Fanfic: Sant' Anna | Tema: Original
Era estranho me levantar da cama sabendo que já estava de saco cheio dela, sem sentir uma gota de sono depois das três pílulas de laxante que tinha tomado. Passaram-se sete horas e eu ainda não havia conseguido hibernar, depois de haver tentado todos os tipos de macumba para os três mil e quinhentos carneiros contados.
O sol se erguia por trás dos prédios vizinhos, refletindo no espelho do meu quarto e queimando meus olhos. O dia ia ser como os outros, com a exceção da umidade que grudava no cabelo e levava o calor pra longe.
Foi assim que aquele dia começou. Na verdade, ele nunca terminou para que outro dia iniciasse. Tudo o que eu podia pensar era em voltar para a maldita fortaleza e dizer o que bem queria na cara da coordenadora cadáver.
"Eu te vi morta! Mulher... Você estava tão morta que eu podia sentir o sangue queimando embaixo do meu nariz."
Não, eu não acho que isso colaria. Até porque...Sentir o cheiro de coisas estranhas não é bom para uma pessoa que tenha o histórico de ocorrências tão suspeito.
Admito que, de todo o modo, minha língua coçava para gritar umas poucas e boas pra ela, onde eu mesma inseriria uns palavrões básicos e umas perguntas secas que me acalmariam por um tempo.
– Grrrr...
Fui rosnando na direção do banheiro, colocando um casaco qualquer por cima - o tempo havia esfriado. Meus pés descalços congelavam contra o piso, mas eu tinha preguiça demais para ir buscar um chinelo.
Ouvi Layla rosnando de volta para mim, é claro. O rosnado dela era muito mais podoroso que o meu.
– Criatura? - Erena falou fraquinho, sua voz saindo da porta entreaberta de seu quarto à meia luz. Pelo visto ela tinha virado a noite no computador, conversando com amigos e entrando em sites de cachorros.
– Hey, zumbi. - Sorri para ela.
– Não dormiu?
– Eu tentei.
Ela sorriu na minha direção, quase vencedora. Erena raramente dormia, e quando o fazia, era um sono leve por muito pouco tempo. Era normal que ela estivesse acordada para me dar bom dia e chutar a minha bunda para fora de casa.
Hoje eu estava irremediavelmente adiantada. Como um maldito relógio enguiçado que nunca mais voltaria a sua forma original.
De modo que não vi escolha senão fazer minha higiene matinal e correr para a cozinha, apenas para tomar uma enorme caneca de café que me mantesse acordada por tempo suficiente.
Quando a caneca terminou, escovei os dentes depressa e peguei as coisas, fechando a porta do quarto e me virando para enfrentar o dinossauro Layla.
Eu já falei que essa é a melhor parte da manhã?Sim, já devo ter mencionado.
Hoje Layla parecia estar sonolenta, assim como eu. A diferença é que ela havia conseguido a sua boa dose de sono matinal, enquanto eu parecia literalmente um zumbi, caminhando e grunhindo.
Layla nunca pareceria um zumbi. Talvez um dinossauro sonolento, mas nunca um zumbi.
E isso é porque ainda não fizeram filmes de dinossauros que morrem e voltam à vida num passe de mágica.
Maldita sorte.
– Vamos lá, cachorra. - Sorri para ela, tentando ser dócil. - Se me deixar sair, eu te sirvo um sorvetinho de tarde.
Layla podia não reconhecer palavras como "senta" ou "gire em círculos", mas certamente reconhecia a palavra "sorvete" de séculos atrás, quando o doce começou a ser servido no prato dela, que se viu no direito de passar a exigí-lo fervorosamente.
– Maldição de cadela. - Murmurei, fazendo um carinho em suas orelhas e saindo do apartamento antes que ela me comesse.
Hoje, para a minha sorte, os engravatados ainda não haviam saído. O que significava que eu estava vinte minutos adiantada do tempo pressuposto.
Hm, uma manhã de outono, muito agradável. Eu podia sentir o cheiro da salsicha processada vindo da padaria em frente, onde os portenhos se esforçavam para agradar a vizinhança.
Outono fresco e sem vento, poderia haver coisa melhor? A rua estava quase movimentada, se não fosse por aquela sonolência matinal que todos tinham ao sair de casa às sete da manhã, com um punhado de coisas para fazer na cabeça e sem disposição para nenhuma delas.
Quando o sinal fechou, eu atravessei à alguns metros da faixa de pedestre, passando na frente da vitrine da livraria e observando a nova coleção de mochilas da moranguinho que vinham com cheiro de salada de fruta.
Sério? É assim que estão tentando fazer as crianças comerem mais frutas hoje em dia? Porque eu acho que não está dando muito certo. Particurlamente, eu não comeria um morango sabendo que poderia ser um parente da minha personagem favorita.Acho que só eu penso assim, porque a coleção de mochilas de rodinha ocupava uma boa parte do caminho.
Sorri fracamente me perguntando se conseguiria acompanhar o ritmo do dia. Do jeito que minha cabeça pesava, talvez o café não tivesse sido o suficiente.
Segurando meu cartão de passe, me afastei da livraria suspirando com esforço para erguer meus pés.
Em outros tempos, é claro, eu teria achado um clima como esse a porta para o céu. Mas hoje... Não era um bom dia para surpresas felizes.
Quando passei por um grupo de estudantes e encarei o colégio, percebi que pela primeira vez na vida não estava achando o Sant`Anna assustador. Como se a parte negra do colégio tivesse se fundido em mim, como uma tatuagem permanente que me preparava para qualquer tipo de terror.
Passei pelas catracas sem realmente ver, apenas realizando mecanismos automáticos que meu corpo programava para aquela hora da manhã.
De repente, o cheiro de comida vindo do bar não parecia ser tão apetitoso quanto o da padaria lá fora, assim como o aquário da coordenação não parecia mais instigador como era todos os dias.
Daquela distância eu podia ver Kamilla, me encarando por trás do vidro do aquário, com um mínimo sorriso no rosto e um olhar comprometedor por trás dos óculos. Quando encontrei seus olhos presunçosos, eu pude sentir todas as palavras que havia pensado surgirem na ponta da minha língua, prontas para que fossem ditas na frente dela e arrancar respostas à força.
A coordenadora parecia saber o que eu estava pensando em falar, porque logo sorriu ainda mais quando eu franzi meus lábios e mordi minha língua, lançando um olhar mortal à ela.
Quando subi as escadas para o nosso corredor, percebi que a preguiça matinal havia ido embora, assim como o meu medo por Kamilla - a coordenadora pedagógica enforcada.
As coisas pareciam mais simples aos meus olhos, mais objetivas e materiais. Como algo que eu pudesse controlar se quisesse, e simplesmente mandar para longe.
– `Dia - Lola me cumprimentou assim que entrei na sala.
Percebi que naquela manhã, todas resolveram se sentar espalhadas. Talvez para evitar que tivéssemos alguma alucinação em conjunto durante a aula...
– Conseguiu dormir? - A morena perguntou.
– Você? - sorri fraco para ela.
Nós apenas nos entreolhamos, percebendo que não havia nada mais a ser dito. Como amigas que partilhavam do mesmo segredo que seria a própria ruína delas.
Iza estava com seus cabelos loiros presos no alto da cabeça hoje. Seus olhos baixos encarando a mesa em uma expressão tensa, enquanto suas unhas tamborilavam na madeira. Não parecia ter dormido tampouco.
– Bom dia. - Effie entrou na sala segurando o fichário e afastando os cabelos ruivos do rosto.
– `Dia. - Lola respondeu.
A ruiva sorriu exultante para nós, como se guardasse um segredo para si mesma. Por incrível que pareça, Effie parecia muito melhor do que nos dias anteriores... Como se alguém tivesse lhe jogado um balde d`água, que acabou levando todo o cansaço e as olheiras para longe da ruivisse ambulante.
