Fanfic: Pela Lente do Amor-AyA {Finalizada} | Tema: AyA

Finalmente, passou as mãos pelo rosto e teve ganas de praguejar, de xingar o dr. Alfonso Herrera a plenos pulmões. Conteve-se quando, subitamente, percebeu que agora podia dizer tudo o que quisesse. Pela primeira vez em dezoito anos, ela estava longe de qualquer outro ser humano.

Essa constatação fez com que Any se acalmasse e, então, começou a analisar a situação: não havia mais o pai, a governanta ou os criados — somente Any. Anahí Portilla, sozinha no mundo.

Às aventuras despreocupadas e o peso da responsabilidade sobre seus ombros tumultuavam a mente de Any, que jamais conhecera nenhuma delas. Ela se levantou lentamente, com a sensação de que o chão poderia se abrir e fazer com que desaparecesse para sempre.

— Vai ser difícil — disse num fio de voz tênue e incerto, parecendo prever o futuro.-

— Até que enfim! — O tom de voz de Dulce dissipou os pensamentos nebulosos de Any que, de repente, ouviu o barulho da fonte. Lá estava ela! Havia conseguido escalar as margens íngremes do córrego, encontrara o outro sapato e fora capaz de voltar para o edifício principal. Tudo sozinha!

— Deus do céu! — a assistente sussurrou ao constatar o estado lastimável em que a moça se encontrava: as meias rasgadas, o cabelo loiro em desalinho, o conjunto rosa arruinado.

— E então, Alfonso? — a assistente sibilou entre os dentes, olhando para ele. — Aí está o seu magnífico trabalho! Espero que esteja satisfeito!

Os olhos do médico estreitaram-se ao observar Any percorrer o restante do caminho até eles com passos tensos e nada graciosos. Porém, ao contemplar-lhe o rosto, verificou que a expressão dela era de determinação e os ombros, embora parecendo cansados, estavam erguidos, demonstrando coragem.

— Estou, Dulce. Estou de verdade — ele comentou suavemente.

Alfonso esperou que Any estivesse a apenas um passo deles para falar com um tom de voz provocante e frio.

— Já vi que encontrou seus sapatos, srta. Portilla.

Os olhos cegos da moça faiscaram de raiva incontida. Ela se voltou na direção do som daquela voz zombeteira e respondeu com arrogância, mal conseguindo controlar a cólera:

— É claro que os achei, dr. Herrera. O que há de errado nisso?

Dulce percebeu que as mãos de Any estavam trêmulas e fez um gesto de reprimenda para o médico, que, simplesmente, fechou os olhos.

— E como foi a sua primeira aventura lá fora? — ele per¬guntou.

— Infinitamente melhor do que caminhar com o senhor — Anahí retrucou com impertinência.

Dulce sorriu, feliz com a reação da cega.

Alfonso ignorou a hostilidade da moça, suspirando ruidosamente, porém piscou para a assistente numa demonstração de que estava satisfeito com o que conseguira naquele dia. Retirou-se, falando por cima do ombro:

— É melhor se arrumar para o jantar, srta. Portilla. Está uma figura desse jeito.

— Vá para o inferno! — ela murmurou entre os dentes; então, sentiu o aperto gentil da mão de Dulce no seu braço e se recordou de que não estava só.

— Vamos, Any, vou ajudá-la, quer ele goste, quer não. — Dulce acalmou-a, quando o médico já estava a distância.
Ao conduzir Anahí até o quarto, a assistente sabia que quebrava todas as regras da casa, porém a moça estava tão trêmula e deprimida que se sentiu na obrigação de ajudá-la. O dia já fora pleno de dificuldades para que ainda enfrentasse mais este desafio.