Fanfics Brasil - 3 O Amor é Cego Adaptada LALITER (TERMINADA)

Fanfic: O Amor é Cego Adaptada LALITER (TERMINADA) | Tema: laliter


Capítulo: 3

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Londres, 1720
    — Mowbray! Que bons ventos o trazem a cidade?
    Lorde Peter Lanzani, o conde de Mowbray, desviou a atenção dos casais que dançavam e olhou para o homem que se aproximara dele. Alto, loiro, tremendamente bem-apessoado: Nico Riera.
    Peter e Nico, seu primo, haviam sido muito amigos no passado. O tempo e a distância, porém, haviam enfraquecido esse laço, com uma pequena ajuda da guerra com a Espanha. Ignorando a pergunta de Reginald, ele retribuiu o cumprimento com um leve sorriso e voltou o olhar para a elegante coreografia dos homens e mulheres na pista de dança.
    — Está aproveitando a temporada, Riera? — perguntou.
    — Muito, muito. Sangue novo. Novas caras.
    — Novas vítimas — Mowbray acrescentou em tom seco.
    — Também. — Nico riu. Ele era conhecido pelo sucesso em seduzir jovens inocentes. Só não fora ainda forçado a sair da cidade devido a seu título e fortuna.
    Balançando a cabeça,Peter esboçou um sorriso pálido. 
    — Você não se cansa nunca da caça. Lamento dizer que todas me parecem a mesma. Posso jurar que essas são decepcionantemente iguais às jovens que estavam debutando a última vez em que estive aqui, que eram iguais às do ano anterior. 
    O primo achou graça e sacudiu a cabeça.
    — Faz dez anos que você se deu ao trabalho de vir pela última vez à cidade, Peter As jovens de então estão todas casadas e procriando, ou a caminho de se tornarem solteironas.
    — Diferentes rostos, mesmas damas — Peter disse, dando de ombros.
    — Tanto cinismo — censurou Nico — Você soa como um velho, homem.
    — Apenas mais velho – Peter corrigiu. — Mais velho e mais sábio.
    — Não. Velho! — Nico insistiu, rindo e voltando o olhar para as pessoas que se movimentavam diante deles. — Além disso, há algumas verdadeiras belezuras este ano. Aquela loira, por exemplo, ou a morena com Chalmsly.
    — Hum. — Peter observou-as. — Corrija-me se eu estiver errado, mas acho que aquela moreninha, por mais encantadora que seja, não tem nada na cabeça. Assim como lady Penélope que você seduziu da última vez em que estive aqui.
    Nico arregalou os olhos surpreso com a observação.
    — E a loira — Peter continuou, examinando a jovem em questão — é filha de pais comerciantes, muito endinheirada, e à procura de alguém que tenha título para se juntar. Mais ou menos como Lily Ainsley, outra de suas conquistas. 
    — Acertou em cheio — Nico admitiu, parecendo um pouco incrédulo. Alternando o olhar de uma mulher para outra, ele riu contrafeito: — Agora você estragou tudo. Eu estava considerando dar atenção a uma delas, ou a ambas, mas, depois do que disse, elas perderam qualquer encanto. — Franzindo a sobrancelha, Nico esboçou uma reação: — Ah, mas conheço alguém que você não conseguiria analisar com tanta facilidade.
    Pegando Peter pelo braço, ele obrigou o primo a circular até o outro lado do salão, parando então.
    — Lá está ela! – disse, satisfeito. — Aquela jovem com vestido de musselina amarela. Lady Mariana  Esposito . Lanço o desafio de que você se lembre de alguém de sua última temporada com quem compará-la.


Peter examinou a jovem em questão. Mignon, de aparência muito delicada, e adorável como uma rosa recém-desabrochada. Tinha os cabelos castanho-escuros, rostinho redondo, olhos grandes e expressivos e lábios carnudos, e parecia tão deprimida ao observar a sua volta como jamais vira qualquer outra jovem. Sua curiosidade foi aguçada.
— Da última temporada? — perguntou.
— Isso – confirmou Nico divertido.
— Por que não está dançando? Uma lindeza como ela deveria estar com todas as danças prometidas.
— Ninguém se atreve a tirá-la, e, se você quer bem a seus pés, é melhor que também não o faça.
Peter levantou as sobrancelhas, de modo inquisitorial.
— Ela é tão cega quanto um morcego e um perigo para as canelas — avisou Nico , balançando a cabeça em confirmação diante do olhar incrédulo de Peter. — De verdade, ela não consegue dar um passo sem pisar em seu pé e tropeçar. Ela nem sequer consegue andar sem tropeçar em tudo. — Ele fez uma pausa, avaliando a expressão de Peter. — Sei que você não acredita. Eu também não acreditava. — Nico voltou-se para fitar a jovem e continuou: — Fui bem avisado, mas não dei ouvidos e a convidei para jantar — disse, observando Peter. — Estava usando calças escuras aquela noite... infelizmente. Ela confundiu meu colo com a mesa e colocou a xícara de chá em mim. Ou, melhor, tentou. A xícara capotou. — Nico demonstrou desconforto à mera lembrança. — Pobre de mim, ela quase queimou minhas partes baixas.
Peter encarou o primo e caiu na risada.
— Isso. Ria. Mas, se eu nunca tiver um filho, legítimo ou não, será por culpa exclusiva de lady Mariana.
Sacudindo a cabeça, Peter riu ainda mais, o que lhe fez tão bem. Havia anos não achava a mínima graça em nada. Mas a imagem daquela linda florzinha perto da parede, confundindo o colo do primo com uma mesa e derrubando uma xícara de chá era valiosa.
— O que você fez? — finalmente perguntou.
Nico meneou a cabeça e levantou as mãos em um gesto de desalento.
— O que poderia fazer? Agi como se nada tivesse acontecido, fiquei onde estava e tentei não chorar de dor. — Olhou novamente para a jovem com um suspiro. — E, verdade seja dita, acho que ela nem notou o que havia feito. Dizem que ela enxerga bem com os óculos, mas é fútil demais para usá-los.
Ainda sorrindo, Peter seguiu o olhar que o primo dirigiu à jovem, observando com atenção seu ar tristonho.
— Não, ela não é fútil — ponderou, vendo a mulher mais velha ao lado de Dulce murmurar alguma coisa, levantar-se e sair.
— Bem... – Nico ia dizendo, mas parou quando Peter fez menção de se dirigir à jovem. Balançando a cabeça, ele balbuciou: — Você foi avisado.