Ela parecia... Confiante e objetiva.
– Ela tem um plano em mente. - Lola sussurrou atrás de mim. - Você não precisa tirar conclusões sozinha, Dábliu.
– Eu sei. - Eu falei.
– Ela logo vai falar. - A morena sorriu. - Se não o fizer, usaremos a força.
Sorri abertamente enquanto a seguia para me sentar ao lado de Iza, que aparentemente havia deixado o seu olhar sonhador para dar lugar a uma expressão relevante, quase obstinada.
Eu acenei levemente para ela, como se perguntasse se estava tudo bem. Iza apenas piscou os olhos pausadamente em minha direção - sim, estava tudo bem. Tudo estaria muito bem em breve.
– Bom dia, turma. - A professora de química entrou na sala de aula. Oh, eu já falei dela, certo?
Sim, óculos e aparelho reluzindo na luz tênue da sala de aula, um pouco gorda demais para as blusas que usava. E, certamente mal comida.... A Senhora Marva. Senhora, porque de fato se vestia como uma, apesar de aparentar ter uns trinta anos. Ela era chata - mas não chata do tipo Kamilla - chata do tipo: professora chata. Eu não sei explicar, mas não gostava dela de qualquer forma, ainda que fosse simpática e prestativa a maior parte do tempo.
– Eu vô dá na cara dela. - Disse Effie, sem razão aparente.
– Hey, Effie. - Lola se aproximou da ruiva com os olhinhos brilhando. - Você tem algo para nos dizer?
Lola era uma nerd fodida, certo? Errado. Porque quando Effie estava de bom humor, nem mesmo uma unha quebrada poderia tirar isso dela. De modo que a curiosidade de Lola era fichinha perto de uma unha.
– Eu tenho sim, Lola. - Effie sorriu para a amiga. - Mas cada coisa em seu tempo!
A morena fez um beicinho presumido, olhando pausadamente na minha direção como se pedisse ajuda. Eu dei de ombros, feliz ao saber que Effie tinha um motivo para estar contente e deixar o cansaço depressivo de lado.
Ter um motivo para sorrir era raro naqueles dias, principalmente enquanto estávamos sendo tachadas de malucas psicóticas por todos os professores do colégio.Isso complicava um pouco as coisas, principalmente para Lola, que costumava ser a favorita deles.
– Eu espero que ela dê a correção. - A nerd sorriu sonhadoramente na direção do quadro.
– Ah, por favor. - Iza revirou os olhos, sorrindo. - Você fala como se não tivesse acertado cada maldita questão!
Bom, isso era uma verdade. Não precisávamos de correção quando Lola, na maior parte das vezes, era mais inteligente que qualquer professora de química que tivéssemos
.- Só eu acho ela meio estranha? - Perguntei à elas, olhando Marva andar para lá e para cá dando visto nos temas.
– Oh, definitivamente não. - Effie foi a primeira a concordar comigo. - Ela é uma puta!
– Puta, eu não diria. - Sorri para ela. - Talvez mal comida.
– Bom, isso é óbvio. - Lola observou. - Eu ainda prefiro a professora do ano passado...
A professora de química do ano passado não era grande coisa.
Talvez fosse um pouco mais prestativa do que Marva, mas também não chegava em grandes quesitos como linguagem básica e senso de explicação.
De qualquer forma, depois de uns vinte minutos de aula, Senhora Marva teve que nos separar jogando cada uma para um lado da sala.
Isso tinha como objetivo nos fazer parar de conversar para que a aula cotinuasse. Eu fiquei lá atrás do lado do Lucas, enquanto Lola ficou ao lado da Babis, e atrás da Effie, que aparentemente estava riscando uma letra de música em um folhinha qualquer.
Iza era a que estava mais próxima de mim, sentada a duas classes a direita e olhando na direção do quadro. Hoje ela havia esquecido suas lentes de contato, dando lugar ao velho e bom óculos que a deixava com cara de hipster loira compassiva.
– Eu não entendo o que ela fala. - Disse Lucas, encarando a professora de química. - E ela não entende o que eu falo.
– Não se preocupe. - Sorri para ele, dando tapinhas em seu ombro. - Eu entendo o que você fala, Lucas.
Ele olhou para mim quase entediado, me encarando de cima a baixo com uma expressão típica de descrença.
– Ok, tudo bem. - Sorri para ele. - Eu entendo parcialmente.
Nós sorrimos um pouco, antes que a vaca mal comida começasse o prelúdio da aula ligando o power (super original) point e maximizando o slide de reações químicas.
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Sabe aquele momento em que você está quase prestando atenção na aula? Como se, de repente aquelas fórmulas começassem a fazer sentido no quadro, e você sentisse que não era tão difícil resolvê-las.
Digamos que eu estivesse num desses momentos, quando senti uma coisa verde vindo em alta velocidade na minha direção. Como um projétil no ar prestes a acertar a minha orelha esquerda, e me deixar surda pelo resto da eternidade.
Sorte a minha que me virei à tempo e a borracha verde acertou o meu nariz, o que não era um problema tão grande já que respirar não é tão necessário assim. Fiz uma careta de dor, com os olhos lacrimejando e a maldita borracha sendo esmagada na palma da mão.
Eu já falei que às vezes odeio a Iza? Às vezes eu tenho vontade de bater nela até a morte e dizer que foi um mero acidente, como se isso não fosse aumentar o meu histórico de problemas psicológicos.
Então, eu noto que não conseguiria viver durante muito tempo depois de matá-la. Uma vida sem borrachas de projétil não é uma vida bem vivida, já dizia Carlos Drummond de Andrade.
Não, ele não dizia. Mas eu duvido que ele não tenha pensado em algo assim, certo? O cara foi brilhante!
Voltando então...
– Que porra foi essa?
Acenei freneticamente para a loira, massageando o meu nariz e cravando as unhas na borracha verde. Eu estava prestes a interromper o período de química para gritar para ela que parasse de mandar borrachas enquanto eu estava distraída.
– Desculpa, machucô? - Iza inclinou a cabeça bem a tempo de mostrar o olhar irônico por trás dos óculos dela.
– Não, perva. - Encarei-a com raiva. - Você só fez um rombo no meu nariz!
– Ah, desculpa. - Ela falou sem realmente sentir. Seus pés balançavam de um lado ao outro embaixo da cadeira, como se aguardasse ansiosamente por algo que eu ainda não sabia.
Grande coisa! Não havia nenhum tipo de segredo que demorasse a ser revelado dentro das paredes do Sant`Anna. Era só uma questão de tempo até que descobríssemos quem perdeu a mãe, quem transou com fulana, quem ficou grávida...
Bom, não que gravidez seja um segredo fácil de esconder, é claro.
– Fala logo o que é! - Sussurrei alto para ela.
Sim, eu sussurrei alto. Qual o problema? Você já deve ter feito isso na vida.
Logo, eu pude sentir o nariz do Lucas se intrometendo na conversa pelo lado direito do meu plano de visão.
– Eu também quero saber! - Ele sussurrou alto.
– Foda-se, eu preciso saber primeiro. - Reclamei com ele.
De um jeito ou de outro, Iza revirou os olhos batendo os pés no chão e jogando uma bola de papel amassada na nossa direção. É claro que dessa vez eu desviei facilmente, fazendo com que a bola atingisse a testa do Lucas.
– Desculpa. - Sorri para ele. Lucas me olhou com raiva.
– Vamos abrir essa porra. - Ele encarou o papel com expectativa.
No fim, não era uma notícia fenomenal do tipo "fulano de tal engravidou fulana e foi expulso de casa", longe disso, era algo comum que estávamos acostumadas a receber quando tínhamos novidades, e que me fez olhar para Iza com raiva.
– É só isso? - praticamente gritei com ela.
– O quê? - A loira encolheu os ombros sorrindo para mim. - Pensa! Pode ser algo interessante...
– Como assim? - Tentei sugar qualquer informação.
