Fanfic: Penumbra
A rotina no Orfanato era chata.
Missa de manhã que ia das seis da manhã até as oito praticamente, depois café (pão e leite), daí começávamos a ver as lições a partir das nove até as duas horas da tarde quando finalmente íamos almoçar – não pela comida, mas por que quase não agüentava ficar sentada tanto tempo - em que o tempo também era contado já que voltávamos às lições às três e meia.
Tínhamos então uma hora livre a partir das sete da noite para fazermos nosso dever, depois jantar as oito e cama as nove para que conseguíssemos acordar às cinco da manhã em preparação para a missa.
Eu nunca tinha tido tanto tempo perdido com comida antes. Aos Sábados tínhamos lições, mas voltadas à futura procura de emprego como datilografia e mecânica, e a parte da tarde era livre. Aos Domingos uma missa quase infinita e mais lições empregatícias. Fim.
Mantive-me afastada nas primeiras três semanas e pude identificar certos grupos: Tinham grupos apenas de garotos e garotas adolescentes (Que eu chamava “Os Maiorais”); havia grupos apenas de crianças que podiam ser bem ligeiras e cruéis (“Os Ratos”) e alguns em que dois ou três na puberdade “governavam” sobre as crianças (“Vilões”, já que os vilões dos filmes sempre tinham um monte de fracotes sem cérebro seguindo suas ordens absurdas)
Assim como os grupos variavam de número e sexo, também era certo como rivalizavam entre si – por tudo. Qualquer tipo de benefício era motivo de disputa ferrenha entre os diversos “líderes”.
Pra mim era um estudo fascinante, como estar em meio a uma disputa de gangues. Eu nunca interferia, mas também nunca presenciei nada abusivo (Do tipo “Matem esse canalha!”). É claro que eu não precisava de nenhum benefício, o que me fazia ficar á vontade pra só assistir.
O prédio em que vivíamos tinha três andares: O térreo era a cantina e os escritórios, o segundo andar a sala de lições e o terceiro os dormitórios. A sala de lições era apenas um grande salão em que se dividiam as crianças pelo que pareciam ter de conhecimento em ajuntamentos de pequenas mesas.
Eu me fingi ignorante (é claro), mas em uma semana fiquei tão entediada que tive que demonstrar um pouco mais do que sabia, e fui passada para a “classe“ dos internos que variavam de dez á treze anos. O da Cicatriz, Ethan, estava no mesmo grupo que eu e o meu problema era que ele parecia ser observador demais, aquilo me irritava e preocupava ao mesmo tempo.
O que foi confirmado na minha terceira manhã de Sábado dentro do orfanato, estávamos no período da tarde dentro do chamado horário de “lazer” e fazia um lindo dia ensolarado o que nos trouxe para os jardins da propriedade. Eu estava sentada embaixo de uma macieira e lendo Ecce Homo de Nietzsche que tinha guardado disfarçado dentro da Bíblia, à minha volta os outros pulavam corda, ou jogavam jogos de tabuleiro, alguns grupos tinham conversas altas e gritos eram ouvidos em toda a parte, mas eu tinha quase me acostumado com tudo isso naquela altura.
Ethan então se aproximou de mim.
- Olá. – ele disse às minhas costas.
Eu não respondi, sequer o olhei.
- Ouvidos treinados. – apontou.
Então eu tive que encara-lo. Ele não era muito mais alto, o rosto estranho de lábios finos que agora estavam um pouco voltados para cima, seus cabelos enrolados dançando com o vento.
- Eu vim pelas suas costas e mesmo assim você não se assustou. – explicou como se estivesse me ensinando.
“É claro que não, senti o seu cheiro quando você ainda estava no corredor”.
Como fiquei em silêncio ele continuou a me encarar com as mãos atrás das costas. Ele era esguio, mas não parecia fraco. Quantos anos ele teria? A cara parecia ser de alguém com 20 anos, mas o tamanho do corpo não alcançava a potência do rosto.
- Isso que você está fazendo não está certo. – declarou me surpreendendo.
Fiquei perdida. “Isso o que?”, perguntei.
- Ficar de fora de tudo, só “de olho”. Vão acabar percebendo que você é diferente. – ele desviou o rosto na última parte, abaixando o tom de voz para que ninguém escutasse.
“Esse garoto positivamente vai me ferrar”
Segurei minha testa com a mão direita, não queria ter de sair daquele lugar e eu tinha um monte de coisas pra pensar. Minhas ideias sequer tinham se ajustado, ia dar um trabalho desgraçado me mudar agora.
“Eu poderia matar ele e cobrir meus rastros”, minha cabeça pensou. Mas só de pensar achei que talvez aquilo me desse ainda mais trabalho...
“Se eu tivesse coragem”.
Ah, os pequenos detalhes...
Como se tivesse lido meus pensamentos (ou simplesmente minha linguagem corporal), ele declarou:
- Não se preocupe comigo, não vou falar pra ninguém. – ele parecia um pouco ofendido.
“O que você quer em troca?” perguntei meio cansada daquele papo.
Ele sorriu. Um fino resquício nos lábios.
- Quando eu souber te falo.
E então se afastou.
Na manhã seguinte quando tive a primeira oportunidade contei à freira Éster que duas garotas tinham dormido juntas na mesma cama na noite anterior.
Não que eu ligasse, conseguia dormir tranquilamente com os gemidos, mas se aquilo continuasse atrapalharia minhas fugas noturnas.
Depois de confirmar minha informação fui premiada com um pedaço extra de sabão e os internos ficaram sabendo que “A Muda” também estava no jogo pelo poder.
Prévia do próximo capítulo
O Natal havia chegado e passado trazendo o frio e a neve para o orfanato. Eu ficava com pena das crianças menores que cediam ao frio e quase não conseguiam se mexer durante as tarefas, então gastei uma boa parte do dinheiro da minha família em “doações anônimas” de final de ano para tentar trazer pelo menos um pou ...
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Comentários do Capítulo:
Comentários da Fanfic 1
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nina00 Postado em 22/12/2015 - 21:39:59
Bom, estava terminando de postar essa fic neste site por peso na consciência já que eu havia abandonado por um tempo. Porém já que não há comentários acho que estou perdendo meu tempo. Postarei este capítulo e deixarei por uma semana, se eu retornar e não houver comentários deixarei por isso mesmo... infelizmente.