Fanfic:  Confissões de uma Adolescente ⋆ {vondy}⋆

Vi o seqüestro de
Betty, a boneca da Sra. Gárcia.
Bem, eu e as 23 outras pessoas da turma de latim no primeiro período da Escola Albuquerque
(população: 1.200 alunos).
Mas, diferentemente de todo mundo, fiz alguma coisa para tentar impedir. Bem,
mais ou menos, Falei:

Dulce: Chris. O que você está fazendo?

Christian só revirou os olhos. Falou:

Christian: Fica fria Dul. É brincadeira, certo?

Mas olha só, realmente não há nada de tão
engraçado no modo como Christian Chavez arrancou Betty da mesa da sra. Gárcia,
depois a enfiou em sua mochila. Parte do cabelo de lã amarela ficou presa no
zíper da mochila e coisa e tal.
Christian não se importou, só continuou fechando o zíper.
Eu deveria ter dito mais alguma coisa. Deveria ter dito: Ponha ela de volta
no lugar, Christian.
Mas não disse. Não disse porque... bem, mais tarde volto a essa parte. Além
disso sabia que era uma causa perdida. Christian já estava comemorando com os
amigos, os outros machões que ficam na última fila e estão fazendo a matéria
pela segunda vez, após não terem se dado bem na primeira.

Christian e seus
colegas tiveram de esconder os risinhos quando a sra. Gárcia entrou depois do
segundo sinal, com uma xícara de café fumegante na mão.
Como faz todas as manhãs, a sra. Gárcia disse para nós "Autora interea
miseris mortabilus alman extuleart lucem referes operaatque labores" (basicamente: "É outra manhã de bosta, então vamos trabalhar"),
depois pegou um pedaço de giz e ordenou que escrevêssemos o tempo presente de
gaudeo, -ere.
Nem notou que Betty havia sumido.

Pelo menos até o
terceiro período, quando minha melhor amiga Mai (diminutivo de Maite) que
freqüenta a aula dela nesse horário, disse que a sra. Gárcia estava no meio de
uma explicação do particípio passado quando notou o lugar vazio na mesa.
Segundo Mai, a sra. Gárcia disse:

“Betty Ann?” – numa voz aguda e engraçada.

Mas nesse ponto, claro, toda a escola sabia que
Christian Chavez estava com Betty enfiada em seu armário. Mesmo assim ninguém
disse nada. Porque todo mundo gosta do Christian.
Bom, isso não é totalmente verdadeiro. Mas as pessoas que não gostam dele têm
medo demais para dizer alguma coisa, porque ele é presidente da turma do último
ano e capitão do time de futebol e poderia esmagá-las com um olhar, como o
Magneto dos X-Men.
Não de verdade, claro, mas você sacou. Quero dizer, ninguém se mete na frente
de um cara como Christian Chavez. Se ele quiser seqüestrar a boneca Moranguinho
de uma professora, você deixa, caso contrário vai acabar comendo o lanche
sozinha perto do mastro da bandeira, como Estefania, a gorda, ou vai correr o
risco de ter um saco de batatas fritas jogadas na cabeça ou algo do tipo.
Mas o negócio é que a sra. Gárcia adora aquela boneca idiota. Olha, todo ano,
no primeiro dia de aula, ela veste a boneca com um uniforme imbecil de chefe de
torcida da Escola Albuquerque, que mandou fazer, e no Halloween então, veste
Betty com uma roupinha de bruxa, de chapéu pontudo, vassourinha e tal. E no
Natal, veste Betty como um ajudante de Papai Noel. Creio que alguém lá pelos
anos 1980, quando alguma antiga turma que se formava deu Betty de presente à
sra. Gárcia. Porque os alunos sentiam pena dela, já que ela é realmente uma boa
professora, mas nunca conseguiu ter filhos.

Mas o resto... não
sei.
O que sei é que aqui estamos quase no último mês do meu primeiro ano, Betty estava
usando sua roupa de verão: macacão com chapéu de palha, quando desapareceu. E
eu estava ali, preocupada com ela. Uma boneca. Uma boneca idiota.

Dulce: Você não acha que vão fazer alguma coisa com ela, acha? – perguntei a Mai
naquele mesmo dia, no ensaio do coral.

Mai se preocupa
com a hipótese de eu não ter muitas atividades extracurriculares no meu
boletim, já que só faço ler. Por isso sugeriu que eu fizesse coral com ela, no
qual ela é 1ª soprano. Só que, por acaso, ela me deu uma idéia ligeiramente errada do que é o coral. Em vez de uma atividade extracurricular divertida, é
uma barra, tive de fazer teste e tudo. Não sou a melhor cantora do mundo nem
nada, mas eles precisavam realmente de contraltos, e como acho que sou
contralto, entrei. As contraltos fazem principalmente lá-lá-lá na mesma nota
enquanto as sopranos cantam todas aquelas escalas, as letras, e coisa e tal, de
modo que é maneiro, porque eu basicamente fico lá sentada fazendo lá-lá-lá na
mesma nota e lendo um livro, já que Karen, a soprano que fica na minha frente,
tem um cabelo totalmente enorme, e o Sr. Gomez, regente dos Trovadores (o nome
do coral) não pode ver o que eu estou fazendo.
Não sei se algum dia vou perdoar Mai é pela dança. Sério. A gente tem de dançar
enquanto canta... bem, não dançar de verdade, mas tipo mover os braços. E não
sou a melhor movimentadora de braços do mundo. Não tenho absolutamente nenhuma
noção de ritmo.
Uma coisa que o Sr. Gomez se sente obrigado a dizer umas três vezes por dia.

Dulce: E se cortarem
a orelha dela? – sussurrei para Mai.

Tinha de sussurrar
porque o Sr. Gomez estava trabalhando com os tenores a algumas fileiras de nós.
Estamos nos preparando para um grande concurso estadual de corais e ele anda
meio tenso com isso. Tipo gritando comigo por causa dos meus movimentos de
braços quatro ou até cinco vezes por dia, em vez das três normais.

Dulce: E mandarem
pra sra. Gárcia com um bilhete pedindo resgate? Eles não vão fazer nada assim,
vão? O que você acha? Puxa, é destruição de propriedade privada.

Maite: Ah, meu Deus. Quer cair na real? É só uma pegadinha, certo? Os caras do
último ano fazem uma todo ano. Afinal, qual é a sua? Você não ficou tão
chateada assim com o bode do ano passado.

A pegadinha da turma que se formou no ano
passado foi colocar um bode no teto do ginásio. Nem sei o que há de engraçado
nisso. Quero dizer, o bode poderia ter se machucado seriamente.

Dulce:  É, só que... É só que parece errado demais. A sra. Gárcia adora realmente aquela boneca.

Maite: E daí? É só uma boneca.

Só que, para a sra. Gárcia, Betty é mais do que uma boneca. Tenho certeza.
De qualquer modo, aquela coisa estava me incomodando tanto que, depois das
aulas, quando fui para a redação do Register – é o nome do jornal da
escola, onde trabalho na maior parte dos dias... não para melhorar o índice de
atividades extracurriculares, mas porque gosto mesmo -, falei na reunião de
pauta que alguém deveria fazer uma matéria sobre isso. Quero dizer, sobre o
seqüestro de Betty.