– Bom - Iza começou em suspense, com aquele tipo de olhar que ela fazia quando não queria que ninguém ouvisse. -, penso que pode ter algo a ver com o enforcamento. - Ela sussurrou para mim.
Revirei os olhos chateada, porque toda aquela história estava me cansando. Eu já estava ficando entediada com os pesadelos negros que cheiravam a sangue por si só.
– Não foi um enforcamento. - Eu disse para ela. - Foi uma alucinação.
Lucas me olhava sério, quase me repreendendo pelo que eu havia dito em alto e bom som. É claro que ele sabia, porque Lola contou à ele no momento em que a história se espalhou...Só havia uma diferença: Lucas sabia a verdade. Ele estava ciente de que não tínhamos certeza do que vimos e do que ouvimos.
– Tá bom. - Iza me encarou chateada, como se esperasse um pouco de consideração da minha parte. - Acredite no que quiser. Eu sei o que eu vi.
"Eu sei o que eu vi."
Como elas podiam ter tanta certeza?
Eu senti o sangue enjoativo embaixo do meu nariz.
Eu o observei chegar até a sola do meu sapato e fazer uma mancha que simplesmente não saiu com nenhum tipo de alvejante.
Eu também vi aquele corpo murcho pendendo da corda, cuja alma escorria para a mesa e mergulhava no piso. E, mesmo depois de tudo isso, o que eu posso dizer? Nunca foi uma pessoa com pé no chão. Tudo podia ter sido fruto da minha mente.
– É isso que está deixando a Effie tão feliz? - perguntei à Iza.
A loira deu de ombros me encarando, como se necessitasse da resposta tanto quanto eu, talvez até mais. Ela pousou os olhos castanhos na mesa e suspirou fundo.
– Eu não sei. - Ela viajou. - Mas se for, espero que não acabe com as esperanças dela.
Eu concordei silenciosamente, querendo que aquela felicidade durasse o tempo que fosse. Queria que todos parassem de nos olhar estranho, como se fôssemos malucas.
Não que eles já não fizessem isso antes, é claro, mas nunca tinha sido tão explícito como agora.
– Tudo bem. - Acenei para ela, que aparentemente havia voltado sua atenção para a aula de química.
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No intervalo entre os períodos, Lucas pediu que eu ficasse ao lado dele por mais um tempo, enquanto ele pegava o seu iPod e o dinheiro para ir comprar algo no bar.
– Eu não vou poder ir para lá. - Ele ajeitou o cabelo, puxando-o todo para um lado. - Mas você vai me contar tudo depois.
Eu ri silenciosamente, me lembrando de todas as coisas que ele havia descoberto sozinho. Percebi que não haveria problema algum se eu não contasse, cedo ou tarde Lucas iria descobrir de qualquer jeito.
– Certo. - Acenei pra ele, para logo seguir adiante e sentar na classe, esperando o professor de matemática.
Os períodos passaram se arrastando depois de química, como vagões de um trem cujo maquinista não recebia um bom salário.
A turma estava silenciosa e sonolenta, todos esperando pela hora do sinal bater para que pudessem descontrair e ter alguns minutos de socialização disciplinar.
Eu alcancei meu estojo, abrindo o zíper e pegando o papel que Iza havia me passado mais cedo. Era uma folha arrancada da agenda do colégio, com as letras de Effie escritas em tinta rosa com um pouco de glitter.
Árvore do pátio no recreio, certo?
– F
Era óbvio que eu estaria lá, esperando para saber o que havia mexido com o humor dela e feito desaparecer as olheiras. Torcendo para que Iza estivesse errada e a conversa não chegasse nem perto do enforcamento.
Aquela cena de horror no quarto andar teria que desaparecer da minha cabeça de qualquer forma. Eu não aceitaria ser intimidada por aquilo, ou ter que conviver com o meu desequilíbrio mental...Se eu realmente tivesse um.
Dava para sentir que Effie havia pensado nesse plano durante horas, até tomar coragem para divulgá-lo entre nós.
O cheiro do nervosismo crescia a cada minuto, e isso não era normal. E eu esperava, realmente, que não envolvesse o tal enforcamento.
– Dábliu. - Lola me chamou, solenemente. - Recreio. Vamos.
Me levantei da cadeira dando um tchauzinho para Lucas. Segurando a mão de Iza, segui na direção do corredor ao lado delas, desejando que nada fosse dar errado. Afinal de contas... O que poderia ser mais errado do que um enforcamento?
Eu estava necessitando de uma daquelas salsichas cheirosas da padaria ali da frente, mas ninguém pode ter tudo o que quer, certo?
– So, what is the plan? - Iza perguntou.
– Vamos até a árvore. - Effie falou, simplesmente.
Podia haver silêncio entre nós quatro, mas eu também podia ouvir Lola se coçando freneticamente para saber tudo o que Effie estava escondendo. A morena não aguentava muito tempo longe de uma novidade, ainda que isso fosse a nova data da prova de biologia.
Descemos as escadas devagar, com um pouco de expectativa. Iza balançava os braços impaciente, empurrando Lola e grunhindo sua loirisse enquanto descíamos.
O pátio estava cheio de criancinhas pulando e correndo, um pouco animadas demais para uma manhã de quinta feira, dispersas para notar que o clima havia esfriado.
Seguimos até a árvore em silêncio, deixando que a espera falasse por nós e o vento levasse embora qualquer tipo de insanidade que um dia tivemos.
– Muito bem. - Effie falou pensativa. Suas sardas pareciam um pouco mais apagadas que o normal.
Nos sentamos nas cadeiras em torno da árvore, como pessoas obedientes e comportadas, esperando pela reunião da nossa nova empresa feliz.
Iza sentou ao meu lado ainda segurando minha mão, às vezes cutucando o próprio pé com um graveto e vendo as crianças correrem.
Lola girava os polegares repetidamente, como um costume nerd que acalmava os nervos. Effie não se sentou; ela olhava para as folhas e franzia os lábios, tentando se decidir por onde começar.
– Vamos lá, Effie. - Sorri para ela, numa tentativa de encorajamento. - Comece por onde achar melhor.
Eu tinha a impressão de que aquilo não seria apenas um plano, como também uma chance da ruiva despachar todos os pensamentos que havia obtido na noite anterior.
– Ok. - Effie respirou fundo. - Eu sei que as coisas andam um pouco confusas ultimamente... - Ela parecia se dirigir a todas nós.
– Um pouco? - Iza ergueu as sobrancelhas.
– Certo. - Effie continuou. - Muito.
– Uhum. - Concordei.
– Mas a questão é que estamos juntas, certo? - Ela se virou para nós, um tanto indecisa. - Forever?
– Claro. - Iza riu, um pouco nervosa.
– Sim, Effie. - Lola se manifestou na conversa. Seus olhos pousados na ruiva de pé, às vezes acompanhando a paisagem ao nosso redor.
– Tudo bem. - Ela suspirou aliviada.
Eu encarei-as, olhando a expressão de cada uma, precisamente, procurando por resquícios de dúvida. Era esse todo o medo que eu cheirava? Medo de que houvesse uma briga? Uma briga poderia nos separar?
Ora, vamos falar a verdade. Foi só um enforcamento...Não dá para fazer esse estrago todo, certo?
– O que você realmente quer nos dizer? - Lola foi direto ao ponto, deixando Effie encabulada por não saber o que dizer.
– Ãh - ela ergueu as mãos. -, vocês lembram da abertura do prédio novo?
Nos entreolhamos com suspeita.
– Ano passado? - perguntei.
Effie andou até o meio do pátio, acenando freneticamente para o chão.
– Quando nós passamos por aqui... - Ela falou.
– O que tem? - Iza franziu a testa.
– Depois fomos pra lá! - Effie acenou para as escadas feito uma louca. - E eu o vi aqui... - Então ela apontou para a cadeira onde Lola estava sentava, fazendo a garota se levantar de um salto.