   


 


Na mesa com as ladys  Esposito


— Não force a vista para não ficar estrábica, por favor.
Aquilo não era um pedido, mas uma ordem, e Lali já estavam farta das ordens da madrasta. Se ao menos permitisse que ela usasse óculos, não precisaria estreitar os olhos. Não ficaria tampouco tropeçando nas coisas e nas pessoas. Mas não podia usar os óculos porque afastaria os pretendentes.
Como se seus modos desastrados não os afastasse, refletiu Lali cansada, e intimamente riu dos pequenos “acidentes” que tivera desde que chegara a Londres.
Além de não enxergar as mesas em que deveria colocar as bandejas de chá, tivera um tombo feio na escada. Por sorte, não havia se machucado muito, só alguns arranhões e algumas manchas, mas não quebrara nada. Houvera também o pequeno incidente de cair na frente de uma carruagem em movimento, sem falar de ter posto fogo na peruca de Prudhomme.
Um novo suspiro escapou dos lábios de Lali ao lembrar do sermão de Alma depois do último acidente. A madrasta havia decidido que se ela era tão cega e desastrada sem os óculos, só havia uma alternativa. No futuro, quando na presença de outras pessoas, teria de ficar sentada quieta. Não poderia tocar em castiçais, xícaras, pratos, ou seja, basicamente em nada. Não devia mais participar das refeições com as visitas, e sim dizer que não estava com fome. Mesmo que estivesse. Tampouco devia beber. Sair para caminhadas estava fora de questão se uma criada não estivesse junto.
Sempre que Gime terminava tais discursos, só restava a Lali , quando havia outras pessoas presentes, sentar-se ao lado da madrasta, procurando parecer serena. O que significava não estreitar os olhos.
Com um suspiro, Lali voltou a olhar para os vultos que desfilavam pela pista de dança. Cansada, abaixou os olhos para as próprias mãos. Seria mais uma noite entediante.
— Posso ter o prazer desta dança?
Apesar de ouvir o convite, Lali não se deu ao trabalho de levantar os olhos. Para quê? Não ia conseguir ver nada direito mesmo. Em vez disso, aguardou que a madrasta respondesse, perguntando a si mesma quem seria o estranho que ainda não ouvira falar de seus desastres. Se tivesse ouvido, com certeza não se aproximaria.
Percebendo que Gime ainda não havia declinado o convite em seu nome, alegando que ela estava muito cansada, ou qualquer outra desculpa polida, Lali olhou de lado e viu que Gime, ou melhor, o borrão rosado como conseguia identificá-la, não estava mais lá. Nesse instante um borrão preto ocupou a cadeira, sobressaltando-a.
Forçando os olhos, ela tentou em vão ver vestígios rosa forte, cor que a madrasta usava, à sua volta.
— Acredito que a dama que estava sentada aqui até um minuto atrás saiu em busca de algo para comer — o estranho disse-lhe tão próximo ao ouvido que Lali pôde sentir sua respiração 
contendo um estremecimento, voltou de imediato a atenção para o homem a seu lado. Ele era dono de uma voz grave, muito agradável, e pelo que conseguia entrever de sua figura, era bastante grande. Pela milésima vez, desejava estar de óculos para poder enxergar.


— Ela não lhe disse aonde ia? — perguntou o estranho. — Me pareceu vê-la falando com você antes de sair.
Dulce corou um pouco, e tornou a fitar a mancha colorida que se movimentava pela pista de dança, admitindo:
— Talvez tenha dito. Acho que eu estava distraída com meus pensamentos e não prestei atenção.
Embora tivesse uma vaga lembrança de Gime ter comentado alguma coisa, Lali estava mergulhada demais em autocomiseração para prestar atenção.
Era muito humilhante ficar sentada, tendo como distração apenas fragmentos de conversa das pessoas que passavam, muitas vezes tecendo, indelicadamente, comentários a seu respeito. Seus desastres aparentemente eram a piada da temporada. Tinha ganho o apelido de estabanada Lali , e todos ficavam na expectativa de qual seria o próximo “acidente” para se divertirem.
— Dizem que você é tão cega quanto um morcego, e fútil demais para usar óculos.
Lali piscou os olhos surpresa diante dessa inesperada declaração. Se a indelicadeza das palavras dele a surpreenderam, ela pôde perceber que surpreenderam seu interlocutor ainda mais. A respiração dele ficou suspensa como se tivesse se dado conta do que havia dito. Olhando de soslaio, deu para perceber que ele levantara a mão para cobrir a boca.


