Fanfics Brasil - Você cheira a morte? Sant' Anna

Fanfic: Sant' Anna | Tema: Original


Capítulo: Você cheira a morte?

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Era fevereiro. Quente, agitado e tétrico fevereiro.


Eu estava parada no meio da calçada da Avenida Independência, observando uma corrente de ciclistas exaustos e suados atravessando a faixa de pedestre.


O sol forte me fazia franzir o rosto para tentar enxergar alguma coisa na eterna luminosidade do asfalto. Do outro lado da rua, eu usava uma blusa cavada qualquer e os mesmos jeans de sempre. Minha bolsa cinza estava pendurada do lado do corpo e os all stars de bigode meio sujos, depois dos terríveis primeiros dias de aula.


Podia jurar que estava fritando dentro das minhas roupas e ninguém ia notar quando eu derretesse na calçada, virando uma papa azeda de manteiga antes das sete da manhã.


As estações haviam mudado, a rua parecia mais suja e a padaria um pouco mais cheia que o normal. Apesar de tudo, as pessoas que passavam com trajes de verão ainda tinham os mesmos rostos reconhecíveis e vozes amplificadas.


Na esquina, passando a livraria e o semáforo, o grande edifício cinzento se erguia imponente sobre a calçada ignea. Uma fortaleza solitária no meio de uma cidade moderna que parecia ter esquecido suas origens.


Eu sei que vejo as coisas por um ângulo diferente do que elas realmente querem representar. Mas quem não as vê? Imagino que minha mente distorcida te faça um pouco entediado através da tela do computador.


Obviamente, ao lado da antiga estrutura medieval do Sant`Anna, um novo edifício modelo se erguia. Branco e reluzente sob o sol da manhã, o novo prédio parecia um shopping moderno e refinado.


Eu admito que estava encantada com o elevador que falava sem parar quando entrávamos dentro dele, e com a máquina de guloseimas perto do bar.


Hmmm, o novo bar parecia ter todos os tipos de doces caseiros, dos quais eu prometi a mim mesma que não gastaria uma fortuna para experimentar.


De fato, aos meus olhos, o novo edifício se via mil vezes mais interessante do que o antigo purgatório cheio de teias de aranha e professores cavéricos. Ele parecia uma luz no fim do túnel, como uma esperança de distração nos anos terríveis de ensino médio que viriam pela frente.


 


Os prédios se dividiam pela rua movimentada que separava ambos os quarteirões, coberta por uma passarela que usávamos para circular de um edifício ao outro. Deu para entender? Nunca fui boa nesse lance de arquitetura, e não tenho muito tempo para explicar essa parte, antes que a Laura me dê uma surra por não ter postado o capítulo ainda.


Ah, só pra você saber...


As catracas ainda faziam o barulho irritante de sempre.


O ritual de entrada no colégio Sant`Anna parecia mudar de acordo com as estações. Por isso, devíamos estar preparados para o fim da primavera, quando o prédio se tornava um ambiente completamente abafado com cheiro de suor e ventiladores.


Já falei que ventiladores possuem cheiro?


Pois é. Dá para sentir.


Porém, quão grande foi a minha surpresa quando cheguei à nova sala da turma número quatro, havendo um grande ar condicionado fenomenal suspenso bem acima de nós.


É agradável quando o seu corpo é rodeado por um ar gélido em pleno fevereiro, num lugar onde as estações são mais definidas do que qualquer outra coisa. A sensação é de estar entrando em um freezer onde todo o frio do mundo não seria o suficiente para te esfriar.


Eu digo isso porque você pode ser um réptil lendo esta fic. Sabe, eu não tenho uma preferência de público assíduo aqui dentro. Desde que você saiba ler e deixar um review básico eu, sinceramente, não ligo para que tipo de metabolismo você tenha.


A questão é...


Em pensar que há seis meses atrás, tudo o que Wyrda desejava era uma chance de sentir o calor do sol esquentando sua pele e aquecendo por dentro.


