Fanfics Brasil - 4 A Lenda de um Amor - Sandy Blair

Fanfic: A Lenda de um Amor - Sandy Blair | Tema: livro original, romance, época


Capítulo: 4

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Capítulo III 


 


Duncan encontroou Beth na cozinha, matraqueando no celular. De testa  franzida, o nobre apoiou o cotovelo sobre a lareira.


– Quanto vai custar? – dizia ela com voz exasperada, – Então enviem a programação. Adoro os seriados! – pareceu ouvir o lhe diziam. – Silverstein compreendeu meu plano de pousada, mas pediu-me para esperar seis meses. Depois poderei fazer o que quiser.


Duncan imaginou a que pousada se referia, e se isso a deixava feliz, achou que não tinha importância. Afinal, Blackstone seria o lar de Beth e dele, que iriam compartilhá-lo. Cada qual no seu canto, a menos que ele desejasse tomar outras providências.


Beth riu ao telefone.


– É claro que estou convidando. Será que pode tirar umas férias de Natal? – ouviu a reposta, pensativa. – Oh! Então irei esperar por sua visita em junho.


Despediu-se, e seus olhos brilharam como fogo líquido, cheios de lágrima, sob a luz de um abajur.


Duncan resmungou consigo mesmo. Se falar ao celular lhe causava dor, iria dar um jeito naquele aparelhinho atrevido!


Afinal, o som de flautas que emitia cada vez que a chamavam, começava a irritá-lo.


Beth desligou, enxugou os olhos e murmurou para si mesma:


— Vamos em frente...


Duncan a fitou com atenção.


 


Dentro do quarto de despejo, Beth sorriu, passando os dedos com cuidado sobre o pequeno retrato em forma de ícone que descobrira.


— Já não é sem tempo...


Pó e mofo acumulados em centenas de anos cobriam a pintura em suas mãos, porém estava certa de ter encontrado o que procurava; o retrato de seu fantasma.


Apertando-o de encontro ao peito, abriu caminho em meio à montanha de móveis antigos que fora empilhando em sua busca. Fora do quarto, examinou de novo os outros tesouros que separara. Lindos retratos e paisagens, além dos diários antigos que recolhera na biblioteca.


Depois de um bom banho para se livrar do pó e da sujeira, iria analisar as datas das pinturas em relação aos diários. Seria divertido descobrir quem tinham sido essas pessoas, pensou. Poderia aprender muito nos próximos seis meses, a fim de poder encantar seus futuros hóspedes com histórias de amor, galanterias e conflitos.


Suspirando, afastou o braço para ver melhor o retrato do fantasma e analisou seus olhos de um azul profundo e a barba cerrada.


— Será que por baixo desse matagal seu queixo é quadrado, senhor fantasma? — murmurou.


Esperava que sim.


Como ela sempre o via com o rabo do olho, às suas costas, trajando uma túnica sem mangas e um cinto largo de couro,  sabia que Duncan tinha ombros e braços que fariam qualquer mulher suspirar. As pernas também eram atraentes, longas e musculosas, sob uma calça apertada e azul.


Beth soltou um suspiro, a parte vulnerável de seu coração desejava que Duncan fosse um homem de carne e osso.


— Vão com Deus — resmungou Duncan, quando os eletricistas foram embora de volta a Drasmoor.


Para escapar da bagunça e do barulho que haviam feito, passara boa parte do dia se entediando no parapeito da torre do castelo.


Era óbvio que Beth também achara os eletricistas um estorvo, pois ficara toda a tarde na ala leste. Curioso para saber o que andara fazendo, Duncan entrou na torre.
— Onde será que encontrou isso? — murmurou para si mesmo, franzindo a testa diante do pequeno retrato pousado sobre o aquecedor. Ordenara que fosse queimado!


Beth tinha pinturas muito melhores para escolher se desejava alegrar o aposento. Por que, em nome dos Céus, escolhera seu retrato?


Seu primo não fora nenhum grande artista, e o retrato apenas demonstrara a Duncan que a juventude só servia para se empunhar a espada. Entretanto lá estava aquele horror, após seiscentos anos, diante de seus olhos.


Onde estaria a herdeira?


