Fanfic: Digital World - O mundo dos sonhos | Tema: Digimon, universo paralelo, suspense, realidade, comédia
CAPÍTULO V
O TESTE, O CÓDIGO E A LUZ ESCLARECEDORA
– Ike, acorda!! Ike... BINHO!!!
– Ahn? Que foi, Lucas! O que é que cê quer?
– Saber por que você dormiu no chão. – Disse me olhando com desdém. –
– Chão... Eu não tô... Eu não tô no chão!
– Então seu colchão é feito de piso. – Respondeu com impaciência. –
Havia acordado completamente e notado que estava realmente no chão. Sentia-me um pouco tonto e, tentando levantar, notei o resquício da fraqueza que sentira nas pernas durante o ataque que sofri na madrugada.
Apesar de nervoso, Lucas parecia preocupado comigo. Duvidava muito que ele não estava percebendo as mudanças no meu comportamento, assim como a minha mãe e isso me deixava apreensivo. Não poderia deixar ninguém descobrir o que me acontecia antes que eu tivesse uma mínima luz sobre a situação. O problema era que meus olhos estavam tapados. Se eu estivesse aceitando qualquer possibilidade, talvez tivesse descoberto mais cedo o que me ocorria.
Um fato que às vezes passava em minha cabeça, era o que Jonas tinha me contado que passou. “E se ele estivesse passando também por anormalidades?” “E se esse for o início de uma invasão?” Parecia que a cada segundo surgiam novas perguntas que se aglomeravam, transformando-se numa bola de neve que devastava qualquer pseudo sentimento de segurança que eu poderia ter.
– Levanta, Ike! Tá quase na hora do teu teste de direção.
– Merda! O teste! Droga! Isso vai ser horrível. Vai ser uma porcaria, não tem como.
– Tá tudo bem? – Perguntou receoso. –
– O QUE É QUE VOCÊ ACHA? EU PAREÇO BEM? EU ACORDEI NO CHÃO E NÃO LEMBRO DE METADE DO QUE ACONTECEU COMIGO! – Esbravejei insensivelmente. –
Lucas estava sem reação alguma, me olhando com uma feição espantosa. Já havia me arrependido do grito assim que fechei a boca. Ver Lucas daquele jeito sabendo que eu causara tal dor não me fazia melhor sob nenhum ângulo. A sua feição de criança feliz passava longe daquele momento, dando lugar a uma expressão vaga e doente. Para mim, o remorso era ainda mais forte já que sua expressão fazia-me lembrar a da minha mãe toda vez que o meu pai chegava bêbado em casa quebrando coisas e bradando feito um animal. Dei as costas a ele montado no meu orgulho e engoli meu remorso como remédio da dor.
– Agora licença. Vou me arrumar.
Ele não respondeu nada, apenas saiu. Eu faria o mesmo naquela situação. Estava muito mal naquele momento, mas não conseguia pensar em como Lucas se sentia. Talvez estivesse sendo egoísta demais, esquecendo os sentimentos dele, provavelmente o que estava me acontecendo, estava me mudando. Ou eu estava partindo para uma personalidade defensiva graças às para normalidades recentes. Não conseguia me ater ao fato de que o magoei. Não naquele instante. Precisava ir àquela aula o mais rápido possível para me concentrar em minha preocupação maior: decifrar o aparelho.
– Ainda tenho uma hora pra me arrumar e chegar lá... Talvez dê pelo menos pra ligar o celular e mexer em alguma coisa nele. Deixe-me ver... Aqui! Só pra ter certeza de que ninguém vai entrar... Pronto.
Tranquei a porta já com a caixa na mão. Comecei a suar frio instantaneamente. Partes das sensações da noite anterior brotaram no meu corpo como um reflexo ou uma memória física. A angústia, o medo, talvez sentisse o corpo mais pesado. Provavelmente tudo era psicossomático devido à pressão do momento, mas eu estava decidido que iria obter respostas ali.
Abri a caixa e tirei o celular de dentro cautelosamente. As expectativas eram positivas e eu já não aguentava mais esperar. Tinha certeza que dali sairia as minhas tão esperadas respostas. Coloquei o celular no carregador, me certifiquei de que ninguém vinha e enfim liguei-o.
Assim que ligou, ao invés de aparecer a costumeira apresentação da Nokia com duas mãos indo de encontro uma à outra, a tela ficava em branco. Encarava uma tela vazia, meus olhos refletiam a luz juntamente com toda a perspectiva e ansiedade. Até então segurava o celular pelo fundo a fim de deixar a tela inteiramente à mostra, para não acabar perdendo algum detalhe que aparecesse nos cantos.
