Fanfic: Desligamento | Tema: Original

Abri a porta que estava encostada e entrei. Atravessei o quarto passando por cima de um tapete grande, num tom entre rosa choque e roxo, joguei a mochila sobre a bicama arrumada com lençóis rosa, travesseiros com fronhas brancas e almofadas roxas. Fui até a mesinha de computador posicionada na parede adjacente, logo abaixo de um painel com apenas três fotos: eu e minha mãe em uma cafeteria em Campos de Jordão, outra de mim com a Jac na porta do colégio e uma só do meu rosto, que não tinha nada de especial, eu apenas coloquei lá porque eu gostei daquela foto.

 Puxei a cadeira, me sentei e liguei o “note”, entrei no “Face” para ver se Laura havia mandado alguma mensagem e: infelizmente ela havia mandado.

“Julie assim que entrar no face vem urgente p k !!! Aconteceu uma coisa… você e minha mãe vão querer me matar :’( … Preciso de sua ajuda… Please! Deixo você me matar depois [Símbolo]”.

Meu coração acelerou de repente. “O que será que Laura havia feito?”. Então respirei e lembrei que eu já havia pensado em todas as falhas possíveis, então me acalmei.

Fui até o meu pequeno guarda roupa de duas portas e tirei algumas peças de roupas para me trocar. Caminhei até a penteadeira do outro lado do quarto, próxima à porta e me olhei no espelho para conferir se eu estava realmente parecida com Laura. Mesmo tendo certeza de que eu ainda sou eu, as palavras de Jaqueline me incomodaram.

Estava vestindo uma blusa branca de cetim, uma saia rodada salmão e uma alpargata rosinha florida e com o cabelo preso de lado com uma presilha em formato de flor. Talvez se Jaqueline visse, diria que eu estava parecida com Laura, mas eu acho que ela não iria vestir algo tão “apagado” assim. Além disso, essa roupa estava guardada há tanto tempo no fundo do guarda-roupa esperando uma ocasião para ser usada, que achei adequado usá-la naquela situação, aliás descobrir uma história que seus pais estão escondendo de você, realmente é uma ocasião muito especial.

Algo dentro de mim dizia que a hora de se libertar estava chegando… Por isso, pouco me importava o que Jac, Laura ou qualquer outra pessoa, em especial meus colegas do colégio fosse dizer.

Olho meu reflexo confiante no espelho como nunca vi, coloco as mãos na cintura e admiro antes de sair pela porta do quarto como se todos os meus problemas já houvessem sido resolvidos e tudo aquilo não tivesse nada haver comigo…

Assim que chego ao apartamento de Laura, entro e estranhamente não sou recebida por Rosário, sua governanta. Fiquei aguardando no centro da enorme sala com uma escada serpenteando para o andar de cima, até Laura colocar o rosto tristonho na porta e dizer:

— Ai… Julie! Você está brava comigo? Eu estraguei tudo, vem cá ver…

— Há Laura! O que quer que você tenha feito, não pode ter sido tão ruim assim… Além disso, eu já tenho um plano B no caso de imprevistos… – tentei acalmá-la enquanto seguia-a até a cozinha.

Rosário estava substituindo a elegante cortina que outrora decorava o ambiente e que agora se encontrava com vestígios de queimado. Laura em pé, próxima a mesa com os olhos inchados de tanto chorar. Olhei para a pia e me deparei com duas panelas queimadas.

— O que houve aqui Laura? – perguntei já imaginando a resposta – “Como eu não havia pensado nisso???” – me questionei em silencio.

— Olha Julie, nem sei o que aconteceu… Estava dando tudo certo… Tá, na verdade eu perdi a hora, era para ter acordado às oito horas para preparar a refeição para que mamãe e eu pudéssemos comer mais tarde, mas acabei levantando às nove… – ela fez uma pequena pausa para soltar uma inspiração profunda e continuou — Daí eu queria fazer algo especial, então preparei um purê de batatas… Aliás, até eu consigo fazer esse, né? Foi só colocar algumas batatas na panela de pressão, um pouco de sal e deixar lá por uns quinze minutos. – ela disse toda orgulhosa, como se está receita realmente funcionasse, pensei em dizer que aquilo era um protótipo de batatas cozidas, mas achei melhor não fazer piadinhas naquela situação. — Aí eu fiz o arroz, esse já foi um tiquinho mais difícil… Mas juro que o arroz teria ficado perfeito senão fossem os camarões flambados… – disse ela abaixando o tom da voz de modo que fora difícil entender.

