Fanfics Brasil - Real? Sant' Anna

Fanfic: Sant' Anna | Tema: Original


Capítulo: Real?

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– Oh merda.


Não! Não!


 


Correndo feito uma destrambelhada, fui tirar um bolo queimado de dentro do forno novinho da minha tia. O cheiro contaminava o ar, me deixando tonta e culpada por ter estragado a cozinha mais uma vez em menos de duas semanas.


 


Sim, ha-há-há... A Wyrda nunca conseguiu fazer um bolo direito.


 


Simplesmente não nasci para isso. E odeio quando eu tento novamente e acaba dando em cinzas de chocolate.





PIRIRI


 


Winer diz:


. Dábliu?





Eu estava voltando da cozinha nessa hora, quando joguei o bolo inteiro no lixo e tentei me contentar tomando um sorvete de creme básico. Hm, nada de chocolate naquele dia.


Então, vi o monitor piscando em laranja como costumava fazer quando alguém se lembrava da minha existência.


Particularmente, o messenger nunca foi um meio de comunicação muito atraente para quem gosta de privacidade. Mas o que eu podia fazer se era um dos mais práticos?


 


Wyrda diz:


. Hey, bitch.


 


Esperei até que a janela piscasse novamente, para me sentar em frente ao computador e começar a digitar.


 


Winer diz:


. Effie não está me respondendo.


 


Wyrda diz:


. O que aconteceu?


 


Houve uma pausa aí, como se a situação fosse realmente grave. Lola costuma dizer as coisas de maneira direta, na esperança de que eu responda diretamente também. Mesmo que eu nunca tenha me esforçado para isso...


 


Winer diz:


. Ela disse que precisava de...


. “Tempo para pensar no que aconteceu”.


 


Wyrda diz:


. E o que aconteceu?


 


Winer diz:


. Ah, você sabe.


 


Hm, Lola não estava sendo direta naquela noite. E isso tava enchendo a minha paciência, principalmente depois de ter queimado um bolo inteirinho.


 


Wyrda diz:


. Repentindo... “O que aconteceu?”


 


Winer diz:


. Aquela nossa alucinação no laboratório 03.


 


Wyrda diz:


. Uou.


. Ela precisa pensar naquilo?


 


Winer diz:


. Dábliu, eu acho que todas nós precisamos.


 


Quando desviei os olhos da tela do computador, eu podia ouvir as cigarras lá fora, ainda que fosse um pouco cedo para a cantoria começar. O vento abafado entrava pelas janelas e circulava o quarto, levando o calor por alguns milésimos de segundo.


 


Wyrda diz:


. O que isso quer dizer?


 


Sim, o que realmente queria dizer?


Nós iríamos começar algum tipo de terapia em conjunto?


Iríamos contar para os nossos pais que tivemos uma alucinação no colégio?


 


Se aquilo realmente foi uma alucinação – eu ainda não estava certa de nada. Tudo o que vimos pareceu muito real, muito autêntico. Simplesmente não poderia ter sido algo falso...


Os cheiros eram muito fortes, as cores muito acesas.


 


Winer diz:


. Acho que devíamos conversar sobre isso amanhã.


 


Conversar sobre as nossas alucinações? Quer dizer...


Que tipo de gente tem as mesmas alucinações ao mesmo tempo? hm, acho que os índios tinham algo assim no ritual deles...


Será que nós somos índias?


Sempre me achei um pouco estranha demais.


 


Wyrda diz:


. Sim,vamos dormir.


. Amanhã conversamos.


 


Winer está offline.





Naquela noite eu fui dormir pensando naquele cadáver sangrento. Me lembrando de ter suado frio no momento, ao ver todo o sangue escorrendo da mesa para o piso virgem do laboratório. O cheiro agridoce e enjoativo misturado com o tom sóbrio de pânico.


 


Um pouco antes do sono chegar, me lembro de ter pensado em apenas uma última coisa...


 


Foi real.





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Nunca houve um verão tão quente no sul do país. Geralmente, eles vinham com uma temperatura amena e um sol de matar, sendo que não me lembro de quando o acordo caiu e passamos a ter ambos insuportáveis.


