunca faria com qualquer outra espada. A peça que faltaria para eu virar um guerreiro perfeito. Ambas eram prateadas, uma emitindo um forte brilho ligeiramente azulado, e a outra dourado. Seus cabos de madeira eram da mesma cor que tal luz, que não só identificavam que eram encantadas, mas também os seus respectivos feitiços. Dependendo da minha vontade, da minha energia, e da força com a qual eu as atacava, uma delas inflamava ao dançar pelo ar, enquanto a outra congelava ao tocar.
Alec também me ajudou a fazer uma armadura de titânio que eu pudesse usar por debaixo de qualquer roupa. Resistente e leve... Quase aderia á minha pele. Ele também acabou fazendo uma armadura mais pesada e resistente, para caso um dia eu fosse á guerra: eu cheguei á vesti-la, mas ainda era mais leve que as armaduras que tive que usar para desviar dos ataques do meu pai. Titânio era realmente um metal muito especial. A placa de peito, a única peça que usava no momento, mal aparecia quando eu usava o uniforme que o meu pai fez: uma capa vermelha, que eu sabia muito bem que era da mesma cor que sangue; com o símbolo de uma chama negra. Uma camisa preta com o símbolo dos Sete em dourado: um pentagrama com um ponto no centro, além de manoplas de titânio com detalhes em vermelho, estas por cima do tecido; ao contrário da placa de peito. Uma calça e botas, da mesma cor que a camisa e com detalhes em dourado e vermelho.
Também tinha um escudo preso em minhas costas caso eu precisasse. Espadas encantadas são as únicas que funcionam em seres etéreos... Como os que estão no templo. Além de magia, é claro.
Presentes de vários aniversários atrasados... Mas valeu a pena esperar. Aquele formato de espada era incrível, e como eu tinha certeza de que nenhum outro ferreiro jamais fizera outra igual, decidi batizar o próprio estilo; o próprio formato, o corte da espada, tudo: duosora. Parecia ser um nome adequado para mim. Já as duas primeiras duosoras do mundo foram nomeadas Nascente como o Sol, que agora se escondia por detrás do mundo; e Crescente, como a Lua, oculta em algum lugar lá no céu. Demos duro para fazer isso, e eu poria tudo que eu recebi em bom uso.
- Não demore muito, Faon.
- Não pretendo. – Respondi, enquanto começava a passar pelos destroços, antes mesmo de entrar nas ruínas em si.
Conforme as portas se fechavam atrás, apenas Alec ouviu suas palavras sussurradas, com uma dúvida mortal.
- Espero ter feito a coisa certa.
Autor(a): faonkarino
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
Conforme chegava perto de meu destino, adentrando as ruínas, tentando desbloquear o meu caminho pelos escombros, eu fiquei a refletir sobre os três acontecimentos que deram todo um novo olhar, uma nova perspectiva sob o meu treino. Eventos, acidentes, destino, coincidências, o nome não importava; que acabaram fazendo parte desses três longos ...
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