Abaixei a cabeça, colocando a testa sobre as nossas mãos, sentindo a quentura de uma pele aparentemente morta. Algumas lágrimas caíram sobre meu colo quando fechei as pálpebras. Com todos os vestígios de força que ainda restava em mim orei. Pedindo a Deus por uma resposta, pela salvação, pela vida. Supliquei com fé. Implorei. Nick não podia me deixar, não estava na hora dele me deixar e ao menos tinha uma estrutura psicológica pra perder ele naquele momento.
Quando ergui a cabeça e soltei a mão de Nick, meu olhar se direcionou para o quarto de Aidan. As paredes eram de vidro, tinham cortinas para um paciente não ver o outro, porem como Aidan e Nick eram conhecidos eu pedi pra deixar aberta. Até mesmo pelo fato de conseguir vigiar os dois quando eu estivesse com algum deles.
Depositei um beijo na testa de Nick e sai do quarto, seguindo direto para o de Aidan.
Peguei a ficha dele sobre a mesa no pé da maca e chequei os sinais vitais. Karev entrou na sala me assustando, encostou uma mão no meu ombro e esboçou um sorriso triste quando meus olhos encontraram os dele.
- Eu acho melhor você não terminar de ler essa ficha. – ele disse tomando ela das minhas mãos.
- Por quê? – perguntei confusa.
- Mel, nós tentamos tudo... Ele está respirando por causa do aparelho.
- Mas, o Nick também está...
- O caso do Nick é grave, eu não vou negar, mas se eu tirar os aparelhos dele ele vai respirar, com dificuldades por causa da cirurgia mais vai... Se eu tirar os de Aidan...
Um soluço surgiu na minha garganta, e o choro desabrochou num desespero incomum. Senti meu corpo querer ir ao chão, e minhas pernas não me obedecerem, e ao mesmo tempo Karev me segurando com firmeza em seus braços tentando me acalmar enquanto eu me debatia e tentava gritar sem voz alguma.
Cada soco desesperado que eu dava em Karev pra tentar me soltar ele me pressionava mais. E quando um fio de voz surgiu num grito doloroso ele me puxou para fora do quarto, entrou no elevador reservado comigo, e fomos até o heliponto. Quando ele me puxou para fora do elevador um vento forte bateu no meu rosto junto a gotas grandes de chuva. Com delicadeza ele tirou minhas luvas e minha mascara revelando meu rosto molhado e vermelho. Meu cabelo ainda não completamente molhado pela chuva esvoaçava com o vento como um véu.
- Grita... Vai fazer bem! – Alex disse soltando minhas mãos.
Eu olhei envolta e olhei pra ele. Ele sorriu tristemente e voltou a olhar para a laje imensa do prédio com um símbolo de pouso para helicópteros. Eu olhei na mesma direção. Corri para o centro deixando a chuva me encharcar e gritei, o mais alto que pude, jogando as dores pra fora junto a lágrimas ácidas que passavam pelo meu rosto de misturando a chuva. Gritei mais uma vez girando de braços abertos, abrindo meus pulmões num grito gutural. Enquanto girava pude ver Karev cruzando os braços e me analisar de longe com lagrimas nos olhos.
Dando mais um grito alto e longo o suficiente pra me fazer perder a voz eu cai de joelhos chorando como um bebe desprotegido enquanto a chuva torrencialmente caia sem dó. Abaixei a cabeça soluçando, meu peito doía e minha garganta queimava. Senti um abraço quente, era Karev, ajoelhado ao meu lado me abraçando enquanto dizia baixinho que tudo ficaria bem.
- Ele não pode morrer! Eu não posso perder ele! – eu resmunguei com um fio de voz.
Ele ficou em silencio um tempo, apenas me abraçando. Quando tomei folego, quando as lágrimas cessaram junto a chuva nós voltamos para dentro do hospital.
Quando passei pela sala de espera vi meu pai, minha mãe, Danielle, Kevin, Denise, Paul e Frankie.
- Meu Deus! – minha mãe exclamou – O que aconteceu com você?
Eu a abracei com força ainda encharcada, ela retribuiu o abraço preocupada.
- O que houve? – ela perguntou novamente.
- Eu vou me trocar e já venho falar com vocês.
- Tudo bem! – me soltando.
Eu dei um beijo na testa dela e sai. Fui para a sala de sobreaviso, tirei a roupa e coloquei uma seca, que guardava no meu armário para emergências. Prendi o cabelo, lavei o rosto e voltei para a sala de espera, pegando alguns prontuários na recepção.
Karev me viu e se aproximou.
- Quer ajuda pra falar com ele? – ele perguntou.
- Eu vou precisar!
- Eu te acompanho. – seguindo pra perto dos meus pais.
Eu suspirei e parei diante deles.
- Como uma boa médica eu preciso informar vocês, e o doutor Karev está aqui pra me ajudar.
- Você está trabalhando? – meu pai perguntou assustado.