— Perdão, acho que estive tempo demais longe da sociedade. Nunca deveria...
— Ora, não se preocupe. – Lali dispensou as desculpas e afundou na cadeira com um ar desanimado. — Está tudo bem. Sei o que as pessoas falam. Acham que, além de desastrada, eu sou surda, pois não se preocupam de falar na minha frente ou por trás de seus leques. Falam bastante alto para que eu ouça. — Ela imitou o modo como as pessoas falavam, fazendo caretas. — Oh, vejam, lá está a coitadinha, a estabanada Mariana.
— Peço desculpas — ele disse baixinho.
— Não precisa se desculpar. Pelo menos você disse na minha cara.
— Sim, mas... — O rapaz pareceu relaxar um pouco agora que as mãos dela não significavam mais uma ameaça. — Na verdade, era mais uma pergunta. Eu queria saber se você é mesmo como dizem.
— Bem, não sou tão cega assim. — Lali sorriu tristonha. — Enxergo bem de óculos. Mas minha madrasta os tirou de mim. — Ela arriscou um sorriso na direção dele e esclareceu: — Gime parece acreditar que terei mais sorte de incendiar o coração de um bom partido sem os óculos. Embora a única coisa em que pus fogo até agora foi na peruca de lorde Prudhomme.
— Como? — Peter perguntou, espantado. — Na peruca de Prudhomme?
— Sim — ela confirmou, recostando-se na cadeira e tentando afastar a lembrança. — Pois é. Mas, se quer saber, a culpa não foi inteiramente minha. Ele sabia que eu não enxergava bem sem meus óculos. Por que cargas d’água tinha de me pedir para levar a vela mais próxima a ele? — Lali fez uma pausa e olhou de soslaio na direção do estranho. — Sem a peruca, ele é careca feito uma bola de bilhar, não é?
Pareceu-lhe que ele aquiesceu com a cabeça, mas era difícil dizer. Também percebeu sons abafados, como se ele estivesse lutando contra o riso.
— Vamos, pode rir — Lali disse, sorrindo. — Eu também ri, só que não na hora.
Ele então relaxou um pouco mais e, como estivessem sentados lado a lado, Lali pôde até sentir o vigor de seu braço e de sua perna que encostaram ligeiramente nela.
Lali apertou os olhos, tentando fazer com que o rosto do estranho entrasse em foco. Queria muito ver como ele era. Gostava do som de sua risada e de sua voz, firme e macia. E, embora devesse se afastar um pouco para não permitir a proximidade do quadril dele roçando no seu a cada movimento, gostava da sensação que sentia, por isso fazia de conta que não percebia.
— Como Prudhomme reagiu a esse pequeno acidente?
— Nada bem. Me culpou, claro. Me disse um par de grosserias também. Acho que teria me agredido se os criados não o tivessem detido e tirado de casa — admitiu, suspirando. — É claro que depois minha madrasta não parou de fazer discurso sobre como devo e não devo me comportar daqui para frente.   
— Que tipo de discurso?
— Quase tudo é proibido. — Lali sorriu. — Veja, não posso comer em público, não posso beber em público... De fato, não posso tocar em nada, como castiçais, vasos de flor, nada. Não posso nem sair para um passeio sem uma companhia para me guiar.
— Mas ela não disse nada quanto a dançar, não é?
— Não, mas isso nem precisava. — O sorriso de Lali esvaneceu-se. Ela hesitou por um momento, depois tentou explicar: — Não enxergo nada direito. Dançando só vejo borrões de cor e luz ao meu redor, e acabo perdendo o equilíbrio. — Ela fez uma pausa, sentindo que começava a corar à lembrança da última alma corajosa que a havia tirado para dançar. Tropeçara nele e ambos acabaram caindo no chão. Deveras constrangedor.
— Então mantenha os olhos fechados.
— Como? — Lali voltou o olhar para o vulto escuro a seu lado.
— Se mantiver os olhos fechados, você não perderá o equilíbrio — o rapaz lhe explicou e ela sentiu a mão dele aproximar-se da sua, para ajudá-la a levantar-se.
Estava pronta para recusar, mas o toque da mão dele provocou-lhe um frisson. Foi uma sensação estranha, excitante, que a fez sentir-se viva.
— Eu não... — começou a dizer, parando quando ele pôs a mão em seu queixo, levantou seu rosto e inclinou para olhá-la nos olhos.
Por um breve momento, ela contemplou claramente o mais lindo par de olhos verdes aveludados que já tinha visto; ele então se afastou um pouco e saiu de seu  foco.
— Confie em mim.


Não era bem um pedido, mas uma imposição. Lali pensou naqueles olhos tão lindos e tão gentis, e concordou com a cabeça. Ele ajudou-a a se levantar e conduziu-a entre as pessoas até a pista de dança.
— Agora... — A voz dele era calma e suave ao tomá-la nos braços. — Feche os olhos e relaxe.
Lali estava hipnotizada.
— É só me acompanhar. Não deixarei que você tropece.
Apesar de ter acabado de conhecê-lo, Lali confiou nele e sentiu-se em segurança. De olhos fechados, contava apenas com seus ouvidos e as mãos do rapaz para conduzi-la. Ela se deixou levar pelos toques dele: um aperto na mão, uma pressão mais forte em sua cintura. E a sensação do ar passando conforme rodopiavam e rodopiavam pelo salão, sem escorregões, nem tropeços. Pela primeira vez desde a sua chegada a Londres, Lali não se sentia desajeitada. Estava nas nuvens.
Quando a música parou, ele apertou-lhe e, segurando-a pelo braço, conduziu-a pelo salão.
— Você dança divinamente, milady — disse-lhe ao ouvido, abrindo caminho entre os demais pares.
Lali ficou ruborizada e sorriu orgulhosa, balançando a cabeça.
— Não, milorde. O crédito não é meu. Desconfio que é você quem dança divinamente. Com outras pessoas com quem dancei só fiz tropeçar e cair.
— Então a culpa é dessas pessoas. Você é leve e graciosa como uma pluma.
Lali pensou por um breve momento e acabou concordando:
— Talvez esteja certo. Afinal, se fosse só problema meu, mesmo com seu óbvio talento não teria sido fácil me conduzir. Talvez meus parceiros anteriores estivessem um pouco nervosos e inseguros.
Ela percebeu o riso na voz dele e levantou as sobrancelhas, desconfiada.
— Milorde?
— Sua sinceridade. Estou encantado com sua falta de falsa modéstia. Isso nunca havia me incomodado antes, mas agora o nariz empinado das pessoas quando estão na cidade me é bastante desagradável. Achei deliciosa sua franqueza.
Lali sentiu-se rubra, mas os primeiros acordes de uma nova música ecoaram no ar e seu parceiro tornou a tomá-la nos braços. 
— Feche os olhos — ele recomendou, apertando o braço em volta de sua cintura.
 De olhos fechados, Lali entregou-se ao prazer da dança. Passou-lhe pela cabeça que não deveriam estar dançando tão colados. Mas se tentasse evitar essa proximidade, talvez se sentisse insegura e poderia tropeçar como antes. Além do mais, era tão gostoso estar nos braços dele. Sentia-se aninhada e segura.
— Por que você não desobedece a essa sua madrasta?