Rumou para os outros andares, à sua procura, mas não a encontrou. Então desceu para o salão principal. Ali se deparou com duas de suas poltronas favoritas. Parecia que Beth também considerava o trono reclinável ridículo, e dera sumiço no mostrengo, ponderou Duncan.


Comprara as duas poltronas na Normandia, e as trouxera para Blackstone. Eram um dos poucos bens que conseguira salvaguardar após a batalha de Rouen. Os assentos de couro
estavam gastos, mas era bom vê-las no grande salão, em lugar de honra, pensou


Minutos depois, encontrou Beth sentada em frente à fornalha ainda suja, com uma pilha de fósforos do lado. Tentava acendê-la em vão, e por fim desistiu.


— Não posso viver assim! — exclamou, com lágrimas descendo de seus olhos. — Pouco me importa se terei que passar fome, mas amanhã vou encomendar um sistema de aquecimento!


Duncan aproximou-se da fornalha e tratou de abanar os pedaços de carvão até que começassem a ficar rubros.


De improviso Beth virou-se e examinou as brasas. Aprumou-se e olhou ao redor. Limpando as lágrimas, coçou o queixo e ergueu o nariz, como se fosse uma raposa farejando
caça.


Por fim, com um fio de voz, murmurou:


— Obrigada. Foi muito gentil.


Ante essas palavras, Duncan sentiu os joelhos trêmulos.


 


Esperando enquanto aquecia água para o banho, Beth enrodilhou-se em uma das poltronas que trouxera do sótão, e abriu sua maior descoberta do dia: o terceiro volume dos Diários de Blackstone.


O diário original, encadernado em madeira e escrito no mais frágil dos pergaminhos, estava em latim e com a caligrafia do fantasma, de acordo com a assinatura. Mesmo se pudesse traduzir as páginas amarelecidas, ainda assim hesitaria, com medo de destruir o volume apenas virando as folhas, tamanha sua fragilidade, após tantos séculos.


O segundo diário, uma tradução escrita em 1640, também era muito delicado, com o papel que se tomara quebradiço com os anos. Passando os olhos pela primeira página, soltara uma imprecação. Apenas um erudito, grande conhecedor de Shakespeare, conseguiria ler aquilo!


Sorriu ao abrir o terceiro volume. Em inglês legível, leu: Diário de Duncan Angus MacDougall, tradução de Miles Bolton MacDougall, 1860.


Abriu com cuidado na sexta página. Até o momento sabia, pela narrativa de Tom Silverstein, que Duncan recebera suas esporas de cavaleiro aos quatorze anos de idade, retomara a Drasmoor após lutar na França, soubera da morte do pai e do irmão, além de mais da metade do clã, e tornara-se lorde. Quando aguardava o nascimento de seu primeiro filho, enfurecera-se com os vizinhos que tentaram roubar-lhe o gado, e temera por  outro surto de Peste Negra, que já assolava Edimburgo. Dizia o diário:


Os pedreiros trabalham de sol a sol, as mãos sangrado, dia e noite, entretanto temo que não trabalhem rápido o suficiente. É claro que se o papa Clemente V conseguiu sobreviver à peste horrível, emparedando-se em seu aposentos, enquanto todos ao seu redor pereciam, então poderemos conseguir o mesmo nesta ilha. Rezo para que os muros de Blackstone estejam erguidos antes que a tragédia nos atinja.


 


Quarentena, pensou Beth. Fora por isso que Duncan construíra aquela estrutura maciça no meio do ancoradouro, em vez de nas altas colinas ao redor de Drasmoor. Virou a página.


 


A última pedra foi colocada nos muros. O trabalho no castelo continua, enquanto as mulheres armazenam água e comida. A hora de minha Mary dar à luz se aproxima, e mesmo assim ela não deixa de ajudar. Implorei, roguei para que voltasse para as terras de seu pai, mas foi em vão Mary detesta a segunda esposa do pai e não partirá. Recuperamos nossas dez reses e mais seis de Bruce como pagamento pelo agravo que nos causou, e a briga terminou. A morte contínua a marchar em nossa direção.


Nas dez páginas seguintes, Duncan continuava a detalhar os progressos dos trabalhos e seus temores a respeito do bem-estar dos operários, do mar encapelado, e da saúde da esposa. As anotações diárias cada vez se tomavam mais sombrias.


