Fanfic: A Lenda de um Amor - Sandy Blair | Tema: livro original, romance, época
Capítulo V
A raiva dominou Duncan. Passara por três casamentos políticos, sofridos e sem amor, e agora a casa dos Stewart lhe impingira uma louca!
Em silêncio, observou a nova esposa resmungar consigo mesma, gesticular e percorrer o quarto. Não entendia muito bem o que dizia, pois falava um inglês muito rápido e com sotaque estranho. Seus esforços para acalmá-la, tentando se comunicar em francês e gálico, tinham sido em vão. A jovem apenas balançava a cabeça, continuando a gesticular de modo frenético e a caminhar de um lado para o outro.
Sentindo grande simpatia pelo bíblico Jó, que tanta paciência tivera, por fim gritou:
— Katherine, sente-se!
A jovem deu um pulo, assustada e, de boca aberta, o fitou. Respirou fundo.
— Sou Beth. — Bateu no próprio peito. — Beth.
— Beth?
— Sim — bateu no peito do marido. — Duncan... Beth.
Se queria ser chamada de Beth, tudo bem, pensou Duncan. Poderia chamá-la de qualquer coisa se esse fosse seu desejo,contanto que a fizesse parar de resmungar e caminhar de um lado para o outro.
A esposa voltou a fazer uma rápida pergunta que o deixou confuso. Suspirando com impaciência, Beth o arrastou até a janela.
— Onde estou?
A pergunta foi feita de modo lento, como se falasse com uma criança, e apontou para o vilarejo.
— Drasmoor.
— E... isto?
Fez um sinal mostrando o quarto e o chão.
Afinal estavam fazendo progressos, pensou Duncan, e talvez Beth não fosse louca, apenas um tanto estúpida.
— O castelo de Blackstone. Sou seu esposo, MacDougall.
Quando ela arregalou os olhos, Duncan empertigou-se. Sem duvida ficara impressionada, como devia ser, pensou. Mas então a noiva gemeu com evidente agonia.
— Oh!
Caminhou para a cama, sentou-se, e enterrou o rosto entre as mãos. Cada vez mais confuso, Duncan aproximou-se e ergueu-lhe o rosto banhado em lágrimas.
— O que foi menina?
— Em que ano estamos?
— Não sabe? — quando a viu balançar a cabeça em negativa, respondeu bem devagar. — No ano do Senhor de 1408.
— Como é possível?
Sim, pensou Duncan, como a vida passara tão depressa? Sem saber que resposta lhe dar, espalmou as mãos em um gesto de impotência e deu de ombros. Quase perdeu o equilíbrio e caiu de joelhos. Teve que se segurar na coluna da cama, e gotas de suor surgiram em seu rosto, enquanto tremores sacudiram-lhe o corpo.
Maldita Eleanor e sua adaga!, pensou.
— Duncan! Milorde! — exclamou sua nova esposa, tocando-lhe a testa com a mão. — O que houve?
O lorde afastou-se, e recuperou o equilíbrio.
— Nada. Descanse um pouco. Rachel virá chamá-la para o jantar.
Beth tentou segurar-lhe a testa de novo.
—Não!
Duncan afastou-se ainda mais. Precisava descansar também e sacudir a lassidão e a febre que o possuíam, mas sabia que não estava doente. Forçou um sorriso. Sua noiva poderia descansar também. Pediria à Rachel que desse uma olhada no resto de seu corpo para ver se haviam mais hematomas.
Parando na soleira da porta, praguejou em silêncio. Por que Albany escolhera justamente aquela moça? Uma mulher demente! Já que tivera que se casar de novo, por que não lhe tinham permitido ter uma pessoa saudável e normal?
Beth parou em frente à janela do quarto e voltou a beliscar o braço. Passar o dia se escondendo ali, e repetindo o tempo todo que era apenas um pesadelo, de nada estava adiantado. O Sol atingira seu ápice, a o vilarejo de Drasmoor continuava do jeito como o vira naquele início de manhã, apenas um punhado de cabanas. Muitos dos barcos a remo haviam retornado, e no momento pelo menos cinqüenta pessoas se encontravam na margem.
