Fanfics Brasil - A curiosidade matou o gato Sant' Anna

Fanfic: Sant' Anna | Tema: Original


Capítulo: A curiosidade matou o gato

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Eu abri os meus olhos.


Eu abri os meus olhos e não enxerguei.


 



Estava muito escuro e comprimido, num aperto cruel e sem oxigênio. Não havia nenhum tipo de luz para que eu enxergasse alguma coisa, por isso tentei erguer as sobrancelhas efetivamente, até sentir que minhas pálpebras estavam erguidas e meus olhos abertos....


 


E eu pude sentir algo caindo dentro deles, arranhando minha retina e fazendo tudo arder. Minha visão simplesmente ardia, como cacos de fogo, como olhos em brasa que não conseguiam mais se fechar.


Eu não podia fechar os meus olhos porque eles estavam soterrados.


O meu pânico crescia a cada segundo quando percebi que não sabia onde estava ou como chegara ali. Minha última lembrança de olhos abertos era o rosto pálido da Iza, seus cachos loiros balançando sobre os ombros enquanto seus braços eram presos nas costas por algum estranho demônio. Eu sabia que ela havia gritado enquanto eu perdia a consciência, e tinha a terrível sensação de que Lola devia estar por ali em algum lugar, tentando encontrar o palpitante coração do monstro a nossa volta.


A dor nos meus olhos era tão intensa que eu ainda tentava fechá-los em desespero, querendo por tudo que os cacos de fogo não machucassem tanto, me deixando em paz nem que fosse por uns poucos segundos...


O pânico assolava o meu corpo, me puxando para baixo do que quer que fosse, afundando a minha consciência em um redemoinho de escuridão inversa, da qual eu tentava sair para respirar.


 


Vamos gritar, Wanda. Vamos gritar por ajuda.


 


Eu tentei gritar.


Para quê?


Podia sentir terra fresca escorregando para dentro da minha boca, me fazendo arfar enquanto seguia para a minha garganta me sufocando. Uma terra escura como o medo, que eu não conseguia parar de engolir aos poucos, me tirando o oxigênio e se acomodando dentro de mim.


Tentei contrair minha garganta para conseguir regurgitar, tentando tirar a terra que entrava dentro de mim e tirava o ar dos meus pulmões. Uma terra fresca empapada, que arranhava minha boca e fazia meus olhos arderem sem lágrimas.


 


Wanda


 


Uma terra muito áspera...


Quanto mais eu cospia, mais ela entrava.


Havia um grande peso sobre o meu peito que também comprimia meus pulmões, como um grande bloco de terra que eu tentava desesperadamente tirar de cima de mim. Sentia ele se mover para os lados do meu corpo a cada vez que eu arfava.


Meus olhos estavam ardendo e secando. Me perguntei se algum dia poderia enxergar de novo...


 


Wanda!


 


Tentei mover meus braços e descobri que poderia impulsioná-los para cima, apoiando os meus cotovê-los e forçando-os contra a terra, fazendo desabar o teto áspero em cima de mim para que eu continuasse a cavar.


Cavar, cavar e cavar...


Quanto mais eu cavava, mais me enterrava.


Minha cabeça estava começando a pesar demais, e a terra assolava os meus pulmões enquanto sentia minhas mãos adormecerem cavando. Foi quando eu percebi que jamais conseguiria sair, pegar um pouco de ar e viver.


Acabou o ar. Acabou o fôlego.


Eu vi o meu pai, minha mãe...Tia, Erena, Layla.


 


WANDA!


 


Eu abri os meus olhos.


Eu abri os meus olhos e enxerguei.


 



Havia um cobertor de lã quentinho em cima do meu corpo, preso aos dois lados da cama para garantir que eu não me descobrisse. Meus olhos sonolentos piscaram contra a luz tênue do meu próprio quarto, observando enquanto Erena piscava na minha direção com suas bochechas coradas e o desespero em suas sobrancelhas erguidas.


– Bom dia. - Falei fracamente na direção dela.