Eu sei o que você está pensando.


"Ui! Ela só reclama do tempo e blá blá blá..."


Mas o que eu posso fazer? Minha vida é meio monótona, se eu não reclamar do tempo não tenho mais do que reclamar. E se nada do que eu disser fizer sentido, então você tem direito à reclamar também...


Não. Você não tem não.


Onde estávamos? Ah, sim. A entrada no Sant`Anna.


Os pirralhos corriam pelo saguão como se estivéssemos em um playground. Isso me irritava de vez em quando, mas hoje especialmente.


Estão vendo? É por isso que eu não quero ter filhos. Eles podem te deixar embaraçada em locais públicos, fazendo da sua vida um inferno ainda maior quando se trata de tímpanos e cordas vocais.


Enfim...


Lar Doce Inferno.


Agora eu não poderia mais subir as escadas internas, passando pelo saguão principal e dando uma cheiradinha na cantina. Nossa nova sala ficava do outro lado do prédio, um andar acima do corredor do terceiro ano.


Dá para entender o esquema?


A cada ano que avançávamos no nosso ensino letivo, o SA nos fazia descer um andar em sua estrutura precaminosa. Isso queria dizer que a cada ano estávamos mais abaixo, mais próximos do primeiro andar onde ficava o aquário da coordenação.


Isso sempre me trouxe a sensação de que os andares superiores ao nosso eram mais seguros e exclusivos do que os andares primários do colégio. Então, sempre me senti melhor passeando pelo quarto andar, como quem não quer nada além de observar a paisagem e se sentir segura por alguns momentos.


Certo... Estávamos no segundo andar, onde estavam alojados o primeiro e o segundo ano. Primeiro ano à esquerda, segundo ano à direita.


Isso queria dizer que agora a Wyrda teria que subir as escadas pelo outro lado do colégio.


Somente isso era o suficiente para que eu entrasse em pânico.


Não querendo soar como uma adolescente alarmada em um estado de psicose grave e irresolúvel, digamos que as salas da coordenação no primeiro andar equivaliam a um bicho papão de sete cabeças para mim.


Oh yeah. Eu tinha medo.


Sabe o que é isso? Naquele momento eu não era uma pessoa medrosa.


Me desculpe o termo mas, naquele momento eu era uma pessoa cagada.


Cagada de medo até os ossos.


Existia uma razão para os alunos chamarem a coordenação do colégio de aquário. Ela era toda feita de vidro e com o nome dos coordenadores na porta de cada uma das salas minúsculas. Quando passávamos pelo corredor, podíamos ter uma visão dos coordenadores pedagógicos sentados em seus respectivos aquários e assinando diversos papéis inúteis.


Podíamos sentir os olhos deles queimando nossas costas.


Só isso já era razão o suficiente para temer a entrada no colégio pelo resto da minha humilde vida de estudante. Isso sem contar os caras doidos do terceirão que ficavam encostados nas colunas do bar...


Enfim, preciso descrever o meu estado ao chegar lá?


 


 


– Então, xis nunca poderá ser quatro. O oito não sai da raiz de repente, caralho!


Lola escancarava nossos tímpanos durante a aula de matemática com o novo professor Marciano. A morena parecia estar feliz com os novos professores e novos (bléh) desafios.


Durante as férias, Lola me pareceu estar se preparando arduamente para o vestibular de medicina, ainda que faltassem dois anos para a maldição de prova.


– Se ela continuar nos xingando, eu vou dar na cara dela. - Iza explanou, chutando os pés da minha cadeira enquanto mordia a ponta do lápis.


Bom, falando na abobada, ela também não havia mudado muito. Loira como sempre, apenas um pouco mais chata que o normal. Não havia nada que eu pudesse fazer quanto a isso.


– Mina, tu tem problema? - Effie ergueu ambas as mãos de unhas pintadas acima da cabeça. Seu cabelo estava muito ruivo como sempre.