Como essa mudança pudera acontecer? perguntou-se pela centésima vez.
Durante anos devorara romances históricos, em especial sobre a Escócia. Com freqüência sonhava que vivia no passado, com um herói escocês moreno e bonito, mas, por Deus! Jamais pensara que isso se tomaria realidade!
Ou será que seu desejo de ver Duncan o transformara em um ser de carne e osso, ocasionando tudo aquilo? Parecia que o ditado "Atenção com o que deseja, pois pode se tornar realidade" estava certo.
Ali se encontrava, refletiu, no início do século XV, a era do cavalheirismo e do romance, com um lorde escocês muito lindo que a desposara! Beth suspirou, exasperada.
— Faça alguma coisa, sua tola, ou jamais voltará para o seu mundo — murmurou.
Resolveu começar pelo mais simples: comer. Estava faminta e depois poderia procurar o marido.
Marido!?
Olhou para o anel que usava, de ouro e rubis. Não se lembrava de Duncan tê-lo colocado em seu dedo, mas, afinal, não se recordava de muita coisa, apenas do padre realizando a cerimônia.
Que estranho! Ela e Duncan só se conheciam havia uma semana e mesmo assim apenas tinham tido uma conversa. Será que o fantasma se apaixonara tão depressa? Por isso a viagem pelo tempo? E, o mais importante, poderia se apaixonar por Duncan também?
Beth gemeu, ante o caos de seus pensamentos, e voltou a sentir o estômago roncar de fome. Por força do hábito, procurou em tomo por um espelho, a fim de verificar a maquiagem A idéia de ir ao encontro das outras pessoas no castelo com o rosto lavado a apavorava.
Quando Rachel a ajudara a vestir-se nessa manhã, estivera muito confusa para raciocinar, mas no momento via as coisas mais claras.
Deslizou os dedos pelo lindo vestido de brocado que usava, e o colar de pérolas perfeitas. Lembrou-se da batalha que travara com Rachel, que desejara enfiar-lhe a mesma touca que usava, e que dava às mulheres um ar de freira.
Por fim, através de gestos, Beth consentira em deixá-la pentear seus cabelos em duas tranças enroladas, cobrindo-lhe as orelhas, e seguras por presilhas de prata.
Tocou o cinto estreito incrustado de jóias e voltou a suspirar. Poderia morrer de fome ali no quarto ou enfrentar os outros sem maquiagem, mas bem vestida. Nenhuma das alternativas a entusiasmava, mas estava com dor de cabeça de tanta fome e então, resignada, beliscou as faces para que ficassem rosadas, mordeu os lábios e dirigiu-se à porta.
No grande salão, encontrou meia dúzia de homens sentados diante das longas mesas. Assim que a viram, levantaram-se e fizeram cumprimentos de cabeça. Quando Rachel entrou, Beth apressou-se a ir ao seu encontro.
— Onde está Duncan?
Sem esperar pela resposta, tratou de pegar um pedaço de pão sobre uma das mesas.
— Lorde MacDougall está com meu marido, três honorable dame.
Beth compreendeu que a outra a chamara de honrada dama em francês.
— Onde?
— No pátio interno.
Beth sorriu, pois ela e Rachel começavam a se entender apesar da diferença de idiomas.
— Posso ter água, por favor?
— Claro, senhora. Será levada ao seu quarto.
— Obrigada, mas prefiro aqui.
Rachel franziu a testa e depois deu de ombros, virando-se para sair do salão.
Beth comeu o pão, e analisou os homens e a decoração.
Mulheres passavam, carregando canecas com cerveja e, como os cavaleiros, tinham cabelos louros e olhos azuis.
A idade dos homens variava, mas, a não ser o padre ali presente, nenhum deles tinha um grama de gordura a mais, apesar da quantidade de comida que ingeriam. Para horror de Beth, maníaca por ordem e limpeza, viu que vários atiravam os ossos de frango no chão.
Um estudante de Paleontologia poderia armar um dinossauro com tantos ossos ali, pensou. Não era de admirar que o salão cheirasse de modo peculiar.
Terminou de comer o pão e olhou em volta, à procura de Rachel, imaginando o que estaria atrasando sua nova amiga. Viu então uma linda mulher que a observava de um canto escuro do salão.