Por sua vez, Erena negaceou avidamente antes de dar um soco no meu travesseiro e um forte tapa na minha perna. Sem deixar de dar uma boa puxada em meu cabelo e vários tabefes em meu ombro.


– Você queria me matar de susto? - Minha prima parecia alterada.


– O que eu fiz?


– Ficou gritando na cama - Erena se levantou, passando a caminhar de um lado para o outro. -, gritando e esperneando como se estivesse morrendo.


– Me desculpe então. - Tentei sorrir fracamente para ela, enquanto ajeitava minhas cobertas para o lado e puxava minhas pernas pálidas para levantar. - Não foi de propósito.


– É claro que não! - Ela parou no meio do quarto me encarando. - Mas podia ter avisado que não estava morrendo...


– Ótimo. - Eu sorria internamente, calçando minhas pantufas e segurando seus ombros. - Da próxima vez, eu aviso.


– Muito obrigada. - Erena confirmou nervosa, engolindo em seco. - Isso me deixa mais tranquila.


– Que bom.



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Depois de dar uma passada rápida no banheiro, comer qualquer porcaria na cozinha e dar pelo menos quatro terços disso para a Layla, consegui finalmente ajeitar as coisas na bolsa e pegar o celular, verificando se não haviam novas mensagens. O que era uma coisa nova, obviamente, pois sempre tirei meu celular do bolso dois minutos depois de ter saído de casa.


Porém, devido às atuais circunstâncias, estávamos nos tornando uma espécie de "Galera do Scooby Doo" onde todos os mistérios deveriam ser repassados entre seus membros curiosos. Por isso, Lola sempre estava atenta ao que todos diziam, fazendo com que eu lhe prometesse que verificaria o celular de cinco em cinco minutos na possibilidade de ter recebido algum aviso importante enviado por ela.


Durante a travessia na sinaleira, me lembrei de ter gritado com Iza depois da Kamilla ter tido a tal "conversa séria" conosco, realçando a nossa "ousadia" em perseguir uma coordenadora em seu "intervalo habitual", enquanto matávamos o "importantíssimo" período letivo de biologia.


Ela nos deu uma detenção na quarta feira de tarde, na qual teríamos que fazer uma redação de trinta linhas sobre o aprendizado nos colégios católicos. Sendo que Lola foi a única a não ser chamada para tal tortura. Mesmo que Kamilla tivesse gritado aos prantos com Márssio alegando que ela também estava lá, a coordenação jamais conotaria uma falta extra curricular em uma aluna exemplar como Lola.


No fim, apenas Saulette e eu fomos chamados.


Estava dando graças ao Senhor quando percebi que ninguém da coordenação havia notado a falta de Effie, Iza e Lucas, e esperava que a parte deles do plano tivesse saído bem sucedida. Tudo o que o nosso grupo havia descoberto era que Kamilla tinha um caso com o cara mais sexy que já vi na vida, em uma salinha qualquer embaixo das escadas de emergência...


Eu sei.


Você nunca conseguiria tantas fofocas no seu colégio.


 


Quando estava atravessando a rua na direção do Instituto Sant`Anna para adolescentes traumatizados, percebi que meu celular vibrava no bolso do meu jeans desbotado e imaginei que Lola estaria guardando umas poucas e boas para me contar.


Já no saguão do Sanatório Aracnídeo, resolvi finalmente atender aos pedidos incessantes da morena nerd, resolvendo pegar o meu cartão antes de qualquer coisa.


– Alô? - Atendi o celular enquanto subia as escadas.


"Hey, bitch." Ouvi a voz de Lola sussurrada do outro lado. "Onde você está?"


– Em algum lugar entre a Liberdade e a Morte. - Respondi prontamente.


"Effie está ficando impaciente. Está querendo matar aula."


– É melhor deixá-la fazer isso então. - Estava caminhando pelo corredor da coordenação.


"Você sabe que eu não posso." Lola parecia mais autoritária do que nunca.


– Então faça ela esperar.


"Vou fazer. Mas não vai ser fácil."


– Estou chegando. - Desliguei o celular e comecei a subir as escadas na direção da duzentos e quatro.