 


Quando a temperatura aumenta, Effie agita os braços para cima e grita algo como: “eu vou matar o filho da puta que inventou o calor”. É inegável que a essa altura do campeonato ela está falando realmente sério, e eu não duvido que ela tenha entrado no google para pesquisar um pouco sobre o assunto.


 


Naquele dia a Avenida Independência estava mais clara do que nunca. O completo oposto de uma manhã de inverno escura onde é impossível correr se você não quiser virar um gelo no palito. (Só não digo picolé porque dificilmente teria sabor).


 


Quando atravessei a faixa de pedestres fiquei pensando em como as coisas andavam confusas. Da noite pro dia, tudo se tornou tão opaco quanto uma névoa, e eu não fazia ideia do que podia ou não ser real.


 


– Hey, Dábliu.


 


Effie chegara cedo hoje, com a sua habitual bolsa da tinker bell e as unhas pintadas de rosa pink. De alguma forma, dava para ver que as olheiras fundas continuavam lá no seu rosto ainda pálido, assim como ela parecia estar mais magra a cada dia que passava.


 


A ruiva estava definhando diante dos nossos olhos, como papel esfarelando depois de horas na água. Talvez os acontecimentos anteriores tivessem mudado nossa vida mais do que eu havia previsto.


 


– Hey, Effie. – Caminhei até ela, segurando o meu fichário e o cartão de acesso às catracas. – Novas?


 


– Nop. – Ela sorriu levemente. – Como foi a noite?


 


Eu ri em sarcasmo (mal feito), olhando para ela como se estivesse louca.


 


– Você dormiu? – eu perguntei.


 


A resposta ficou pelo ar enquanto entrávamos no saguão do Sant’Anna, onde havia uma maré de estudantes nervosos prontos para passar pelas catracas.


Sendo que a última coisa que eu queria naquele momento era ter aula.


 


–------------------------------------------------------------------------------------------


 


– E, não se esqueçam de revisar a questão cinco! – A professora de química falou em alto e bom som, seu aparelho dentário reluzindo na luz amena da sala de aula, que refletia em seus óculos e a deixava parecendo um zumbi.


 


– Ah, sim. – Effie revirou os olhos se virando para Lola. – Eu farei a questão cinco quando ela aprender a se vestir!


 


– Não enche. – Lola falou enquanto apagava com sua borracha favorita. – A questão cinco é fácil...


 


– Ah, mas não é meeeesmo. – Iza arregalou os olhos para ela.


 


Eu apenas suspirei; aquela seria uma longa manhã de aula onde teríamos as matérias mais chatas da semana. A única coisa que me salvava era que logo seria o recreio, e Lola havia prometido que teríamos uma conversa sobre os acontecimentos recentes.


 


– Falta quanto tempo? – Perguntei à Iza.


 


– Pouco. – A loira sorriu para mim, fechando o caderno e guardando o livro. – Muito pouco.


 


Lola parecia pensativa hoje, mais do que normalmente. Era como se estivesse se distraindo com um plástico bolha secreto durante a manhã inteira.


 


– Fiquei pensando em tudo. – Ela franziu os lábios ao falar.


 


– Eu também. – Encarei a mesa.


 


– Todas nós. - Iza concordou.


 


Nos entreolhamos rapidamente, como se estivéssemos com medo do que encontraríamos no olhar uma da outra. Era doloroso e obsessivo pensar assim, como uma conspiração que cresceu da noite para o dia.


 


– Grrr. – Lola grunhiu. – Isso parece uma espécie de doença...


 


– Não acredito que seja. – Effie cruzou os braços olhando para o nada.


 


A professora de química saiu da sala, levando consigo toda organização em que estávamos. Logo, Iza sentou-se de frente para mim, encarando Lola como se dependesse do que viria a seguir.


 


Effie também olhava para nós, mas era como olhar e não ver. Provavelmente estava perdida em pensamentos sobre o tal cara que vimos ontem, mas eu não queria pensar se ele tinha alguma culpa nisso.


Eu só queria entender... O que vimos e o que realmente aconteceu?


 


Depois de alguns minutos, não nos dispersamos como costumávamos fazer, apenas ficamos ali: olho no olho. Pensando na vida.