Eu comecei a rir delas, ainda que não estivesse entendendo porra nenhuma. Não precisava – estar ao lado daquelas loucas era, por si só, um ato de comédia.


Abracei ao Lucas bem apertado assim que estive ao seu alcance, me lembrando que havia escutado Lady Gaga diversas vezes nas férias e havia sentido muita falta da companhia dele.


Quanto às loucas com as quais eu sentava... Era impossível dizer que as risadas não estavam preenchendo um vazio que há muito havia mofado dentro do meu peito.


Me lembro de acordar, comer alguma coisa e depois voltar para a cama durante as férias inteiras. De certa forma, ver as criaturas feias e chatas depois de tanto tempo era um colírio para os meus olhos.


Por que eu estou escrevendo essa fanfiction mesmo?


Ah, é.


Porque eu não tenho amigos normais, ou um namorado para me entreter.


E não estou reclamando...


Minha vida tem seus altos e baixos.


 


– Eu desisto! – Effie afastou a caneta da folha de exercícios. – Eu não sei fazer essa merda!


 


Lola revirou os olhos numa expressão entediada, com sua folha de exercícios completa e sem nada para fazer.


– Hm, vocês acham que vai ter alguma coisa mais interessante que isso? – Ela se espreguiçou na cadeira.


– Eu duvido muito. – Sorri para ela, pegando o meu iPod e deixando a folha de exercícios em branco embaixo da mesa.


– Bléh. – Effie fez um careta de desgosto. – Eles estão ficando sem criatividade.


Nós rimos juntas e o sinal bateu dando boas vindas à aula de português. E mais uma hora de folhas em branco me aguardava, onde eu poderia escrever qualquer porcaria e me satisfazer com isso.


Nossa sala de aula? Era bem comum.


Tínhamos um quadro digital (que diziam ser touch, mas na real nunca funcionou) e um quadro à caneta, com a mesa do professor no canto mais afastado da porta, e as fileiras de cadeiras em dupla logo adiante.


Está vendo? Nada muito complicado.


Nosso recreio era de poucos minutos, que eram utilizados para pescar alguma comida no bar ou ir dar uma volta no prédio novo. Geralmente havia uma ou outra interrupção de qualquer maníaco que encontrássemos, antes que o tédio chegasse e voltássemos para a sala.


– E então – Iza sentou-se mais próxima da gente, apoiando os cotovelos na mesa e comprimindo os lábios. -, alguma coisa fora do normal ultimamente?


Lola e eu nos entreolhamos um pouco assustadas. Reconheci que essa seria uma parte delicada da conversa, do tipo que não gostamos de presenciar, mas que se faz necessária.


Infelizmente, sabíamos do que Iza estava falando.


Effie Guess não estava parecendo a mesma Effie de sempre. É claro que seus olhos escuros e cabelos ruivos continuavam os mesmos, assim como a pele pálida e as poucas sardas.


O nosso problema eram as grandes olheiras embaixo de seus olhos, e a falta de sono durante as aulas. Talvez a ausência de xingamentos, e a pausa nas escritas de letras de música.


Isso era algo completamente estranho para nós: chegava a ser absurdo.


– Acho que ela está piorando. – Lola encarava Effie de longe, um tanto quanto pensativa e mal humorada.


– Hey. – Iza parecia estar tentando aliviar a situação. – Ela não deve ficar assim durante muito tempo.


– Não vai ficar. – Confirmei, assistindo a ruiva solitária ouvindo seu iPod.


Lola parecia ter concordado silenciosamente conosco. Suas sobrancelhas estavam unidas um pouco acima dos olhos, e suas mãos juntas onde apoiava seu queixo.


– É claro que não. – Ela disse, distraída. – Vamos descobrir o que é, e dar um jeito nisso.


