Ele empurrou a cadeira de rodas para dentro do salão, e Dulce nem se incomodou em passar o resto da noite esquecida em um canto. As recordações de Christopher eram uma excelente companhia. Pelo menos até ele descobrir uma maneira de se encontrarem de novo.
- Quero ajudar na limpeza da casa, mamãe - disse Dulce, na manhã seguinte ao casamento.
- Que besteira, filha! - falou ela, levantando os olhos do papel onde estivera anotando as tarefas para a criada que trabalhava para a família. - A sra. Conde pode cuidar das tarefas mais pesadas, como de costume. E eu vou tirar a poeira dos móveis.
- Eu posso limpar os móveis - insistiu ela, empurrando a cadeira para a frente.
- Não é uma tarefa adequada para você - discordou a mãe. - Você tem seus livros e bordados para manter-se ocupada.
- É só isso que eu posso fazer? - perguntou Dulce, exasperada.
- Nós a amamos, minha querida - disse a mãe, no mais condescendente dos tons. - Você é nossa preciosidade. Não queremos que se canse cuidando de afazeres domésticos.
- Cansar? Mãe, eu não agüento mais ficar sem fazer nada. Eu me sinto uma inútil sentada nesta cadeira de rodas! Uma inválida!
- Tire isso da cabeça imediatamente - falou Blanca com calma. - Você não é uma inválida, Dulce.
- Então deixe-me ajudar - implorou a jovem. - Eu tenho problemas para andar, mamãe, mas minha cabeça e meu coração funcionam perfeitamente. Eu preciso fazer alguma coisa! Preciso me sentir útil!
Como se a conversa com a filha a tivesse desorientado, Blanca levantou-se e caminhou até a janela.
- O que aconteceu com você, meu anjo?
- Ela poderia tirar a poeira das mesas e dos abajures, sra. Saviñón - sugeriu Ninel Conde.
Dulce virou-se e sorriu com gratidão para a jovem mulher.
- Bem... Acho que sim - disse a mãe, apertando as mãos.
Ninel trouxe alguns trapos e uma vasilha com água e sabão.
- Vou pegar um avental para você não se sujar - falou ela. - Torça bem o pano antes de passá-lo nos móveis - instruiu a criada.
- Seu vestido não é apropriado para fazer esse tipo de serviço - comentou Blanca.
- Eu não tenho vestidos normais, mãe. - O guarda-roupa de Dulce consistia de vestidos elegantes, cheios de babados, em diversas cores e dos mais finos tecidos. - Parecem mais roupas das bonecas de porcelana que tenho em meu quarto.
- Não seja mal-agradecida, mocinha - ralhou a mãe. - A maioria das garotas gostaria de ter roupas como as suas.
- Eu sei disso, mas não sou mais uma menina, mãe.
- Dulce, esta conversa está se tornando desagradável. Eu concordei em deixar que ajude na limpeza da casa, mesmo achando que não seja adequado. Não seja impertinente.
Sabendo que conquistara uma pequena vitória, ela começou a limpar as mesas.
O trabalho foi gratificante, porém frustrante em algumas ocasiões, pois quando não alcançava um objeto, tinha de pedir ajuda a Ninel. A criada demonstrava muito boa vontade, sorrindo-lhe o tempo todo.
- Vamos jantar com os Mendiola esta noite - relembrou Blanca. Terminara seus afazeres a tempo de tomar banho e se vestir. - Esteja pronta às sete horas.
- Vou ficar em casa - disse Dulce. - Encontrarei alguma coisa para comer.
- Mas você não pode ficar em casa sozinha.
- Por favor, mãe. Nós já discutimos esse assunto antes. Os Mendiola são muito velhos e a casa deles cheira a traças. Eu tenho perfeitas condições de ficar sozinha em casa.
- Não queremos que eles pensem que você é rude.
- Deixem que pensem o que quiserem, mãe. Eu não suportaria mais uma discussão sobre os problemas de saúde da sra. Mendiola.
- Ele é parceiro de negócios de seu pai.
- Eu sei. Mas algumas vezes jantares e negócios não se misturam, ainda mais quando se é obrigado a jantar em uma casa que mais parece um mausoléu.
- A residência dos Mendiola é um marco de referência de Copper Creek. Para alguém com tanta sorte, minha filha, você está reclamando demais.
Dulce arrependeu-se das palavras nada amáveis. Sempre fora tratada com muito carinho pelo casal. E seu pai e sua mãe faziam tudo que podiam para agradá-la.
- Eu não tive a intenção de ser mal-agradecida, mamãe. Sei que tenho muito mais sorte do que várias pessoas.
- Sua situação pode ser frustrante às vezes, querida, mas não se deixe abater. Você pode ficar em casa.
- Obrigada, mamãe - agradeceu Dulce, abraçando-a.