- Não, só checando os prontuários e ajudando um ou outro paciente sem ser do desabamento, não posso trabalhar com família, mas posso checar os prontuários. – disse calmamente.
- Então pelo amor de Deus acaba com esse nosso tormento. – Denise disse desesperada.
- Vamos começar pela Rose... Ela está bem, não se machucou gravemente, só teve alguns arranhões e levou dois pontos no corte da testa, mas está ótima... Estamos observando ela de hora em hora para ter realmente certeza, mas ela está bem.
- Graças a Deus! – Denise exclamou aliviada.
- E a Rachel? – minha mãe perguntou.
- Rachel chegou com sinais vitais baixos, teve três paradas cardíacas e foi para a cirurgia, agora está no quarto dormindo, estável! – falei tentando ficar calma ao ler o prontuário.
- Nick... – Paul disse me observando com o olhar triste.
- Nick se encontra na UTI. – Karev tomou a palavra – Os sinais vitais estão baixos porque ele perdeu muito sangue com a perfuração pulmonar. Como sua respiração está dificultada, preferimos deixa-lo na UTI após a cirurgia.
- Obrigado! – falei para Karev num tom que só ele ouvisse.
Ele acenou com a cabeça e esboçou um pequeno sorriso.
- Nate... Julie... – minha mãe disse ansiosa.
- Julie está no quarto de Rachel em repouso também, o bebe está bem e ela também. Teve pequenos ferimentos e só está sedada com analgésicos e calmante. – falei confiante.
- Nate já saiu da cirurgia com doutora Torres, e a cirurgia foi perfeita. Ele ficará com as pernas engessadas e sem fazer nenhum tipo de esforço por um bom tempo, mas voltara a andar e fazer exercícios normalmente. Assim que ele acordar eu chamo vocês para vê-lo. – Karev disse.
- Graças a Deus! – minha mãe disse abraçando meu pai.
- Continuando... Antes que perguntem, Joe está em cirurgia, ele perdeu muito sangue e ficou muito tempo sem respirar, não sabemos como ele está, mas assim que a cirurgia acabar traremos noticias. – eu falei olhando Denise com lagrimas nos olhos.
Abaixei a cabeça e deixei a lagrima cair quando a voz rouca do meu pai perguntou por Aidan. Karev olhou pra mim, e eu continuei encarando o chão.
- Mel... E o Aidan? – meu pai repetiu.
- Karev me abraçou de lado, beijou o topo da minha cabeça e olhou para o meu pai. Eu ergui o olhar, e vi a cara de espanto de todos.
- Aidan está num quadro complicado, ele sofreu muitos impactos, um deles foi no cérebro. Na cirurgia controlaram a hemorragia, mas ele não reage... Só está respirando por causa dos aparelhos. – Karev disse triste.
- E o que isso significa? – meu pai perguntou.
- Significa que ele está morto... Só esperando a primeira ordem pra desligarem os aparelhos. – Kevin disse horrorizado.
Meu pai olhou para Alex com duvida, mas quando Alex assentiu com a cabeça, as lagrimas saltaram de seus olhos, e ele abraçou minha mãe com força, como se o mundo acabasse de desmoronar sobre sua cabeça.
- Se nos derem licença... – Karev disse me puxando consigo.
Fomos para a sala de sobreaviso, ele me fez sentar numa das poltronas e me seu uma garrafa com agua.
- Porque me tirou de lá? – eu disse secando as lagrimas.
- Você está frágil demais pra ver seu pai daquela forma. – se sentando ao meu lado.
- Eu preciso ser forte.
- Você não precisa! E não vai tentar ser forte... Isso causa depressão nas pessoas... Chora, grite, sinta raiva, você pode, seu pai pode... É um momento difícil!
- Mas...
- Mas nada Mel, ninguém precisa ser forte nessas horas.
- Obrigado por estar do meu lado! – abraçando ele.
Ele beijou o topo na minha cabeça novamente, passou os dedos pelo meu cabelo até meu ombro e apertou levemente.
A rotina do hospital voltou ao normal. Eu voltei a cuidado de alguns pacientes da pediatria, mas o pensamento não saia de Aidan.
Nate, Julie, Rachel e Rose já tinham sidos visitados. Eles estavam bem, um tanto sonolentos por causa dos calmantes, mas bem. Joe havia saído da cirurgia complicada direto para a UTI, para assim como Nick ficar em observação e entubado por conta da respiração difícil. Mas ao contrario de Nick e Aidan, Joe estava consciente, reagindo a todos os testes.
E foi assim que o dia terminou. Algumas pessoas felizes com a recuperação e com a sobrevivência, e outras aos prantos, sobre os caixões de familiares, de amigos e de amores.
Quando estava terminando o turno, quando estava saindo do hospital encontrei Chad sentado num banco do estacionamento debaixo de uma chuva torrencial chorando. Me sentei ao lado dele e coloquei a mão sobre sua perna.
- Ela morreu! – ele disse aos prantos – Ela me deixou.