Iza encarava seu fichário silenciosamente, observando os períodos que se seguiam pela manhã, e fazendo uma e outra careta quando a palavra “física” estava escrita no papel.


Esse, obviamente, era um motivo de comemoração para Lola, que parecia não ter nenhum ponto fraco em nossa rotina de matérias diárias.


– Por favor – Ela estreitou os olhos para mim. -, me diga que você fez o tema.


 


Eu sorri em defesa, guardando algumas folhas na bolsa e traquinando uma resposta qualquer, enquanto Iza dava uma tossida básica.


– Ãnnn – Fiz um biquinho para ela -, eu fiz o tema.


Lola me olhou com o típico olhar cético que ela fazia quase toda a manhã, fazendo com que Iza desse uma gargalhada abobada e deixasse o estojo cair no chão.


– Ai, Iza. – Effie revirou os olhos ao se aproximar. – Sua imbecil!


Isso só fez com que nós ríssemos mais ainda, e Lola fosse obrigada a nos calar quando a professora começou o seu discurso sobre pressão atmosférica.


E o tempo passou.


É engraçado essa coisa do tempo... Quando ele encolhe, você acha que podia ter prolongado um pouco mais. Porém, quando ele se espreguiça, é como uma espera infinita pelos minutos que não chegam e não irão cooperar.


Demora alguns anos; eu sei muito bem disso. Mas chega uma hora que todos devemos perceber que o tempo é feito por nós. Ele é montado por cada um de nós, como um quebra-cabeça encaixado nas peças certas e nos segundos certos.


Quando fui dar por mim mesma, percebi que estava amarrando meu cabelo e esticando as pernas na aula de biologia. Faltavam poucos minutos para que o sinal batesse e fôssemos liberados para o recreio.


– Grrr – Lola contava seu dinheiro no estojo, revirando as moedas e se irritando com as notas.


Effie cantava alguma música do McFly – não me pergunte, não consigo reconhecê-las de longe.


– Soooo – Iza cantarolava feliz. – Quem vai no bar?


– Tú, abobada. – Lola grunhiu, ainda revirando as moedas.


Lucas se aproximou de nós, depois de pegar algumas notas e guardá-las no bolso, olhando esperançosamente para Iza.


– Vamos no bar? – Ele perguntou.


– Yep. – Iza respondeu, dando a língua para Lola e mandando beijo para Effie.


 


Descemos as escadas em meio ao caos de alunos impacientes para chegar ...aonde-quer-que-fosse-que-eles-precisassem-chegar.


Iza costumava abraçar os professores em público, só para constar seu amor esquisito e irrevogável por eles, nos lembrando que temos uma amiga louca e psicótica.


Bom, de acordo com a Lola, eu nunca fui uma pessoa muito sociável, além de de “ser excluída” e “se distanciar das pessoas”.


Geralmente ela falava isso quando queria que eu estivesse mais por perto, o que não era muito raro.


– Hm, quero chiclete. – Lucas resmungou. O eterno mastigador de chiclete.


Durante o recreio e nas demais horas da minha vida, penso que sou uma pessoa muito sociável.


Minha aparência inofensiva e preguiçosa contribui demais para isso. Até mais do que deveria, eu imagino.


As pessoas têm o costume irritante de falar comigo do nada, sem que eu as conheça ou jamais tenha ouvido falar delas. Talvez isso seja porque ando com as garotas e todos pensem que eu seja tão sociável quanto elas.


Ou talvez porque eu seja estranha assim mesmo.


Dá pra você perceber, não é? Eu sei que também escrevo estranho.


– Por que as pessoas adoram a minha bunda? – Iza afastou seus cabelos loiros dos ombros, olhando fixamente para um garoto do terceirão que havia passado sem desgrudar os olhos dela.


– Ah, Iza. – Lucas revirou os olhos e pousou a mão no peito com o seu costume extremamente gay. – Tú é muito goxstosa.


Nós duas rimos feito loucas na fila do bar.


