Fanfic: ~ SEGREDOS SUJOS, VONDY | Tema: Rebelde

Mais de quarenta minutos se passou, mas ainda jorrava água do céu cor cinza chumbo como se ele fosse cair a qualquer trovoada. Encontrava-me apoia nos portões da Brooke Hill com a maior cara de paisagem, mendigando mentalmente que uma alma caridosa se desse conta que eu obviamente não podia ir nadando para casa e revolvesse me dar uma carona. Duas mulheres bem vestidas passaram por mim resmungando sobre suas chapinhas, elas acabavam de abrir suas luxuosas sombrinhas estampadas e desviarem lerdamente das poças d’água em direção ao estacionamento escolar. Pelos crachás percebi que ambas eram funcionarias da Brooke Hill, mas nenhuma delas se deu ao trabalho de questionar a minha presença ali. Inúteis.

   Meu pai não poderia me buscar antes de fechar a delegacia local, isso com certeza só acontecia depois das onze da noite, ainda eram seis da tarde. E também sabia que Lorena tinha pavor de dirigir o Fiat em tempestades, certamente ela deveria estar dentro de alguma lanchonete litorânea, comendo besteira e esperando a chuva cessar. Logo dês cogitei a ideia de usar o telefone da secretária para chama-los.

   Empinei os ombros e tomei o máximo de fôlego que consegui, criando coragem para me desabrigar da marquise da entrada e me jogar debaixo da chuva gelada, conseguindo apenas proteger minha cabeça com a bolsa. Em menos de dez segundo quase toda minha roupa estava encharcada, meus dentes batiam conforme corria em meio aquele desastre natural. A parada de ônibus mais acessível ficava a dose quarteirões. Faltavam apenas sete quadras quando um Audi r8 prata diminuiu a velocidade no meio fio, a porta do passageiro se abriu e o carro parou.

   — Pelo amor de Deus! Você só pode ser maluca. Entra logo sua otária!

  Escutei uma voz fina gritar contra o vendo, me inclinei para baixo, para ver o motorista do carro.

   —Ah não... — sussurrei, era Justine. — Não precisa, estou quase chegando em casa. Mesmo assim, obrigada — menti, voltando a caminhar apressada.

   Ela buzinou me obrigando a parar novamente.

   — Não minta pra mim, sua retardada mental. Eu sei que não mora por aqui, além do mais isso é subúrbio... e não tenho tempo a perder! Última chance: entra, ou vou te deixar para morrer de hipotermia.

   Meu corpo estremeceu intensamente mais uma vez, gritando para esquecer o meu orgulho idiota e obedecê-la.

  Minha calça e tênis estavam tão molhados, que após fechar a porta do Audi cuidadosamente vi o carpete aos meus pés sumir e virar uma poça escura. Encolhi em seco. Mas Justine não pareceu se importar com o estado em que eu estava deixando o carro, e deu partida. Tentei fazer o possível para não ter que trocarmos mais do que monossílabas, até meus olhos tropeçarem no seu rosto. Várias linhas negras de rímel lhe manchavam as bochechas inchadas e muito vermelhas. Como se ela tivesse passado horas chorando. Por mais que a odiasse meu coração apertou de agonia.

   Limpei a garganta silenciosamente e me permiti dizer:

   — Inspetor Rivera e o diretor ligaram para seus pais. Estão te procurando.

   Ainda encarando o trânsito, um sorriso triste se formou na sua boca pálida.

   — Não importa.

   Minha testa se franziu em desaprovação.

   — Claro que importa Justine! Não sei qual o nível de preocupação da sua mãe e do seu pai, mas imagina se eles comunicam a polícia?!

  E como se tivesse acabado de contar a melhor piada em tempos, ela caiu na gargalhada.

   — Não há nível, muito menos preocupação. Só você mesmo para dizer tamanha asneira.

   Meus braços continuavam se arrepiando de frio.

   — Podia ligar o aquecedor? — pedi, os esfregando com as mãos.

   Ela assentiu acionando um botão qualquer, e o ar quente rapidamente preencheu o interior do Audi. Pensei em falar algo reconfortando do tipo “ei, é obvio que eles se preocupam com você, não seja boba!” mas não duvidava que fosse verdade o que ela dizia. Minha mãe apenas se preocuparia com meu desaparecimento por sua imagem impecável de mãe do ano e meu pai iria finalmente começar a demonstrar sentimentos além de vagar pela casa a cata de uma cerveja e mal olhar na minha cara.

   — Pais são uma droga, às vezes — murmurei solidariamente.

   — Em fim concordamos com algo, Salivam.

  Ri com a descoberta. Tirei o boné úmido da cabeça e pus no meu colo o analisando. Justine nem perceberá que era de Oliver. Expliquei o endereço de Lorena a ela depois usar seu celular emprestado.

   — Quem incomoda? — exclamou Lorena após atender ao oitavo toque, bocejando.

   — Alô? Lo é a Dulce!

   Ela deu um gritinho.

   — Menina que voz é essa? Parece que engoliu um pênis e ele ficou entalado.

   Fiz de conta que nem a escutei.

   — Está na sua casa, não é?

   — Uhum, de pijama e debaixo das minhas cobertas quentinhas.

  — Você é uma cachorra mesmo. Devia ter vergonha na cara e ido me buscar! Por sua causa vou pegar uma gripe ou algo pior!

   Ela bufou.

  — Ei, eu não tenho culpa se é uma chinela que não tem um carro. E nem mexer essa bunda para arranjar um emprego você mexe. Mas como eu sou demais, fiz isso por nós duas. Na sexta iremos até o Diamond, há quatro vagas de garçonetes nesse bar, me disseram que se você fosse tão gostosa quanto eu, estávamos com as vaga garantidas. Não é o máximo, D?

   Minha boca se abriu e fechou antes de conseguir dizer:

   — Estou indo para aí. Bye.

   Desliguei, sem esperar sua resposta. Vi Justine me observar atentamente.