Beth lançou-lhe um sorriso amável, e a outra a cumprimentou e levantou-se, começando a se aproximar. A pele perfeita, os olhos cor de chocolate e os cabelos escuros da estranha fizeram Beth lembrar-se da atriz Winona Ryder.
Oh, meu Deus! Mais uma mulher maravilhosa no meu caminho! pensou, achando que, ao lado da outra, pareceria um mostrengo.
— Bonjour, três honorée dame. Je m `appelle Flora Campbell — disse a linda visão em francês.
Beth entendeu que a saudara, chamando-a de "honrada senhora" também, e que dera seu nome, então tratou de responder:
— Muito prazer. Desculpe, mas não falo francês.
— Não? — replicou a sósia de Winona Ryder. — Mas é a língua da alta sociedade. Deveria falar.
— Mas não falo, lamento.
— Muito bem. Sou Flora Campbell, e dou-lhe as boas-vindas.
Entretanto algo fez Beth pensar que a morena não estava lá muito contente com sua chegada e tratou de dissimular.
— Obrigada — fez um sinal para o assento ao lado. — Sente-se, por gentileza.
Enquanto Flora obedecia, analisou-a com cuidado. Os lábios polpudos e rosados, os longos cílios escuros e a pele maravilhosa não eram resultado de um bom batom, rímel ou pó compacto, mas da própria Mãe Natureza.
Até a cor fúcsia de seu traje realçava sua beleza, acentuando as curvas do corpo delgado. Beth respirou fundo e esforçou-se para engolir o desconforto.
— Tem um sotaque estranho — murmurou Flora. — De onde vem?
— América — replicou Beth sem pensar, mas ao ver a outra franzir a testa, explicou. — Venho de longe, do outro lado do oceano.
— Ah! E seu dote?
— Como disse?
— Suas terras e bens.
Beth sufocou um sorriso.
— Tenho um castelo em uma ilha. Flora fez um gesto, abarcando o salão.
— Como este?
— Idêntico.
A resposta pareceu não satisfazer a dama, que passeou o olhar pelo corpo de Beth.
— Se é rica, por que usa o vestido da terceira esposa de lorde Duncan?
Será que ouvira bem? pensou Beth. Terceira esposa?! De repente o pão que comera pareceu formar um bolo enorme em seu estômago. Afinal, quantas esposas Duncan tivera? Só lera nos diários sobre uma. Será que aquela mulher a seu lado, com seu lindo nariz empinado, estava insinuando que era a número quatro? E onde estaria Rachel com a água? Parecia que iria morrer, tamanha a secura na garganta.
— Deve ser muito íntima de seu tio, o duque de Albany — prosseguiu Flora.
— Não... Nunca o conheci.
Beth não prestou atenção ao que Flora disse a seguir, preocupada com as outras esposas de Duncan. Será que existi divórcio nessa época? Era pouco provável, refletiu.
Flora tocou-lhe o braço para chamar sua atenção.
— Então será que Albany a julga digna de se casar com MacDougall?
Beth deu de ombros.
— Pergunte a ele, Flora. Não tenho a menor dica a respeito.
— Dica?
Beth não teve tempo de explicar que era uma gíria, pois Rachel aproximou-se, toda contente, trazendo uma grande bacia com água fumegante, toalhas e um pequeno espelho.
— Eis o que pediu, senhora.
A atual lady MacDougall soltou um gemido, e Flora aproveitou para fazer uma cortesia e se afastar. Com passos tranqüilos, retomou para o seu canto escuro no salão. Pegou o bordado que lá deixara e fingiu mergulhar no trabalho, mas o tempo todo, sob os longos cílios negros, observava a senhora de Blackstone.
Então essa é a nova esposa que Duncan, o Moreno, arrumou para me atormentar, pensava. A nova castelã de Blackstone de fato não é nenhuma beleza. Como irá se livrar dela? Será, sem dúvida, a mais fácil de eliminar, pois matar não é problema para Duncan. E se não o fizer, eu poderei fazer...