 


– Real? – A voz de Lola saiu alta e clara, como um primeiro palpite incerto que ela demorou a arriscar.


 


O que eu poderia dizer ou pensar? Na hora pareceu muito real.


Mas depois... Ela estava lá, em carne e osso. Como alguém que jamais esteve morta ou sangrou pela sala de laboratório. Kamilla parecia estar viva e bem, melhor do que nunca.


 


– Ela disse que estava trocando a lâmpada. – Eu declarei, ainda olhando para a mesa. – Talvez...


 


– Talvez? – Lola forçou.


 


– Talvez nós... Apenas vimos a cena de um jeito errado. – Encolhi os ombros na cadeira, depois de cuspir a resposta toda de uma vez.


 


– É claro que não. – A morena praticamente gritou. – Eu sei o que eu vi!


 


– Então sabe o que viu depois! – Iza sussurrou alarmada. – Kamilla estava viva e bem.





Nós não conseguimos falar depois disso, não normalmente. Simplesmente não tocamos no assunto pelos próximos períodos, e quando algum infeliz vinha falar com a gente, era como tentar conversar com um robô sem pilha.


Inútil e decepcionante.





Quando estávamos saindo ao lado da multidão, Effie parecia tensa novamente, como se tivesse visto um fantasma em meio às turmas de ensino médio. Nós quatro saímos juntas da sala, num amontoado único no meio dos loucos da seis.


 


Todos passavam à nossa frente, irritados porque estávamos indo devagar demais. De certa forma, eu também estava. Irritada porque eles andavam ansiosos pelos corredores, loucos para sair da fortaleza sombria que era o SA.


 


– Parem. – Lola ordenou.


 


Nós paramos olhando para ela, apenas checando para ver se ela estava realmente sã, enquanto o corredor foi ficando deserto.


Num movimento súbito, que me pegou completamente desprevenida, Lola empurrou Iza e olhou para Effie, como se estivesse matando a guria com os olhos.


Eu devia estar com uma cara bem peculiar, porque logo Lola aliviou a expressão, mudando para uma mais amena.


 


– Por favor. – Ela se virou para Iza, literalmente implorando. – Me diz que o que vimos estava realmente ali...


– Eu... Eu não posso. – A loira ergueu os braços, deixando a bolsa cair no chão. – Eu...


 


– Ah, Deus. – Lola levou a mão a cabeça.


 


Eu vi o cadáver enforcado, pálido e morto da nossa coordenadora pedagógica no laboratório 03. Eu tenho certeza de que vi o sangue escorrendo pela mesa e chegando até os meus pés.


 


Foi quando eu ergui o meu All Star, verificando a sola do tênis com estampa de bigodes, apenas para checar se o meu veredicto era verdadeiro. Eu confiaria no que veria a seguir? Confiaria na minha própria visão.


 


Pousei meu pé no chão de novo, e percebi o clima de tensão e nervosismo entre nós. O cheiro de confusão e desespero.


 


Nós vimos uma pessoa morta do jeito mais terrível que podia haver. Nada poderia ter nos preparado para aquilo. E, de repente, a consequência dos fatos se assolou sobre nós, como um choro de casamento atrasado.


 


– Nós estamos ficando loucas. – Effie encarou o chão, petrificada.


 


– Eu não sei de mais nada. – Iza declarou.


 


Logo, ela foi embora. Como se não agüentasse mais um segundo naquele lugar, ou teria de ir correndo até o quarto andar e gritar aos prantos por uma verdade lógica.


 


Lola saiu com um fraco “tchau” indo na mesma direção de Iza, correndo com as mãos ainda na cabeça. E eu sabia que nenhuma de nós dormiria essa noite, nenhuma de nós dormiria por um longo tempo.


 


Quando Effie e eu saímos do colégio pelo saguão, a sensação era de que tinha se passado um milênio. Séculos e séculos e perguntas não respondidas e sangue não coagulado.


 


– Dábliu.


 


Effie enrijeceu, segurando minha mão na sua e olhando fixamente na direção da escadaria interna, aquela onde ficava os vidrais e os sussurros baixos e estranhos.


Ela parecia ainda mais pálida que o normal e, se fosse possível, ainda mais ruiva.