Kamilla havia nos ameaçado logo depois de termos subido as escadas de emergência na direção do prédio novo. Me perguntei várias vezes se ela realmente iria nos fazer algum mal se contássemos à todos que ela andara se agarrando com o cara do jaleco...


Mas então, eu soube que sim. Ela jamais nos deixaria sair impunes dessa, nos causando o pior dos pesadelos caso alguma coisa escapasse para a coordenação do colégio.


O que sabíamos sobre ela?


Muito menos do que gostaríamos.


Apenas algumas coisas eram certas, e a primeira delas é que Kamilla havia sido enforcada misteriosamente e logo depois ressuscitado no mesmo dia de maneira mais misteriosa ainda. A segunda delas, obviamente, é que ela sabia que nós sabíamos disso.


A terceira, por agora, era a seguinte tese:


"Kamilla havia nos dado uma detenção por tê-la visto se agarrando com um cara desconhecido no andar subterrâneo das escadas de emergência no prédio novo, e nos ameaçou logo depois disso, alegando que iria nos matar se contássemos algo a alguém...


Nessas horas, nós levamos uma ameaça de morte realmente a sério."


Ótimo. Realmente ótimo.


Concordei silenciosamente comigo mesma, repetindo o mantra de que se as coisas ficassem ainda mais estranhas eu teria de recorrer ao conhecimento extraordinário do meu novo amigo Oliver, cuja voz ainda ecoava na minha mente com a seguinte frase: "Passe lá quando estiver se coçando".


Foi quando eu percebi que estava rindo sozinha, quando me lembrei que Oliver havia me chamado de doida em frente ao bar e depois saiu andando como se fosse a coisa mais natural do mundo.


 


– Bom dia, Dábliu. - Lola me aguardava na porta, ainda com o seu celular na mão e um sorriso triste no rosto afilado. - Tudo bem?


– Sim. - Sorri de volta. - Como ela está?


– Ansiosa para te contar. - Lola entendeu rapidamente que eu me referia a Effie.


Entrei na duzentos e quatro com poucas expectativas para aquele dia de sol, onde teríamos de começar a planejar os próximos passos para tirar a Kamilla da nossa cola e descobrir quem estava por trás de tudo. Depois, ainda havia o problema do cara misterioso com o qual Effie estava tão confusa e que eu havia visto nas escadas no fim daquele dia. Aquilo me intrigava tanto quanto o garoto do quarto andar, que foi ameaçado por Iza e sua vassoura sem muita precisão. Me perguntei diversas vezes se um dia o veríamos de novo, e de qual turma ele poderia ser...


– Alguma novidade, loira? - Me dirigi à Iza, contornando as mesas e chegando até onde a garota jazia.


Ela estava sentada ao lado de Lucas, com suas grandes unhas pintadas em um tom perolado e seu celular carregando em alguma página da web, enquanto ela escrevia uma espécie de fanfiction em uma folha de fichário.


– A ruiva vai te contar o que vimos e ouvimos. - Iza falou pausadamente, antes de voltar sua atenção ao texto.


– Lucas? - Ergui as sobrancelhas.


– O mesmo. - Ele falou, sentado ao lado da loira com seus fones de ouvido plugados no iPod.


"Muito bem". Eu suspirei.


Effie Guess estava sentada em uma mesa no fundo da sala, com seus olhos castanhos voltados para baixo e sua cabeleira ruiva fluindo ao redor dos ombros. Seu semblante estava tenso e macabro, com cheiro de culpa e mistério.


– Effie? - Perguntei por ela, me sentando ao seu lado na mesa.


– Hey, Dábliu. - Sua voz saiu fraca.


– Lola disse que você queria falar comigo. - Dei de ombros.


– É isso aí. - Ela acenou rapidamente. - A nossa parte do plano foi concluída com êxito, certo? Nós encontramos o loiro misterioso que aparentemente assassinou a coordenadora puta. - Effie saltou da mesa, cruzando os braços de repente.


– Isso é bom, não é? - Perguntei indecisa.


Nesse momento, Lucas, Iza, Lola e Saulette se aproximavam para escutar a conversa que estávamos tendo, como uma pequena reunião da "Galera do Scooby Doo" depois de termos executado o maléfico plano a fim de resolver o caso `enforcamento`.