– Quem? - Lola perguntou, olhando aterrorizada para a cadeira.
– Ele! - A garota quase arrancava os próprios cabelos. Iza revirou os olhos.
Eu olhei para Lola rapidamente; era como se soubéssemos no que isso ía dar, como se temêssemos essa parte. A conversa não poderia ir mais além, não até onde eu estava achando que iria chegar.
– Sei. - Lola ainda me encarava. - O garoto do corredor?
– O cara que vimos no quarto andar.
– Isso. - Effie concordou. - Pelo menos eu acho que é o mesmo...
Iza gritou emudecida, seguindo nossos olhares para a ruiva.
– Como assim... - A loira gritou. - Você acha?
Lola ainda parecia inflexível em sua cadeira embaixo da árvore. Effie mordeu o lábio inferior, um tanto indecisa.
– Vimos uma sombra, certo? - Ela perguntou incerta.
– Sim. - Iza cruzou os braços.
Eu chutei algumas pedrinhas que estavam debaixo do meu tênis, respirando fundo e franzindo a testa.
– Foda-se. - Simplifiquei as coisas. - O que tem ele?
Effie pareceu hesitar por alguns instantes, olhando para Lola a procura de ajuda. Por fim, suspirou pesadamente, talvez concluindo que deveria passar por isso sozinha.
– Bom, eu o vi aqui. - Ela encarou a árvore pensativa. - Antes de tudo, eu o vi aqui.
– Ãh - Lola parecia estar juntando as peças. - Você está dizendo que encontrou com ele aqui?
– Não! - Effie disse rapidamente. - Eu apenas o vi...
Nos entreolhamos rapidamente; cada uma tentando calcular o que sabia mais do que a outra, testando nosso conhecimento individual, que parecia nos separar cada vez mais naquele momento.
– Ela o viu... - Eu tentei me lembrar. - No dia da abertura do prédio novo.
– Como você sabe? - Lola estava furiosa.
– Você não lembra? - Iza parecia estar fazendo força também. - Ela disse que tinha visto um cara embaixo da árvore.
– Sim. - Eu realcei. - Quando estávamos subindo as escadas.
Effie cruzou os braços nervosa, seus olhos indo de uma lado a outro, enquanto Lola emudecia tentando entender onde tudo havia começado.
– Você... Falou com ele depois disso? - A morena perguntou, checando todos os dados.
– Apenas no quarto andar. - A ruiva engoliu em seco. - Quando todas estávamos lá...
– Vocês acham que ele a matou? - Iza perguntando, inclinando a cabeça e sacudindo seus cachos loiros.
– Não se esqueça - Adverti à ela. -, ela não está morta.
– Não foi um assassinato. - Lola concordou.- E não sabemos quem ele é... Só o vimos duas vezes.
Olhei para Effie indecisa, sem saber exatamente como pensar e como dizer. Estávamos em uma encruzilhada de rostos e sangue, que nos deixaria numa fria se a coordenação soubesse que ainda estávamos envolvidas nessas alucinações.
– Conta pra elas, Dábliu. - Effie se decidiu, me encarando.
– Contar o quê? - Me levantei da cadeira, deixando algumas folhas de árvore caírem do meu cabelo para minha blusa.
A ruiva me encarou severamente, evitando olhar para Lola, que poderia estar com um daqueles olhares mortíferos no rosto, pronto para nos lançar.
– Você sabe o quê. - Effie falou, em um tom seco.Eu assenti, esfriando minha cabeça e deixando os pensamentos fluírem. Senti meus dedos dormentes por baixo da manga do casaco, e notei que a tensão havia aumentado, dando um cheiro metálico à conversa.
.- Quer dizer que aquele cara - Olhei para Effie, encolhendo os meus braços -, era o mesmo que vimos lá em cima?
Lola ergueu as sobrancelhas enquanto Iza abriu a boca horrorizada.
– O que você acha? - Effie ergueu a cabeça.
Merda. Eu achava que sim.
– Me diga você. - Minha voz saiu rouca.
– Eu acho que era o mesmo cara que eu vi aqui. - Effie apontou para a árvore. - A fisionomia era a mesma.
– Alto com cabelo no ombro? - Lola tentou se certificar.
– Exato. - Concordei.
O recreio terminou; as criancinhas voltaram para suas salas enquanto ouvíamos todos se recolhendo lá em cima. Por incrível que pareça, nenhuma de nós se mexeu, nem mesmo Lola, a nerd que adorava aula.
Ficamos nos encarando pelo tempo necessário, até que Iza perguntou.
– Então - Iza começou. -, ele a matou?
– Cala a boca... - Effie murmurou.
– Já dissemos que não foi assassinato. - Lola falou.
– Hm, eu acho que foi.
– Foi uma alucinação.
– Assassinato. - Iza cortou.
– Alucinação. - Concordei com Lola.
Todas olhamos para Effie, que era a única que não tinha compartilhado sua opinião sobre o "surto de imaginação" que tivemos no laboratório 03, o que era equivalente ao fato de que o plano dela tinha algo a ver com isso.
– Hey, ruiva. - Lola estreitou os olhos. - Cospe, por favor.
– É isso ae. - Falei pra ela.
Iza apenas sorriu para nós, provavelmente nos achando abobadas.
– Então - Effie começou a gesticular. - , eu estava pensando.
– Fudeu. - Iza falou. Nós rimos.
– Deixem eu falar!
Ficamos quietas então, olhando uma pra cara da outra como costumávamos fazer quando a situação estava cômica ou suspeita. Naquele caso, ela estava os dois, e se Effie não contasse logo o plano, eu estava sentindo que Lola pularia em cima dela.
Antes que pudéssemos nos preparar, Effie estalou os dedos e os enfiou no bolso do casaco.
– vamosnoquartoandar. - A ruiva cuspiu tudo.
– O quê? - Lola perguntou.
– Seja coerente. - Iza exigiu.
– Eu acho... - Comecei dizendo.
– Você acha o quê? - Lola se virou rapidamente pra mim.
– Acho que ela está dizendo para irmos no quarto andar. - Declarei, engolindo em seco e me distanciando delas, pronta para levar um tapa vindo de Lola e fugir pelo pátio.
– Sem chance. - A morena declarou; simples assim.
– Por que? - Iza levantou-se da caderia e parou ao meu lado. - Eu acho que houve um assassinato e quero a chance de provar isso!
– E se tivermos outra alucinação? - Lola perguntou. - Vamos correndo para a coordenação dar alarme falso?
– Será que só eu acho que não estamos loucas? - Iza retrucou.
– Que escolha temos? - A morena parecia estar a plenos pulmões; seu rosto estava ficando vermelho, e os punhos apertados demonstrando a raiva que sentia.
– Lola está certa. - Effie sussurrou.
Olhei para a ruiva sem acreditar; como eu era mais baixa que todas elas, você deve imaginar que meu pescoço doía de vez em quando, mas dessa vez eu senti ele estalando tamanha a rapidez do meu movimento.
– Se acredita na Lola - Me virei para Effie. -, por que precisamos ir no quarto andar?
– É. - Lola fraziu a testa. - Por que?
Iza nos encarou até chegar na conclusão por si mesma, olhando para Effie em seguida.
– Ah, não me olhem assim! - A ruiva bateu os pés. - Eu só estava pensando...
– Fudeu. - Iza falou novamente.
– Podíamos ir ao quarto andar para dar uma investigada. - Effie tentou sorrir para nós. - Querendo ou não, essa história é muito estranha.
– Como assim?
– Não sabemos se o que vimos foi verdade - Ela parecia estar explicando para si mesma. -, mas é estranho esse cara ter aparecido!
– Hm, eu concordo. - Exclamou Iza.
Eu tinha certeza de que ela concordaria com qualquer coisa para dar uma subidinha no quarto andar e dar um espiada. Mas eu sabia que quando chegássemos lá em cima, ela começaria a tremer nas bases.