Na vigésima página, Beth leu:


 


Deus virou-me o rosto. Há três dias cavei a terra congelada para enterrar minha Mary e o bebê. Como a Mãe de Jesus, ela teve seu filho em uma manjedoura, já que
pouco temos para nos abrigar, com apenas quatro muralhas do castelo erguidas e com a Peste Negra assolando os vilarejos ao sul de Drasmoor. Choro pela jovem com quem me casei, tão corajosa e paciente. Ainda preciso avisar Campbell. Não vai encarar com calma a morte da filha e do neto. É provável que me culpe por isso, pois se não tivesse dado ouvidos aos rogos de Mary e a obrigasse a ir para o castelo da família, Dunstaffnage, talvez, ela e meu filho estivessem vivos hoje. Quando chegar a primavera, construirei a capela de Blackstone sobre seu túmulo. Lamento não poder lhe dar na morte as honras que merece, mas quando puder, mandarei fazer sua efígie em bronze. Não a amava, nem ela a mim, mas
choro seu desaparecimento e o do bebê.


Nesse instante o celular tocou, fazendo Beth levar um susto. Procurou no bolso da saia e atendeu.


—Alô.


— É Tom, milady. Está tudo bem? Parece... assustada.


Beth limpou a garganta.


— Tudo bem. Estava lendo.


Fantasiou Mary MacDougall em trabalho de parto sobre a palha e tratou de perguntar a respeito da saúde de Margaret.


— Queixa-se o tempo todo de que não vê a hora de ter a criança — brincou Tom, rindo. — Liguei para avisá-la que recebeu dois pacotes de Nova York. Posso levá-los ao castelo amanhã?


— Obrigada, mas prefiro ir até aí. Deixei-me intimidar pela lancha por muito tempo. Preciso enfrentá-la.


— A previsão do tempo é de sol. Estará bem. Telefone ante de sair, e ficarei esperando nas docas.


— Obrigada. Alegro-me em comunicar que já temos água quente sem problemas.
Tom voltou a rir.


— Ótimo. Só não se esqueça de acrescentar combustível de vez em quando e terá água quente logo cedo.


— Deus! Detesto esses sistemas antigos! E o fogão? É um horror!


— Entendo. Mas com sorte em breve, ganhará muito dinheiro para fazer as reformas que desejar.


— Que os anjos digam amém...


O testamenteiro soltou uma sonora gargalhada.


— Não se esqueça de telefonar antes de sair amanhã.


— Sem dúvida. Dê um beijo meu à Margaret


Desligou o telefone e voltou a mergulhar em seu mundo interior. Ali no castelo tinha problemas com água quente, um fogão enfumaçado e o diário com a história de Mary MacDougall ainda aberto sobre o regaço. E se tivesse vivido no século o XV?, pensou. Teria sobrevivido ao que a outra passara? Estremeceu e agradeceu a Deus por tê-la colocado no século atual. Se um dia tivesse um filho, raciocinou, haveriam hospitais, anestesia e aquecimento interno.


Também agradecia por viver em uma época de maior abertura religiosa, sem ter que carregar culpas desnecessárias, como Duncan, que se punira por não ter condições de adquirir uma dispensa especial da Igreja para que a esposa saísse do purgatório e fosse direto para o Paraíso.


Beth gostava de se comunicar com o Senhor como se fosse seu melhor amigo. Agradecia, queixava-se a Ele, e, de vez em quando, aceitava com humildade seus desígnios.


Suspirou e virou a página do diário,


— O que é isso? — murmurou com voz sufocada pelo espanto. Ante seus olhos incrédulos leu o que sem dúvida era um plano inteligente e frio de assassinato.


 


 


Duncan semicerrou os olhos ante o sol no parapeito do castelo. Desde que o agradecera no dia anterior, Beth por três vezes dera meia-volta bem depressa e o encarara de frente.


Tivera até a audácia de acenar e piscar um olho para ele! O lorde estremeceu,


Será que Beth possuía um sexto sentido?, perguntou-se. Não! Claro que não! E para deixá-lo ainda mais furioso, a moça, encontrara os diários. Agora teria que manter uma vigilância maior sobre a nova herdeira,


Ergueu o olhar e viu-a de pé na doca de Drasmoor, usando, uma capa amarela impermeável e botas de borracha.


— Até que enfim! — murmurou Duncan.


