Fanfics Brasil - 2 A Lenda de um Amor - Sandy Blair

Fanfic: A Lenda de um Amor - Sandy Blair | Tema: livro original, romance, época


Capítulo: 2

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Capítulo I


  


Drasmoor, Escócia


Com um bocejo, Duncan MacDougall, o lorde do Castelo Blackstone, espreguiço-se na enorme  cama, e depois praguejou ao sentir o odor do charuto de Robert Sheffield. Oito semanas já haviam transcorrido desde a morte do velho, e ainda assim o odor nauseabundo ainda impregnava o solar


Quem viria a seguir?


Duncan rezou não seria outro fumante de charuto e, melhor ainda, que fosse uma mulher. Temia por seu lar, onde era prisioneiro, entre a vida e a morte, havia tanto.


A rainha Vitória acabara de falecer da última vez que um jovem da família reivindicara Blackstone. Duncan sorriu ao lembrar de John e de sua adorável esposa, Mary. Sentia saudade de seus filhos também. Havia muito que não escutava o riso de uma menina ou via um menino brincar com os soldadinhos de chumbo que no momento estavam guardados na ala oeste.


E se Silverstein não encontrasse um novo herdeiro? Pior ainda, encontrasse, mas o novo ocupante do castelo desejasse convertê-lo em uma atração turística?


Ante tais pensamentos, MacDougall estremeceu, visualizando milhares de crianças barulhentas e mal-educadas com seus pais gordos e relaxados, subindo e descendo suas escadas e passando as mãos engorduradas nos objetos preciosos que levara uma vida inteira para adquirir, e que tinham lhe custado a própria alma.


Desejou que o mais recente herdeiro que partira, e que não se casara nem deixara descendentes, ardesse no inferno. Assim pensando, tratou de abrir as janelas góticas, e ouviu o som de um motor e o rumo das águas. Soube então que se tratava da lancha de Silverstein. Duncan esticou o pescoço para ver melhor o ancoradouro, e praguejou ao divisar uma mulher, os cabelos escuros ao vento, sentada ao lado de Tom.


Deus presenteara o testamenteiro com o amor de uma esposa e a dádiva de um filho. Algo que ele, um lorde, não era digno de ter, pois fora amaldiçoado para nunca ser amado, e tinha as mãos manchadas com o sangue de três esposas.


Porém, ali estava o paspalho do Tom com a esposa grávida!


– Deus! – exclamou Duncan – no seu estado deveria estar deitada, e não balançando como rolha na baía! Pode fazer  mal à criança!


Assim dizendo, o lorde desceu as escadarias, apavorado  com essa possibilidade, e correu pelo enorme vestíbulo, determinado a confrontar Tom Silverstein frente a frente.


Em geral preferia métodos mais sutis... ou mesmo agressivos... para demonstrar seu desagrado, em vez de materializar-se diante de mortais. Tornar-se visível sempre requeria mais esforço do que dar sinais de que se ofendera com alguma coisa. E dar vazão ao seu gênio era bem mais divertido também.


Mas o menino Tommy dessa vez exagerara, pensou. Arriscar a vida do filho que estava para nascer era ofender a Deus e pôr Blackstone em perigo. Por tias faltas, o testamenteiro iria pagar caro, refletiu lorde MacDougall.


 


 


Katherine Elizabeth Pudding apertou sua elegante sacola de encontro ao peito e prendeu o fôlego ao ver uma enorme ponte levadiça abrir sua bocarra com um ruído ensurdecedor.


– Não fique assustada, Srta. Pudding – gritou Silverstein com bom humor, segurando as bagagens de Katherine. – A ponte levadiça costuma ser barulhenta.


A Srta. Pudding, que costuma ser chamada de Beth, imaginou as grades pontiagudas desabando sobre seu corpo ao passar e rangeu os dentes. Decidiu que consertar aquela geringonça seria sua prioridade máxima, e seguiu o alto e magro Silverstein pelo pátio interno, assim que entraram.


Franziu a testa, diante das ervas daninhas e trepadeiras que subiam, desordenadas, pelos muros de pedras do século XV, e lamentou como certas pessoas não sentiam orgulho de suas propriedades. Bastava um pouco de carinho e óleo de máquina nas dobradiças para fazer de qualquer lugar um lar.


E não se travava de qualquer lar, mas do seu, refletiu. Um castelo para remodelar à vontade! Em seus vinte e quatro anos de existência, aqueles blocos de granito seriam as primeiras paredes que poderia declarar como suas!