– Certo. - Eu concordei, cagada de medo, é claro.
– Humpf. - Demoraria até que Lola aceitasse isso.
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O sinal já havia tocado para o fim do recreio, mas quem se importava? Nós tínhamos uma missão agora, e eu não descansaria até descobrir quem diabos era aquele cara terrível (bonito) e misterioso nas escadas.
Meu único pensamento enquanto subíamos era que Lola não gostaria dele. Ela não gostava de loiros em geral; Flávia parecia estar decidida a desmascará-lo, o que me fez perguntar se havia algo por trás disso. Talvez ele pudesse até ser o motivo das suas olheiras nas últimas semanas...
– Por aqui? - Lola indicou as escadas internas.
Sim, era melhor. Se fôssemos pelo lado externo, havia maiores probabilidades de que fôssemos pegas por algum professor.
Ainda estávamos caminhando pelo corredor do terceiro andar quando Iza grudou ao meu lado. Sua mão estava começando a suar, e eu quis amaldiçoá-la por ter concordado com aquela ideia.
Estava começando a sentir que aquela manhã me daria pesadelos.
– Andem, depressa! - Effie nos guiava, caminhando em zigue-zague pelo corredor num nervosismo compreensivo.
Corremos feito loucas até alcançar a escada, na qual dei alguns escorregões antes de tomar impulso e subir. Iza subia ao meu lado, ofegando e dispersa, provavelmente buscando o medo escondido no fundo do estômago.
Foi quando eu percebi que não havia pensado em qual seria a minha reação ao voltar lá. Não pensei no que iria sentir (além de náuseas, é claro) quando chegasse no laboratório 03 do quarto andar.
Se o meu estômago tivesse cor, ele seria negro como esse andar. Tão escuro e frio que seria impossível respirar, exatamente onde e como estávamos agora.
A escada nos levava até um largo corredor inicial, cujas paredes brancas ainda refletiam a luz tênue que subia através da balaustrada.
– Olá? - Effie exclamou, sua voz ecoando pelas paredes brancas.
– Shhh. - Sussurrei para ela. - Por favor, não me mate de medo.
Avançamos devagar; quatro adolescentes descaradamente aterrorizadas em um corredor escuro, dentro de um colégio particular, sendo que uma delas parecia ter uma espécie de fobia, porque Iza não parava de tentar se esconder embaixo do meu cabelo.
Dá para você imaginar, não é? não estava dando muito certo. Lola cruzou os braços e passou a caminhar ao nosso lado, enquanto Effie ainda nos guiava mais a frente, quase sem respirar.
– Laboratório 03? - Lola perguntou, de braços cruzados e respiração pausada.
– S-sim. - Iza tremia atrás de mim.
– Fiquem quietas! - Effie mandou.
Lola xingou baixinho enquanto segurava o meu braço e me guiava mais a frente. Iza estava atrás de mim, é claro, quase não ousando se mexer.
Naquele momento, eu não pude ver ou cheirar nada. Só conseguia ouvir o meu coração batendo forte contra o peito, em um ritmo diferente de alerta.
– Effie. - Lola me arrastou ao lado dela. - Se acalme.
– Ele deve estar por aqui... - A ruiva continuou avançando.
Estávamos estrando em uma parte estreita do corredor, onde Effie começou a se apoiar nas paredes com Lola atrás dela. Meu braço estava ficando dormente, enquanto Iza parecia estar rezando uma espécie de haicai.
No fim do corredor, uma luz fraca vinha das escadas internas do lado oposto do colégio. Estava claro que não chegaríamos ali antes que Effie tivesse a oportunidade de dar uma boa olhada na sala de laboratório.
Ela estava procurando por ele, é claro. O mesmo cara que vimos no saguão, ontem de manhã. Só podia ser o mesmo, na minha concepção.
– Effie, tem certeza? - Iza foi até a ruiva.
Effie não respondeu; minhas pernas tremiam enquanto eu andava atrás delas, balbuciando algumas palavras como "vamos" e "é isso aí".
Quem poderia estar tão confiante assim?
O cadáver da Kamilla ainda me assombrava, como um excelente conforto para voltar ao quarto andar de manhã. Quem sabe eu não devia ter levado um saco de lixo para pegar meu coração de volta?
Depois de tantas horas, ele já devia estar cheirando mal.
– Prontas? - Effie nos perguntou.
– O cara que vimos ontem era loiro. - Consegui dizer.
– Loiro? Argh! - Lola exclamou.
– Shh. - Iza se esqueirou pelo corredor. - Vocês ouviram isso?
Não, de primeira eu não tinha ouvido nada. Meus olhos estavam dispersos em algum ponto da escuridão onde os cheiros estavam escondidos. O ar era sóbrio e me deixava com náuseas, tornava o ambiente estéril para mim, onde parecia estar faltando algo além de luz...
– Lola. - Effie engoliu em seco. - Abra a porta.
– O quê? - A morena empacou. - Depois desse barulho?
Nos entreolhamos, esperando que alguém intervisse.
– Parecia um arrastar de cadeira. - Simplificou Iza.
– Deve ser ele. - Effie se referia ao "loiro", provavelmente querendo encontrá-lo dentro da sala, com um buquê de flores e sorrindo para ela.
Lola revirava os olhos toda a vez que nos referíamos à "ele". Eu pensava bem, me lembrando de que das duas fisionomias idênticas que vi naquele dia. Só podia ser o mesmo, sem sombra de dúvida.
– Não se esqueçam - Iza passou à nossa frente, cruzando os braços e afastando os cachos loiros dos ombros. -, ele enforcou a Kamilla.
Essa era a teoria da loira. Eu já havia tido essa impressão, mas resolvi não tocar no assunto novamente enquanto Effie não largasse essa fixação por ele.
– Ele não é o assassino. - Effie negou veemente, passando a frente de Iza e segurando a maçaneta.
– Ele estava nesse corredor, fugindo de nós! - Iza segurou o braço da ruiva.
– Não temos provas.
– Será que ninguém considerou que ela possa ter se enforcado? - Me virei para elas, tentando ignorar as batidas que vinham de dentro da sala.
– Dábliu - Lola se virou para mim. -, tinha sangue, lembra?
– Ah. - Puta merda, eu me lembrava.
Effie encostou na maçaneta devagar, pronta para adentrar a sala e descobrir a fonte do barulho.
– Effie, não abra! - Iza pediu, segurando o braço dela.
– Por quê? - Lola passou a minha frente, segurando a loira. - A ideia foi sua, Iza!
– Eu sei.
– Que barulho é esse? - Minha pele se arrepiava a cada batida nova.
– Deve ser a Kamilla sendo morta de novo. - Iza bateu os pés.
– Não seja idiota! - Lola tentou persuadí-la. - Ninguém morre duas vezes! Deve ser uma turma tendo aula de informática.
– Hm - Effie olhou para as duas, um pouco indecisa. - Não quero dizer nada, Iza, mas acho que a Lola tem razão.
– Então por que estou cagada de medo? - Me virei para elas.
– Você sempre está cagada de medo, Dábliu! - Effie respondeu.
– Não mais do que a Iza... - Eu rebati.
Lola revirou os olhos enquanto segurava o meu braço e me puxava para frente, na direção da porta. Eu engoli em seco quando ela encostou na maçaneta de latão, e rezei para que não houvesse nenhum cadáver lá dentro.
– Pare de tremer, nanica! - Effie mandou.
Eu olhei feio para ela, segurando firme o braço de Lola enquanto a morena abria a porta.
– Ah, Deus. - Iza tremia da cabeça aos pés.
Eu parei no batente da porta, querendo puxar Lola de volta, para fora da sala escura. Nem por um momento pensei em cheirar o ar, em busca do aroma adocicado de sangue.