Blanca então saiu da sala e foi se preparar para o jantar.
- Ninel? - chamou Dulce.
- Pois não?
- Eu estava pensando - disse ela, aproximando-se da criada. - Será que você poderia entregar um bilhete para uma pessoa antes de ir para casa? Isto é, se não for atrapalhá-la.
- Com o maior prazer.
- Seria um segredo nosso - adicionou a jovem, depressa.
- Está bem - concordou Ninel, sorrindo.
Dulce pegou um pedaço de papel e enfiou a caneta do pai no vidro de tinta antes de escrever uma breve nota. Esperou secar e depois dobrou o papel. Derreteu então, um pouco de cera e selou a dobra com um carimbo de bronze que moldou a cera na cabeça de um cavalo. Então passou o bilhete a Ninel.
- Entregue-o para o sr. Christopher Uckermann, por favor.
Os olhos cor de mel da criada se encheram de surpresa.
- Você o conhece?
- Sim - respondeu ela, guardando o papel. - Obrigada, Ninel.
- De nada. - Em seguida, a jovem se retirou.
O coração de Dulce disparou, uma reação retardada à sua atitude impensada. Confiava em Glenda. Ela entregaria a nota a Christopher sem que seus pais ficassem sabendo.
O que ele acharia? Um escândalo? Uma ousadia? E o mais importante, será que viria?
Dulce tirou o avental, empurrou a cadeira até seu quarto e lavou as mãos e o rosto.
Cerca de uma hora depois, estava na cozinha quando escutou o pai chamá-la.
- Dulce!
- Aqui na cozinha, papai.
- Sua mãe me falou que você não vai sair conosco esta noite.
- Não. Prefiro ficar em casa lendo. Divirtam-se.
- O que está fazendo?
- Preparando algo para comer.
- Você não sabe cozinhar.
- Então estou fazendo um bom trabalho fingindo que sei. - Seguindo os passos do livro de receitas que encontrara, Dulce preparara a massa de uma torta e a recheara com fatias de maçã. - Ninel acendeu o forno para mim antes de ir embora.
- Bem, você terá de esperar até amanhã para assar essa torta. Vou ficar o jantar inteiro achando que você incendiou nossa casa.
- Ora, papai!
- Você não precisa cozinhar - insistiu Fernando.
- Talvez eu queira fazê-lo.
- Você sempre faz mais do que pode, minha filha. Agora desligue o forno. Tenho certeza de que a sra. Ninel deixou algo pronto que não precise ser aquecido.
Dulce não permitiu que as palavras do pai lhe tirassem o bom humor. Tinha passado uma tarde muito agradável, aguardando ansiosa pela chegada da noite.
- Acho que sou bem mais capaz do que vocês imaginam.
- Nós não a protegemos apenas de se machucar, filha - disse ele, aproximando-se. - Também da decepção e da crueldade.
- Eu sei. Tenho certeza que vocês sabem muito bem o que é decepção, tendo uma filha como eu.
- Dulce... - Ele beijou-lhe a bochecha com o rosto recém-barbeado. - Você é minha linda filha, e nunca foi uma decepção.
- Divirtam-se - falou Dulce, retribuindo o abraço.
- Boa noite. Desligue o fogo. E não saia de casa. Tranque a porta quando sairmos.
- Está bem, papai.
Assim que escutou a carruagem dos Mendiola partir, Dulce colocou a torta no forno.
Quando terminou de limpar tudo, estava com tanta fome que serviu-se de um pedaço de pão com queijo e algumas azeitonas. Depois tirou a torta do forno e ficou a admirá-la. Era a primeira vez que cozinhava sozinha. Então foi para seu quarto tomar banho.
O sol desaparecera havia muito e a brisa da noite começava a soprar, fresca. Dulce envolveu os ombros com um xale e saiu do quarto. Foi até a varanda na frente da casa, onde passava grande parte do tempo.
Durante o dia, costumava ler, à tarde bordava um pouco e à noite ficava sentada em algum lugar de onde pudesse ver a lua e as estrelas. Era noite de lua nova, e o céu estava iluminado e estrelado.
Escutou a música de um piano, de certo de um daqueles estabelecimentos sobre os quais suas amigas adoravam comentar. O apito solitário de um trem ecoou pela noite, e Dulce imaginou os passageiros com os mais variados destinos. Lugares bem mais interessantes do que os hospitais e médicos que visitara. Não tinha, portanto, boas lembranças de viagens. Hospedar-se em hotéis também era um pesadelo, devido à quantidade de escadas e às pessoas que a olhavam com piedade.
E piedade era o que ela mais detestava.
- Dulce? - chamou uma voz baixa, incerta.
Ela inclinou-se para a frente e apertou os olhos para enxergar melhor.