Havia apenas dois dias, o último lugar que chamara de “lar” fora um apartamento no Bronx, infestado de baratas e com um aluguel exorbitante.


Não era a proprietária, e mesmo os insetos podiam ir e vir sem que pudesse fazer nada a respeito.


Beth ergueu os olhos para as janelas góticas; deveriam estar refletindo o sol em seus vitrais multicoloridos, entretanto a fitavam lá de cima, opacas e escuras, como os olhos de um peixe morto.


Com ares de proprietária Beth examinou a altura da torre de quatro andares à sua frente, e calculou o tamanho das janelas.


– Por que não? – murmurou consigo mesma, decidindo que iria lavá-las assim que possível.


Afinal, arriscara muitas vezes a vida, pendurando-se da janela de seu apartamento no quinto andar, a fim de deixar tudo brilhando. Tinha muita prática.


Arqueou as sobrancelhas ao ver que a porta da frente do castelo, pesada e em arco, não estava em melhor condição que as janelas. Era de carvalho bem sólido, mas estava rachada e manchada pelo mofo. O Sr. Silverstein tocou-a no ombro, dizendo:


– Bem– vinda ao seu novo lar, Srta Pudding. Bem– vinda ao castelo Blackstone.


Saboreando tais palavras, Beth o seguiu, tomando cuidado com os degraus de pedra que conduziam a uma outra porta.


Por fim penetrou no que Silverstein chamou de grande salão do castelo e ficou de boca aberta.


Sua nova sala de estar devia ser pelo menos dez vezes maior que a de seu apartamento no Bronx.Duas enormes lareiras decoradas, cobertas de cinzas, e cada qual da altura de um homem alto, encontravam-se nas extremidades do salão. Três gigantescos candelabros de ferro, em forma de rodas, pendiam do teto por correntes grossas. Sentiu-se aliviada ao ver que tinha luz elétrica, mas sem, dúvida aquele cômodo não era limpo de maneira apropriada havia muitos anos, refletiu.


Silverstein aproximou-se da porta às suas cosas, que se fechou com um rangido sinistro, fazendo Beth pensar se a cola para unhas que trazia na bolsa seria suficiente para mantê-la  nos seus gonzos até que tivesse dinheiro para o conserto.


Não fazia a menor idéia de quanto seria a “taxa de manutenção” à qual Silverstein aludira ainda em Nova York, e como só tinha seiscentos dólares na conta corrente, começou a duvidar se valeria a pena aceitar a herança.


Suas dúvidas multiplicaram-se quando analisou as rachaduras no teto do salão. Poderia se manter aquecida apenas com uma taxa de manutenção em um castelo que necessitava de tantos reparos?


– Sr. Silverstein, há quanto tempo Blackstone está desabitado?


– Jamais  ficou sem moradores, minha cara – Tom sorriu, relanceando um olhar para uma mistura estranha de mobiliário contemporâneo e de época. – Oh! Quis dizer há quanto tempo não havia um herdeiro?


– Sim.


– Dois meses.


– Mesmo assim parece que foi ontem – resmungou Beth, franzindo o nariz ante o cheiro acre de charuto que ainda pairava no ar. Passou um dedo sobre o umbral empoeirado de uma janela. Linda, sua melhor amiga e supervisora da equipe de imprensa do St. Regis, em Nova York, teria um ataque apopléctico. – Podemos abrir uma ou duas janelas para arejar o ambiente?


– É claro que sim!


Tom apressou-se a obedecer, enquanto Beth pensava que tudo aquilo ainda parecia um sonho. Era a dona de um castelo! Na verdade, Blackstone não era muito maior que um forte medieval, ocupando grande parte de uma linda ilha na costa escocesa, mas não deixava de ser um castelo...


E ela, pensou, uma órfã educada em vários lares de Nova York...


Porém, o que faria com Blackstone?


Segundo Silverstein dissera, deveria morar na propriedade por seis meses a fim de poder reclamar a herança como sua. Depois, poderia retornar a Nova York e ao seu apartamento no St. Regis, e utilizar o castelo apenas como um lugar de férias, ou fazer dele sua residência permanente. A decisão seria sua.


De qualquer modo, após seis meses, a herança estaria assegurada e passaria aos seus descendentes. Entretanto, Beth não tinha esperanças de ter filhos.


Mais de uma década se passara desde que julgara ser amada, e não podia imaginar-se caindo na armadilha do amor outra vez. Demorara para descobrir que e maioria dos homens gostava de mulheres bonitas e dóceis, e ela não era nem uma coisa  nem outra.