Lola já estava lá dentro e eu não conseguia enxergá-la. O feixe de luz que vinha das escadas parava à metros atrás de nós, e eu tinha certeza de que ninguém ousaria botar a mão lá dentro para ligar o interruptor.
Segurei a mão de Iza, satisfeita ao observar que a loira tinha tanto medo quanto eu. Não que eu acreditasse que Kamilla pudesse morrer duas vezes... Mas com certeza acreditava na possibilidade de haver dois assassinatos na mesma sala.
Foi quando eu percebi que nenhuma de nós estava considerando o assassinato como uma alucinação. Todas pareciam ter excluído a opinião da coordenação quanto a nossa sanidade.
– Lola? - Effie chamou.
Inclinei minha cabeça para frente, buscando a fisionomia de Lola no escuro. Tudo o que pude ver foram várias caixas escuras, que presumi que fossem os computadores do colégio.
– Aqui. - Lola falou baixinho. - Entrem.
Entrar? ah, eu não achava uma boa ideia. Effie se inclinou na direção da porta, checando se o caminho estava realmente limpo de sangue para que pudéssemos entrar.
– Ok. - A ruiva pronunciou, antes de cruzar o batente e entrar na sala. - Vamos.
Iza estava tendo um ataque epilético ao meu lado, sem saber se ficava ou se corria. E quando ela começou a considerar a segunda opção, segurei o braço dela com força, guiando-a para frente na direção de Effie.
– Você concordou. - Sussurrei para ela, só para lembrá-la de quem era culpa por estarmos todas ali.
Iza acenou fracamente, dando dois passos na direção de Effie e segurando a mão da ruiva. A sala parecia estar vazia, com todas as cadeiras desocupadas e nenhuma luz acesa. Meu primeiro pensamento foi em correr para a coordenação e exigir que botassem luzes automáticas nas salas do quarto andar.
– Dábliu! - Lola chamou. - Venha.
Engoli em seco, amaldiçoando-as silenciosamente por terem me colocado nessa roubada. Veja bem, nem todo mundo tem amigas que te levam para investigar uma cena de assassinato, sem o seu conssentimento.
– Alguém pode acender a luz? - Minha voz ecoou para dentro da sala.
Levou alguns momentos para que Lola aparecesse na minha frente, segurando o meu braço e me puxando para dentro.
– As lâmpadas parecem estar queimadas. - Ela falou num tom de voz sombrio.
– Que merda, Lola! - Segurei o braço dela. - Vamos sair daqui.
– Nem pensar. - Ela se esquivou de mim, indo mais a frente. - Vamos ficar e ver.
Ver o quê? Estava escuro e os barulhos haviam parado. Estávamos sem luz e sem vergonha na cara, como poderíamos enxergar alguma coisa?
– Doidas. - Sussurrei pra elas, pegando meu iPod do bolso e aumentando o brilho da tela. - Vocês são loucas.
– Nós vamos morrer. - Iza falou, à alguns passos na minha frente.
Com a luz do iPod eu conseguia enxergar onde cada uma delas estava, ainda que os computadores dessem um aspecto sombrio à coisa toda.
Lola estava praticamente do meu lado, olhando na direção do quadro branco, provavelmente tentando ler o que estava escrito; Iza jazia há alguns metros de distância, toda encolhida na frente dos monitores, olhando na minha direção.
Effie seguia mais a frente, contornando a mesa central e examinando as cadeiras.
– Não tem ninguém aqui, Effie. - Virei o iPod na direção dela. - Vamos embora.
A ruiva acenou discretamente, empurrando a cadeira a frente e voltando as costas para a parede. Lola seguia na minha direção, provavelmente pensando em tudo o que estávamos fazendo.
Effie me alcançou, segurando a minha mão e abrindo a porta para que saíssemos.
– Iza! - Lola chamou. - Junto!
A loira parecia não ouvir. Seus cachos caiam em cascata para o lado, como se ela estivesse examinando a CPU do computador.
–HÁ! - Iza gritou.
Levei um cagaço, saltando para trás e me agarrando à Effie. Lola xingava a loira depois de ter pousado a mão direita no coração, praguejando alto e saltando no mesmo lugar.
– O que é, bisca? - A morena gritou.
Todas nos viramos para Iza, que ainda tinha a cabeça inclinada para a CPU e gritava escandalosamente.
– Achei meu pen drive! - A loira se virou emocionada.
– EU VÔ DÁ NA CARA DELA! - Effie gritou.
Corri na direção do computador, empurrando Iza para o lado só para ver o pen drive plugado na entrada USB do computador.
– Você me deu um susto do caralho! - Xinguei ela, enquanto ouvia os outros xingamentos de Lola na porta.
– Pega essa merda e vamos embora! - A morena gritou.
Iza desplugou o pen drive rapidamente, colocando-o no bolso e segurando minha mão para sair da sala.
Suspirei aliviada quando saímos, feliz de estar dentro do feixe de luz que saía das escadas. Agora eu conseguia vê-las claramente, cada uma com uma expressão alarmada no rosto.
– Não encontramos ninguém. - Effie murmurou.
– Ah, pelo amor de Deus! - Lola se virou para ela, dando um tapinha de leve nas costas da garota. - Você não achou que ele iria andar o tempo todo no quarto andar, achou?
– Não. - Effie negou rapidamente, segurando minha mão e caminhando para as escadas. - Mas tive a impressão de que o encontraríamos aqui.
Iza pegou o pen drive do bolso, segurando-o com as duas mãos como se estivesse checando para ver se era o mesmo.
– Tudo bem, Iza? - Me virei para ela.
– Talvez. - Ela murmurou em resposta.
– Vamos descer.
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Desci o primeiro degrau da escada um tanto aliviada. Não havíamos encontrado nada, ainda que a penumbra fosse insinuante, não havia nenhum cadáver sangrento ou um coordenador ambulante.
Me sentia sã e salva depois de ter voltado lá em cima para enfrentar os meus medos.
Bom, eu me senti assim, até ouvir o barulho retumbante de novo, vindo dos laboratórios escuros do quarto andar.
– O que foi isso? - Iza se apoiou no corrimão.
– Deve ser uma faxineira... - Lola se virou para a escuridão.
Tremi da cabeça aos pés ao sair do feixe de luz, me virando na direção de Effie.
– Effie? - Chamei por ela.
– Deve ser ele. - A ruiva se virou na direção do som.
De repente, ela começou a correr pra dentro da escuridão, querendo chegar até a outra extremidade do corredor. Foi quando Lola começou a correr atrás dela, puxando Iza consigo.
– Putas! - Gritei na direção delas. - Por favor, não façam isso comigo.
Olhei indecisa na direção do feixe de luz, querendo voltar para ele desesperadamente. Só para depois olhar para a escuridão, onde Effie, Lola e Iza haviam desaparecido.
– Putas, putas, putas... - Segui correndo na direção delas, tentando não cair em cima dos meus joelhos tortos.
Eu só conseguia ouvir os meus passos e minha respiração na escuridão, rezando para que as outras não estivessem muito a frente.
– Dábliu! - Lola chamou por mim.
Segui a direção do som, que me indicada que elas haviam tomado a bifurcação à direita, que nos levava para mais uma leva de salas de laboratório, onde eu apostava a minha vida que estavam todas com as lâmpadas queimadas.
– Iza! - Chamei por ela ao ver um resquício de blusa verde sumir na escuridão.
Quando as alcancei, Lola segurava Effie na frente de uma porta à esquerda, por onde saíam os sons que havíamos ouvido nas escadas.
Eram batidas estranhas, como um martelo em um pedaço de madeira bamba.
Definitivamente, não parecia ser o som que uma faxineira faria.
– Loucas. - Gritei para elas, olhando para os lados. - Não abram essa porta!
– O que tem aí dentro? - Iza perguntou.
Eu parei para pensar por alguns instantes, me lembrando de todas as indicações que eu tinha do quarto andar. Onde ficavam os laboratórios, as salas de religião, o voluntariado, as salas de redação...