– Ai, eu sei, Lucas. – Ela fez a típica voz de puta.


– Hm, eu acho que ele estava afim de você. – Estreitei os olhos na direção do cara observador.


– Hm, tú devia chegar nele. – Lucas sorriu.


– Cala a boca! – Nós duas batemos nele ao mesmo tempo.


 


Depois de voltar para a sala, tudo começou a parecer entediante demais. Lola e Effie pareciam estar jogando um stop básico com folhas de caderno, e nem olharam para cima quando depositamos o lanche na mesa delas.


– E aqui temos a safra. – Sorri para elas.


 


Acho que pela primeira vez na história do SA, estávamos comendo nosso lanche em silêncio. Como alunos em educados que não conversavam de boca cheia e não sujavam o chão da sala com farelos.


Foi estranho e um pouco desconfortável. Nenhum de nós disse uma palavra sequer, como se todos estivessem em um estado de torpor, pensando nos problemas atuais e em como tanta coisa tinha mudado tão rápido, mas ao mesmo tempo tão pouco.


Bom, pelo menos era isso que eu, Wyrda, estava pensando.


Sério. Eu sou muito irritante. Você ainda está lendo?


Hm. Bom... Então vamos lá!


 


Iza pareceu ter sido a primeira a acordar do transe hipnótico e desagradável no qualtodos nós ficamos. Ela saltou da cadeira em que estava sentada no tempo certo, como se tivesse acabado de se lembrar de algo importante...


– Grr... Esqueci o pen drive no laboratório de informática! – Ela berrou, dessa vez acordando todos em volta.


Lola deu um gemido de preguiça assim que sua postura voltou ao normal. Ela olhou para os lados atônita, e confirmou com a cabeça quando Iza expressou sua terrível crise.


– Pára de gritar, mina. – Effie reclamou, rasgando o papel do stop e tirando os fones de ouvido. – Nós vamos lá buscar.


– Exaaatooo. – Lola falou, antes de dar um grande bocejo. – Espera – Ela finalmente pareceu se ligar. -, eu preciso ir também?


 


Effie revirou os olhos.


– O que ela tem na cabeça? – perguntei.


– Hm, acho que vou ficar por aqui mesmo. – Lucas deu de ombros.


– Tanto faz. – Iza estava começando a se irritar. – Mas alguém tem que ir comigo! – Ela bateu as mãos nas coxas. – Os corredores dão medo.


 


É óbvio que os corredores davam medo. Estudávamos no SA: se pelo menos a escada não desse medo, é porque havia algo muito errado.


– Tudo bem. – Effie se irritou, afastando a mesa. – Vamos lá.


 


Quando saímos da sala, o corredor parecia ter esvaziado bastante em comparação aos últimos minutos. A maioria dos alunos parecia ter voltado para suas respectivas salas, ou seguido para as salas dos alheios como formigas voltando ao formigueiro depois de pegar a suculenta refeição.


Nossa. Eu amo comparar o meu colégio com o Reino Animal.


Eu aposto mil galeões que você deve fazer isso muito frequentemente.


 


Iza ainda parecia muito aborrecida consigo mesma quando subimos as escadas para o quarto andar. Seus passos eram curtos e pesados, como se quisesse descontar a raiva no pobre chão medieval, que não tinha nada a ver com a “síndrome bones” dela.


– Afinal de contas – Subi os degraus devagar, encarando suas costas enloiradas. – Por qual fudido motivo você esqueceu a droga do pen drive?


 


– Ah, eu não sei! – Ela bateu com os pés no chão. – Eu – ela parou para refletir por alguns momentos. -, eu não me lembro.


 


– Isso é estranho. – Lola franziu a testa.


 


– Mais estranho do que isso é o fato de que não tivemos laboratório de informática nenhuma vez esse ano. – Effie falou.


 


 


Eu sabia que ela havia falado aquilo sem pensar. Caso contrário – Lola e eu não teríamos parado em meio a escada, completamente intrigadas pela questão.