Ficou prestando atenção, enquanto ela manejava a lancha; como se estivesse bêbada, retomando da baía para o castelo com a embarcação cheia de pacotes. Prendeu a respiração até ela atracar


— Essa mulher precisava ser mantida a ferros para sua própria proteção! — resmungou, aliviado.


Desceu as escadas em espiral de dois em dois degraus, até o salão principal, determinado, a cada passo, a alertá-la de que estava arriscando a própria vida. Pressentir que ele existia e ironizar sobre isso era uma coisa, mas estava correndo risco de enfrentar sua fúria, o que era algo bem diferente, pensou com seus botões.


— Ainda irá me obedecer, juro por Deus, pois é mulher sou homem e o senhor do castelo!


Penetrou no salão ao mesmo tempo que Beth, muito satisfeita, com os braços carregados com seus pacotes, e que entrar;  ela outra porta. Antes que Duncan pudesse manifestar seu desagrado, fazendo um quadro cair da parede, ou despedaçando um vaso, Will Fraiser gritou.


— Milady! Deixe-me ajudá-la.


Assim dizendo, largou no chão os fios que segurava par o pai.


Ouviu-se um grito agudo, e todos olharam na direção de Bart Fraiser, que segurava uma série de fios, e estremecia com a marionete enlouquecida, o rosto contorcido. Um odor acre de fumaça invadiu o ar.


— Pai! — gritou Will.


Beth abriu os braços e gritou também. Os pacotes nem haviam tocado o chão, e ela já pressionava a bota de borracha sobre o peito do velho. Livre da corrente elétrica fatal, Bart caiu como uma árvore que tomba.


Evitando os fios que se retorciam e soltavam faíscas, Beth debruçou-se sobre o eletricista.


— Oh, Deus! Por favor! — implorou, deslizando dedos tri mulos pelo pescoço do senhor.


— Chame por socorro.


Duncan olhava, surpreso, enquanto a via segurar o pobre Bart pela nuca, inclinar-se, e começar a soprar em sua boca, não uma vez, mais várias. Para espanto do lorde, a pele de Fraiser, que um momento antes estava branca como um lenço, começou a ficar rosada de novo.


Beth parou de soprar na boca de Bart, enquanto Will caía de joelhos a seu lado.


— A polícia já vem.


Beth aquiesceu e voltou a fazer a respiração boca a boca.


— Ele está vivo? — perguntou o rapaz. — Vai ficar bem? Deus! Foi minha culpa!


Também apavorada, Beth não respondeu, mas encostou o ouvido no peito do velho. Quando ergueu a cabeça, um sorrriso animado iluminava-lhe o rosto.


— Está respirando — anunciou.


No seu canto, Duncan relaxou. Era um verdadeiro milagre! Lágrimas de alegria jorraram dos olhos do jovem Fraiser enquanto acariciava o rosto do pai.


— Papai, lamento tanto. — Voltou-se para Beth.  – Obrigado.


Em poucos minutos, o carro da polícia chegou. Colocaram Fraiser, ainda desmaiado, em uma maca, e o levaram para o hospital. Duncan ficou do lado de Beth no píer, vendo-a acenar para os homens, e depois, de ombros baixos, deu as costas para retomar ao seu lugar no parapeito. 


A herdeira estava com o rosto borrado por sulcos negros devido, sem dúvida, à pintura que usava no rosto, e murmurou


— Vá com Deus... 


Então a estranha, mas corajosa herdeira, começou a soluçar.


Em um tom de voz que ela poderia ouvir, Duncan sussurrou:


— Não há motivo para lágrimas, menina, pois agiu bem. Muito bem, aliás,


Beth voltou-se com um repelão, sem acreditar em seus ouvidos. Teria Duncan Angus MacDougall, o fantasma residente, falado com ela? Reteve a respiração, concentrando-se em ouvir. Voltou o rosto para um lado e o outro do parapeito da torre, mas nada viu.


—Por que não pode me ver agora, mas em outras ocasiões consegue? — murmurou Duncan.


Com o coração aos pulos, Beth estendeu o braço, pois a voz vinha de muito perto.


Duncan riu.


— Não pode me tocar em meu estado atual, menina. Bem que me agradaria, mas não chegou a hora.


— Por quê?


Beth não sabia por onde começar suas perguntas, dirigidas ao ar.