Eu sabia até mesmo onde ficava o bebedouro!
Mas eu nunca tinha me tocado que aquela porta existia. Ela ficava apenas à alguns metros dos banheiros, ao lado do laboratório 02.
Olhei para Effie e Lola, como se buscasse alguma reação de entedimento por parte delas, já que estavam no colégio fazia mais tempo.
As duas se encaravam, a ruiva olhando para morena.
Então percebi que nenhuma de nós sabia.
– Eu nunca vi essa porta antes. - Lola pronunciou devagar.
– Vamos embora! - Gritei para elas, quando as batidas começaram a aumentar o ritmo. - Eu não quero entrar em Nárnia...
– Vamos entrar. - Effie falou, olhando para a porta como se ela fosse uma espécie de tesouro.
– Não! - Iza olhou para os dois lados do corredor. - E se nos pegarem?
– Não vão nos pegar. - Lola falou.
LOLA FALOU! Essa simplesmente não era ela...
O som das batidas saía pela fresta debaixo da porta, onde eu imaginava que havia alguma espécie de dinossauro caminhando.
Por alguma razão, isso me fez lembrar da Layla.
Effie colocou a mão na maçaneta, respirando fundo e puxando a porta para fora. Numa fração de segundo, eu notei que poucas portas naquele colégio abriam para fora do caminho, e juro que podia contar todas elas nos dedos.
– Alguém aí? - Lola perguntou, avançando atrás de Effie.
Nos encontramos em um armário de vassouras, daqueles que as faxineiras guardavam os baldes e panos de chão que usávamos para limpar alguma coisa derrubada na sala de aula.
Havíam vários daqueles espalhados por todo o colégio, às vezes abertos, onde víamos faxineiros reunidos com baldes amarelos e arrastando-os pelo corredor.
Eram normais e nunca haviam chamado a nossa atenção... Até este, por onde saía o barulho mais assustador que já havia ouvido, e um cheiro de água sanitária tão forte que me fazia lacrimejar.
– Alguém? - Lola perguntou novamente.
A sala era bem pequena, com algumas vassouras encostadas na parede e um molho de chaves em cima de um banquinho. Simples e nada assustador. Mas quem havia feito um barulho?
Effie puxou a porta até que esta encostasse na parede ao lado de fora, e foi quando ouvimos um berro de estourar os tímpanos, seguido de uma agitação de baldes e esfregões dentro da sala.
– AAAAHHHH! - Gritei saltando para trás e me jogando contra a parede do corredor, sem querer ver o que quer que estivesse acontecendo.
– DEUS! - Iza parecia estar ao meu lado.
Quando abri os olhos, tudo o que pude ver era a loira encostada ao meu lado, segurando uma vassoura em posição de defesa.
– Que di.... - Foi quando eu vi Effie e Lola na minha frente, dos dois lados da porta, encarando quem quer que estivesse dentro.
As duas olhavam assustadas para o batente da porta aberta, onde agora havia um garoto de pé. O mesmo que Effie e eu havíamos visto no dia anterior nas escadas, alto e magro, cabelo nos ombros.
Com exceção talvez....
Bom, ele não era loiro. O que significava que eu devia ter visto um pouco errado nas escadas.
Ele nos encarava com uma expressão aterrorizada, seus olhos pousando na vassoura que Iza segurava com vigor na direção dele.
O garoto segurava um esfregão molhado, virado para cima. Seu cabelo negro parecia igualmente mollhado, grudando em seu maxilar e deixando-o com uma expressão ainda mais apavorada em seus olhos castanhos.
Usava uma jaqueta de couro úmida e calças sociais cor de vinho, que mostrava-se uma combinação estranha aos meus olhos.
Tudo o que eu pensava naquele momento era que...
Eu já havia visto muitos garotos nos evitarem nos corredores, e desviarem o olhar quando queríamos que nos olhassem.
Mas era a primeira vez que um garoto parecia ter medo de nós.
– Quem é você? - Effie perguntou.
Ele nos encarava assustado; seus olhos castanhos reluziam na escuridão, grandes e voltados para nós. A água que gotejava do seu cabelo escorria pela jaqueta e caía no chão, formando uma pequena poça que chegava aos meus pés, molhando a sola dos meus all stars.
– Oi? - Sua voz era rouca e suave, quase como um farfalhar de asas.
– Hey. - Eu respondi, sorrindo para ele e me levantando.
Para falar a verdade, eu não sabia muito bem o que estava acontecendo; pequenos fatos se concentravam em minha mente, onde eu conseguia entender que estávamos no quarto andar, matando aula.
Sim, estávamos matando aula, e Lola parecia não estar dando a mínima para isso.
– Oi. - O cara sorriu para mim, mostrando uma carreira de dentes perfeitos.
Percebi que Iza ainda estava ao meu lado, com as bochechas coradas e o cabelo no rosto, armada com uma vassoura suja retirada do armário.
– Iza? - Eu perguntei à ela.
– Oh. - A loira pareceu se tocar, para logo em seguida pousar a vassoura na parede, afastando os cabelos do rosto e corando ainda mais.
A cena ainda estava um pouco lenta, quase congelada. Lola olhava para ele sem poder acreditar, seus olhos negros percorrendo o fenômeno de cima a baixo, para logo voltarem para o armário, especionando o seu conteúdo.
– Ãh. - Tentei tirar o desconforto da cena. - Tudo bem?
Tudo bem? SÉRIO? Senhoras e senhores, Wanda Wyrda acaba de tirar o desconforto da cena! clap clap clap.
Ele ainda nos olhava assustado; encarava Effie, depois Lola, depois Iza, depois a vassoura, para chegar até mim e começar tudo de novo.
Effie era a única que não estava dando a mínima para o novo estranho. Ela segurava o braço de Lola fortemente, e olhava para dentro do armário esperando que mais alguma coisa saísse lá de dentro.
– O que você tá fazendo aqui? - Iza foi a primeira a acordar do susto. Seus olhos se estreitaram na direção do garoto estranho, fazendo com que ela parecesse um porco de peruca. - O sinal já bateu!
Então eu me lembrei que devíamos estar na aula de química, prestando atenção no que a Marva tinha para nos ensinar... E não conversando com um garoto bonitão no quarto andar!
– Aula! - Lola gritou de repente, sacudindo Effie com toda a força. - TEMOS AULA AGORA!
– Uma hora ela teria que se tocar. - Iza revirou os olhos, sorrindo timidamente na direção do garoto estranho.
Ele encarava Lola como se ela fosse a sua nova sobremesa, e ela fosse tão bonita e fofinha que ele tivesse pena de comer.
É, eu tenho metáforas estranhas...
O garoto parecia ser do nosso ano, um pouco baixo para idade talvez. Mas é claro que não chegava ao meu recorde - mais baixa do que um anão de jardim.
– Então - Tentei puxar conversa com ele. -, você é do segundo ano?
Ele se virou para mim, aos poucos, largando o esfregão molhado no chão em frente aos seus pés e se levantando devagar, ainda me fitando, como se tivesse medo de que eu desviasse o olhar.
Foi quando eu percebi que ele usava sapatos sociais. Suas calças estavam rasgadas no joelho, ainda que parecessem ser de uma marca cara, e sua jaqueta de couro era um pouco grande demais para ele.
– Você está me vendo? - Sua testa estava franzida e, por um momento eu achei que ele estivesse finjindo, numa brincadeira sem graça de que ninguém nunca o tinha o visto por aí.
– Sim, eu estou. - Fiz poker face para ele. - Você está me vendo?
– Como sempre. - Ele respondeu, mais para si mesmo do que pra qualquer uma de nós, me encarando sem acreditar.
Ok, talvez eu estivesse entendendo a situação...Ele realmente achava que nós não o víamos? Quer dizer, eu nunca tinha o visto antes dele saltar para fora daquele armário de limpeza! E onde ele estava esse tempo todo?