– Imagino que sim. - A ruiva concordou. - Nós conversamos com ele, e depois tive a chance de perguntar sobre o enforcamento da Kamilla...


– E?


– E ele não disse que era o culpado - Effie engoliu em seco, ainda de braços cruzados. -, mas também não negou que tivesse feito.


Fiquei encarando-a por alguns momentos, revendo em minha mente tudo o que havia se passado nos últimos dias e me perguntando onde estaria Effie nessa confusão de pensamentos. Me lembrei do seu choque ruivo com a aparição do cara atrás da árvore, e depois da sua leve depressão estranha. Juntei com a cena do loiro no topo das escadas segurando uma mala, e com a sua empolgação em executar o plano e subir no quarto andar.


Effie era uma mistura de pensamentos e cheiros em minha cabeça, e eu sabia que ela estava escondendo coisas desde o início daqueles tempos estranhos. Um início que nem sabemos quando foi e quem impulsionou.


– Qual era o nome dele? - Eu perguntei.


– Michael. - Ela pronunciou. - Mike...


– Mas o que ele disse exatamente? - Saulette interrompeu a conversa, com a sua habitual camiseta do batman e sua terrível expressão lânguida, parecia ansioso para se meter onde não devia. - Ele deve ter feito alguma revelação...


– Não interessa! - Effie gritou com ele. - Agora sabemos que foi ele.


– Não, não temos certeza. - Neguei veemente, tentando lembrar se a nossa lista tinha mais algum suspeito. E, mesmo assim, muito contente por termos pelo menos um nome no meio da multidão de rostos que me apavoravam a noite.


– E Kamilla? - Iza se virou para nós, me olhando nos olhos enquanto fazia sua melhor expressão de preocupação. - Lola disse que vocês pegaram ela no flagra.


– É, pegamos ela no flagra. - Saulette resolveu responder. - Mas não foi o "flagra" que estávamos pensando.


– Ela estava se agarrando com um estranho. - Lola se aproximou de Iza. - Os dois estavam em um corredor que eu nunca tinha visto antes.


– Embaixo das escadas de emergência. - Eu concordei.


– É. - Lola parecia estar pensando. - Depois ela deu uma detenção para nós e nos ameaçou de morte caso contássemos alguma coisa...


– Que vadia. - Lucas deu o seu primeiro depoimento do dia.


 


Todos ficaram em silêncio por algum tempo, em um ritmo de reflexão em conjunto cujos poros se abriam cada vez mais aos nossos olhos. Era como um grande quebra cabeça com partes que não se encaixavam e nós, os jogadores, nem tínhamos certeza se era possível encaixá-las.


Foi quando eu percebi que de uma maneira ou outra teria de recorrer à Oliver, com o intuito de adquirir toda a informação (paranormal ou não) que ele pudesse me creditar, ainda que eu achasse essa história toda de "demônios" uma coisa bíblica demais para o bom senso.


– Encontramos alguma coisa além de um nome? - Lola ergueu as sobrancelhas, retorcendo seus dedos na cintura e ajeitando a saia de pregas. - Ou tudo isso foi por nada?


– Um nome é mais do que jamais tivemos. - Concluiu Iza, passando os braços em torno de Lucas e apoiando o rosto em seu ombro. - Tenho medo do que virá com isso.


E eu também tinha.


De repente, me lembrei da terrível sensação da áspera terra arranhando meus olhos e minha garganta, fazendo peso em meus pulmões e assolando meus ossos. O ar escapava e os membros doíam de tanta compressão, e eu pude sentir que jamais conseguiria escapar.


Sonhei que havia sido enterrada profundamente em uma lama fresca, como se lá fora houvesse uma noite chuvosa para incrementar a minha morte terrível abaixo do chão. Me imaginei como uma garota de quinze anos sendo enterrada viva, mas percebi que não se encaixava com a sensação que sentira...


Na verdade eu havia sido asfixiada pela terra.


Terrivelmente assassinada pela terra com cheiro de chuva, em um pesadelo de escuridões distintas.