Após cinco minutos ininterruptos de espera, decidi tocar à tela esperando alguma reação. Assim que meus dedos tocaram a superfície, o brilho do celular se intensificou, tomando conta de boa parte do quarto e ofuscando minha visão a ponto de acabar soltando-o com o susto.
– Que sorte que tava no carregador... Se essa coisa caísse e quebrasse eu ia perder a minha única possível fonte de informação. O que é isso?
Assim que tomei o celular em minhas mãos novamente, notei que a tela já não estava vazia de todo. Não seria estranho se o desenho não fosse o da minha digital, cravada na tela. Estava em preto e exatamente onde eu havia posto o meu dedo. Imaginei que seria algum novo aplicativo para destravamento de teclado e estava começando a me convencer disso quando os traços que formavam a minha digital começaram a se mesclar transformando-se em letras. As letras começaram a se dispor no meio do visor, na vertical e formavam o nome do aparelho: D-VICE.
– Que legal! Tecnologia impressionante... Nem sabia que os celulares faziam coisas desse tipo já. Apesar de que são só efeitinhos visuais. Agradeceria se ligasse logo.
– Voz identificada, sequência de picos sendo registrada. Comando de voz ATIVO.
Uma voz de mulher, meio robótica ou com algum tipo de interferência tinha saído do aparelho. Assustei-me com a repentina fala proveniente do aparelho e lancei-o para longe. Por sorte, caiu em cima da cama extra que havia no quarto.
– O QUÊ???? Q-q-que foi isso?
– Trata-se do sistema inteligente de voz do seu dispositivo.
– V-v-voz? MEU dispositivo?
– Conversão de picos completa. Voz confirmada. Caíque Brito de Carvalho, 18 anos, residente do Brasil. Insira cartão SIM no dispositivo.
– Como assim, dispositivo?? Que droga é essa?!
– Apresentação iniciada. Por favor, atenção à tela.
Até então, não chegara perto do celular novamente. Não entendia exatamente o que estava acontecendo e aquilo me assustava, mas a vontade de descobrir o que tinha a me dizer foi maior. Sentei na cama, peguei o celular e me atentei ao que acontecia. Na tela, começavam a surgir letras na horizontal, formando fila a partir de cada uma das outras que formavam o nome D-VICE. Um pouco antes de começar a ler, a voz que vinha do aparelho começou a falar novamente.
– D-VICE. Dispositivo de Variação Interna para Complemento Evolucional.
– Complemento evo...COMO?? O que você quer dizer com isso?
Talvez eu já soubesse o que estava acontecendo ou mesmo a serventia do D-VICE, mas o meu bom senso bloqueava a ideia e era ajudado pelo medo do, até então, desconhecido.
– O D-VICE é um aparelho de ponta programado particularmente para o usuário. Ele permite o compartilhamento físico e a transferência de informações de forma eficiente e calculada.
– Não é isso que eu quero saber. Como assim complemento evolucional? Você me entende?
– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faças a perguntas certas.
– Qual seria a pergunta certa?
– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faças as pergunta certas.
– Ahn? Você já disse isso. Droga! Pensei que isso fosse me ajudar em alguma coisa! Só tá me deixando com mais dor de cabeça ainda! Deixa eu ver... Quem é você??
– Sou o sistema de interatividade do seu D-VICE.
– Putz... Disso eu já sei! Você é alguém? Uma pessoa, ou só uma voz?
– Sou o sistema de interatividade do seu D-VICE.
– Caramba, você só sabe dizer essas duas frases?
– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faça as perguntas certas.
– PUTA QUE PARIU! ISSO É IMPRESTÁVEL! – Bradei para mim mesmo. –
Naquele momento, o sangue me subia à cabeça. A única esperança que tinha de alguma resposta concreta, só sabia falar duas frases e só responderia às minhas perguntas se eu as fizesse direito. Eu não sabia o que perguntar. As dúvidas eram muitas e não conseguia externá-las de forma eficaz. Todas as perguntas que eu fazia eram respondidas de forma igual, o que me fazia passar a odiar a voz do aparelho.
– Droga, só tenho mais 20 minutos!! Xô ver... De onde você veio?
– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faça as perguntas certas.
– Cara, você já tá me tirando do sério... Cê tá de onda com minha cara, né?
– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faça as perguntas certas.