— Porque não pertenço ao seu mundo, menina.


— Sei disso — replicou ela, sorrindo e afastando as lágrimas — mas queria perguntar por que decidiu falar comigo afinal.


— Parece precisar de alguém neste momento.


Ora! Seu belo fantasma tinha coração! pensou, tratando de se apresentar.


— Sou Beth.


— Sei disso. Sou Duncan Angus MacDougall, também chamado de o Moreno, ou apenas MacDougall, ou lorde.


— Tem alguma preferência?


Duncan permaneceu em silêncio por alguns instantes, pensando, enquanto Beth aguardava.


— Bem... Do pouco que sei a seu respeito, gostaria que me chamasse de Duncan.


Já queria ficar íntimo, pensou Bem, e sentiu-se muito animada com tal perspectiva. Desejava perguntar-lhe se sentia frio, se comia, dormia, ou por que escolhera falar com ela quando nunca falara com Tom Silverstein. Então, por alguma razão inexplicável, perguntou:


Sente-se solitário?


— Às vezes, sim.


— Eu também.


Engoliu as lágrimas outra vez. Estava obtendo consolo com um fantasma, ponderou. Que coisa bizarra!


— Duncan, ressente-se com minha presença no castelo?


— Não, menina. Estou feliz que tenha vindo. É um lugar muito grande para um só homem insignificante.


— Pelo que sei — disse Beth — não há nada de insignificante em você.


O riso do lorde ecoou, sombrio e profundo


— Tem razão, menina. Não há nada de fraco nesse meu corpo invisível.


Beth sentiu que enrubescia até o pescoço. Tentando encobrir o embaraço, voltou-se para o outro lado. Será que fantasmas sentiam falta de... Ora! Devia estar muito contente para ter aquele tipo de pensamento, culpou-se.


A lancha de resgate viera e levara o velho Fraiser, fazendo soar a sirene, mas seu rumor não era enervante como as de Nova York.


— Como já disse, menina, agiu muito bem.


— Rezo para que o pobre homem recobre a consciência logo.


— A mão de Deus pousou em seu ombro. Fraiser ficará bem.


Quando a ambulância desapareceu, Beth admirou o pôr-do-sol, algo que não conseguia fazer com freqüência em Nova York, com seus arranha-céus.


Como uma laranja gigantesca, o Sol aos poucos foi desaparecendo no horizonte.


Orquídeas e narcisos emolduravam as colinas, e Beth achou que era o cenário perfeito para finalizar sua primeira semana como proprietária de Blackstone.


— Dorme? — perguntou à que ima-roupa para o espectro.


— Claro que sim!


Onde?


— Ao acaso, em qualquer lugar.


Beth concluiu que sua vida estava repleta de homens reticentes, que falavam por monossílabos.


— Come?


— Não, e sinto muita falta. Tenho saudade do gosto de carne assada.


— Do que mais sente falta?


— Meus companheiros e amigos, o som do riso das crianças brincando, a sensação de maciez da pele feminina sob meus dedos riu. — O gosto de bom uísque e, é claro, a animação combater. Oh! Nada é melhor do que galopar em uma noite de ventania em um alazão veloz, com os inimigos às suas costas.


Deus! exclamou Beth consigo mesma. Pensara que Duncan só lutara para reaver seu gado, por exemplo, mas parecia que não era bem assim.


A noite caiu por fim, fazendo-a estremecer.


— É melhor entrar, menina, antes que se resfrie.


Beth aquiesceu. Dirigindo-se para a escadaria, voltou-se e perguntou:


— Será que um dia o verei?


Mas só o silêncio reinava.


 


Exausta mas ainda desperta, Beth estendeu a mão para o telefone que tocava.


— Alô.


— É Tom, milady. Achei que gostaria de saber que Bart Fraiser acordou no hospital. Está bastante fraco e perdeu um pouco de cabelo com o choque, mas o médico afirmou que irá se recuperar.


— Graças a Deus! O filho está bem?


— Sim. O jovem Will sossegou depois que o pai acordou e conversou com ele. Como está, milady?


— Eu... Pode esperar um momento? — Beth pegou o pó compacto e olhou em torno, pois não podia arriscar-se a ser vista por Duncan sem um pingo de maquiagem. Sentindo que estava sozinha, murmurou. — Tom, ele falou comigo!