Dulce piscou, tentando em vão ver o rosto diante dela.
— Como assim?
— Por que você simplesmente não usa seus óculos?
— Ah, até tentei no primeiro dia em que cheguei a Londres — ela disse com uma certa irritação. — Desci com eles pronta para o baile de lorde Findlay. Gime ficou lívida. Arrancou os óculos de meu rosto e quebrou-os bem diante de meus olhos para que eu visse o que estava fazendo.
— Ela teve a coragem de quebrar seus óculos? — Peter indagou, visivelmente chocado com a desfaçatez da madrasta.
Lali balançou a cabeça, séria.
— Gime sempre dá um jeito de ser obedecida.
— Mas se ela os quebrou, como você faz para circular pela casa? — ele quis saber, pesaroso.
— Não circulo. — Lali deu um sorriso desolado e admitiu um pouco envergonhada: — Preciso ser guiada pelos criados. É horrível.    
— Imagino que seja — ele sussurrou.
— Hum. – Ela refletiu por um breve instante sobre toda essa humilhação e então disse: — O pior de tudo é que não posso fazer nada sem meus óculos. Não posso bordar, arrumar as flores, nada. E é impossível ler. Mesmo que eu grude os livros nos meus olhos, não dá para ler por muito tempo, pois acabo ficando com dor de cabeça. Imagine o meu tédio. Não faço outra coisa a não ser ficar sentada, tamborilando os dedos.
Christopher teceu um comentário solidário embora seus lábios esboçassem um leve sorriso. A expressão amuada de Dulce era deliciosa de se ver. Ela era muito encantadora. Ainda que talvez não da maneira tradicional. Os lábios eram grandes demais para serem considerados bonitos, mas ele os achava simplesmente sedutores. E o nariz talvez fosse um tanto atrevido para os padrões da época, mas ele gostava.
Christopher estava tão ocupado em observar as feições de Dulce que mal percebeu quando a música mudou. Finalmente acertou o passo para a valsa, sem contudo desviar os olhos do rosto dela, enquanto ouvia as inúmeras atribulações de uma vida sem óculos. E a lista era indiscutivelmente longa.
Vestir-se era uma tarefa difícil, pois sempre dependia do humor da criada e ficava torcendo para estar com a roupa adequada. Nunca sabia como estava o cabelo e também para prendê-lo dependia da criada. Ela ia explicando e parecia não ouvir as afirmações dele de que seu penteado estava perfeito e seu vestido era impecável. 
Lali obviamente não buscava elogios. Corando muito, ela ignorou as palavras dele e continuou a explicar que tinha que ser guiada pela casa pela mesma criada, por temer cair da escada ou tropeçar em alguma coisa que não visse. E, sem dúvida, confundir uma pessoa com outra era mais um problema, embora começasse a ficar exímia em reconhecer vozes. Era também irritante deixar a comida cair no colo, muito embora isso só acontecesse na intimidade, uma vez que não tinha autorização para comer ou beber na frente de visitantes. Só faltava usar babador para poupar as roupas.
Peter mordeu os lábios para não rir ao imaginá-la de babador, mas as coisas que contava foram ficando mais graves, como quase ter incendiado a casa algumas vezes ao acender as velas e ter derrubado o mordomo e vários criados inúmeras vezes, sabendo que todos a odiavam por causa disso. Eles se encolhiam quando ela estava por perto e já cochichavam que ela era um desastre ambulante.
Lali contava cada detalhe de forma animada, e Peter tinha dificuldade de reprimir um ar divertido e conter a risada, até que ela percebeu o esforço que, por delicadeza, ele estava fazendo e lhe disse que podia rir à vontade.
A sonora gargalhada que soltou surpreendeu o próprio Peter  Lali fez sua alma sentir-se leve e seu coração doer de ansiedade.
— Você tem uma linda voz, milorde. E uma linda risada também — ela elogiou, sorrindo.
— Obrigado, milady — disse ele, refazendo-se do riso. — É bondade sua me dizer isso, depois de meus maus modos em rir de suas desgraças. Peço-lhe de coração que me perdoe.
— Imagine! — Lali retrucou. — Olhando em retrospectiva, parece mesmo engraçado, embora duvide que Gime acharia.
À menção do nome da madrasta, o humor de Peter mudou e, muito embora ela não conseguisse ver, a expressão de seu rosto se fechou.
— Desculpe-me a sinceridade, milady, mas sua madrasta me parece bastante maldosa, uma cretina.
    — Nossa! — Lali olhou-o de soslaio. — Não diga uma coisa dessas. 
    — Por que não? — ele perguntou, divertido. — Não tenho o mínimo medo dela. 
    — Não, mas se ela soubesse ficaria furiosa e não iria gostar de você por referir-se a ela desse jeito. 
    — Não faço a mínima questão de que ela goste ou não goste de mim... — Peter começou a dizer, mas foi interrompido por ela. 
    — Oh, mas deveria. Se Gime não gostar de você, não permitirá mais que eu dance com você e... eu estou adorando — desabafou Dulce um tanto constrangida,o 
 ar de desprezo que havia no rosto de Peter esvaiu-se diante dessa confissão, dando lugar a um olhar terno. 


    — Bem, nesse caso vou me esforçar por tratá-la com o máximo respeito. — Ele percebeu o constrangimento dela e acrescentou: — Porque eu também gosto muito de dançar com você. 
    Lali levantou o rosto radiante. Foi uma pena não conseguir enxergar o sorriso que ele lhe devolveu. 
    Como que por instinto, Peter dirigiu o olhar para o lugar onde Lali estava quando a viu pela primeira vez. Diminuiu um pouco o passo ao vislumbrar a dama que estava sentada junto a ela naquele momento. A madrasta estava de volta ao mesmo lugar depois de saciar a fome e percorria o salão com os olhos à procura da enteada sumida. Não demorou muito para que localizasse a atrevida. 
    Como esperava, Gime não pareceu muito satisfeita ao vê-los dançando. Na realidade, parecia horrorizada. Ao perceber que ela começava agora a se encaminhar em linha reta em direção a eles, Peter fingiu não vê-la e procurou, como um guardião, conduzir Lali para a direção oposta. 
    Imaginou que, ao se afastar, Gime pararia e aguardaria que completassem a volta até se aproximar dela, mas, olhando de relance, viu que ela os seguia pelo salão. Aparentemente, a madrasta era do tipo persistente. Era o que deveria ter imaginado. Ela lembrava um buldogue, pensou sem qualquer generosidade, e fitou a jovem em seus braços. 
    — Por que toda essa determinação de sua madrasta para que você não use óculos? 
    — Ela quer que eu encontre o par perfeito. Meu pai ficará zangado se ela não conseguir, entende. 
    — Bem, de fato, não entendo — Peter balbuciou, mudando subitamente de direção ao ver que corriam o risco de serem pegos pela madrasta. Manteve-se em silêncio por um momento, tentando evitá-la, e então comentou: — Você certamente teria mais chance de encontrar o par perfeito se pudesse vê-lo. 
    — Devo confessar que também acho. Mas Gime não acha. Ela diz que não sou nada atraente de óculos e teme que isso acabaria com qualquer oportunidade, além de meu passado comprometedor. 
    — Passado comprometedor? — Surpreso com tal comentário, Christopher parou de supetão na beira da pista de dança. 
    — Você não soube do escândalo? 
    Antes que Peter pudesse responder que não, um grande vulto escuro se projetou sobre ambos. Virando-se, ele franziu a testa irritado ao se deparar com a inconveniente madrasta que parou ofegante ao lado deles. 
    — Mariana! — Gime disse bruscamente, e Peter sentiu a jovem enrijecer-se em seus braços sob a chicotada daquela voz, afastando-se dele de um sobressalto para voltar-se para a madrasta. 
    — Diga, Gim... — Lali foi agarrada por Gime e arrastada pelo braço, sem a menor cerimônia, para bem distante de seu par.