– Não tivemos laboratório. – A morena refletiu.


– Então... – Encarei Iza em dúvida. – Por que o pen drive está lá, em primeiro lugar?


– Como ele foi parar lá? – Effie perguntou.


 


Iza parecia confusa; eu podia sentir as engrenagens por trás dos olhos dela trabalhando como um grande relógio em horário de verão. Sua expressão parecia alarmada, e ela podia muito bem estar nos enganando.


De alguma forma, nós sabíamos que ela não estava. A confusão de uma de nós, era a confusão de todas.


– Vamos continuar. – Lola decidiu deixar a questão para depois.


 


Eu preciso te contar uma coisa sobre corredores desertos...


Quando se anda sozinho neles, você acaba reparando em coisas que nunca viu quando estava acompanhado ou com pressa. A sensação de desconforto é definitivamente maior, mas a curiosidade é a base de tudo. Por isso você se esforça para ir em frente, sem se importar com o que tenha mais adiante.


Por alguma estranha razão, naquele dia as luzes do quarto andar estavam todas desligadas. Como se a energia do colégio estivesse em estado de emergência, e eu posso jurar que isso nunca tinha acontecido antes.


Ás vezes, eu admito que evito entrar em um corredor escuro. Só para desviar da sensação ruim que eu tenho quando ando sozinha pelo colégio.


É como se as paredes fizessem ruídos. Ruídos próprios produzidos por elas mesmas. E isso faz com que eu deseje não estar a sós com elas.


São ruídos rítmicos, combinando com o seu caminhar ou com o número de batidas do seu coração. É estranho e irresolúvel. Quase sempre eu saía correndo tentando me convencer de que era apenas o vento lá fora.


 


Quando você estiver em um corredor e deserto que emite murmúrios...


Diga a si mesmo que é apenas o vento.


E eu rezo pela sua sanidade que não seja outra coisa...


 


– Droga. – Iza xingou alto, batendo no interruptor com impaciência. – Não podemos sair por ai no escuro...


– Claro que podemos. – Effie saiu arrastando a loira pelo cotovelo.


– Vamos antes que acabe o recreio. – Lola falou.


 


Eu concordei silenciosamente e às segui.


Nós percorremos um curto percurso até chegar no laboratório 01 e perceber que as portas estavam trancadas.


Quando chegamos no corredor externo, Lola suspirou de alívio ao notar que a luminosidade da janela estava presente, deixando irradiar o sol da manhã de verão.


O laboratório 02 também estava de portas trancadas.


– Grr. – Effie reclamou, segurando e abaixando a maçaneta mais que o necessário.


– Vamos tentar o outro. – Iza falou apreensiva.


Eu podia sentir no ar o cheiro do nosso medo. Não era muito espesso, mas o suficiente para arrepiar os pêlos da nuca e grudar os cotovelos no corpo.


– Odeio esse corredor. – Effie fez um careta.


 


Todas nós concordamos silenciosamente enquanto Lola nos guiava para o laboratório 03. Iza fez questão de segurar minha mão durante todo o caminho, espremendo meus ossos contra os seus todas as vezes que as paredes zumbiam.


– Espero que tenha alguém lá. – Eu sussurrei.


 


Quando viramos por um corredor interno, percebi que nossos passos estavam altos demais para meus ouvidos. A sorte era que o nosso som ultrapassava os ruídos que as paredes faziam, assim eu não precisava me preocupar em ter meus dedos quebrados um por um pela Iza.


Lola caminhava mais a frente, mas dava para ver que suas mãos estavam apertadas em punhos e seus passos mais cautelosos que os nossos.


Eu me encolhi quando o cheiro bolorento de museu chegou até mim, fazendo com que eu me sentisse enjoada e o meu estômago desse um ronco trivial.


– Dábliu! – Effie gritou comigo.