 


– Dábliu? - Effie estalou os dedos na frente do meu rosto.


– Sim? - Pisquei atordoada.


– Parecia realmente mal. - A ruiva ergueu as sobrancelhas. - Tem ideia do que faremos agora?


– Eu sim. - Iza pronunciou.


 


Todos olhamos para a loira em um silêncio momentâneo, onde podíamos ouvir apenas o som de "Paradise - Coldplay" ecoando dos fones de ouvido do Lucas, enquanto Saulette fazia pequenos barulhos com a boca olhando amedrontado na direção de Effie.


– O tal Michael ainda não falou tudo o que sabe. - Iza deu de ombros, se apoiando em Lola e Lucas com os dois braços pálidos e sorrindo docemente para Effie. - Podíamos arrancar o restante dele...


– Seria uma excelente tarefa para Effie, não é mesmo? - Lola deu uma piscadela na direção da ruiva. - Tirando tudo o que pode do loiro estranho...


– Vão se foder. - Effie revirou os olhos, olhando ameaçadoramente para Saulette quando este estava prestes a fazer um comentário. - Ele já me disse tudo o que queria dizer...


– Tudo o que queria, e não tudo o que ele sabia. - Eu tive que concordar com Iza, enfatizando o envolvimento da ruiva com o loiro suspeito e assassino. - Você não precisa se envolver muito.


– Só o suficiente para arrancar uns pedaços...


– E sair empune. - Lola completou.


– Exato. - Iza concordou.


– Certo. - Effie se apoiou na mesa. - Vocês querem que eu me envolva com um assassino...


– Não se esqueça. - Fechei a cara rapidamente, trocando o meu peso de pés. - Não sabemos se ele é o assassino ainda.


Effie concordou silenciosamente, balançando seus pés enquanto se sentava na mesa e encarava um ponto fixo no chão. Sua expressão se tornou decidida, como se estivesse maquinando um plano cujas engrenagens transpareciam em seus olhos.


– Podíamos tentar tirar tudo da Kamilla. - Lola sacudiu os ombros, ainda pensando em todas as possibilidades que tínhamos. - Perguntar como ela voltou de um enforcamento.


– Ela vai nos ameaçar outra vez. - Effie negou avidamente, mesmo que não tivesse levado uma detenção da própria miss simpatia ou visto-a aos amassos com um moreno de olhos verdes.


– Acho que vou tentar tirar informações de outra pessoa. - Fechei os olhos devagar, pensando nas perguntas certas e questões mais óbvias.


– Quem? - Lola perguntou.


– Alguém que pode esperar até o recreio. - Dei de ombros enquanto a professora Marva de química entrava na turma duzentos e quatro e retirava a lista de chamada.


Lucas sentou-se ao lado de Saulette, desligando seu iPod e retirando seus fones de ouvido para guardar na mochila dos beatles, enquanto Iza sentava-se ao lado de Lola, tratando de se acomodar bem antes que Effie empurrasse sua mesa para frente para ocupar mais espaço.


E a aula começou como sempre, todos cansados demais para falar e loucos de fome e vontade de ir para casa, enquanto a química se apresentava nos quadros e polígrafos que recebíamos ao transcorrer do tempo. Toda aquela matéria como uma grande promessa do que viria a cair no teste 01 e me encher de tédio por mais um trimestre.


Até o momento em que Marva voltou a se sentar na sua cadeira frente ao quadro, e foi como se o tempo parasse para que assistíssemos o inferno se cindir. Me lembro de ter sentido a nuca esfriar e meus ossos começarem a tremer, quando um sopro gelado veio das minhas costas como uma ameaça mórbida.


Mas quando me virei, tudo o que pude ver foi Saulette e seu cabelo negro, com seus olhos azuis voltados para cima numa posição estranha, como se de repente ele estivesse rezando.


Olhei para os lados a procura de mais alguém que tivesse notado, e me deparei com o olhar estranho de Iza na direção do moreno, com uma reação quase idêntica a minha quando notamos que Saulette simplesmente não podia estar bem.