— Bem, devo dizer que você se saiu muito melhor do que eu esperava. 
    Tirando os olhos das costas de Lali e de sua madrasta que se afastavam, Peter deu com o primo uma vez mais a seu lado. 
    — Será? — perguntou, distraído. 
    Nico sorriu irônico e encolheu os ombros. 
    — Acho que sim. Afinal, ela não pisou em seus pés, não o fez cair, nem queimou nenhuma de suas partes. Diria que é um bom começo. 
    — É — replicou Peter com um sorriso amarelo. — Só fui perseguido pela pista por uma velha matrona que gesticulava freneticamente como uma galinha batendo as asas. 
    NIco riu da descrição precisa do primo e completou: 
    — Pois é, a pobre lady Mariana parece destinada a terminar cada dia com uma nova humilhação. Tornou-se o assunto da cidade. 
    — Não é Mariana a causa do problema. E a madrasta. 
    — Concordo que a cena de hoje possa ter sido responsabilidade da madrasta. A garota estava se saindo muito bem em seus braços, porém não dá para culpar Gime por todos os fiascos que contribuíram para a reputação da enteada. 
    — Por que não? — Peter perguntou, levantando a sobrancelha. 
    — Porque Gime nem estava presente quando Lali derrubou o chá em minhas pernas e queimou minhas... 
    — Mas isso não teria acontecido se ela estivesse de óculos, e a culpada disso é a madrasta — interrompeu Peter. 
    — O quê? 
    — Mariana não usa óculos. Não porque seja fútil, mas porque a madrasta os tirou dela e os quebrou. Ela se nega a deixar a garota usar óculos. 
    Nico não conseguiu disfarçar o espanto diante dessa revelação. 
    — Por que diabos alguém faria isso? 
    — Lady Esposito aparentemente acha que os óculos poderiam ser um obstáculo para a enteada arrumar um marido. 
    —Ah... entendo. — Nico ficou pensativo, e Peter não conteve a curiosidade. 
    — Ela me disse algo sobre um passado comprometedor. Você sabe do que se trata? 
    — O quê? — Nico o fitou de maneira penetrante e depois desviou os olhos, demonstrando um certo desconforto. — Sei alguma coisa... de ouvir dizer, claro; de fato, uma infelicidade. E nem foi culpa dela. O homem foi preso. Ainda assim, pelo que me lembro, foi um escândalo na época. Causou um grande falatório. 
    — O que causou o falatório? — Quando Nico o encarou indeciso, Peter insistiu impaciente. — Que escândalo foi esse? 
    — Certamente você se recorda do caso, Peter? Foi na temporada depois da batalha de Malplaquet... — Nico baixou o tom de voz ao dizer isso, e seu olhar deteve-se por um instante na cicatriz do rosto do primo, desviando-se em seguida ao sentir um certo, desconforto. — É verdade, você deixou Londres e retornou ao campo naquele ano. 
    Peter teve uma expressão jocosa diante da frase polida. Ele havia retornado ao campo mal chegando à cidade. O motivo, naturalmente, fora o ferimento que deixara a cicatriz em seu rosto. Uma longa cicatriz irregular que descia em ziguezague do canto de seu olho esquerdo até o queixo ao lado da boca. Era seu suvenir da Guerra da Sucessão Espanhola e o ponto final em sua promissora carreira militar,n
ão fora a única coisa que tivera um fim, Peter considerou, suspirando. Também fora o fim da ancestral e nobre família Lanzani , embora não tivesse se dado conta de início. 