— Quê? Como assim? Nem precisa falar mais nada. Já até sei que você flambou a cortina… De onde você tirou essa ideia maluca??? Isso é coisa para profissional! Por acaso você pensou em pedir ajuda para a Rosário?

— Ai, desculpa Julie! É que no vídeo que eu vi parecia tão fácil… Queria preparar algo especial para minha mãe, feito por mim. Num sabia que ia acontecer isso…

— Mas num alertaram sobre o perigo de flambar no vídeo que você viu???

— Ai! Claro que sim, né? É que eu pensei que num fosse tãããoo perigoooso assim. – disse ela fazendo uma expressão infantil de quem sabe tudo, mas obviamente não sabia, aliás ela quase queimou a própria casa.

— E o arroz? O que aconteceu com ele? Ainda podemos recuperar o tempo perdido… Você ligou para avisar sua mãe sobre o imprevisto, né?

— Então, enquanto eu me desesperei com o fogo na cortina… Eu me esqueci do arroz e ele acabou queimando também. Por sorte consegui entender como isso funciona a tempo! – disse Laura apontando para o extintor — Quanto à mamãe, achei melhor nem atende-la. Ela iria ficar furiosa se eu dissesse pelo telefone que eu coloquei fogo na casa e por sorte consegui apagar. Imagina como seria ouvir isso pelo telefone? Ela iria pensar que pegou fogo na casa toda e ficaria tão abalada que nosso plano nem teria mais chance…

— Como se o plano já não tivesse falhado?! Olha temos de seguir com o planejado, se hoje não der certo, vamos esquecer isso. Você deixa a Rosário fazer a comida para você e entregar para vocês no apartamento de sua mãe. Então tudo o que você precisa fazer, é ir se encontrar com sua mãe agora e dizer que perdeu o horário… Ela é sua mãe, pode até ficar triste, mas … – antes que eu pudesse terminar a frase fui interrompida por Margo.

— O que está havendo aqui? Alguém pode me explicar??? Laura?!

Com um tom chocado e sério, acompanhado de uma aparência inabalável, Margo segue até a sala onde eu havia estado. Ela se acomoda no sofá e pede para que sentemo-nos também.

— Então? Qual das duas vai contar-me esse tal plano? Preferia que fosse você Laura, aliás você é minha filha e já estou decepcionada por saber que “nosso maravilhoso dia” era tudo parte de seus planos adolescentes e maquiavélicos.

Laura lança-me um olhar como se estivesse pedindo apoio moral, mas não havia muito que eu podia fazer, além do que eu fiz:

— Vamos Laura, conte tudo a ela.

A essa altura Laura já estava praticamente irreconhecível, parecia até um cachorrinho molhado com frio e fome de tão encolhida que ela estava.

— Era para ser um dia legal… Só nosso de verdade… Pensamos que se eu tivesse um dia legal com você, talvez você ficasse mais sentimental porque faz tempo que não temos dias assim… Daí se a gente perguntasse o porquê você e o Gabriel estão juntos quem sabe você nos responderia… Sério mãe porque você está com ele? – ela disse as últimas palavras se virando para mim e disse — Desculpe pelo que vou disser… – e voltando para Margo continuou — Ele é tão sem classe, sem elegância… O que foi que você viu nele? Até entendo aquela vez que a senhora saiu com o Klaus… Ele era bonitão e tinha mais dinheiro que o papai, mas o pai da Julie? Ele não tem nada a oferecer e ainda era casado!

— Ei, espere aí mocinha! Eu ainda sou sua mãe, então olhe o respeito e cuidado com o que está falando! Sua amiga está ouvindo tudo sabia? O que acha que ela vai pensar de nós?