Fanfic: Map of the Problematique | Tema: Muse
Poderia ser o choque, poderia ser da irrealidade da situação, da cena que se desenvolvia agora perante ele. Os corpos estendidos no chão, que há muito tempo tinham parado de gritar, em que a única coisa a segurá–los era uma grossa poça de sangue. Mas Matt, não sentia nada, não sentia medo cada vez que o vulto negro e musculado movia aquele objecto afiado e cintilante no peito dos corpos agora completamente sem vida. Matt não sentia pânico, não tinha vontade de correr pela sua vida, não se sentia intimidado pelo homem perante si, nem sentia tristeza ao ver aqueles dois corpos mortos no quarto, das pessoas que o trouxeram aquele mundo, das pessoas que estiveram a seu lado durante toda a sua curta vida, os seus pais. Ele não sentia nada.
A primeira coisa que sentira fora adrenalina, adrenalina quando os olhos sedentos de sangue do assassino encontraram os azulados infantis dele, mesmo uma criança de 5 anos, Matt sabia que eles eram os únicos seres que possuíam vida naquela casa, Matt sabia que aquele homem, do dobro do seu tamanho poderia matá–lo a sangue frio naquele preciso momento, Matt sabia que aquele objecto metálico que o assassino agarrava como se fosse parte dele, podia ser a última visão de Matt. O homem aproximou-se dele, Matt continuava completamente paralisado com a adrenalina que a situação lhe proporcionava.
O senhor ajoelhou-se na frente da criança, parecia satisfeito, pela maneira como o azul dos olhos dele não possuíam nenhum sentimento, pelo menos não igual aos que ele até agora tinha visto. Para um assassino como ele, já tinha ouvido gritos que furavam tímpanos, já tinha visto lágrimas as escorrerem nas caras das crianças agora traumatizadas, ele já tinha visto o mais extremo nível de pânico que a humanidade poderia sentir. Mas esta pequena vida que estava agora na sua frente, não gritou, não chorou, não fugiu, não tremeu. E isso fez com que ele esboça-se um sorriso nos seus lábios cobertos pela máscara. Ele sabia que aquela criança era especial, e tal vida não poderia ser terminada tão cedo. Matt sentiu o sorriso do homem ser esboçado, ainda mesmo por detrás daquela mascara, e lembrou-se, por fim, de o perder de vista, de o deixar sozinho naquele quarto. De ser o único naquela casa com vida.
Esta era a recordação mais viva na memória de Matt, na verdade, era a única, Matt não se lembrava de mais nada para além disso, a sua vida tinha iniciado naquele momento. O que aconteceu a seguir já não lhe interessava, o que aconteceu até aquele momento fora o que o levou a estar naquela cama velha e enferrujada, naquele quarto frio e nojento. Mas Matt não se importara, para ele, a única coisa que importava naquele lugar, era o rapaz que dormia no beliche ao seu lado, na cama do topo, como ele. Matt ficava acordado várias horas durante a noite apenas a admirar o amigo dormir, embora muitos eram os rapazes que estavam no quarto, Matt só se importava com aquele. Admirava cada fio do seu cabelo loiro, desde a escuridão da noite que o deixava em tons acastanhados, até aos fracos fios de luz da manhã o iluminarem, tornando os fios do seu cabelo dourados e brilhantes. Matt esperava cada minuto da manhã até os seus olhos acinzentados abrirem. Esse rapaz que lhe fascinava tanto era o seu único companheiro naquele estabelecimento horrível a que davam o nome de “orfanato”, ele era Dominic, não interessava o apelido, pois esse poderia ser mudado a qualquer momento, pois as origens de qualquer habitante daquele local não eram importantes.
Matt lembrava-se de cada pormenor dos últimos dois anos que passara ao lado dele, desde a primeira vez que aquela porta comprida de madeira se abrira, desde a primeira vez que viu o sorriso doentio das senhoras a darem-lhe as boas vindas, da primeira noite que tinha passado naquele lugar, até que aquelas camas frias e inconfortáveis, aqueles cobertores finos que faziam cada milímetro da sua pele arrepiar nas noites geladas de inverno, aquelas refeições mal servidas se tornarem rotina. Aliás, tudo se tornou mais fácil quando Matt conheceu Dom, ele já não se importava com os maus atributos daquele local, e como a sua vida era miserável. O mais perto de felicidade que Matt sentiu em toda a sua vida, fora ao lado de Dom. Foi quando ouviu a sua voz doce pela primeira vez dirigida a ele, lembrava-se de cada loucura e traquinice de criança que fizeram naquele local, juntos. Lembrava-se dos gritos e dos sermões das mulheres que lá trabalhavam, que agora, já pouco se importavam. Matt lembrava-se dos dias que passaram castigados, das vezes que foram obrigados a fazer todas as camas ou a limpar as longas mesas de madeira após as refeições. Das inúmeras vezes que entraram sorrateiramente na cozinha para roubar comida, ou mesmo para ver a irritação das senhoras que lá trabalhavam chegar ao seu limite. Por muito maus que os castigos poderiam ser, Matt nunca denunciava Dom, e vice versa, eles eram completos parceiros de crime, sacrificavam-se juntos, e os castigos ainda se tornavam divertidos quando eram partilhados entre si.
Mas naquele dia, era tudo diferente, Matt sentia tristeza pela primeira vez ao ver o corpo adormecido do companheiro acordar, ele sabia que era a ultima vez que o iria ver acordar, era a ultima noite que passaria a admirá-lo dormir. Tinha passado uma semana desde que Dom tinha dito a Matt, com profunda desolação nos seus olhos, que a família que tanto o tinha visitado nos passados meses, o iria adoptar. Matt nunca tomara atenção ao ver tal família ficar tão interessada em Dominic, não era a primeira vez que algo acontecia, mas desta vez, Dom iria mesmo sair daquele local.
Para Matt não era grande surpresa, era impossível não adorar aquele rapaz que, embora traquina, possuía um dos corações mais puros que Matt conhecera, Dom era uma criança com que qualquer família iria ser abençoada. Matt sabia que o amigo iria ter a vida que merecia, mas isso não deixava os seus sentimentos egoístas e negros de parte, Matt não queria deixá-lo partir, não queria ver aquela família modelo entrar naquele local por alguns meses e separar o laço que o unia a Dom por dois anos, não era justo para Matt, mas Matt já nem acreditava na justiça, nada naquele mundo era justo, e ele por muito sozinho que se poderia sentir, só queria ver Dominic descobrir o lado iluminado daquele mundo, queria que Dom descobrisse a razão de um sorriso verdadeiro, queria que Dom tivesse direito a uma vida decente, queria que Dom encontrasse a mais pura das felicidades.
E esses sentimentos não mudaram agora, 18 anos depois…
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– Matthew!- Há muito que Chris já tinha desistido de chamá-lo ao mundo real, eram inúmeras as vezes que aquela situação se repetia, Chris sentava-se atrás da sua majestosa secretária naquele pequeno escritório mal iluminado em que a única fonte de luz era um pequeno candeeiro no canto da sala ...
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