— Quem?


— O fantasma! Duncan!


— Tem certeza que, depois do choque com Bart, não está imaginando coisas, menina?


— Tivemos uma conversa. Tom!


— Nossa! Ele se materializou?


— Não. Disse que não era hora.


— Preciso contar já para Margaret — murmurou Tom, como se falasse consigo mesmo. — Menina, tenha cuidado. O lorde tem um temperamento terrível e não deve ser provocado.


— Terei. Imagino que, com seu vozeirão, deve mesmo ter um gênio terrível.


— Então trate de descansar um pouco.


— Tentarei. Mantenha-me informada sobre a saúde do sr. Fraiser, por favor. E não se esqueça de ligar assim que as rosas chegarem.


— Farei isso. Boa noite, Beth.


Após desligar, ela voltou a examinar o quarto, à procura de Duncan. Parecia que seu fantasma fora dormir. Suspirou, aliviada. Não teria forças para agüentar mais emoções nessa noite, pensou.


 


 


—Ah!


Duncan levara uma semana, mas por fim conseguira pôr a mão no celular.


Antegozando a satisfação que sentiria ao atirá-lo ao mar ergueu a tampa do aparelho com cautela, e enquanto examinava a tela iluminada e os botões, a geringonça emitiu um som agudo. Assustado, deixou o celular cair.


— Deus!


Enquanto imaginava se aquela coisa tinha olhos, ouviu os passos apressados de Beth nas escadas. Colocou o celular sobre a cômoda onde o encontrara, e murmurou por entre os dentes retirando-se para um canto:


— Mais tarde...


Ofegante, Beth entrou no quarto correndo, e foi direto atender —Alô — após uma pausa, continuou. — Estou bem, Margaret. Obrigada por ligar — ouviu por mais alguns segundos
— Maravilhoso. Entregaram as quatro variedades? Certo. Sem problema. Já vou ver. Não é necessário... Estou me tornando ótima marinheira — com a mão livre, começou a ajeitar os lençóis da cama. — Logo a verei. Até breve.


Duncan resmungou, enquanto Beth recolocava o celular sobre a cômoda e ia tomar banho. Na confusão que se seguiu ao acidente com Bart, esquecera-se de proibi-la de dirigir a maldita lancha.


O lorde de Blackstone olhou pela janela. Um céu azul cobalto envolvia Drasmoor e seu cais. Não havia sinal de vento| nem nuvens no horizonte. Deveria negar à herdeira alguma de horas de recreio, quando tudo parecia tão sereno e seguro? Não. Se tivesse oportunidade, ele mesmo deixaria a ilha. Suspirou, resignado. Dizia-se que a prática levava à perfeição, e Beth andava muito na lancha...


Ouvir a água encher a banheira o fez recuperar o bom humor. Caminhou até o banheiro.


É melhor se retirar — disse Beth, enquanto espalhava na água seus cristais com odor de rosas e lilases. — Não é o único por aqui que pode fazer um estardalhaço quando provocado.


Sempre resmungando, e sem entender como ela conseguia sentir sua presença, Duncan retrocedeu para o quarto.


Lançou um olhar para o celular. Poderia dispor da caixa falante mais tarde. O mais importante no momento era checar a lancha para se assegurar que não havia vazamentos, que a gasolina era suficiente, e os remos estavam a postos, caso o motor falhasse.


 


 


Sentindo uma súbita lufada de vento frio, Beth ergueu o rosto a tempo de ver os relâmpagos e ouvir os trovões no horizonte ao longe. Franziu a testa e olhou além do cais para Drasmoor que, antes com um céu claro e luminoso, estava sob nuvens escuras e cerradas.


Demorara-se mais do que o pretendido, desfrutando da visita a Margaret. Durante duas horas tomara várias xícaras de chá, deliciara-se com biscoitos amanteigados, mexericos, e as explicações sobre jardinagem da sra. Crombie, a vizinha, porém era preciso se apressar.


Destravando a corda que prendia a lancha à doca, disse:


— Desculpe-me, sra. Crombie, mas creio que teremos que continuar a lição em outra hora — apontou para o céu. — Tenho de voltar antes que o temporal desabe.