Eu o abracei em silencio. Sabia a dor que ele estava sentindo, e tinha medo de senti-la também.
Não sei ao certo quanto tempo fiquei abraçada com ele, só despertei dos meus devaneios quando Karev se aproximou e chamou meu nome.
Ele cumprimentou Chad e eu me levantei.
- Você vai ficar bem? – eu perguntei.
- Vou... Eu vou passar na casa de um amigo pra trocar de roupa, pela manha vai ser o enterro e depois eu vou para Carolina do Norte... Voltar pra casa dos meus pais. – ele disse triste.
- Fica bem... – eu disse chorando e esboçando um pequeno sorriso – O amor de vocês não acabou assim.
Ele sorriu, me deu um beijo no rosto e se despediu. Sai com Karev, ele ia me deixar no apartamento dos meus pais e ia para o dele depois.
Ao entrar no apartamento me senti vazia. Meus pais estavam no hospital, e eu só tinha ido pra casa para tentar descansar. Abri as postas da varanda e o vento passou forte e impetuoso pelos meus cabelos com algumas gotículas de chuva. Olhei para o céu negro da noite chuvosa, e não vi vestígios de vida, de felicidade. Não havia nuvens, nem estrelas, muito menos lua. Era como se até mesmo o céu estivesse de luto.
Tirei os sapatos no caminho de volta para o sofá, os deixei de lado e me sentei. Respirei fundo, enchi os pulmões com uma angustia e uma tristeza que eu tinha segurado apenas pra mim o dia inteiro. As lagrimas brotaram nos meus olhos e numa lentidão agonizante escorreram pelas maças do meu rosto. Cada uma com uma dor diferente, um sentimento diferente. Passei as mãos pelo cabelo, apoiei os cotovelos sobre a coxa, cobri o rosto e não contive as lagrimas.
Devo ter passado horas daquele jeito, porque acordei deitada no sofá com metade do corpo no tapete, e não lembro quando foi que dormi.
Quando abri os olhos à claridade incomodou minhas pupilas. Pisquei por vezes até poder me levantar. O dia estava nublado, mas conseguia iluminar o apartamento todo.
Fechei as portas da sacada e fui para o banheiro, tomei um banho, coloquei a roupa que tinha trazido do hospital, arrumei o cabelo e sai para fazer algumas compras. Eu precisava de roupas, meu guarda roupa inteiro havia sido destruído, junto ao prédio.
Ao caminhar pelo shopping algumas pessoas se aproximaram pra perguntar de Nick e Joe. Não dei respostar longas e muito menos concretas, só tentei enrola-las para poder fugir daquele assunto.
Comprei algumas camisetas, blusas de mangas longas, casacos, calças, lingerie, um notebook novo, algumas bolsas e sapatos, comprei muitas coisas em dobro por causa de Rachel e Julie, e algumas coisas para Nate e Rose. Nós todos estávamos tão desamparados, que se não fosse pela família estaríamos sem teto. Até mesmo os documentos estavam perdidos em meio aos escombros.
Do shopping voltei para o apartamento dos meus pais, deixei as sacolas e as caixas todas na sala com ajuda do taxista e voltei para o hospital.
- Hoje é seu dia de folga! – Karev disse a me ver.
- Quero acompanhar o estado de Nick, Joe e Ainda. – eu disse andando até ele – Hoje estou como familiar.
- Seus pais estavam te esperando...
- Pra que?
- Aidan...
- O que houve? – perguntei assustada.
- Você é a responsável Mel... Só você pode assinar a primeira ordem.
Eu não tive reação, apenas segui para o elevador, e fui direto para a sala de espera do andar em que estava a família.
Quando olhei para os meus pais as lagrimas caíram automaticamente.
- Eu não quero isso! – eu disse ainda longe deles.
- Ele já não está mais entre nós Mel. – Paul disse abraçando Denise.
Olhei para Karev e ele ergueu os ombros, como de disse que não podia fazer nada.
- Vamos esperar até às 17h. – eu disse.
- Como você quiser querida! – minha mãe falou me abraçando.
Eu me sentei na poltrona da sala de esperada desolada. Denise falava sobre Rachel, Rose e Joe, que parecia que já estava acordado. Kevin concordava com ela e Danielle só olhava.
As horas se passaram, eu não quis visitar ninguém, só queria que o tempo não passasse, queria paz. Mas não tive o que queria.
Quando o relógio mostrou 15h Karev saiu do elevador com uma cara terrível.
- O que aconteceu? – eu perguntei desesperada.
- Repórteres e fãs cercaram o hospital, querem noticias!
- Eu desço pra falar com eles! – Kevin disse.
- Querem ouvir a Mel.
- Vamos acabar logo com isso! – me levantando.
Descemos de elevador, e sai do hospital. Fiquei cega por instantes pela quantidade de flashes, respirei fundo e abri os olhos.
- Vocês me queriam... Aqui estou! – falei secamente, recolhendo e escondendo todos os vestígios de sofrimento.
