Fanfic: Pela Lente do Amor-AyA {Finalizada} | Tema: AyA

Ela se sobressaltou, arregalando os olhos, atônita. A fala de Herrera transformou-se em algo arrastado e sinistro, mesclando as palavras com um tom de desdém:
— Como quer que um homem adulto a trate com seriedade, se é uma criança se escondendo num corpo de mulher, evitando recordar o que poderia transformar você numa pessoa inteira? Você nada mais é do que metade de uma mulher, Any Portilla. Talvez até bem menos do que isso.

Ela perdeu o fôlego, chocada, não conseguindo acreditar na intensidade daquele ataque inesperado. Ficou boquiaberta, enquanto as faces coravam violentamente.

Finalmente, Any gritou:

— Saia daqui!

A boca de Herrera curvou-se num sorriso amargo e satisfeito.

— Com todo o prazer — disse com suavidade, batendo a porta com força ao sair.

Ele encostou o ouvido na parede do lado de fora e sorriu ao ouvir os sons monótonos e abafados dos punhos dela, batendo no travesseiro repetidas vezes.

Sussurrou, então, com a voz trêmula:

— Ótimo, Any. Isso faz muito bem.

Naquela noite, no instante em que Anahí sentou-se à mesa diante de Alfonso, teve certeza de que ele estava mudado. Todos os sentidos a preveniram antes que o médico proferisse uma única palavra e, quando ele falou, o tom de voz tinha algo de cortante, de frio, como uma faca afiada... confirmando os seus receios.

Herrera repeliu a primeira tentativa da moça em estabelecer uma conversa natural, relembrando-a, com impaciência, de que não estavam ali para motivos sociais. Ele prosseguiu com frieza:

— Conseguimos entreabrir a porta. Descobrimos sobre a peça para piano, o fogo, e vamos continuar pressionando até que tudo venha à tona.

Anahí estremeceu ao notar que, em poucas horas, Herrera se transformara em seu inimigo. Comentou, então, com calma:

— Você está mudado.

Ele reprimiu o impulso de tocar aquele rosto suave e mentiu:

— Não. Não estou. Até agora estivemos nos divertindo. Começamos devagar e sem tropeços.

— Quer dizer que agora a festa acabou?

— Sim, acabou.

A refeição foi bastante formal, com respostas curtas e contundentes para qualquer coisa que Any ousasse perguntar. Quando terminaram, ela se manifestou timidamente:

— Posso caminhar esta noite?

— Faça o que bem entender. Eu vou para casa.

Na manhã seguinte, o humor do médico não tinha mudado, parecendo até que estava pior. Não havia traços do homem que a beijara com paixão ao lado do riacho e que a confortara no topo da colina. Ele se transformou numa pessoa obsessiva, forçando sua memória, pressionando-a para que voltasse a ver e, sem nenhuma intenção consciente, a mente de Any começou a se fechar, repelindo-o.

Nos dias que se seguiram, Alfonso martelou a mente dela, tentando provocar uma resposta, algumas vezes com rudeza, outras com uma série de perguntas, um fogo cruzado que fazia com que ela ficasse completamente exausta. Mas, embora Anahí fizesse um esforço desesperado para se recordar, a memória per-manecia em branco, deixando-a frustrada.

Houve momentos em que Any pensou ter sentido uma certa ternura no modo com que Herrera a tratava, porém eles eram raros. Ela sentiu que sua mente se tornava cada vez mais fraca, que perdia o autocontrole, desenvolvendo o hábito de chorar à noite, até conseguir conciliar o sono.

Alfonso controlava cada minuto do seu dia, privando-a, inclusive, da presença reconfortante de Dulce. Seus dias começavam e terminavam junto daquele homem sádico e perverso, que não fazia concessões, nem perdoava erros.

Os seus encontros eram uma combinação de exercícios para que agisse como cega e de tentativas intensas e furiosas para levá-la a se recordar e, então, recobrar a visão. Ao chegarem ao final da primeira semana, Any transformou-se numa pessoa inquieta, com a sensação exata de que o tempo se escoava inutilmente

Na sexta-feira de manhã, Anahí estava à mesa do café, taciturna, esperando pelo dr. Herrera e o início do tratamento diário e cruel. Somente o orgulho a mantinha e, até mesmo esse, já demonstrava sinais de desgaste, pois sua postura tornou-se forçada e exagerada ao ouvi-lo aproximar-se da mesa.

— Bom dia, Any. Vamos falar de sua mãe novamente, ou de seu pai?

— De nenhum dos dois. Não estou com um pingo de vontade de conversar hoje e nem mesmo você pode me obrigar a isso.

— Ótimo. Existem outras coisas que poderemos fazer se resolver não falar hoje. Já estava achando que os nossos bate-bocas tinham se tornado monótonos e chatos — ele comentou, aparentemente sem se preocupar com a determinação da moça em não cooperar.