Fanfic: Como Cada Día - Cancelada

            Anahi viu-se examinando Alfonso enquanto ele e Lucas faziam a pipa. Estavam sentados na mesa de piquenique perto do grande carvalho, com Zeus a seus pés, e o vento ocasionalmente trazia o som de suas vozes até ela — Alfonso dizendo a Lucas o que fazer em seguida, ou Lucas perguntando se tinha feito corretamente. Estava claro que Lucas estava gostando daquele pequeno projeto. Lucas não parava de falar, errando de vez em quando, e Alfonso pacientemente arrumando com um pedaço a mais de fita adesiva.

            Quando tinha sido a última vez que havia corado porque um homem tinha olhado para ela? Será que essa sua inibição recente tinha a ver com o fato de Nana não estar por perto? Nas duas últimas noites, quase se sentiu como se estivesse realmente sozinha pela primeira vez na vida. Afinal de contas, tinha saído da casa de Nana para casa de Christopher e voltado para Nana, de onde nunca mais saiu. Apesar de gostar da companhia de Nana e da estabilidade, não era exatamente dessa forma que imaginava passar sua vida adulta. Já tinha sonhado em ter sua própria casa, mas nunca pareceu chegar o momento certo. Depois de Christopher, ela precisava que Nana a ajudasse a cuidar de Lucas; depois que Lucas cresceu, tanto seu irmão quanto seu avô morreram, e Anahi precisou do apoio de Nana tanto quanto Nana precisou do dela. E depois? Bem, quando ela estava finalmente pronta para encontrar um lugar só seu, Nana tem um AVC, e de forma alguma ela ia abandonar a mulher que a havia criado. Mas, naquele momento, teve um inesperado vislumbre de como sua vida teria sido se as coisas tivessem tido um rumo diferente. Agora, vendo os pássaros voarem de árvore em árvore, sentou-se na varanda de uma casa que estaria vazia, caso a história tivesse sido outra, testemunhando o tipo de cenário que a fazia acreditar que tudo poderia estar bem no mundo. Mesmo de longe, dava para ver Lucas concentrado enquanto Alfonso mostrava a ele os toques finais da pipa. De vez em quando, Alfonso inclinava-se para frente e dava instruções, sempre paciente e objetivo, mas deixando Lucas com a maior parte da diversão. O fato de ele estar simplesmente trabalhando no projeto, corrigindo os erros de Lucas sem raiva ou frustração, fez com que ela sentisse imensa gratidão e carinho em relação a ele. Ainda estava maravilhada com toda a novidade, quando os viu indo em direção ao centro do quintal. Alfonso segurou a pipa acima da cabeça, e Lucas foi soltando a linha. Quando Lucas começou a correr, Alfonso o seguiu permitindo que a pipa pegasse vento antes de soltá-la. Alfonso parou e olhou para o céu ao ver a pipa voando acima deles, e, quando aplaudiu Lucas demonstrando uma alegria óbvia, Anahi percebeu uma verdade bem simples: às vezes as coisas mais ordinárias podem transformar-se em extraordinárias, simplesmente se realizadas pelas pessoas certas.

            Nana telefonou naquela noite para dizer que precisaria que fossem buscá-la na sexta-feira seguinte e, na sua ausência, Alfonso jantou com Lucas e Anahi todas as noites. Na maioria das vezes, foi Lucas quem implorou para que ele ficasse, mas, a partir de quarta-feira, Anahi já tinha percebido que Alfonso não só estava feliz de ficar com eles, como também aprovava que Lucas continuasse com seu esquema. Talvez, às vezes pensava, Alfonso era tão inexperiente em termos de intimidade quanto ela.

            Depois do jantar, geralmente iam caminhar. Lucas e Zeus saíam correndo pelo caminho que dava no riacho, e ela e Alfonso iam atrás. Uma vez, foram em direção à cidade para ver as margens do South River, e sentaram-se debaixo da ponte que passava por cima dele. Às vezes, falavam sobre amenidades se tinha acontecido algo interessante no trabalho, ou se Alfonso tinha feito algum progresso na reorganização dos arquivos; outras vezes, ele parecia contente em caminhar ao lado dela sem dizer muito. Como Alfonso sentia-se muito confortável com o silêncio, surpreendentemente ela também se sentia.

            Mas havia algo acontecendo entre eles, e ela sabia disso. Estava atraída por ele. Na escola, com seus alunos do segundo ano ao seu redor, via-se às vezes perguntando-se o que ele estaria fazendo naquele exato momento. Pouco apouco, foi percebendo que não via a hora de ir para casa, porque isso queria dizer que ia vê-lo. Na quinta-feira à noite, todos subiram no caminhão de Nana e foram até acidade para comer uma pizza. Zeus foi na caçamba, com a cabeça de fora e as orelhas para trás. Por mais estranho que parecesse, Anahi teve a estranha sensação de quase estar em um encontro, apesar de haver um acompanhante de 10 anos deidade com eles.

            Naquela noite, a casa estava lotada com o mesmo tipo de frequentadores sempre: famílias com crianças, homens vestidos como se tivessem acabado determinar o expediente no escritório de advocacia ao lado, alguns casais de idade, e grupos de adolescentes aqui e ali. Maria iluminou-se ao ver Lucas e Anahi entrarem. Era baixinha e gorducha, com cabelos negros e um sorriso genuinamente caloroso. Veio na direção deles, pegando os cardápios no caminho.

— Olá, Anahi. Olá, Lucas — ao passar pela cozinha, enfiou a cabeça e gritou:

— Luigi! Venha aqui, Anahi e Lucas estão aqui!

Ela fazia isso toda vez que Anahi ia lá, e, apesar de ter certeza de que dava a todos a mesma recepção calorosa, ainda assim sentia-se especial.