– Foi retórica! Caramba, tô mesmo afetado... Tô tentando explicar que fiz uma pergunta retórica a um celular. Agora não dá mais tempo de ver nada. Vou levar isso comigo pra se tocar ou essa maluca gritar alguma coisa, ninguém daqui de casa ver. Tem algum botão de travar esse troço?
Terminei de me arrumar para sair e começar o teste de direção. Pensava que se aquela voz dizia sobre fazer direito, então ainda tinha mais o que perguntar. Comi rápido e saí sem escovar os dentes, senão me atrasaria. Não tive coragem de olhar para Lucas naquele momento, mas sabia que ele estava chateado comigo. Não era para menos, eu o assustara. Precisava resolver isso também, sempre fui do tipo de pessoa que resolve as coisas com conversa. Nunca deixando o tempo abafar as memórias.
Tentava bolar a “pergunta certa” na cabeça por todo o caminho até a autoescola e por boa parte do tempo que já estava no teste. O instrutor parecia meio impaciente, talvez já estivesse perto de se aposentar e eu fosse um de seus últimos “barbeiros a domar”. Eu não me sentia totalmente atento e ele parecia notar isso, já que a todo o momento, lançava um jato imenso de saliva recheada de reclamações por baixo do seu vasto bigode acinzentado.
– Preste mais atenção nas sinaleiras, garoto! – Falava autoritariamente. –
– Certo, senhor Valdir. – Respondia vagamente, mas com o devido respeito. –
– Olha pra frente!
– Estou olhando, senhor. É que pensei que o celular tinha vibrado.
Ele me olhou com ar examinador e anotou alguma coisa em sua prancheta. O trânsito estava horrível mesmo para aquela hora da manhã e o som do grafite rabiscando o papel me causava uma angústia indescritível. Era como se estivesse ouvindo as críticas que ele escrevia sobre mim. Provavelmente também não era um de seus melhores dias, já que ele me abordava por qualquer mínimo deslize e, às vezes, por deslize algum. Os meus nervos já estavam abalados por causa da minha situação e o instrutor da autoescola não ajudava.
– Preste atenção, garoto! O homem da moto ia cortar você pela direita e isso está errado!
– Mas se ELE ia passar pelo lado errado, a culpa não é MINHA!
– Feche mais sua direita que ele não vai ter por onde passar...
– Não posso dirigir por mim e pelos outros. – Falei com um tom mais desafiador do que deveria. –
– Está discutindo com o instrutor e ainda por cima em pleno trânsito? – Lançou para mim juntamente com uma rajada de cuspe. –
– Desculpe senhor, mas talvez não esteja passando por um bom dia assim como eu e acho que está descontando isso injustamente em mim.
– Garoto procure seu lugar e volte a dirigir! Você não é nenhum psicólogo e eu não te devo satisfações!
– Quanta grosseria, só estava tentando resolver a situação!
– Não tenho tempo pra isso, ainda mais com um completo desconhecido! Por favor, ligue o carro e continue a dirigir. Só que dessa vez FAÇA CERTO!
A raiva me subiu à cabeça como se a última frase dele tivesse servido de elevador. Sentia as palavras queimando a garganta, loucas para sair. Precisava me contar senão acabaria descontando toda a minha cólera no instrutor. Mesmo me contendo o máximo possível, tinha que falar algo.
– Então, O QUE VOCÊ QUER QUE EU FAÇA?
Fez-se o silêncio por alguns poucos segundos até ser quebrado por uma frase que, para o momento, não era nem um pouco oportuna.
– Insira o chip SIM na parte traseira do aparelho.
– O que?
– Não fui eu que disse isso...
– Se não foi o senhor e muito menos eu, então quem foi??
– O sistema de interatividade do seu D-VICE.
– Que porcaria é essa? – Perguntou um pouco desnorteado. –
– O celular! Haha!! Descobri! Obrigado senhor Valdir! Muitíssimo obrigado! Descobri a pergunta, que ótimo!!! Obrigado! Deixa eu colocar logo...
Antes que pudesse terminar a frase, um rapaz com uma bicicleta esbarrou no carro e quebrou o retrovisor direito. Terminamos voltando para a autoescola eu, o senhor Valdir e o rapaz da bicicleta para poder assinar alguns papéis e pagar o prejuízo. O teste de direção acabou sendo um fracasso no geral e o examinador não teria ajudado no processo. Curiosamente, não estava me atendo ao fato de ter passado ou não. O que passava em minha cabeça naquele momento era chegar em casa para terminar de resolver meu problema.
