Fanfic: Acca

Eram dias difíceis. Sem dúvida uma época cruel na qual a morte não parecia uma má ideia. Carlos, a caminho do hospital, pensava em como as coisas tinham chegado àquele ponto. Meditava sobre o passado e não conseguia imaginar um futuro. Não havia espaço para uma vida tranquila no mundo. Ricardo lutava contra isso e agora estava com uma bala no meio da cabeça. “Tenha piedade de nós pecadores...”. Pensava na oração. Era um bom mantra para esses tempos tortuosos. Gaia havia se rebelado contra seus filhos ingratos e, de uma forma cruel e sádica, conseguiu dissolver qualquer possibilidade de vida em sociedade. Foram 20 anos de catástrofes naturais. O homem foi condenado a viver à selvageria, entregue a própria sorte. E agora, o mundo se reorganizava e o preço a se pagar era alto. Em troca de uma padronização organizacional (apenas um governo e uma sociedade) a liberdade individual foi posta a prova. Tudo em nome do “Bem maior”. Tudo em nome da civilização.
     Carlos parou o carro na guarita do estacionamento para funcionários. Como procedimento padrão, todos os contratados pelo hospital deveriam ser reconhecidos antes de poderem entrar.
-- Como se você não soubesse quem eu sou, né amigo?
-- Eu sei doutor, mas regras são regras. O senhor sabe né... Em tempos como esse perder o emprego não pode ser uma opção.
-- Tem toda a razão. E a gente gostaria que não fosse assim não é verdade? Mas parece que escolhas não são privilégios de nosso tempo. Enfim, preciso ir. A policia me aguarda.
     Carlos estacionou o carro o mais próximo da entrada. Chovia muito, ele estava de branco e não queria se molhar. Desligou o carro e se olhou no retrovisor. Estava com uma aparência horrível, nada confiável. Queria que aquilo acabasse rápido, mas sabia que isso não iria acontecer. Conhecia todos os procedimentos: Reconhecimento do corpo, interrogatório com a policia e, como um dos diretores do hospital, teria que fazer um relatório que ficaria arquivado nos históricos do governo. Deu um grande suspiro, se concentrou e foi rumo às suas obrigações.
     O Hospital estava vazio. A policia já havia isolado o local e fazia suas investigações. Carlos foi direto para a sala da direção onde provavelmente o assassinato ocorrera. Não estava errado. O local estava isolado por faixas de segurança, havia equipes do hospital respondendo perguntas enquanto policias faziam notas em pequenos bloquinhos. Carlos se aproximou da porta que estava aberta e logo foi recepcionado por um funcionário do hospital.
-- Doutor Carlos! Graças a Deus. A policia já estava perdendo a paciência.
-- Onde está o comandante?
-- Dentro da sala.
     Carlos entrou na sala e se deparou com a cena do crime. Ricardo estava sentado em sua cadeira. A cabeça estava caída para trás, cheia de sangue e com um buraco no meio da testa. Estava sem camisa. O seu peito nu revelava uma tatuagem que Carlos desconhecia. Era uma frase. Uma frase que lhe arrepiou a espinha, e o fez sentir náuseas. Em letras itálicas a marca dizia: “Tenha piedade de nós pecadores...”.··.