– Desculpa. – Tentei sorrir para ela, fazendo um careta. – Acho que estou nervosa demais.


 


Iza engoliu em seco ao meu lado, como se a confiança dela dependesse da minha também. Porém, no momento, nossa autoestima dependia da confiança da Lola.


– Quase lá. – Ela falou.


 


E eu continuei andando, sem me distrair por nenhum momento do caminho à nossa frente. Era como se eu não me permitisse olhar para as paredes, como se elas pudessem me assustar ainda mais só de olhar para elas. Por isso, eu não ousaria encará-las.


Eu ouvia nossos passos, me concentrando na realidade do som das nossas respirações em conjunto. Isso me aliviava de algum modo, como se o fato de não estar sozinha aliviasse o medo que eu tinha daquelas paredes escuras.


Nossos passos eram altos, como facadas sonoras contra as paredes que refletiam os ecos. Eu estava satisfeita até que...


Até que...


O quê?


Sim, eu não estava errada. Pareciam haver passos vindo do outro extremo do corredor.


Passos rítmicos como os nossos.


– Quem é? – Effie sussurrou.


 


Quem quer que fosse ainda parecia distante. Os passos ecoavam longe, mas ainda assim, como se viessem na nossa direção.


De repente, os sons que fazíamos ao caminhar não eram suficiente altos para cobrir os passos alheios. Por isso, Iza parecia estar congelada ao meu lado, esmagando minha mão contra a sua que havia começado a suar.


Encostei minha cabeça no ombro dela, como se quisesse me esconder do que quer que estivesse vindo.


Pelo menos sabíamos que era apenas uma pessoa, havia apenas um par de sons. Apenas um pé após o outro... um dois... um dois...


O fim do corredor interno estava escuro, assim como o resto dele. Eu queria acreditar que pelo menos uma das portas estavam abertas, para que qualquer coisa pudéssemos fugir por uma delas.


Os passos continuaram se aproximando, e aos poucos nossos arrepios começaram a acompanhar o ritmo que se seguia, à espera do pior.


– Quem é? – Effie tomou a coragem de falar em voz alta, assim que os passos da pessoa estranha pararam. – Hey, sabemos que está aí!


– Apareça! – Lola ordenou.


 


Elas eram loucas. O que quer que estivesse ali, eu não queria que aparecesse.


Os passos pareciam realmente ter parado, como se o estranho estivesse se escondendo de nós, pelas sombras.


De repente, Effie tomou a medida de ultrapassar Lola e parar na frente de todas nós, olhando para a sombra escura do corredor como se a avaliasse.


– Você ouviu a Lola. – Effie botou as mãos na cintura. – Apareça!


 


Eu segurei a mão de Iza mais forte do que nunca, me grudando nela como se minha vida dependesse disso.


Aos poucos, os passos retornaram e o estranho foi saindo da sombra negra do fim do corredor. Os sons pesados dele se tornaram leves, como se quisesse mostrar que não era ameaça.


Porém, mais uma vez, sabíamos que de alguma forma o era.


Então ele apareceu para nós. E era realmente um ele, um garoto, e para a nossa sorte não era um professor, coordenador ou pior – uma assombração.


Era um garoto alto, mas com o físico que aparentava ser da nossa idade. Ele poderia estudar em uma de nossas turmas sem que nós jamais tivéssemos reparado nele.


Suas feições pareciam angulares mesmo na penumbra do corredor. Com a pouca luminosidade, nós podíamos ver que tinha um corte de cabelo nos ombros, ainda que tudo naquela imagem parecesse bastante masculino.


– Hey! – Effie gritou. – Eu... Eu acho que conheço você!


Seus ombros tremeram por baixo dos cabelos ruivos, como se ela ainda não soubesse o que fazer no momento. Mesmo que estivesse de costas, eu podia adivinhar que Effie estava mordendo os lábios nervosamente naquele exato momento, enquanto olhava para a sombra escura no corredor dividida entre conhecer e não conhecer.


