Fanfic: Pela Lente do Amor-AyA {Finalizada} | Tema: AyA

Após ter rolado a escarpa íngreme, Any passou horas recobrando a consciência e caindo na escuridão novamente. A certa altura, deu um salto, acordando completamente, sentindo dores no corpo e se recordando de que Helen a abandonara para morrer, sem nenhuma piedade.

Enfraquecida pela fome, pelo frio e pela sede e ainda atordoada pela batida na cabeça, caiu num estado de semi-inconsciência.

Ouvia o som agudo do chamado de sua mãe e franziu a testa naquele delírio. Sua mãe jamais erguia o tom de voz e, com toda certeza, jamais gritaria. Mesmo assim, podia ouvir o som claro da voz de sua mãe, berrando:

— Desça, Any! Ande, desça!

Então, percebeu a respiração pesada e soube, de alguma forma, que era porque seu rosto estava sendo pressionado contra o peito da mãe, numa tentativa de protegê-la. Logo depois, veio o som da brecada e os pneus cantaram... Então, foi aquele terrível impacto, um barulho longo de metal contra metal e, finalmente, tudo sumiu, numa baforada de fumaça negra.

Parecia que ela estava sonhando acordada, lutando freneticamente para se ver livre do peso que a comprimia e, então, sentou-se ereta, observando sua mãe, debruçada sobre ela.

Aquele rosto amado estava sereno como sempre, embora houvesse um filete de sangue brotando no canto dos lábios, estragando a perfeição daquela pele clara, Havia um ponto grande e sem cor na testa delicada e, muito embora ela fosse uma criança naquele sonho, sabia que a mãe se fora. Balançou a cabeça desesperadamente, tentando se livrar daquele pesadelo e ficou imóvel, atordoada pelo choque. Somente as chamas amarelas e laranjas penetravam naquele entorpecimento.

Ainda num sonho, viu mãos delicadas e pequenas lutando para girar o trinco emperrado do carro antigo e estraçalhado, os pulsos cerrados e pequenos batendo contra o vidro agora bastante enfumaçado, e, no sonho e na realidade, começou a gritar, chamando seu pai.

Alfonso estava cambaleando de cansaço, voltando pelo bosque em direção ao edifício principal, quando ouviu o primeiro grito. Retesou o corpo e prendeu a respiração, olhando para todos os lados, enquanto tentava localizar o som.

"Grite novamente".Ele rogou silenciosamente. "Grite. Vamos, grite".

E ela gritou. Era o som alto e estridente de uma criança, e havia tanto terror naquele grito que um calafrio percorreu o corpo do médico antes de ele se virar e sair correndo.

— Papai! — a voz que era de Any e, mesmo assim, não parecia ser dela, berrava freneticamente, pateticamente, mais e mais, tornando-se fraca devido ao esforço.

— Papai! Papai!... Pap...


Alfonso parecia um louco, correndo através dos arbustos e afastando os espinheiros, que deixavam arranhões que ele não sentia em seus braços. Corria cada vez mais depressa, tentando alcançar a voz fraca antes que ela desaparecesse... antes que ele perdesse Any.

De repente, estava na beirada íngreme, olhando para baixo e gritando o nome dela. Com a pressa que sentia, deixou-se escorregar pela escarpa, arrastando consigo todas as pedras soltas que havia no caminho.

Ajoelhou-se ao lado da moça, preocupado, o medo de que fosse tarde demais lhe apertando o coração.

— Any — ele murmurou desesperadamente, percebendo-a tão quieta.

Então, estendeu a mão para tocar uma grande mancha negra que havia no rosto dela. Ela se mexeu ligeiramente e agarrou-se a ele, aliviada, fazendo-o inclinar-se com o peso e soltou o grito final:

— Papaiii!

Alfonso sobressaltou-se, aterrorizado e gritou:

— Any! Acorde! — No pânico do momento, esqueceu-se de que ela havia atingido o ponto que ele tanto buscava desde o início.

— Acorde, acorde! Deus, por favor, acorde — ele sussurrou desesperado, e Any balançou a cabeça.

Alfonso percebeu que ela escapava, voltando para onde ele não poderia ajudá-la.