Depois dos papéis assinados e de ter pego um papel com a data prevista para pegar o resultado, voltei para casa me segurando para não colocar o chip no meio da rua. No caminho, recebo uma ligação de Ivan no meu celular antigo me dando uma notícia agradável.
– Caíque?
– Alô, quem fala?
– Sou eu, Ivan.
– E aí cara! O que foi? Ainda tá com dor de barriga?
– Né isso não cara, qual é? Tô te ligando pra avisar que minha namorada vem passar alguns dias aqui comigo. Aí ia levar ela aí em tua casa pra conhecer vocês.
– Seria ótimo cara! Nesse momento eu não tô em casa, mas pode ser.
– Ah, relaxe. Ela só chega de noite.
– Então fechou. Vou ligar pra Jonas ir lá em casa também.
– Já fiz isso.
– Rápido no gatilho você, em?
– Você sabe que ninguém me ganha, né?
– Se acha...
– Cara, vou desligar aqui. Até mais tarde então.
– Té mais Ivan.
Dei mais alguns passos antes de notar que acabara de combinar com Ivan que a namorada dele veria um maluco que vê Digimon e fala com celulares.
– Droga! Droga, droga, droga, DROGA! O que é que eu faço? Não dá pra desmarcar... Vai ficar chato pra Ivan... Preciso resolver isso logo. Quando eles chegarem lá em casa eu já vou estar mais aliviado se tiver resolvido esse problema do celular.
Corri até em casa como se minha vida dependesse daquilo. Estava apreensivo, esperando que colocar o chip no celular me traria alguma luz.
Quando cheguei em casa, Lucas já estava melhor. Não deixa de ser verdade que o tempo ajuda a curar feridas, mas mesmo naquela situação, não poderia simplesmente deixar passar. Só que não podia me preocupar com Lucas naquele momento.
– Ike, eu não vou falar nada pra minha mãe. Mas pelo menos, me pede desculpas... – Disse pesarosamente. -
– Não quero pedir assim vagamente, Lucas. Depois converso com você direito. Eu tô ocupado.-Respondi ainda com a adrenalina da corrida no corpo.-
– Como assim vagamente? É só pedir desculpas, mais nada. O que cê tá fazendo de tão importante que não pode parar só pra isso?
– Nada de mais. Só que eu quero conversar direito com você. Só isso.
– Então conversa!
– Agora não dá. Preciso resolver uma coisa. Sério.
– Depois você quer que eu te entenda! Então vai fazer seja lá o que for!
Dei as costas a ele, relutante. Precisava acalmar meus nervos antes mesmo de começar qualquer conversa e a única coisa que me acalmaria, naquele momento, era dissolver as dúvidas que passavam na minha cabeça.
Por sorte Jonas ainda não tinha chegado e minha mãe estava se arrumando para o trabalho, o que me daria o tempo necessário para descobrir alguma coisa. Fiz a pergunta novamente, para me certificar de que não estava enganado ou que estava ouvindo coisas e a resposta foi positiva.
– O que você quer que eu faça?
– Insira o chip SIM na parte traseira do aparelho.
– Certo... Isso não vai doer em você não, né?
– O sistema de interatividade do seu D-VICE é limitado a responder às perguntas certas. Por favor, faça as perguntas certas.
– Mas que merda acabei de fazer... Deixa eu colocar isso logo...
Coloquei o chip e liguei o celular. A abertura da Nokia apareceu daquela vez, e parecia nunca acabar. Em minha mente passavam milhares de possibilidades do que poderia acontecer assim que o celular enfim ligasse. “Quem sabe a mulher vai começar a tagarelar e me dizer o que está acontecendo”, “quem sabe o celular não se transforma num morfador e eu viro um Power Ranger?”, “vai que assim que ligar ele começa a brilhar e explode?”. Qualquer coisa poderia acontecer. Tanto boa quanto ruim. Ou impossível.
– Aí, ligando. Procurando rede... Vai, vai, vai!! Ainda procurando rede? Parece a TIM! Vai, liga. Isso! Agora por favor, diz o que tá acontecendo... Faz alguma coisa extraordinária, alguma coisa inimaginável...
Quando escuto o característico som de uma mensagem.
...PÍ PÍ PÍ...
– O que?
O D-VICE fez, naquele instante, o que nem passou na minha cabeça que poderia fazer. Foi algo extremamente imprevisível para aquele momento fatídico. Algo que para mim, tinha sido o momento mais frustrante da minha vida. Ele avisou que acabara de receber uma mensagem.