O garoto havia largado seu iPod na mesa e seus braços estavam firmemente cruzados na frente do corpo, tremendo como se o pobre coitado estivesse morrendo de frio. Seus olhos vítreos estavam virados para o teto da sala de aula, com suas retinas girando de maneira enloquecedoura.


– Saule? - Lola perguntou por ele.


Nos levantamos rapidamente, rezando para que a professora notasse e chamasse por ajuda assim que possível, enquanto Saulette se convulsionava em sua cadeira na sala de aula, se sacudindo pelos ombros e tremendo nas bases com o rosto mais pálido que o de um fantasma.


Seus olhos se tornaram escuros e arranjaram um ponto fixo no teto de maneira espontânea, fazendo com que ele entrasse em uma espécie de transe onde a convulsão havia se tornado apenas um detalhe.


Nós tentávamos acudí-lo, sacudindo seu corpo avidamente na esperança de que ele recuperasse algum resquício de consciência. E Lucas berrava ensandecido ao seu lado, como uma bicha louca que estava mais apavorada do que nós todas juntas.


– Faça ele acordar! - Iza gritava.


– ...Ele parece sonâmbulo. - Effie sacudia o garoto pelos ombros.


 


E não soubemos o que fazer, até que os novos olhos escuros de Saulette se voltaram para nós sem um ponto fixo, e suas maçãs do rosto começaram a voltar ao natural enquanto seus cotovelos paravam quietos em cima da mesa.


Um Saulette tranquilo e cordial nos encarava, como se nada tivesse se passado, sentado normalmente na mesa depois de ter se convulsionado histericamente. Suas expressões deixaram de ser hesitantes ou trêmulas, e passaram a ser robóticas e automáticas.


 


– Algum problema? - Sua voz rouca perguntou.


 


Lola tornou a sentar-se de maneira assustada e indecisa, se arrastando até a mesa e voltando a atenção a professora, que incrivelmente não parecia ter saído do lugar. Nos sentamos todas em nossos lugares, depois de ter presenciado uma parada cardíaca de um dos nossos amigos mais próximos, certas de que ele havia se recuperado em menos de dois minutos.


– Estamos enloquecendo. - Iza chorava baixinho, segurando a mão de Lola enquanto seu queixo tremia. - Não podemos nos perder...


– Estamos perdidas. - Effie sussurrou. - É um pouco tarde demais para lamentação.


Mas eu não podia aceitar que estivéssemos. Não sem antes tirar satisfações com os suspeitos, certa de que jamais passaria por isso outra vez. As coisas precisam de uma explicação lógica, nem que seja uma reação sentimental ou distúrbio psicológico. Talvez o Saulette estivesse apenas tendo uma manhã ruim, cheia de espasmos muito loucos. Eu podia apostar que ele ainda não estava se sentindo bem.


– Saule... - Me virei a tempo de perceber que ele me encarava mortalmente, com seus olhos estranhamente escuros de pupilas acesas. Seu cabelo negro de repente me pareceu convalescer e seus ombros estavam firmes demais para que estivesse a vontade.


– Curiositas Occidit Catus. - Seu latim saiu pausadamente, bem pronunciado e num linguajar perfeito. E talvez tenha sido essa fala que me entregou a verdade em uma bandeja diante dos meus olhos, de que nosso grande companheiro Saulette já não estava mais ali.


Ou melhor...Saulette estava ali em algum lugar, mas agora não tínhamos ele.


– ...Pertinacia occidit catus.Non Curiositas.– Respondi indecisa, destacando a primeira palavra com vigor. Meus olhos vagaram nos seus, como se tentasse enxergar o que havia lá dentro...


E eu entendi que não poderia esperar pelas respostas, e alguém teria de me segurar se quisesse que eu não fosse atrás delas. O sinal soou em meus ouvidos e eu fui a primeira a sair da sala, batendo a porta frágil com um estrondo em minhas costas e descendo os degraus da escada o mais rápido que pude sem respirar.


Esperar pela coordenadora Kamilla não estava valendo a pena. Eu tinha uma opção muito melhor, ainda que não soubesse o limite de informações que ele teria para me dar ou o preço que isso me custaria mais tarde, quando toda a verdade fosse posta às claras.