    Havia sido ingenuidade sua não perceber que a deformação de seu rosto causaria alvoroço. Não que esperasse passar despercebido. Não era ingênuo a esse ponto. Mas não podia imaginar que algumas mulheres mais fracas desmaiariam diante de sua presença, e outras estremeceriam de pavor. 
    Peter participara de apenas um baile em sua volta. Fora mais que suficiente para resolver fazer as malas e regressar para sua propriedade no campo, que era a residência oficial do conde de Mowbray. Seu pai ainda vivia na ocasião e nada comentara sobre sua repentina opção de permanecer na propriedade e cuidar da administração. 
    Após a morte do pai, à medida que a dor da perda começara a amenizar um pouquinho, sua mãe, lady Mowbray, passou a fazer campanha sobre os deveres de Peter em relação ao nome da família, insistindo que ele deveria se casar e providenciar um herdeiro. Por causa disso, tivera várias discussões com a mãe, alegando sempre que ninguém iria querê-lo com o rosto marcado daquele jeito, mas ela se fazia de surda às suas palavras. 
    Já estava mais do que na hora de ele deixar de se esconder no campo e aprender a aceitar a cicatriz. Isso era tudo o que a mãe tinha a dizer sobre o assunto. Com sua intransigência, ela conseguira, depois de um ano repetindo as mesmas palavras, arrastá-lo de volta à corte. 
    Peter , no entanto, sentia-se um ogro no meio de tanta gente bonita e sofisticada. Pelo menos era assim que pensava, até se sentar ao lado de Lali. 
    — Enfim o encontro, filho. O que está fazendo escondido aqui neste cantinho como um menino travesso? 
    Peter achou graça das palavras da mãe, sentindo-se realmente o menino travesso que ela acabara de mencionar. Apesar disso, tomou-lhe a mão e levou-a aos lábios de maneira cortês. 
    — Não estou em cantinho algum, mãe. Estou aqui bem exposto, exibindo minha cicatriz para quem queira ver. 
    — Ninguém a nota — Lady Mowbray disse em tom de censura. Você se incomoda mais do que deve com ela. Com o passar do tempo, ficou cada vez mais discreta. 
    — Pode ser — concordou Peter , laconicamente. — Pelo menos ninguém mais desmaiou ao me ver ou saiu aos gritos do salão. — Percebendo a crescente irritação da mãe, ele sorriu, como que se desculpando, e mudou de assunto. — Nico ia me falar sobre o escândalo envolvendo lady Mariana. 
    A mãe ergueu as sobrancelhas. 
    — Eu o vi dançando com ela, querido. Cinco músicas seguidas. Arrisco-me a dizer que muitas línguas estarão comentando que você deveria ser mais prudente. 
    — Procurarei me lembrar disso — Peter respondeu de maneira ríspida, voltando o rosto para o primo com um ar inquisidor. — E então? 
    — Ah, é verdade! — Nico dirigiu um sorriso à tia e tentou explicar ao primo: — Bem, no fim do verão de 1710, Mariana , então com apenas doze anos, estava visitando uma amiga aqui em Londres... 
    — Não era uma amiga, era a tia dela, lady Smithson — corrigiu lady Mowbray, delicadamente. — E ela estava com catorze anos e não doze. 
    — Mesmo? — surpreendeu-se Nico. — Bem, de toda forma, pouco depois de sua chegada, um serviçal apareceu com uma mensagem, supostamente da criada da mãe... 
    — Do médico da mãe — interferiu lady Mowbray. 
    Peter riu do embaraço do primo ao ser novamente corrigido, não notando a expressão surpresa da mãe ao vê-lo rir. Voltando-se com um raro sorriso para ela, ele propôs: 
    — Como a senhora parece estar mais a par dos fatos, talvez possa me explicar melhor que escândalo foi esse. 
    — Claro, meu querido. Aparentemente Mariana foi visitar a tia sozinha porque a mãe estava doente na ocasião. Aliás, ela veio a falecer poucos meses depois em conseqüência dessa doença, e lorde Saviñón casou-se com a atual lady Esposito , uma criatura das mais desagradáveis em todos os sentidos. De todo jeito — prosseguiu lady Mowbray —, pouco depois que Mariana chegou na casa da tia, apareceu o criado com uma mensagem endereçada à tia, supostamente do médico de lady Esposito. Informava que a mãe de Mariana tivera uma piora e a expectativa era a de que teria somente mais um ou dois dias de vida. A carta fazia recomendações para que a tia não alarmasse a menina, revelando toda a gravidade do caso; deveria apenas dizer a Mariana que a mãe precisava dela e fazer com que retornasse imediatamente pela mesma carruagem. Por mais tolo que possa parecer, foi o que ela fez. 
    — Tolo por quê? - Peter quis saber. 
    — A carruagem não tinha identificação, faltava a insígnia da família — explicou Nico , ansioso por dar sua contribuição à história,
Peter fez uma expressão de surpresa: 


    — E a tia não notou? 
    — Ah, notou sim. Até perguntou ao criado — assegurou lady Mowbray. — Ele alegou que a roda da carruagem da família havia quebrado ao passar por um buraco no caminho de Londres, o que o obrigara a deixá-la para conserto em uma estalagem à beira da estrada e alugar outro veículo para terminar a viagem. Esperava poder retomá-la na viagem de volta, se estivesse consertada. 
    — Uma justificativa bastante plausível — comentou Peter. 
    — Bastante plausível mesmo — lady Mowbray concordou, pensativa. — Ainda assim, a tia deveria ter pelo menos mandado uma criada com a jovem, ou fazer qualquer coisa para garantir seu bem-estar. Mas não o fez. Lady Smithson simplesmente empacotou a garota e seus pertences e a despachou com o tal criado na carruagem. 
    — Que não devia ser criado algum — Peter concluiu. 
    — Ah, era sim, só que não a serviço da mãe dela. Mesmo porque não a levou para casa, mas parou em Coventry. Lá ela foi conduzida para uma sala reservada onde estavam o capitão Memo Ochoa e a irmã. 
    — Ochoa? — Peter espantou-se ao ouvir o nome, como se um sinal de alarme tocasse em algum ponto de sua memória. 
    — É. Esse capitão Ochoa explicou que, na verdade, a mãe estava bem, a caminho da recuperação, e que Mariana havia sido chamada por causa do pai. Contaram-lhe uma história vaga de que os negócios dele tiveram uma súbita reviravolta e que, embora houvesse a intenção de ele encontrá-la ali, precisara partir antes que ela chegasse. Acho que lhe disseram que lorde Esposito estava sendo perseguido por autoridades e que desejava que Mariana fosse ao encontro dele. Ele teria contratado esse tal de Ochoa e a irmã para levá-la em segurança. — A expressão de lady Mowbray denotava menosprezo à medida que prosseguia: — Naturalmente, Mariana não passava de uma criança e foi facilmente enganada; ouso dizer que, de uniforme, esse capitão Ochoa tinha uma figura elegante e imponente. A garota foi sem protestar. Viajaram por dois dias, supostamente desencontrando-se do pai dela aqui e ali, até que chegaram a Carlisle onde o capitão deixou a irmã e Dulce sozinhas em uma estalagem e partiu sob a desculpa de que estava indo ao encontro de lorde Esposito . Ao retornar, Ochoa contou que a família dela estava à beira da ruína e que a única maneira de evitar a pobreza seria que ela se casasse com ele, o que seu pai desejava que fizessem imediatamente. 
    — Como um casamento salvaria a família da ruína? — indagou Peter, franzindo a testa. 
    — Não sei ao certo. — Lady Mowbray voltou-se indagativa para Nico: — Você tem conhecimento do que ele pretendia? 
    — Creio que tem algo a ver com a herança que Mariana receberia por parte do avô materno somente quando se casasse. Uma vez casada, ela teria direito à herança, e as supostas dívidas do pai poderiam ser pagas, salvando a família. 
    — Hum. — Todos permaneceram calados por um momento, e depois Peter perguntou: — Desconfio que esse Ochoa se ofereceu como um mártir disposto a ajudá-la naquele momento de necessidade. 
    Lady Mowbray assentiu com a cabeça, comentando com um leve sorriso irônico: 
    — Que bondade a dele, não? 
    — Muita! — revidou Peter
    — Então eles partiram para Gretna Green — intrometeu-se Nico, em tom animado. — Casaram-se sem proclamas nem padre, diante de uma prostituta, de um ladrão e de um ferreiro, viajando, em seguida, para Calais em lua-de-mel. 
    — As testemunhas foram o dono de uma taberna, um alfaiate e o ferreiro — corrigiu lady Mowbray em tom árido. — E eles nunca chegaram a Calais, foram detidos nas docas. Minha nossa — acrescentou com um toque de malícia —, é interessante como os boatos se misturam aos fatos, não? 
    Peter achava graça como um olhar de lady Mowbray conseguia desconcertar o primo; procurando desanuviar rapidamente a tensão, perguntou: 
    — Quem os deteve? 
    — O pai dela, naturalmente. Quer dizer, não foi bem o pai. Depois que a menina partiu, a tia recuperou bom senso suficiente para ficar preocupada com a falta de identificação da carruagem e enviou uma mensagem a lorde Esposito , pedindo notícias da esposa e comentando seu temor de que algo estivesse errado. Esposito contratou vários homens para dar buscas da menina em Gretna Green e, posteriormente, para investigar sobre o barco em que haviam sido feitas as reservas para Calais. Parece que Ochoa havia dito a ela que o pai os encontraria lá, mas os enviados do pai acabaram por detê-los, explicaram que tudo não passava de uma trapaça e levaram a humilhada menina de volta. Segundo o que dizem ela ficou absolutamente perturbada. 
    — E o que aconteceu a Ochoa? — indagou Peter , pensando na injustiça que a jovem havia sofrido. Obviamente nada daquilo era culpa dela. 
    — Bem, primeiro ele também voltou — explicou lady Mowbray. — Estava convencido de que o pai de Mariana não poderia fazer nada contra ele. Estavam casados, afinal de contas. O pai de Mariana , porém, era um homem astuto. Conseguiu que Ochoa fosse condenado sob a acusação de raptar uma menor e providenciou a anulação do casamento. Levou também a filha imediatamente para o campo para afastá-la do escândalo. Não que isso tenha ajudado muito — acrescentou, dando um suspiro. 
    — Por que diz isso? — Peter perguntou, curioso. 
    — Ora, porque o fato de não estar aqui não conseguiu evitar a maledicência — lady Mowbray explicou, pesarosa. — O caso era picante demais para ser abafado. Rendeu bastante. Especulou-se até que o casamento tivesse sido consumado diante do descaramento de Ochoa em voltar. E o fato de o pai tê-la levado embora fez com que as pessoas se perguntassem se não era para esconder um possível fruto desse casamento relâmpago. 