– Uma... Mensagem? Eu ligo o celular na maior expectativa e ele não faz porcaria nenhuma além de notificar que recebi uma mensagem? Uma porcaria de uma mensagem dizendo O QUANTO É BOM SER CLIENTE BETA??? QUE MERDA! VAI A MERDA TUDO ISSO!!!!
Estava péssimo com tudo aquilo. No momento eu nem havia pego o celular para constatar o remetente da mensagem. Simplesmente larguei de mão, deixei o celular em cima da cômoda e fui em direção a Lucas. Como não tinha conseguido nada com aquele aparelho, pelo menos precisava resolver minha pendência com ele.
– Lucas, vamos conversar. – Chamei-o frustrado. –
– Ah, agora que você já gritou com sua operadora quer conversar comigo?
– Não faz draminha, Lucas. Não tô pra isso. Precisava resolver um problema e no fim das contas não consegui. Vamos...
...PÍ PÍ PÍ...
– Que coisa chata! Ferre-se celular idiota! – Resmunguei. –
– Olha, Binho... Não sei o que tá acontecendo contigo, mas...
– Ah, para com isso! Não guento mais ouvir essa mesma frase. Não tá acontecendo nada, beleza? Só queria dizer que não fiz aquilo por mal. Eu acordei no chão, e tive uma noite muito ruim. Não tinha a ver com você, desculpa.
– Tá bem. Só que...
...PÍ PÍ PÍ...
– Que porcaria. Esse celular não vai parar de encher o saco!
– Vai atender.
– É uma mensagem.
– E porque não lê?
– Porque deve ser alguma merda da TIM.
– Hum... Então, eu te desculpo. Mas toma mais cuidado com isso. Não tinha nada a ver com sua noite mal dormida.
– Eu sei... Foi mal mesmo, tá?
– Beleza! Quer me ajudar a upar?
– Não, valeu. Vou tomar um banho pra almoçar.
– Certo então.
Entrei no banheiro e fui tomar banho. Tentava esfriar minha cabeça no chuveiro frio enquanto começava a absorver os novos fatos. O celular falante e imprestável, a possível reprovação no exame prático de direção, o fato do problema ainda não ter sido resolvido mesmo tendo posto o chip no celular. Ele parecia brincar com a minha situação. Mesmo no banheiro, e com o chuveiro ligado, conseguia escutar seu pedido insistente.
O celular ficou um tempo calado, o que me causou uma leve sensação de alívio até ser interrompido por Lucas, que batia na porta do banheiro.
– Binho, você comprou um celular novo?
Fiquei sem reação. O celular ainda estava em cima da cômoda, já que saí com raiva do quarto e o larguei lá. O que significa que estava ao alcance de quem quisesse. Respondi como pude.
– N-não!
– Então de quem é esse celular que tá em cima da cômoda?
– É... É meu! Deixa lá onde tava! – Fiz-me ouvir alto, mesmo com a porta do banheiro fechada.-
– De onde esse celular é seu, se você não comprou?
– Achei no chão, Lucas! Vindo pra casa!! Agora deixa o celular aí.
– Então era isso que você tinha pra resolver quando chegou, né? Mexer no celular que conseguiu de graça! Sortudo!
– Lucas, deixa o celular lá, por favor! – Cobri a voz com leve tom de autoridade. –
– Tá, mas a mensagem que você recebeu não foi da TIM não, viu?
– Cara, você olhou minha mensagem?
– Tive que abrir! Aquele barulho tava me chateando já!!
– Droga Lucas, não era pra você mexer! Agora deixa lá onde tava e CORRE! Porque quando eu sair daqui, você vai ter o seu!
– Vish...
Saí do banheiro às pressas. Não com a intenção de punir Lucas por ter lido minha mensagem, mas curioso e esperançoso sobre ela. Não tinha namorada, e meus amigos não costumavam mandar mensagens. Precisava saber o mais rápido possível o que ela continha.
– L-Lucas, cadê o aparelho?
– Tá ai, em cima da sua cama.
– Mexe e nem coloca no lugar certo, né? Essa porta vai ficar fechada agora, e nem bata aqui, porque não vou abrir!
– Tá, não quero nada aí mesmo. Tô jogando.
Bati a porta do quarto e me dirigi prontamente ao celular. Abri o menu principal que, curiosamente, só tinha o ícone de telefone e o de mensagem. Nenhum aplicativo ou atalho para configurações. Estranhei, mas abri a caixa de mensagens sem relutância, pronto para uma pista.
