Fanfic: Delusional | Tema: Muse
As luzes coloridas preenchiam todo o local, seguindo um padrão que eu já tinha decorado bastante bem, como cliente regular. Azul, verde, rosa, azul, verde, rosa… Não sei porque me concentrava nisso, não sei porque me concentrava… Não sei porque estava ali… Já não era a primeira vez que entrava por aquela porta, nem a segunda, nem a quinta… Mas algo me atraía naquele local, era nojento, sim, as luzes vacilavam por toda a pista de dança, assim como o oceano de pessoas que se movia rapidamente, os seus sorrisos eram todos falsos, o álcool era o autor deles, assim como era do meu. Por alguma razão ainda não estava a sorrir, mas não sentia a tristeza constante que sempre me acompanhava até engolir o primeiro copo, como uma anestesia completa de toda a dor que teimava em acompanhar-me durante toda a vida. Azul, rosa, azul, verde? As cores já não seguiam a sequência que conhecia… Estava completamente alcoolizado, o mar de pessoas era agora uma mancha colorida que se movia incessantemente. A noite deixara de ser criança, os amantes da noite exploravam o corpo um do outro com bastante pudor. Alguns já tinham abandonado o local para partilhar a noite. Por alguma razão, nunca senti vontade de levar uma mulher para casa.
A visão estava turva e trémula, mas não me impedia de ingerir o máximo que pudesse, era uma solução temporária para um problema permanente, a minha tristeza era permanente, o álcool oferecia-me felicidade artificial que eu desejava tornar eterna, por isso bebia mais e mais. Sabia que naquela noite iria conduzir, mas não me preocupava, não pensava, não queria, recusava-me a submeter a minha cabeça completamente absente de lucidez por qualquer pensamento. A música já não fazia sentido, não percebia nada da sua letra, nem queria perceber, o som do baixo fazia os meus estremecerem, apertei os olhos em desaprovação, até a musica me fazia confusão no momento… A música daquele local era a única coisa decente que existia por ali, e se naquele momento se tornava tão doloroso ouvi-la, era porque os copos se multiplicarado em muitos mais que esperava.
Foda-se, pedi mais um, não queria saber, era mais uma noite normal, parte de um ciclo vicioso, já tinha aguentado um dia todo sóbrio a carregar todo o peso da minha vida, a noite tinha de contrastar tudo, ou iria endoidecer. As vozes alegres e indecifráveis das pessoas eram tão reais como a minha felicidade, tudo culpa do álcool, ninguém ali era realmente feliz, o mais próximo que chegavam a felicidade desaparecia com a escuridão da noite. Como odiava a minha vida, como odiava a bebida, mas desejava-a como nunca, como o único remédio possível para tudo o que tinha de aguentar. Dopava-me de uma maneira intensa, não sentia nada, e para mim era de alguma forma mais satisfatório do que enfrentar aquela vida repugnante.
Quando já conseguia distinguir as silhuetas das pessoas, pela sua pouca quantidade, decidi que estava na hora de partir, como odiava aquela altura da noite, significava voltar para o mundo real, que para mim, era das coisas mais detestáveis que existiam. Já conseguia imaginar a ressaca, o acordar pesado, e o dia que parecia ser clonado de todos os outros, numa rotina doentia. Porque a noite não durava para sempre? Porque a felicidade era algo tão inalcançável? Afundava-me cada vez mais e já não havia nada para me manter na superfície, já estava tão longe da luz, o vasto oceano de dor engoliu-me completamente. A minha vida era uma completa queda livre, quando pensava que não poderia chegar mais baixo, chegava, cada vez mais, um poço sem fundo… Uma dor sem fim.
Já conseguia avistar o carro, a visão era trémula, cambaleava até á mancha cinzenta, apertei a chave até avistar as luzes do automóvel acenderem, anunciando a abertura das portas, abri a porta da frente e sentei-me no lugar do condutor. Agarrei no volante com força, tentando em vão tornar as minhas mãos firmes. Encostei a cabeça ao volante, estava sozinho, como sempre, mas era confortável, sabia que assim que ligasse o motor regressaria para o sítio que tentava evitar a todo o custo… Era acolhedor estar dentro do carro, estava calor, mesmo se a noite estivesse fria, era tudo melhor do que regressa àquele apartamento. Mas não podia, devia aos meus pais voltar a casa, devia-lhes fingir felicidade, eles não mereciam saber quem realmente era. A chave entrou na pequena ranhura e a força das minhas mãos desvanecia, com dificuldade rodei a chave, e senti um leve tremor, o carro estava ligado. Pressionei o acelerador, os meus pés estavam longe de sólidos, e conduzir estava a ser mais difícil que o normal.
Fiz a primeira manobra com sucesso, abrindo caminho para a estrada, conhecia o caminho perfeitamente, não havia perigo nenhum, por muito que a minha visão manchada e turva e os tremores dos meus membros não concordassem comigo. Estava mais bêbedo que o costume, mas como já tinha dito, sempre que pensava que não me afundava mais, a minha vida surpreendia-me. Dei a primeira curva, a estrada estava vazia, e escura, perigosamente escura. Não havia problema, era só seguir em frente. Porque estava tudo tão escuro? Era tarde, as luzes não poderiam ter desaparecido todas.