Desci as escadas de três em três degraus, escorregando pelo corrimão de mármore do jeito que pude para chegar no primeiro andar.


O terceiro ano estava no intervalo entre as aulas, todos aproveitando para invadir o bar, os banheiros e bebedouros.


Eu mirei certeira na sala da turma trezentos e dois, sabendo que começaria a gritar na frente da porta se isso fosse necessário. Tratei de me apressar e atropelar todos os estudantes que estavam na minha frente, derrubando algumas mesas e apagadores quando entrei na sala.


– Hey.


Percebi que Oliver estava sentado em uma das primeiras carteiras na frente do quadro, usando um moletom azul marinho e seus habituais óculos quadrados. Seus olhos se viraram na minha direção, surpresos pela bagunça enorme que eu havia feito ao entrar na sala.


 


– Me desculpe por isso. - Corei absurdamente.


– T-tudo bem. - Ele deu de ombros, meio incerto. - Você está bem?


– Sim, eu sim. - Cheguei mais perto, percebendo que o garoto ainda me encarava de olhos arregalados. - Ah, qual é! - Bufei irritada, resolvendo me sentar na mesa na frente dele. - Vai me dizer que você não sabe reconhecer uma entrada triunfal...


Oliver olhava para os lados nervoso, como se estivesse se desculpando pela louca da baixinha que havia feito uma enorme bagunça na sala e que seria vista como sua amiga. Cuidadosamente, ele se ergueu da cadeira em que estava sentado conversando com um cara meio estranho, e ajeitou os óculos antes de se virar na minha direção e caminhar até a mesa.


– Você viu algo? - Ele praticamente sussurrava.


– Esqueça esses seus demônios! - Revirei os olhos na direção dele, completamente irritada. - Estou falando de um amigo.


– Amigo? - Oliver ergueu as sobrancelhas.


– Por que você está fazendo as perguntas? - Saltei da mesa na qual estava sentada, jogando meus braços para o alto antes de pousá-los na minha cintura. Cheguei mais perto do garoto nerd que conhecera na semana passada, tratando de amedrontá-lo com meu jeito espontâneo-lunático-assustador. - Eu faço as perguntas!


– Sinto muito, Question Girl. - O nerd sorriu para mim, de maneira quase meiga. - Você está um pouco estressada hoje.


– Deve ser porque o meu amigo acabou de ter um ataque cardíaco... - Tentei ao máximo puxar o tom de ironia da loira. - Ah, e adivinha só! Se passou três minutos e ele já está bem. - Sorri falsamente na direção dele. - Ainda veio com um pacote de olhos-demoníacos e frases perfeitamente ditas em latim.


– Ele falou latim? - Oliver ergueu as sobrancelhas novamente.


– Exato. - Encarei o chão. - E eu tenho certeza de que ele nunca fez aula.


– Certeza absoluta?


– Tirando o seu enorme pleonasmo de lado, querido nerd. - Me apoiei em seu ombro, entrelaçando meus dedos nos seus e erguendo meus olhos em sua direção. - Ele falou tão bem quanto eu.


– Certo. - A mente de Oliver parecia vagar longe, numa terra onde talvez houvesse caras loucos de óculos que calculavam sem parar como nerds sobrenaturais. - Acho que eu devia examiná-lo...


– Hey! Não fale como se ele fosse uma cobaia... - Murmurei resoluta.


– Me desculpe. - Ele pareceu realmente sincero. - Mas agora vou precisar de sua ajuda.


– O que quer dizer?


– Quer dizer que mataremos algumas aulas hoje.




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Autor(a): clarawyrda

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

Prévia do próximo capítulo

Oliver me guiou pelo corredor na direção das escadas assim que saimos da sala dele. Seus olhos castanhos por trás das lentes pareciam ampliados e seus ombros erguidos de maneira tensa. Por uma estranha razão, ele levava aquela bolsa peluda marrom junto com ele enquanto subíamos, e pela primeira vez me perguntei o que poderia haver dentro ...


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