– Sem remetente? Tá de sacanagem!! Não dá pra enviar mensagem privada. Pelo menos que tenha alguma coisa na mensagem.
Abri então a mensagem e me deparei com algo que não fazia a mínima ideia do significado: “-12/58/1.9344 -39/15/13.0602 0000”
– Ahn? Como assim, cara? Não diz quem mandou e ainda vem um monte de números aleatórios? É o que? Pegadinha do Faustão? Coisa mais inútil... Não tenho motivação nem pra ficar chateado. Putz, era minha última esperança. O que eu vou fazer com isso?
No momento eu não sabia o que iria fazer. O que me parecia ser a luz no fim túnel, se mostrou vazio e obscuro. Pelo menos para aquele momento exato onde eu não estava pondo a minha mente para funcionar.
O dia foi passando e eu tentava deixar os pensamentos relacionados ao aparelho em segundo plano. Não estava tendo muita sorte com esse plano. Por um momento do dia, consegui esquecer o celular, mas recebi outra ligação de Ivan dizendo que Lara demoraria mais de aparecer por que o ônibus que estava havia quebrado no caminho, mas que ele viria antes. Como meu chip ainda estava lá, então trouxe de volta à tona a raiva e frustração que estava tentando reprimir.
A sede de querer ir direto ao âmago da questão me consumia a cada segundo mesmo que eu tentasse negar isso irrelevando os números que haviam chegado por mensagem. “Precisava encontrar algum tipo de lógica matemática ou fazer algum tipo de conta com aqueles números?”, “tinha que ordená-los de alguma maneira?”. Estava inquieto e nada me fazia limpar a alma da angústia sem precedentes que sentia devido a tudo.
Jonas ligou um pouco mais tarde avisando que iria levar sua suposta namorada para nos conhecer aproveitando a chegada de Lara, então combinamos de sair para uma churrascaria que escolhemos não muito longe da minha casa.
– Então fica pras 20h00min e a gente já se encontra lá, beleza?
– Fechou! Vou avisar a Lara sobre a mudança de planos. Ela disse que tá quase chegando aqui. Tá a uns 20 km.
– E como ela sabe com tanta precisão?
– Viu pelo celular, eu acho.
– Ah tá... Nos vemos mais tarde, Ivan. Té mais.
– Beleza, vou desligar aqui. Já tô ficando sem créditos de tanto falar com vocês hoje.
Depois de mais algumas horas de preocupação, me arrumei devidamente e fui à churrascaria que havíamos combinado. Andava devagar, devaneando a caminho do encontro com meus amigos e suas respectivas namoradas. Sozinho. Acompanhado apenas pelas sombras que me circundavam e com uma feição mais triste do que minha própria situação, mas preparado para armar um falso sorriso e mascarar meus sentimentos a fim de mostrar meu melhor lado como primeira impressão.
Chegando perto, noto Ivan sentado em uma das muitas mesas que ficavam do lado de fora da churrascaria que ficava situada numa rua sem saída e com pouco movimento, ao lado de uma garota que conseguia ser menor que eu. Era noite, mas notava o tom avermelhado que destacava a parte do cabelo dela que estava preso, mais próximo à nuca. O que caía muito bem combinado com sua pele branca e a blusa preta sem mangas, com nomes de bandas de rock antigas em branco espalhados pelo tecido.
Já de frente à Lara e mesmo antes de falar qualquer coisa, notei que brotavam de seus olhos castanho-claros um ar de maturidade que não sentia há muito em ninguém conhecido. O que ia de encontro com seu mini short rasgado e All Stars vermelhos.
– Olá Lara! Me chamo Caíque. Acho que sou um dos melhores amigos do seu namorado. E ouvi falar muito bem de você! E olha que eu ouvi, viu? – Me voltei a ela com muita simpatia, engolindo as mágoas por inteiro. -
– Oi Caíque! Também já ouvi falar muuuito de você, do seu primo e seu irmão. Eles vêm? – Respondeu-me com tanta receptividade que quase esquecia pelo que eu passava. -
– Ah, vem sim. Jonas vem... Com a namorada até. Lucas tá em casa no computador e não sairia de lá por nada na face da Terra, né não Ivan?
– Sem dúvidas! Quer dizer, sabendo que era pra comer, talvez ele viesse. Mas ia ficar sem ter o que fazer por aqui. Por questão da diferença de idade.
– Realmente. Mas eu vou na sua casa amanhã com Ivan e você me apresenta todo mundo, certo Caíque?
