Fanfic: Bad Revenge | Tema: Vingança

Mamãe não conseguiu refletir sobre o que eu acabara de dizer-lhe. Acho que nem em um milhão de anos ela pôde imaginar que a coisa importante que eu tinha pra dizer seria que eu queria partir. Ainda mais por eu ter dito daquela maneira, decidida, objetiva, sem ter dado qualquer brecha pra conversarmos sobre o assunto. Coisa que habitualmente sempre fizemos. Nunca tomei uma decisão sem pedir sua opinião. Éramos muito amigas.

Nós tínhamos uma vida muito feliz juntas, mesmo sem o papai. Nenhum dos dois nunca se casou depois da separação, talvez tenham tido alguns relacionamentos, que para mim se mantiveram secretos. Acho que eles nunca deixaram de amar um ao outro. 

Nasci em Brasília, mas não vivi lá tempo o suficiente pra me sentir pertencente ao lugar. Papai estava estudando para ser diplomata quando eu cheguei. Assim que ele terminou seus estudos , meus pais voltaram comigo para Curitiba. Embora tivéssemos um lar fixo, papai viajava o tempo todo, mamãe o acompanhava sempre que podia, mas com a minha chegada as coisas ficaram mais difíceis e ela sentiu necessidade de se estabelecer em um lugar  harmônico e estruturado para me educar. Não sei como ainda passaram tanto tempo casados. 

Quando completei 11 anos, eles mal se falavam, pareciam apenas colegas que se encontravam esporadicamente. Então resolveram se separar.

 Já havia algum tempo que papai passava a maior parte do ano em Londres, trabalhando na Embaixada brasileira, nos visitando algumas poucas vezes por ano. Por isso, não me choquei com a decisão deles, achei muito acertada, embora na época tenha achado a ideia legal, mais pelo fato de que agora eu teria uma casa em Londres para passar as férias, do que por eles poderem ser felizes seguindo caminhos diferentes.

Mamãe e eu continuamos morando na mesma casa em Curitiba. Um lindo casarão no Batel. Parecia até um castelo, branco, com um extenso gramado verde, flores por todos os cantos e uma linda escadaria de mármore branco na porta da frente. Quando eu era pequena, me sentia uma princesa de verdade, dada a grande extensão da casa pra uma família tão pequena.

Meu pai e minha mãe, apesar de ambos serem filhos únicos e terem vindo de família abastada, não eram esbanjadores, gostavam de conforto como qualquer pessoa, mas sempre se mantiveram humildes. E foram esses valores que aprendi com eles. Não pude ter melhores pais, nesse aspecto.

Papai seguiu a carreira diplomática assim como seu pai e avô. Acho que acabou se tornando uma tradição de família. Mamãe é filha de um famoso pianista francês. Vovó o conheceu numa viagem que fez à França com a sua companhia de ballet. Ela era uma linda bailarina, muito talentosa. Meus avós maternos se apaixonaram assim que puseram os olhos um no outro, pelo menos é o que a minha avó costuma dizer. Eles casaram-se e viveram na França até minha mãe completar quinze anos, quando o seu pai morreu. Ele estava em turnê pela Ásia quando seu avião desapareceu. Meses depois de terem achado a aeronave pelo território russo, conseguiram encontrar o corpo dele enterrado na neve. Ele estava intacto, segundo a vovó, e segurava o relicário com a foto de suas queridas mulheres: esposa e filha. Mamãe usa o cordão, desde então. Ela diz que ele o protege. 

Depois de encontrarem o corpo do meu avô, mamãe e vovó se mudaram para o Brasil. Minha vó desistiu da carreira de bailarina e resolveu abrir uma academia de dança, em Curitiba. Mamãe sabia português fluentemente devido à sua vivência num lar bilíngue, por isso sua adaptação não foi difícil. Apesar de adorar a voz da minha mãe, devo admitir que fica muito mais encantadora quando ela fala francês.

Meu vô deixou uma enorme fortuna como herança para as duas, além do dinheiro, ele deixou belíssimas terras em Carcassone e a casa em Paris, onde eles viveram, até então.

Vovó não conseguiu se desfazer de nada. Todos os anos elas viajavam à França durante as férias para averiguarem as propriedades da família. Elas tiveram uma vida muito agradável e feliz juntas.

Mamãe entrou na faculdade de Medicina e se especializou em Psiquiatria. Durante uma de suas viagens pela França, ela conheceu meu pai, que estava fazendo curso de línguas por lá, o que é uma das exigências feitas para ser diplomata.

Assim que eles se casaram, vovó seguiu para a França, dizendo que ela devia morrer onde estava enterrado seu amado esposo. Minha mãe não ficou contente com a decisão, mas aceitou de bom grado, pois sabia que ela estaria mais feliz lá, além do quê, ainda manteriam contato e poderiam se ver assim que a saudade lhe chegasse aos corações.

A casa em que moramos foi um presente da minha avó, pelo meu nascimento. Ela disse que uma princesa precisava de um castelo pra reinar. Muito fofo, ela ainda me chama assim...

Acho que essa família formada por poucos membros, fez com que nos agarrássemos uns aos outros com mais intensidade, mais amor, mais tudo. Por isso compreendo a surpresa, o espanto e a tristeza que a minha mãe sentiu ao ouvir aquelas palavras serem proferidas por mim.

Ela não disse nada, apenas levou a mão à boca, sua respiração acelerou e começou a chorar.

Eu me mantive firme, não podia recuar agora. Eu tinha que ser forte. Não estava indo embora por causa dela, de certa maneira era, mas não por um motivo ruim, pelo contrário. Sempre vivemos tão alegres. Nós sempre estávamos sorrindo e depois da mudança de escola me tornei reclusa, solitária, de pouca conversa. Isso sem falar o quão chorosa eu andava. Não era justo com ela compartilhar toda essa tristeza por eu não ter força suficiente para enfrentar meus problemas sozinha.

Era o melhor a ser feito. Bom, eu pensei que era.