— Oh! E eu aqui atrasando-a, meu bem — a velha senhora apertou a mão de Beth com seus dedos frágeis e nodosos. — Por favor, volte sempre, milady. Adoraria passar mais tempo
em sua companhia, se for do seu agrado.


— Obrigada. Vou adorar.


Beth acenou e postou-se na traseira da lancha. Com um olho no céu escuro, fez o motor pegar. Respirou, aliviada, quando ouviu-o roncar, e rezou:


— Por favor, meu Deus, faça com que chegue em casa sã e salva...


Cada vez mais apreensiva, acenou pela última vez para a sra. Crombie, e tratou de enfrentar as águas encapeladas.


 


No parapeito do castelo de Blackstone, Duncan sentiu um nó na garganta ao ver Beth começar a enfrentar a tormenta. Mortificado por tê-la deixado ir, observou a chuva que caía e
balançava a lancha de modo perigoso.


Correu para outra janela, esperando obter uma visão melhor, mas foi em vão. Seus esforços fúteis o faziam perder um tempo preciso, pensou. Precisava materializar-se. Em seu estado atual era inútil para Beth.


Forçou-se a afastar a imagem aterrorizada do rosto de Beth. Necessitava se concentrar em tudo que era sólido, a fim de poder ajudá-la.


Os segundos pareceriam horas, enquanto se esforçava para apenas... ser.


Quando de repente sentiu os pingos da chuva sobre a pele, pela primeira vez em décadas, prendeu a respiração. Atirou a cabeça para trás e estendeu os braços. Um grito gutural partiu de sua garganta, e abriu os olhos para o ataque rude da tempestade. Conseguira!


Voltou a olhar pela janela e, quando um raio brilhou no firmamento, viu Beth, os olhos esbugalhados de terror, enquanto a lancha desaparecia sob uma onda enorme.


—Não!


A exclamação escapou do peito de Duncan MacDougall, enquanto se debruçava sobre o parapeito.


 


 


Segurando com força o corpo exangue de Beth, Duncan subiu correndo as escadarias de Blackstone até o quarto.


Temendo tê-la encontrado tarde demais, depositou-a sobre a cama e deslizou a mão trêmula por sua garganta. Embora a pele apresentasse hematomas arroxeados e estivesse muito fria, o pulso batia forte, e isso foi um grande alívio. Atirou as cobertas sobre a jovem e, de modo frenético, começou a esfregar seus braços e pernas.


— Pode me ouvir, menina? — Sem obter resposta, sacudiu-a. — Menina! Pode me escutar? Não morra! Você é a escolhida!


Piscou, afastando as lágrimas, e soprou em suas mãos geladas.


— Por favor, meu Deus, não pode levá-la depois que a trouxe para mim!


Não podia perder aquela moça, não depois de esperar por tanto tempo. Só Beth tinha a têmpera para quebrar a maldição.


Com o coração batendo forte, Duncan inclinou-se para a cabeceira da cama, de madeira entalhada. Procurou a figura de um galo e torceu-a, até que se desprendeu em sua mão.


Enfiando os dedos na abertura, extraiu uma pequena bolsa de couro carcomido pelo tempo. Abriu-a, e retirou o broche de Lorne, que seu pai lhe dera. Atirou-o sobre o leito e olhou para a outra jóia, que restara na bolsa. O anel de ouro e rubis que não tocava havia séculos. Estático, examinou a chave para sua salvação, que brilhava na palma de sua mão.


Beth não terminara de ler o diário, portanto desconhecia toda a história, mas não havia escolha, pensou. Precisava prendê-la antes que escapasse pela morte ou por outros meios.


Ajoelhou-se, tomou-a nos braços e beijou-lhe a testa gélida.


— Querida, rezo para que me perdoe pelo que estou prestes a fazer.


Intensificou o abraço, beijou-lhe os lábios inertes e enfiou o anel de casamento no dedo médio da mão esquerda de Beth, fazendo tudo em volta do aposento rebrilhar com uma estranha luz azul.



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Autor(a): fanofbooks

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Capítulo IV         Beth acordou no escuro, tremendo de frio. Franziu a testa  ante a cacofonia de sons ao seu redor. Apertando as mãos trêmulas de encontro aos ouvidos, olhou em tomo, para o ambiente desconhecido que a circundava. Não fazia idéia de onde se encontrava, e pouco se importava com isso. ...


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