Duncan passou a mão pelos cabelos em um gesto agitado, enquanto examinava os papéis que Isaac Silverstein lhe trouxera.
— Temos o suficiente para finalizar a igreja e enfrentar o inverno?
Isaac aquiesceu.
— Oui. Sim, milorde, porém só se desistir da efígie em metal de sua finada esposa Mary. Grave apenas seu nome na lápide, e esqueça o luxo.
O coração de Duncan encheu-se de tristeza. Apesar de não ter amado Mary, prometera a si mesmo, depois que ela morrera, que seria imortalizada no bronze. Não fizera tal promessa à segunda e à terceira esposas, mas Mary fora uma boa mulher e merecia a honraria. Além disso, a irmã Flora e o pai, Campbell, esperavam tal gesto de sua parte.
Passeou o olhar pelo pátio e olhou para o ferreiro que fazia as dobradiças da porta para as quais ainda nem conseguira a madeira necessária. Talvez devesse ter aceito a oferta do duque de Albany, refletiu. Ainda não era tarde demais.
Poderia envergar a armadura e de novo vender sua alma e seu braço, tomando-se um mercenário que lutaria na Normandia pelo rei francês contra Henrique IV da Inglaterra.
A idéia de tornar a ferir e matar homens que nem conhecia, e contra os quais não tinha nenhum ressentimento, era terrível, assim como a perspectiva de deixar Blackstone inacabado e sob a guarda de homens inexperientes. Sabia que Angus e Douglas insistiriam em acompanhá-lo, mas...
— Pare de se apoquentar, Duncan — disse Isaac, interrompendo seus pensamentos sombrios. — Vai acabar doente.
— Perdemos a maioria do gado no inverno passado, Isaac. Sabe muito bem que talvez tenhamos que sacrificar os novilhos,
— Sim, mas a pesca vai bem, as mulheres estão salgando as postas de peixe, e as colheitas parecem promissoras, portanto não morreremos de fome.
— Possibilidade e realidade são duas coisas diferentes.
— Duncan, não confia em mim?
MacDougall olhou para seu conselheiro, o homem que havia dez anos fora condenado pelos habitantes da vila a morrer na fogueira, e suspirou.
— Claro que confio. Conseguiu manter nosso clã vivo todo esse tempo apenas com algumas moedas de prata.
— E continuarei a fazê-lo — entregou a Duncan um convite com o selo real. — O torneio será realizado em honra do aniversário de Sua Majestade, dentro de dois meses. Nenhum homem é páreo para você na justa ou na arena, portanto seus temores são infundados, mon ami.
Assim dizendo, Isaac deu-lhe um tapinha nas costas e foi embora.
Duncan cerrou os dentes, lutando para ignorar a dor, que descia-lhe pela espinha dorsal e o braço esquerdo.
— Amada Mãe de Deus, por que não fico curado? Alguém falou às suas costas:
— Precisamos conversar.
Voltou-se e ficou frente a frente com sua nova esposa, ali parada e com as mãos nos quadris, e que por certo não o ouvira imprecar. Franziu a testa ao vê-la em plena luz do dia. Mesmo sem os hematomas, era a mulher mais sem graça que já conhecera!
Passeou o olhar pelo corpo delgado, e imaginou se teria condições de ter um filho e amamentar, ou mesmo satisfazer os desejos de um homem como ele, que adorava as fêmeas de seios grandes.
— Quantos anos tem? — perguntou à queima-roupa.
De modo instintivo, Beth colocou as mãos sobre os seios.
— Vinte e quatro. Por quê?
A resposta o espantou. Tinham-lhe dito que era uma moça de dezesseis anos. Que outras mentiras Albany teria contado?
— Duncan, precisamos conversar — disse Beth. — Necessito saber como vim parar aqui, pois é necessário que volte. E por que se casou comigo? Por certo não nos conhecemos muito bem — suspirou de modo exasperado, e encarou-o.
— Já sei. — E provável que tenha criado esta alucinação com meus tolos devaneios, mas... — fez um gesto amplo com os braços, indicando tudo ao redor. — Na verdade, nada disso é como imaginei. Não com os homens esvaziando a bexiga do alto do parapeito do castelo para o oceano, restos de comida sendo jogados no chão, vestidos de sua terceira esposa emprestados para mim... que não me servem muito bem, como já deve ter notado... E ninguém entendendo que quero água para beber, e não lavar as mãos!