– Precisamos ir para aula! - Lola bateu os pés ao nosso lado, grunhindo o tempo todo e sacudindo a Effie.
– CALA A BOCA, LOLA! - Iza teve um ataque contra a parede, gritando mais alto do que jamais gritou. Suas bochechas ainda estavam coradas pela surpresa, e seus olhos arregalados na direção dele, provavelmente pensando o mesmo que eu: de onde ele veio?
– Qual é o seu nome? - A loira se aproximou do garoto, perguntando gentilmente, com aquela voz melosa para não assustador o indivíduo alheio... Ou assustar ainda mais.
Ele olhou para ela, seus olhos passeando entre Lola e Iza, como se ainda estivesse refletindo sobre a pequena conversa.
– Você me vê? - Ele perguntou à Iza, seus lábios se abrindo milímetros para falar, de uma maneira rouca e sexy.
– O que você acha, bonitão? - Iza afastou os cachos loiros dos ombros, sorrindo sensualmente pra ele.
Effie revirou os olhos, sabendo que aquela cantada barata iria dar em merda para o lado da loira, enquanto Lola ainda se sacudia e empurrava a ruiva, querendo voltar para a aula desesperadamente.
– O que vocês são? - A voz sexy pronunciou, vindo dos lábios praticamente fechados do moreno. O medo parecia ter desaparecido dos seus olhos, ainda que seus punhos estivessem apertados. A poça de água embaixo dos sapatos dele parecia ter aumentado, fazendo com que eu notasse que ele estava enxarcado.
– Que merda! Nós te vemos, ok? - Parei na frente dele, erguendo o queixo sem hesitar, já que ninguém é menor do que eu. - O que aconteceu com você? - Olhei para sua jaqueta molhada.
– Ãh. - O garoto olhou para o próprio peito. - Acho que um balde caiu em cima de mim.
– Um balde? - Ergui uma sobrancelha.
– Isso. - Ele mostrou seu sorriso lindo mais uma vez. - É incrível.
– Incrível o quê? - Franzi a testa.
– Você me vê?
E lá estava a pergunta de novo, aquilo já estava me irritando. Como alguém não poderia vê-lo? principalmente, molhado do jeito que ele estava. Comecei a pensar se Iza não tinha um secador de cabelo no bolso...
– Tá precisando se secar, amor. - Iza piscou para ele. A loira se aproximou alguns passos, circulando a poça d`água.
– Amor? - O garoto levantou uma sobrancelha para ela, dando um sorriso irônico e uma risada pausada nos lugares certos.
– Isso mesmo. - Iza se aproximou ainda mais do estranho, encostando sua mão de unhas pintadas no peito dele. - Amor.
No tempo de uma arfada de ar, ele se aproximou dela e a beijou nos lábios, tocando a mão de Iza e se aproximando ainda mais. Seus movimentos eram rápidos e matreiros quando ele pegou a cintura dela e enredou a mão em seus cachos.
– HEY HEY! - Lola se separou da Effie, correndo na direção do casal entrelaçado e berrando mais do que nunca. - PÁRA, PÁRA!
O garoto puxou Iza para mais perto dele, em um ato possessivo, enquanto Lola corria feito uma louca na direção dos dois, em busca dos cabelos da loira para puxar.
– CHEGA! - A morena gritou, puxando Iza para si e empurrando o garoto com toda força contra a parede. - Iza, queridinha, nós temos aula agora! - Então ela se virou para o pobre coitado encharcado. - Se quiser ficar com ela, peça antes...
Lola arrastou Iza consigo, puxando-a pelo braço na direção contrária do corredor, enquanto Effie e eu ficamos encarando o garoto ainda pregado na parede.
– Sinto muito por isso. - Me dirigi à ele, tentando sorrir depois de tudo.
O cara me encarou novamente nos olhos, tão surpreso quanto antes, para logo olhar para as próprias mãos e encostá-las na parede. Quem sabe não estava checando para ver se era um ET?
Percebi que ainda estava impressionada com sua combinação de roupas nada comum, com aquela calça social vinho e a jaqueta preta.
Então ele caminhou até Effie, sorrindo na nossa direção e sussurrando algumas palavras estranhas para si mesmo. Ele andava vagarosamente, como se tivesse medo de que o atacássemos.
Seus dedos pálidos encontraram uma mecha do cabelo ruivo de Effie, que se estremeceu ante ao seu toque sobrenatural. Os olhos dele pousaram nos olhos dela, talvez verificando se ela o enxergava também.
– Você me vê? - Ele perguntou novamente, num ato tão profundo quanto da primeira vez.
– Sim. - Effie tirou cuidadosamente a mão dele do cabelo dela. - ...Porque você me vê. - Ela disse simplesmente, dando um passo para longe dele.
– Não. - O garoto renunciou ao afastamento dela, dando um passo em sua direção. - Você me vê por outro motivo.
– Ah é? - Effie parecia estar começando a se irritar. - E qual seria esse motivo?
Ele sorriu docemente para ela, em uma expressão única e nova para nós. Seus olhos refletiram a luz tênue que saía da janela do armário.
– Acho que logo vamos descobrir. - Então ele deixou que ela se afastasse, dando alguns passos para trás e me encarando novamente. - Dábliu, certo?
– O q...
– Como sabe o nome dela? - Effie segurou o meu braço firmemente, me afastando dele aos poucos.
O garoto deu de ombros, ainda sorrindo para nós de um jeito estranho, como se estivesse surpreso, contente...Exaltado? Bom, eu nunca entenderia.
– Eu sei de muitas coisas. - Ele piscou para Effie.
Nós nos entreolhamos, tentando adivinhar o que aquele estranho sabia sobre nós e até onde ele iria nos contar.
– GURIAS!Lola estava no fim do corredor, gritando para nós a plenos pulmões. Seus braços estavam erguidos em sinal para que fôssemos logo. Uma nerd atrasada é uma nerd com problemas!
– Vamos, Dábliu. - Effie me puxou devagar, me fazendo caminhar pelo corredor escuro. - Antes que a Lola nos mate.
Me desvencilhei de Effie rapidamente, abandonando a ruiva por alguns momentos no meio do corredor, e corri em direção ao garoto estranho, parando por alguns instantes perto dele.
– Nós te enxergamos. - Tentei soar convincente. - Somos da duzentos e quatro. - Pisquei na direção dele. - Quem sabe você não nos faz uma visita?
Ele se curvou na minha direção, educadamente, com um sorriso preçunsoso no rosto.
– Absolutamente. - Ele falou.
Então me afastei saltitante, correndo na direção de Effie que o encarava de maneira estranha, mas logo segurou minha mão quando parei ao lado dela. Seus olhos se voltaram para o corredor mais a frente, onde jazia uma morena irritada e impaciente nos esperando.
– Suas loucas! - Lola nos empurrou na direção das escadas assim que a alcançamos. - Estamos um período e meio atrasadas!
Eu não me importava, certo? Fizemos um amigo bonitão!
– Para de reclamar, Lola. - Iza sorria travessa, enrolando uma mecha de cabelo entre os dedos.
– Você diz isso porque estava se agarrando com o bonitão! - Sorri abertamente para ela.
– Exatamente! - Ela piscou para mim.
Começamos a descer as escadas rapidamente, com Lola nos guiando pelos degraus o mais depressa possível. Os andares passavam rápido por nós e, quando nos demos conta, já estávamos no primeiro.
Autor(a): clarawyrda
Esta é a unica Fanfic escrita por este autor(a).
Prévia do próximo capítulo
– Vamos pegar o papel. - Lola falou, andando depressa para a coordenação. – Que papel? - Effie olhou para a coordenação exasperada, temendo o que quer que estivesse lá. – Ruiva! Precisamos entrar na sala... - Lola deu um tapa no ombro dela. - Rápido! Estou perdendo matéria. Effie revirou os olhos, me arr ...
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