– Me chame de Ike, se preferir. E sim, sem dúvidas! Daqui a pouco Jonas cheg...
– E aí gente! – Jonas gritou loucamente de uma distância desnecessária. –
– E aí cara! Nos apresente a dama ao seu lado. – Falei com ar de graça. –
– Ah, certo. Essa aqui é...
– Pode deixar que eu me apresento, Jonas. – Interrompeu a garota que de início me pareceu tímida. –
– Eu me chamo Vera, gente. Mas podem de chamar de Véu se quiserem.
Vera me pareceu ser uma garota bem receptiva. Apareceu se apresentando e falando com todos. Apresentamo-nos a ela já sentados à mesa e iniciamos uma conversa que me faria esquecer meus problemas por um tempo considerável.
Em meio à conversa descobrimos que Vera era a mais velha da turma a partir daquele momento. Jonas não havia contado que ela já fazia faculdade e que tinha 20 anos. Ela é um pouco menor que ele, tem uma feição de garota mais nova e entrava nas brincadeiras com facilidade.
Ao lado de Jonas, fazia uma dupla perfeita aos olhos de quem via. Relativamente alta, magra e também usando óculos de grau. A diferença estava em sua tonalidade de pele que me parecia ser a mistura perfeita de negra/índia e seus olhos mais escuros que os dele. Seus cabelos não muito escuros iam até pouco depois dos ombros, caídos sobre sua blusa de manga comprida e azul marinho, que me parecia ter duas camadas ou algo do tipo.
– Então quer dizer que Vera está oficialmente no grupo, gente?
– Ah, claro né Jonas! Não precisava nem perguntar. – Respondeu Ivan, com cinismo. –
– Gente, só agora vim perceber que Ike tá aqui segurando vela de dois casais.
– É mesmo, Lara. Tá você e Ivan, eu e Jonas e Caíque e nada.
– Ei, não brinquem com a minha cara! Malditos felizardos...
– Não leva pro lado pessoal não, Ike. Mas venhamos e convenhamos... Até eu que nem imaginava estar namorando por agora, tô. E tu aí chupando dedo.
Aquele último comentário de Jonas gerou algumas risadas, mas eu notava que ele parecia forçar felicidade e olhava para os lados com bastante frequência. Eu era o único que havia notado isso aparentemente, então não quis alertar a todos nem deixá-lo numa situação difícil, e acabei não dizendo nada no momento.
– Sim, Lara! Qual foi mesmo o problema no caminho? Eu tinha dito pra Ike que o pneu tinha furado, eu acho. Mas não tinha certeza.
– Na verdade não furou não... O pneu esvaziou do nada no meio do caminho. Todo mundo achou estranho até só que o motorista consertou numa meia hora e a gente já não tava muito longe daqui.
– Ah, sim! Era o que eu ia perguntar! Lara, como é que você sabia que já tava chegando se nunca veio aqui antes?
– GPS meu filho... Meu celular tem um aplicativo de localização e eu consigo usar a internet do chip. O negócio é que tem que configurar direito pra aparecer as imagens de satélite ao invés daquele monte de números que ninguém entende nada.
Assim que escutei aquelas palavras um turbilhão de alegria e esperança implorava para disparar para fora do meu corpo, me fazendo de rojão e estourando no céu como fogos de artifício. Eu havia paralisado e com certeza estava com a expressão de “Eureca!”. Ninguém parecia notar, estavam todos se dando muito bem e conversando entre si com uma concentração impressionante.
Peguei o celular do bolso com pressa e reli a mensagem. A minha vontade era de sair dali correndo naquele exato momento e descobrir o que aqueles números me diziam. A partir daquilo, tinha certeza que os números significavam...
– Latitude e longitude. Acho que eu saberia ver. Eu me envolvo bastante com física e tal, então toda hora vejo posições de astros e estrelas com numeração.
– Olha o ar de físico teórico do meu namorado, gente. Eu tô fazendo o terceiro semestre de psicologia já e me sinto menos profissional que ele às vezes quando ele fala com tanta certeza essas coisas.
– Olha pra isso, Ike! Só o amor pra fazer uma menina gostar de Jonas! – Caçoou Ivan seguido de uma risada contagiante. –
– Não faz isso com o menino, Ivan. Maldade... Isso mesmo, Jonas. Fale tudo o que você sabe.
– Vai defender ele agora é Lara? E Ike, ta calado! Logo quem... Fala alguma coisa cara.