Tendo completado apenas o segundo grau, começara a vida profissional como garçonete. Enquanto via outras moças mais bonitas galgarem posições sem se esforçar muito, tivera que abrir caminho passo a passo, trabalhando em três hotéis diferentes, até se tornar assistente de diretoria.


Na verdade, Beth não tinha ressentimento das mulheres bonitas. Apenas as admirava. Elas não precisavam trabalhar demais, serem mais espertas e inteligentes para chamarem a atenção.


E mesmo se o espelho não lhe revelasse que era feia, uma das mães adotivas que tivera fizera questão de deixar isso bem claro. Beth tinha apenas doze anos de idade, quando a mulher que tanto tentara agradar para receber um pouco de carinho comentara:


– Jamais será bonita, portanto é melhor aprender a se maquiar. Talvez assim haja uma possibilidade de alguém a considerar atraente.


Beth tentou afastar a lembrança daquelas palavras, pois na verdade já não tinham importância. Ela, Katherine Elizabeth MacDougall Pudding, tornara-se uma herdeira, e possuía uma minúscula ilha com seu castelo particular. Esse pensamento a fez prender a respiração.


– Deixe-me mostrar-lhe seus aposentos, antes de continuarmos a visita ao castelo – sugeriu Silverstein,segurando as malas.


– Pode deixar que carrego!


Assim dizendo, Beth apossou-se da bagagem, e sorriu de modo gentil. Herdeira ou não, pensou, ainda não confiava em estranhos para carregar suas malas. E se Silverstein  as deixasse cair? A loja de cosméticos mais próxima ficava em Glasgow, uma viagem de mais de quatro horas, pelo amor de Deus!


 


 


 


Duncan resmungou consigo mesmo, enquanto seguia Silverstein e a estranham escadas acima. Ficara aliviado ao perceber que não era a esposa se Tom, porém quem seria aquela moça? Tratou de ouvir a conversa dos dois.


Ah! Essa era a nova herdeira!


Relanceou um olhar para sua mão esquerda, e seu coração quase parou. Por que ninguém lhe contara? Havia séculos que nenhuma mulher solteira tomava posse de Blackstone. A última fora uma bela mas maldosa ruiva, que quase o arruinara. Entretanto... E se esta moça...


Não! Observou a silhueta ágil e graciosa que tentava equilibrar as malas pelos degraus em caracol. Por que, em nome de Deus, Silverstein não se oferecera para levar sua bagagem?, perguntou-se, enfurecido. Será que o cavalheirismo morrera?


Duncan permaneceu alguns passos atrás da mulher. Não poderia permitir que escorregasse e morresse com o pescoço quebrado, antes que pudesse analisar suas possibilidades.


Quando a moça chegou ao patamar do quarto andar sem acidentes, respirou aliviado.


Silverstein abriu caminho e anunciou:


– Este é o principal apartamento do castelo. O herdeiro anterior, Robert Sheffield, preferia ambientes menores de dormia na ala leste do segundo andar.


Duncan resmungou por entre os dentes, ante a mentira deslavada do testamenteiro.


Entrara nesse mesmo apartamento e dera de frente com o miserável Sheffield, tentando surrupiar as jóias do cofre, antes mesmo de ser o legítimo herdeiro de Blackstone! Furioso, Duncan assustara o homem. Tivera ímpetos de arrastar o ladrão escadaria abaixo, mas já tinha muito sangue nas mãos, e contentara-se em aterrorizar Sheffield pelas duas décadas seguintes. O velho larápio nunca mais tentara se aventurar acima do segundo andar do castelo pelo resto de sua permanência ali.


– Espero que seja do seu agrado – continuou Silverstein – como pode ver, é maravilhoso. A tapeçaria de cada lado da cama foi feita no século XVII por uma das antepassadas, Duncan Angus MacDougall, o primeiro lorde de Blackstone, era um homem muito grande. Parece que tinha mais de um metro e noventa de altura, como John de Bruce, outro personagem da época.


Duncan voltou a resmungar, irritado com as palavras de Silverstein. Nada de “parece”! tinha  mais de um metro e noventa de altura,  e não precisava ser comparado a John Bruce.


– E as janelas, Srta. Pudding – concluiu tom – oferecem uma vista de trezentos e sessenta graus.


Pudding?!  Aquele sobrenome era inglês e não escocês! Qual de seus descendentes, pensou Duncan, tivera a audácia de se casar com alguém da Inglaterra? Deus! As coisas tinham se deteriorado mais do que imaginara!