— E houve esse fruto? —Peter não conteve a pergunta.


— Ninguém sabe — Nico aparteou. — Esta é a primeira vinda dela a Londres depois do acontecido e isso já faz dez anos. 
    Peter olhou inquisidor para a mãe que parecia estar melhor informada sobre os desdobramentos do caso até aquela data. Para seu desapontamento, porém, ela simplesmente deu de ombros e disse com evidente relutância: 
    — E possível. Depois do casamento, eles passaram uma noite em uma estalagem, embora as reservas tivessem sido feitas em quartos separados. O tal do barco zarparia só no dia seguinte ao casamento. 
    — E Ochoa? — Peter perguntou. 
    — Ele fugiu antes que fosse marcado o julgamento. Lady Witherspoon me contou que ele retornou à Inglaterra alguns anos depois e acabou sendo capturado. No julgamento foi considerado culpado e sentenciado a cinco anos de prisão em Newgate. Desde então não se soube mais dele. 
    Fez-se um silêncio entre eles. Peter estava perdido em seus pensamentos, digerindo a revolta de que o breve casamento de Mariana pudesse ter sido consumado. Com esse pensamento na cabeça, ele percorreu o olhar pelo salão, inconscientemente buscando a jovem e a madrasta. 
    — Elas saíram logo depois daquela cena ridícula na pista de dança — disse lady Mowbray, lendo seus pensamentos. 
    Peter olhou para a mãe espantado, viu o brilho dos olhos dela e percebeu sua esperança de que ele estivesse interessado. E, sim. Ele estava interessado. 
    Entre a conversa que tivera com Mariana, enquanto estavam sentados, e as cinco músicas que sua mãe dizia tê-los visto dançar, não havia decorrido mais de meia hora. Mas pareciam-lhe perfeitos os momentos em que estiveram juntos. Ele havia sorrido mais nesse curto espaço de tempo do que em todos aqueles anos desde que se ferira. Pela primeira vez sentira-se inteiro e sem defeitos. 
    Qualquer mulher que o tivesse feito sentir-se daquele maneira era merecedora de seu interesse e, sim, Peter tinha de admitir a si mesmo, estava definitivamente interessado, o que agradaria sua mãe ao extremo, pensou. Havia, porém, um problema. O mesmo motivo que permitira que relaxasse na presença dela era também a fonte do problema. Marana não conseguira vê-lo bem, mas isso era temporário. Sua preocupação era o que aconteceria quando o enxergasse direito e visse que horror era o homem com que havia falado e dançado. Como ela reagiria? Será que ela se encolheria de medo como se ele fosse um monstro? Desmaiaria horrorizada à mera visão dele? 
    Só de pensar em cada uma dessas alternativas, sofria. 
    — Quer que eu descubra para você mais alguma coisa sobre essa jovem? — lady Mowbray perguntou, tirando Peter de suas reflexões. 
    Ele fitou a mãe, incapaz de responder. Seu coração dizia que sim, mas sua mente o atormentava de medo. 
    Subitamente irritado com o assunto, Peter virou-se sem responder e caminhou em direção à porta. Tivera o suficiente da chamada alta sociedade por uma noite.