– Ahn, Oi? Ah é. Sem dúvidas. Jonas é o cara nessas coisas, mas ninguém foi melhor que Lara agora, gente! Poxa, já não tá tarde gente? Não tá na hora da gente voltar não?
– Não sei cara. Acho que vou ficar mais aqui. Não é todo dia que a gente vai conseguir reunir todo mundo assim e Lara só vai ficar aqui esse final de semana.
– Então beleza gente. Vou me despedir de vocês e deixar só um momento lovers aqui agora. Boa noite vocês dois marmanjos sortudos e uma ótima noite pra vocês, garotas. Foi ótimo conhecer vocês e bem-vindas à nossa loucura!
– Tchau, Ike. Foi ótimo te conhecer também. Como já disse, passo lá amanhã.
– Mesma coisa pra gente, né Véu? A gente vai lá amanhã, né?
– Ah, vamos sim! Até mais Ike. Também gostei muito da conversa. Até mais!
Cumprimentei os meninos com nosso aperto de mão secreto e dei um beijo e um abraço em suas respectivas namoradas. Logo após virar a primeira curva, corri como um louco para casa. Não havia corrido assim desde que servi de caça para o SkullSatamon maldito. Minhas perguntas seriam respondidas se aqueles números fossem realmente coordenadas geográficas e essa probabilidade me fazia correr cada vez mais rápido.
Cheguei em casa ofegante e suado. Abri o portão da frente com muita pressa e empurrei a porta com força para ir direto ao computador. Minha mãe chegou a se assustar e perguntar se havia acontecido algo, mas respondi rapidamente que tudo estava bem e que eu só tinha pressa. Lucas já não estava mais no computador, o que me aliviou bastante já que teria de gastar tempo convencendo-o a sair.
– Google Maps... Google Maps... Aqui! Dá pra colocar os números direto aqui? Como que é?
Debati-me um pouco, talvez pelo nervosismo, mas consegui encontrar a forma certa de usar os números. Afoito, tirei o celular do bolso e abria mensagem que continha a combinação.
– Aqui! -12/58/1.9344 -39/15/13.0602 0000. No caso, eu coloco esses números aqui em cima, os de cá embaixo... Mas esses zeros não tem ligação com nada! Droga... Só que sem esses zeros cabe certinho nos espaços. Vou colocar sem eles. AI! FOI! Vai, vai, vai, aparece alguma coisa... Caramba e se der, sei lá... Petropavlovsk ou Trelleborg. AHN?? Não tem visualização de satélite... Mas funcionou e da pra ver o mapa, então... Deixe-me ver... Visualizar mapa. O QUÊ???
Meus olhos queriam negar o que eu tinha visto, mas as coordenadas eram as da minha rua. Não havia como ter certeza do local exato, pois não havia imagens do lugar, somente o mapa com as indicações de estradas. Era coincidência demais aquilo ter aparecido, não havia como ter sido engano meu. Aqueles zeros ainda não se encaixavam, mas de resto era aquilo ali.
A conversa com Lara havia sido mais produtiva do que eu poderia imaginar. Fora o fato de ter me realizado para o significado dos números, pensei em baixar o aplicativo de GPS e instalar no D-VICE já que ele aparentemente não tinha nada fora a voz irritante do software e a capacidade de receber mensagens. Minha surpresa foi tanta quando voltei à tela principal e havia um ícone com um mini mapa na tela do celular.
– Ma-ma-mas como? Não tinha nada aqui!! Pensei que isso fosse inútil... No fim das contas você prestou pra alguma coisa, D-VICE... Não vou esquentar a cabeça agora sobre isso ter aparecido milagrosamente. É útil e eu vou usar. Mãe, tô saindo!
– Mas você acabou de chegar... E os meninos? Nem vai me contar como foi tudo lá?
– Te conto depois! Não vou demorar não, até porque já é quase meia noite. Já já tô de volta. Tô levando o celular. FUI!
Corri para fora de casa, abri o aplicativo que já tinha a numeração como padrão de pesquisa e logo abaixo a minha localização. Os números ainda não batiam, então não era em casa. Corri novamente com todo o meu fôlego e consegui alcançar a longitude certa. O tempo foi passando e já era quase meia noite. Já havia andando tudo nos arredores e não conseguia encaixar toda a numeração.
Olhei no celular novamente e eram 00h00min. O celular vibrou sozinho e a noite escura estava sendo tomada por uma luz que, se não estivesse acabado de perder o que me restava de sanidade, vinha de um buraco no céu.
Autor(a): Junior Brito
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