Duncan franziu a testa. O que diabos ela estaria dizendo em seu inglês atrofiado? Por que desejaria beber água e não vinho ou cerveja? E o que a fazia pensar que toleraria aquele tom de voz agressivo em uma mulher?
— Esposa, não gostei de seu discurso nem das queixas.
Vendo que os homens ao redor paravam de trabalhar para observar a cena, tomou Beth pelo braço, empurrando-a para o castelo, e murmurou entre os dentes semicerrados:
— Não está sendo alimentada? Não tem o que vestir? Por que está tão zangada?
— Pare de agir como um machão! — gritou Beth, tentando desvencilhar-se dos dedos fortes.
— Não, até que se acalme e responda.
— Muito bem — replicou Beth, soando mais desanimada que raivosa, e tropeçando na barra do longo vestido, enquanto subia a escada. — Responderei tudo que desejar, contanto que me ajude a regressar para o meu lugar.
— Pertence a Blackstone e a mim, mulher!
Assim dizendo, Duncan penetrou no salão principal e a forçou a sentar-se em uma cadeira diante da lareira apagada. O gesto brusco provocou outra pontada dolorosa no ombro e uma careta. Quando a dor diminuiu, abriu os olhos e gemeu ao ver a expressão de Beth.
— Raios, criatura! Não comece a se lamuriar!
Jamais suportara a visão de uma mulher em lágrimas, e isso sempre o fazia sentir-se mal e querer sair correndo. Ou quebrar alguma coisa de raiva.
Beth enxugou o rosto tímido e empertigou-se.
— Não estou me lamuriando. Só quero ir para casa, tomar café, limpar minhas janelas, usar maquiagem, e até mesmo consertar o maldito encanamento e a droga do fogão a querosene!
Ante o olhar atônito e confuso de Duncan, novas lágrimas rolaram-lhe dos olhos.
— Desculpe — murmurou Beth. — Não tive intenção de ser rude e vulgar. Apenas não entendo tudo isso que está acontecendo e... tenho medo — respirou fundo. — Tanto medo...
Duncan não fazia a menor idéia do que era querosene ou maquiagem, mas entendeu seu sentimento de medo. Sentou-se ao seu lado e tornou-lhe as mãos.
— Menina, por acaso queria ser religiosa e fez voto de castidade?
Katherine era viúva, mas poderia ter um desejo secreto de ser freira, refletiu. Apenas o mais profundo fervor religioso poderia fazer uma mulher agir daquele modo e ficar tão apavorada.
De repente Duncan desejou estrangular Albany com seus planos.
Sua segunda esposa, pensou, que só conhecera no dia do casamento, fora uma fanática religiosa. Infelizmente possuía terras, mas nenhum dinheiro vivo. Do contrário, quem sabe poderia apresentar as cem libras anuais necessárias para se manter, sem que Albany a obrigasse a casar, e ninguém teria sofrido.
— Lamento, menina — terminou por dizer — mas agora é minha esposa e aqui permanecerá.
— Não! Isso me fará perder meu lar! — Beth apertou a mãos com desespero. — Preciso voltar ao século XXI onde pertenço!
Duncan piscou diversas vezes. Por certo não ouvira direito, refletiu. Do contrário, a moça era mesmo doida. Mas isso não vinha ao caso; precisava ficar em Blackstone para que ele e seu clã conservassem seu lar.
Falaram um com o outro durante muito tempo, mas sem estabelecer real contato ou entendimento. Por fim, Beth desistiu. Só desejava sair da presença de Duncan. Sabia que estava com os olhos e o nariz vermelhos, sem um pingo de maquiagem, e isso era insuportável. Ficava com o rosto inchado sempre que chorava, e devia estar com uma aparência horrorosa,
Levantou-se em silêncio, e caminhou até uma janela, enquanto Duncan, com expressão infeliz, tentava digerir tudo que ouvira.
— Deve estar louca, mulher, se de fato acredita que é um espírito e foi transportada de outra era.