Minha pele se arrepiou de medo, como se eu soubesse que não poderia me virar, ou veria o cadáver da Kamilla caindo das escadas.


 


– Dábliu, por favor.


 


Effie continuava segurando minhas mãos e encarando as escadas. Sua expressão era tensa, como se quisesse provar alguma coisa para mim.


 


Aos poucos, um pouco menos confiante a cada segundo, eu decidi me virar na direção em que ela olhava.


 


– Por favor – a ruiva implorou sem desviar os olhos. - , me diz que você vê o que eu vejo.


 


Havia um garoto alto na escadaria, diferente de qualquer um que já tivéssemos visto no colégio. Ele era alto e magro, o cabelo loiro na altura dos ombros e uma expressão sacana no rosto.


 


Nós podíamos estar a cinco metros de distância do “senhor deus da beleza”, mas eu sabia que ele nos encarava. Eu sabia que ele não desviaria o olhar enquanto nós não desviássemos.


 


Ele carregava uma maleta escura e parecia ter a nossa idade; não podia ser um professor, nós nunca tínhamos o visto no livro do ano. Um aluno do terceiro, talvez?


Sem chance. O Sant’Anna não fazia alunos assim.


 


– Effie – sussurrei baixinho na direção dela, ainda sem desviar os olhos. - , quem é ele?


 


– Dábliu. – Effie não havia os desviado tampouco. – Eu acho que sabemos quem é.


 


Foi como um lapso de memória, um flash no tempo que eu percebi do que ela estava falando. Uma frágil sombra num corredor escuro, uma perseguição de passos desastrados e... Um assassinato.


 


Era ele, o garoto que estávamos perseguindo atrás de Effie. Aquele que ela reconheceu na hora que o viu, mas não quis admitir que já o conhecia.


 


– Não. – Eu queria negar tudo agora.


 


Ele era o assassino. Pelo menos, o mais perto que havíamos chegado de um suspeito.


 


E, como se ele soubesse, o garoto se virou para nós. Mostrava um sorriso de dentes perfeitos, como se tivesse ensaiado horas no espelho apenas para aquele momento. Suas sobrancelhas se arquearam maliciosamente.


 


E era como se ele soubesse o que estávamos pensando. Como se soubesse quem julgaríamos a partir de agora.


 


Sem poder suportar nem mais um segundo, eu desviei o olhar e Effie veio comigo. Nós descemos as escadas em silêncio, perdidas nos próprios pensamentos do fundo da consciência.


 


E agora eu vou te dizer o que estava acontecendo:


 


Uma merda. Uma grande merda.


Algo do qual eu estava morrendo de vontade para fazer parte.





Você tem que me entender agora.


Eu não me responsabilizo por como você se sentirá a partir daqui.


 


Mas para deixar bem claro:


À quem quiser se arriscar lá, nós avisamos.


 


Todos que entram no SA, um dia saem.


Mas nunca da mesma forma que entraram.


 


E eu estaria indo para casa naquele dia com algumas certezas, ainda que tivesse perguntas maiores que elas. Perguntas nas quais nenhuma de nós queria pensar.


 


O que eu vi foi real.


 


Um assassinato em sangue frio no meio de um colégio particular, no centro de uma das cidades mais seguras do país. Uma coordenadora pedagógica com o corpo murcho, e a vida dela se espalhando por todo o restante da sala.


 


Eu tinha certeza disso, porque o cheiro ainda estava gravado dentro de mim. O cheiro de rosas e pânico, o cheiro doce e doentio da intenção de ferir.


 


Assim como eu tinha completa certeza de que a marca vermelha na sola do meu tênis era autêntica. Uma mancha de sangue que me acompanharia aonde eu fosse, sem me deixar esquecer do que presenciamos e do que sentíamos que ainda viria.


 


Foi naquele dia que eu descobri que estávamos em um ramo diferente.


Descobri que nada mais seria o mesmo para nós.


 


E, pra aquele que estiver entrando no Sant’Anna nesse momento.


Pense bem.


Pense muito bem.


 


Você vai sair desse inferno com muito mais do que o peso de uma mochila nos ombros.


Talvez você saia com algumas vidas no bolso...



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Autor(a): clarawyrda

Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).

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