– É lindo = murmurou a Srta Pudding, deslizando a mão pelos entalhes da parede e sentindo a maciez do colchão – Mas, por favor, chame-me de Beth.


– Está bem, porém não fique aborrecida se às vezes me dirigir á senhorita como milady.


_ Oh?


Silverstein sorriu.


– O título honorífico vem com o castelo. Tentamos manter as tradições o máximo possível.


Beth dirigiu-se à janela aberta e apreciou a paisagem


 – Ainda é tão difícil de acreditar, Sr. Silverstein, que tudo isso... – fez um gesto abrangente com a mão – ...poderá ser meu em apenas seis meses. Durante muitos anos, nada tive a não ser...


Percebendo que sua voz falhara, Duncan aproximou-se da mulher ainda parada junto à janela e analisou-lhe o rosto, enquanto ela tentava limpas as lágrimas. O que a fizera chorar? Pela sua atitude, não parecia afeita às crises de choro, refletiu, e esperava que não começasse a soluçar a toda hora. Detestava ver mulheres em lágrimas.


Beth mordeu o lábio até ficar escarlate, enquanto rios escuros e estranhos para Duncan corriam em suas faces. O fantasma sentiu seu perfume erótico e doce, e lutou contra o desejo de estender a mão e tocá-la. Que curioso!


– Vamos percorrer o reto do castelo? – sugeriu Silverstein. – e por favor, chame-me de Tom. É bem provável que tenhamos um longo e complexo relacionamento.


Ante o comentário, Duncan franziu a testa, mas a jovem Beth aquiesceu em silencia, enquanto enxugava as lágrimas de modo apressado. Droga de rímel! Resmungou consigo mesma. Suspirou e voltou-se para o testamenteiro.


– Adoraria ver o resto de meu novo lar.


Ao ouvir a última palavra, Duncan Angus MacDougall sorriu pela primeira vez em décadas.


 


 


Por fim, sozinha e faminta, Beth percorreu o castelo até a cozinha, que brilhava de limpeza, do chão às panelas e potes.


Não havia armários nas paredes, apenas uma enorme mesa central cercada de banquetas, um aparador muito antigo, e alguns utensílios arcaicos. O único adorno no enorme ambiente provinha de uma colossal lareira, emoldurada por ganchos de ferro, uma grelha e quatro fogões separados.


Devido à hora tardia em que haviam chegado ao castelo Silverstein providenciara alimentos pra uma semana. Beth examinou os rótulos que não lhe eram familiares, e sentiu o odor das frutas e pães sobre a mesa, antes de abrir a geladeira e retirar leite, ovos, duas costeletas e manteiga.


Cansada demais para cozinhar algo trabalhoso, resolveu fazer ovos mexidos e observou um bujão, contendo um líquido amarelo e misterioso que abastecia os fogões. Dando de ombros ante a coisa estranha, girou o cabo de porcelana e esperou ver o fogo se ascender, porém isso não aconteceu. Fósforos, pensou.


Após vários minutos de busca, encontrou uma caixa e acendeu um palito perto da boca do fogão. Nada. Tentou de novo, mas foi em vão.


Teria que se contentar com torradas e uma fruta, refletiu com filosofia.


Encontrou uma velha torradeira, e levou um tempão até abrir sua tampa.


– Desse jeito, acabarei morrendo de inanição – resmungou.


Viu uma tomada na parede e tratou de ligar a geringonça, mas deu um pulo para trás, quando faíscas saltaram. Os fogos de artifícios continuaram por alguns segundos, seguidos por um odoro acre que saía da torradeira.


 – Meu Deus!


Beth arrancou o fio da tomada e, quando as faíscas cessaram de modo abrupto, respirou aliviada, então ouviu uma risada masculina e abafada. Assustada, voltou a pular.


Não vendo ninguém, tratou de se acalmar.


– Só falta agora ver fantasmas – murmurou, sentindo-se uma idiota.


Afinal era uma moça de cidade grande, acostumada ao som de sirenes, freadas bruscas, e outros ruídos cosmopolitas. Não devia se assustar com faíscas de velhas torradeiras. O pensamento a fez voltar a atenção de novo para a engenhoca, pensando se o problema elétrico seria ali ou no fio.


Decidiu deixar a averiguação para mais tarde, pegou duas maças e desligou a luz da cozinha. Fosse lá qual fosse o problema, podia esperar até a manha seguinte.


 


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Autor(a): fanofbooks

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