Ótimo!, pensou Beth. Não só Duncan não se lembrava dela, como era incapaz de compreender! Para piorar a situação, não parava de chamá-la de louca.
— Não, Duncan, não sou um espírito. Sou de carne e osso — murmurou.
Com gesto automático, torceu o anel no dedo. Seria a primeira a usá-lo ou a quarta? Por sorte lera o diário e falara com Duncan antes daquele pesadelo começar, senão de fato estaria prestes a perder a razão.
— Vamos parar por aqui, milorde, pois assim não chegaremos a lugar nenhum. Não quer ou não pode me ajudar, e no momento estou muito cansada para discutir — uma terrível dor de cabeça a dominava. — Preciso comer...
Muito exasperado, Duncan atirou as mãos para o alto em um gesto de impotência e deixou-a sair do salão.
— Então ela me deu as costas! Para mim, seu amo e senhor! — furioso, Duncan bebeu um grande gole de cerveja. — Digo-lhe, Angus, essa mulher não é normal. Se já não tivesse ficado viúvo três vezes, juro que a estrangularia, a fim de acabar com o sofrimento de nós dois.
— Milorde?
Voltou-se e deparou-se com Flora, que sorria como um gato que comeu o canário.
—O que é?
— Sua esposa, milorde. Não compareceu às preces. O padre estava muito preocupado. Não pode começar sem ela, e ninguém a encontra.
Duncan sufocou uma imprecação.
— Então comecem sem ela.
— Mas...
— Façam como digo! — fez um gesto, dispensando a intrometida, que saiu, parecendo muito satisfeita.
Angus sorriu.
— E agora?
O senhor de Blackstone tomou outro gole de cerveja e levantou-se.
— Iremos encontrá-la e a levaremos à capela amarrada, se for necessário.
Quando a lancha a motor foi encontrada emborcada no cais, Drasmoor ficou em rebuliço. Homens e mulheres correram pelas praias, à procura de Bem, enquanto outros pegavam os barcos para procurá-la no mar.
Tom Silverstein correu para a sua embarcação e rumou para Blackstone. Foi o percurso mais longo de sua vida, enquanto forçava o motor ao máximo. Gritando o nome de Beth com todas as forças de seus pulmões, entrou no castelo. O coração aos saltos, as mãos suadas, subiu as escadarias e penetrou nos aposentos da herdeira. Estava deserto.
Sentiu cheiro de queimado no ar, mas não soube o que era. Voltou a gritar o nome da nova herdeira, porém foi em vão.
Trêmulo, temendo que Beth tivesse de fato se afogado, correu para a cama, afastou os lençóis à procura de alguma pista e encontrou pedaços partidos de couro. Aproximando-se mais, notou um brilho dourado sobre as cobertas.
Não podia acreditar nos próprios olhos. Percebendo que estava diante do famoso broche de Lorne, única prova tangível de que o clã dos MacDougall havia derrotado o de Robert Bruce em batalha, seu coração quase parou.
Havia seiscentos anos ninguém mais vira a jóia, e Tom começara a acreditar que tudo não passava de lenda, assim como a vinda da escolhida.
Estendeu a mão de modo hesitante para segurar o antigo broche, e notou que a cama estava molhada. Cheirou os lençóis, e não havia dúvida. Água do mar.
Seu coração então disparou, ante a compreensão do que sucedera.
— Ela não se afogou — murmurou para si mesmo.
Da algum modo, seu lorde a salvara.
Tom deslizou os dedos trêmulos pelo broche, e apurou os ouvidos. Mas só havia silêncio e quietude no quarto. Respirou fundo e voltou a resmungar:
— Começou...
Agora só lhe restava rezar por Beth. O futuro de seu filho que ia nascer dependia disso.
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Autor(a): fanofbooks
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Capítulo VI Desapontada com o furor e a resistência de Duncan em ajudá-la, Beth vagou de cômodo em cômodo no castelo, batendo nos painéis de madeira, olhando atrás das tapeçarias, debaixo de camas e tapetes, na esperança de encontrar uma passagem secreta que a pudesse levar de volta ao seu mundo, ou acordar ...
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