Mas em poucou avistava luzes ao fundo da estrada, eram diferentes e não pareciam ser provenientes dos candeeiros, não prestei atenção. Pelo menos a estrada parecia mais nítida com elas. Mas as luzes aproximavam-se de mim, estaria a delirar? Não, elas estavam próximas, cada vez mais, as manchas desfocadas e luminosas aumentavam o seu tamanho gradualmente. E a minha cabeça encontrou o volante de repente. O carro tremeu de uma maneira assustadora. O meu coração pareceu ficar preso no meu pescoço. Olhei em frente, passei as mãos pela cara, olhei para a palma da minha mão e sobressaltei-me, o líquido vermelho pincelava a minha pele. De onde vinha aquele sangue? O vidro do carro estava rachado. Odiei-me por beber tanto, e não poder analisar a situação decentemente. Não tive forças para sair do carro. Mas os meus ouvidos captaram de repente um som intermitente, sirenes, policia? Ambulância?
Um homem abriu a porta do meu carro, perguntou pelo meu estado, mas eu não disse nada, não consegui. Soprei para o "balão" que outro homem robusto e fardado segurava e em pouco tempo confirmou o estado alcoolizado em que estava. Ainda não percebia nada. Olhei de repente para o meu carro, já não era uma mancha cinzenta independente, estava agora quase pegada a outra mancha azul. Eu tinha batido de frente num carro, eu tinha mudado de faixa sem reparar. Saltei da calçada e dirigi-me para o segundo carro, arregalei os olhos. Estava desfeito. O corpo inconsciente sangrava imenso, as feições definidas do homem estavam agora cheias de feridas. A sua pele encontrava-se assustadoramente pálida.
– Ele está bem?!- Gritei para o vazio, um médico empurrou-me pelo ombro e outro colocou-se ao meu lado.
– Volte a sentar-se na calçada, por favor.- Não percebia o porquê de tanto mistério, eu era o culpado daquilo, merecia saber o estado dele, não podia ter matado alguém… Não podia, não sou um assassino, não sou uma grande pessoa, sou idiota e vagueio no presente, sem quaisquer planos para o futuro, uma alma perdida, inundada em dor, mas não tiraria a vida de ninguém. Sentei-me na calçada, o gelado das pedras arrepiou a minha pele. E tentei manter os meus ouvidos o mais atentos possíveis. Foi a primeira vez que vi o seu corpo inteiro, deitado numa maca, e sendo conduzido para o interior da ambulância. A sua cabeça estava deitada na minha direção, como desejava poder ver a cor dos seus olhos, ouvir a sua voz. Qualquer coisa que provasse que ele não estava morto. Outros pensamentos invadiram-me a mente, as feições do homem eram extremamente genuínas, as maçãs do rosto sobressaíam deixando uma sombra leve no seu rosto, era o rosto mais bonito que tinha visto, perguntava-me como seria com vida, como soava a sua voz, a sua personalidade…
– Ele não vai sobreviver.- Se me espetassem uma faca no coração não iria doer tanto como aquelas palavras, eu não podia ter morto alguém. Muito menos o dono daquele rosto, tão frágil e raro…
Apoiei a cabeça nas mãos, eu tinha-me tornado um assassino, eu estava a viver uma realidade que só parecia existir em notícias televisivas, condutores alcoolizados, uma das maiores causas dos acidentes de viação, era agora, Dominic Howard, o assassino. A minha vida pareceu entrar para um novo nível de desgraça, senti a escuridão envolver tudo em meu redor, como quando se vira a ultima página de um capítulo de um grande livro. O final feliz ainda está suspenso e distante, dando a ilusão de ser até inexistente. Senti os meus sentidos desaparecerem. Mas sabia que se desmaiasse iria acordar, eu iria enfrentar a vida outra vez. Mas aquele homem, não iria ter a mesma sorte, as suas feições bem definidas nunca mais iriam esboçar um sorriso, como devia ser maravilhoso aquele sorriso, eu não tinha o direito de lhe roubar a vida de uma maneira tão cruel.
Mas fi-lo, e foi a primeira vez que odiei aquele vício, por tempos senti-me estupidamente imune a qualquer perigo, e ainda de certa forma sou… Eu saí imune, eu não estava muito ferido, eu estava condenado a viver. Não, por favor, rebobinem tudo, eu mudo as coisas, daria o dom da vida àquele rosto, tão frágil que parecia de porcelana, tinha algo de angelical nele, com certeza que a sua morte iria trazer angustia e dor a muitos, ninguém iria sentir assim tanto a minha falta. Ele parecia ser das pessoas mais maravilhosas do mundo, só por estar deitado naquela maca, com o rosto virado em minha direção.
– Matthew Bellamy, hora de óbito, 4:23.- Senti a minha respiração congelar, o seu nome ecoava na minha mente, era melodioso. Volta Matthew… prova-lhes que estão errados, não partas. Porque estava a sentir-me daquela maneira? Parecia entrar num estado de luto inexplicável, não o conhecia, mas por outro lado, era o desejo intenso de o ter conhecido que me consumia. Matthew Bellamy, o nome assentava-lhe perfeitamente. Eu devia ter evitado tudo isto…
O seu rosto foi a minha última visão antes de desmaiar completamente, ele estava a sorrir, era algo terapêutico, um sorriso tão perfeito, eu desejava aquele sorriso, ao vivo, á minha frente. Mas tinha terminado com a sua vida…
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Não quero acordar, por amor de deus, mantém os olhos fechados, deixem-me dormir. Não sentia o meu corpo, estava completamente dormente. A minha dor de cabeça preparava-se para atacar, os meus olhos teimavam em tentar abrir-se, as minhas forças escasseavam, e já tentava mantê-los fechados há imenso tempo. Aquilo n&ati ...
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