 


Com Lali e Gime:


 


 Você está proibida de voltar a falar com lorde Mowbray. 
    Na escuridão da carruagem, o olhar de Lali se dirigiu à silhueta da madrasta. 
    — É esse o nome do cavalheiro com quem eu estava dançando? — Lali perguntou, somente então, dando-se conta de que nem o nome dele sabia. Será que ele sabia o dela? 
    — É! — foi a resposta seca de Alma, rangendo os dentes. — Lorde Juan Padro Lanzani ou como gosta de ser chamado "Peter", o conde de Mowbray. E você mantenha-se bem longe dele. 
    Lali hesitou, em dúvida se seria prudente perguntar à madrasta por que estava tão zangada, mas não conseguiu se conter e a pergunta escapou-lhe dos lábios: 
    — Mas por que devo ficar longe dele? Ele se comportou como um perfeito cavalheiro e, se é o conde... 
    — Ele não se comportou como um perfeito cavalheiro — Gime a contradisse. — Estava dançando muito junto de você quando não deveria nem ter se aproximado sem a devida apresentação. 
    Lali mordeu os lábios diante dessa afirmação. Realmente não tinha sido muito adequado de nenhum dos dois.
    — Mowbray foi muito farrista quando jovem — prosseguiu Gime. — Estragou a vida de muitas jovens, coitadas. Não é para menos que Deus achou justo comprometer sua aparência. 
    Lali engoliu o protesto que ia fazer. Sabia que não seria bom abrir a boca. 
    — Mantenha-se bem longe dele. Ele não tem qualquer boa intenção com você. Só vai brincar com seus sentimentos e causar ainda mais dano à sua reputação. Seu pai conta comigo para que você faça um bom casamento. Nunca me perdoaria se eu permitisse que você se envolvesse com aquele farrista em um novo escândalo. 
    Lali suspirou infeliz diante dessa sentença, mas permaneceu calada, voltando os olhos para a escuridão da noite cortada pelo brilho efêmero das luzes ao passar da carruagem. Não valia a pena discutir. Engoliu então a raiva, fingiu estar distraída e rememorou os momentos que estivera com Mowbray. 
    Peter Lanzani , conde de Mowbray, repetiu mentalmente, considerando que não poderia haver nome mais adequado a ele. Como ele havia sido agradável. Tinha uma impressão completamente diferente de um conde. Os poucos que havia conhecido até então mostravam-se arrogantes e frios com ela, mas Peter fora doce e paciente, compreensivo e encorajador. Lali não conseguia esquecer o som da voz, do hálito com um leve aroma de fumo, a firmeza dos braços em volta de sua cintura quando dançavam. Sentira-se tão segura... Era difícil de acreditar que ele fosse um devasso, um corruptor de donzelas. 
    Um suspiro profundo da madrasta interrompeu seus pensamentos. Ela procurou fixar os olhos na figura embaçada no banco oposto. 
    — Se ao menos você enxergasse um pouco — Gime lamentou de súbito —, eu não precisaria me preocupar com suas possíveis fantasias sobre ele. 
    — Por quê? — Lali indagou cheia de curiosidade, refreando o ímpeto de dizer que enxergaria muito bem se tivesse seus óculos de volta. 
    — Porque ele é tão feio quanto seus pecados — Gime teve o prazer de dizer. — Ele era um dos homens mais atraentes da cidade, mas participou de uma batalha da Guerra da Sucessão Espanhola e foi gravemente ferido no rosto, que ficou com uma cicatriz horrível. Ele é o assunto do momento agora. Ninguém acreditava que ele ousasse aparecer com o rosto desse jeito. 
    — Somos o par perfeito, então — murmurou Lali. — Dois defeituosos apontados e comentados por todos. 
    — O que é isso? — Gimereagiu brava. 
    — Nada. — Lali virou o rosto, dando um suspiro profundo. 
    A carruagem percorria as ruas da cidade que lhe pareciam uma longa mancha escura. Nada do que a madrasta lhe dissera diminuíra Mowbray a seus olhos. Simplesmente não acreditava que Mowbray lhe fizesse mal algum e sabia que ele não era tão feio como a madrasta o pintara. Tinha visto a cicatriz que corria de um lado de seu rosto quando ele se aproximara mais para falar com ela. Embora não enxergasse direito, não lhe parecera tão horrível e o outro lado do rosto era perfeito. Ele era incrivelmente atraente. Mas não contestaria a madrasta.
 


 


 


 


Bom esse foi o primeiro vou postar dois hoje pra vcs verem como vai ser  bejos Hellen


 


 


 


 


 



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Autor(a): hellendutra

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Comentários do Capítulo:

Comentários da Fanfic 223



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  • hellendutra Postado em 11/01/2013 - 21:28:46

    HAI MINHAS LINDAS ACABOU NEM ACREDITO queria agradecer por vcs terem acompanhado minha web, beijos e até uma proxima quem sabe

  • lary_laliter Postado em 11/01/2013 - 00:46:02

    hahah não creio que e o final no no no no....AMEI A WEB DO COMEÇO AO FIM (fim? ha vontade de chorar de pensar que e o fim....)foi perfecta e o que tenho para dizer...ha espero que a proxima web ja estaja no forno em....

  • sofiasouza Postado em 10/01/2013 - 20:43:16

    Foi perfeito ,eu AMEI pena que acabou vou sentir saudade

  • sofiasouza Postado em 09/01/2013 - 22:58:42

    É verdade o penultimo cap chegou ,a Lali esta tão calma pra quem esta na frente de alguem que quer a matar ,eu já estaria desesperada kk AMO sua web ansiosa e triste para ver o ultimo cap ,vou sente falta dessa web mais como diz o ditado o que é om dura pouco .

  • lary_laliter Postado em 09/01/2013 - 21:18:21

    ha eu estou de mal de vc pq a web ja esta acabando!uo quantos descobertas posta maissss ansiosa para o ultimo capitulo...ESPERO QUE JA ESTEJA PROVIDENCIADO OUTRA WEB PARA COLOCAR NO LUGAR EM!

  • larissa_pocciano Postado em 09/01/2013 - 15:05:55

    http://www.fanfics.com.br/?q=fanfic&id=21639

  • larissa_pocciano Postado em 09/01/2013 - 15:05:43

    http://www.fanfics.com.br/?q=fanfic&id=21639

  • larissa_pocciano Postado em 09/01/2013 - 15:05:32

    http://www.fanfics.com.br/?q=fanfic&id=21639

  • sofiasouza Postado em 09/01/2013 - 00:33:16

    Ai que triste vou sentir muita falta dessa web ela é uma das minhas preferidas ,mais por enquanto que ñ acabou vou curtindo AMO sua web posta mais

  • lary_laliter Postado em 08/01/2013 - 23:20:52

    bua bua bua ja esta acabando não acredito :( cade a reação do Peter por a Lali usar oculos???? posta maisssssss


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