– Effie! – Lola gritou para a garota. – Não!


 


Mas era tarde demais...


A ruiva estava correndo de encontro à ele, ou melhor, àquela coisa que não sabíamos o que ou quem era ainda. E mesmo que Effie tivesse corrido na direção do estranho, eu percebi que meu coração havia aliviado um pouco e Iza havia soltado minha mão.


– Vamos atrás dela. – Falei para a Lola.


Em seguida, começamos a correr atrás dos cabelos ruivos, sabendo exatamente que estaríamos com problemas se nos ouvissem no andar de baixo.


Em compensação, eu pensava que se fôssemos mandadas para a coordenação, pelo menos poderíamos ver quem era a sombra que havia nos deixado cagadas de medo.


– Effie! – Iza gritou na direção da garota, mas ela fingiu não ouvir.


Eu sabia que o garoto estava correndo de nós, por mais estúpido que isso fosse. Mas eu acho que se houvesse quatro loucas correndo atrás de mim feito taradas, também tomaria alguma medida drástica do tipo.


– Hey, você! – Effie gritou por ele.


Logo ela estava muito a frente e não conseguíamos alcançá-la. Quando ganhamos terreno depois de poucos segundos, encontramos Effie na frente da sala de laboratório 03, olhando para dentro dela.


Por um momento eu achei que ela havia encurralado o garoto misterioso, mas logo percebi que suas feições iluminadas pela luz do laboratório eram de puro pavor.


Eu nunca havia visto minha amiga Effie com pavor. Algo próximo ao medo, talvez... Mas pavor nós nunca tivemos.


A porta do laboratório 03 estava escancarada, e Effie estava parada em frente ao feixe de luz, olhando para o chão mortificada.


– Effie. – Lola ofegou quando parou ao lado dela. – O que foi?


Então a morena congelou também, como se a morte estivesse olhando para ela.


Quando Iza e eu paramos ao lado das duas petrificadas, percebi que era algo próximo a isso. Então minhas veias se encheram de pavor também, eu podia cheirar o medo no ar, o pânico misturado com uma essência de rosas.


Havia um filete espesso de sangue no chão da entrada do laboratório 03, como uma seta apontando para dentro dele, dizendo claramente “perigo, corram.”


O pânico preencheu cada célula do meu corpo assim que entramos. Entenda-me:precisávamos entrar. A curiosidade era maior do que tudo, e, apenas para que você saiba, eu me arrependo desse momento até os dias de hoje.


Quando seguimos pelas fileiras de computadores iluminados pela branca luz da sala, apenas uma coisa acima da mesa chamou nossa atenção.


Kamilla.


Os pés dela sangravam... Deus, não eram só os pés. O sangue escorria desde o decote dela, onde havia uma grande mancha molhada e ainda escorrendo. Um furo aberto no peito.


E uma corda no pescoço. Uma corda no pescoço da coordenadora, pendurada embaixo da luz.


Eu nunca vou me esquecer do movimento lânguido que os pés sujos de sangue faziam contra a mesa ao lado do computador. Eles manchavam de vermelho ritmicamente... um dois... um dois...


Alguns milésimos de segundos se passaram até que nos acostumássemos com a imagem. Até que ela pudesse ser gravada em nossas retinas, sem que nada mais no mundo, nunca mais, pudesse tirar.


– Meu Deus. – Iza falou.


Lola emitiu um grito oco que as paredes se negaram a ecoar.


 


 


 




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Autor(a): clarawyrda

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

Prévia do próximo capítulo

O sangue se alastrava pela mesa formando uma enorme poça vermelha. Aos poucos, ela gotejava para o chão até chegar aos nossos pés. Eu podia jurar que estava ouvindo nossos corações batendo em uníssono, explodindo nossos ouvidos e nos deixando lerdas.   Deus. Eu podia sentir meu coração saindo pela boca, e ...


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